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Junte Teus Pedaços e Pare de Rezar

Ouvindo algumas das músicas inesquecíveis de Raul Seixas, acabei prestando mais
a atenção, sem me dar conta do porquê, numa das letras que dizia “levanta a sua mão
sedenta e recomeça a andar, não pensa que a cabeça agüenta se você parar”.
Este trecho catalisou em meus sentidos várias sensações e sofrimentos pelos quais
passa o povo brasileiro. Agora, com o auge da estação das chuvas, o preço dos
hortifrutigranjeiros sobe. Na estiagem climática, e, também, na greve dos caminhoneiros,
idem. Se existe um rumor no mercado de que algum membro do alto escalão do governo
prevaricou, há fuga preventiva de capitais especulativos na bolsa de valores, e o governo,
que precisava daquele dinheiro para pagar seus compromissos internacionais, tem de emitir
títulos e vendê-los no mercado pagando altos juros. Com isso, eleva-se a expectativa
inflacionária e os preços dos alimentos sobem.
Quem sente mais os efeitos desse jogo de sobe e desce dos preços é o assalariado.
Esse não tem para onde fugir. Acaba mesmo é pagando a conta.
Para compor esse ônus agressivo, de outro lado, todos os dias a guerra civil nas ruas
das grandes cidades aprisiona cada um de nós dentro de uma redoma de medo. Não
conseguimos mais sair para trabalhar ou passear sem disfarçar o receio de sermos
abordados no ponto de ônibus e ter o passe furtado, o carro, ou mesmo o par de tênis.
Dentro de nossas casas estamos gradativamente regredindo à condição social dos primatas.
Cada vez mais somos obrigados adaptar e construir residências tornando-as prisões de
segurança máxima. Contudo, assim, passamos a viver dentro de verdadeiras jaulas, e temos
de nos contentar em ficar olhando a rua do lado de dentro das grades da janela, dando
tchauzinho para a nossa vida civilizada que passa diante de nossos olhos sem fazer sentido
civilizado algum.
Os bairros residenciais se transformam lentamente em zoológicos da pós-
modernidade e nele, os animais expostos são os homens bem. Diante desse aviltamento de
nossa cidadania, tentamos acreditar na ideologia do Fome Zero, mas o que temos é uma
crescente tendência à liberdade zero.
O governo considera que o salário é renda e tributa excessivamente o já oprimido
assalariado. Os que têm emprego são usurpados pelo leão do imposto de renda. Os que
vivem na clandestinidade, trabalhando na economia informal, escapam do leão do imposto,
mas não deixam de ficar reféns, como todos, da marginalidade, que insiste em punir todo
mundo indiscriminadamente, retirando de nossa posse o pouco que esporadicamente
conseguimos acumular. No psiquismo do marginal parece reinar a idéia de que todos somos
culpados pelas privações que eles eventualmente passam em suas vidas. Eles se esquecem,
entretanto, de que todos somos farinha do mesmo saco. Nessa linha de raciocínio criminoso
eles, paradoxalmente, condenam, não o Estado, mas a sociedade civil, sem julgamento justo
e sentenciam todos – inclusive eles próprios - à morte.
Raul Seixas, usando o modo verbal no modo imperativo, nos dizia, ainda, na letra
da canção Tente Outra Vez, “Tente, e não diga que a vitória está perdida, se é de batalhas
que se vive a vida”. O poeta-compositor parecia conclamar as pessoas para que, apesar de
tudo, continuassem lutando pela vida, e que esperassem menos as soluções que caem do
céu.

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