Você está na página 1de 138
CALABAR HSTORLA BRASILEIRA DO SECULO XVII POR Sout da Suva Mbendes Leal Punior” VOLUME IY. RIO DE JANEIRO. Typ. do Connzto Mancawr, rua da Quitanda n. 58, —e- CALABAR BUSTORIA BRASTLERRA SECULO XVII. . —c-— TOMO Iv. CAPITULO I. LYRIO E Rosa. ‘Muitos dias havito decorrido desde a partida de Vieira. No aeam- pamento, 0 capitio-nre os chefes, que tinhSo conhecimento da fur missio, esperavio-o com impaciencia, © inquietavao-se da demora. ‘Mas esta inguietagho e tmpaciencia nem comparacio tinhXocom outras, que, por serem menos apparentes, no erfo menos intensas. Por baixo daquelle ruido de homens e armas, de combates @ mano- bras, de peripecias sangrentas e commettimentos arrojados, uma dér fonda lavrava snciosa.. Era saudade, era tristeza, era solicitude, era ternura, era affecto ¢ paixto. E tudo isto, todo este mundo de poesia ede amor, jszia semi-vendadoe oceulto no coracio de uma donzella, qne entre a dér de tantas déres #6 vivia de qutra dér mais: sua, mais interior, mais aguda e pungente. Deixamos 6s nossos expedicionarios nas vastas soliddes do sertio ‘e mas agruras incultas da selva, Saberemos depois o que foi feito delles, no melo das ciladas, rodeados de inimigos, tendo 16 por si Deus @ a sun coragem. Appliquemos agora a attencio & quadra mais suave na sua pura melaneolia. Vamos, nao hesitemos. Descerremos a porta da provi- soria habitagto de D. Isabel de Gées nos reses'de Bom-Jewus. Ouse- mos levantar as colgaduras pondentes, emquanto a providente senhora, em um embito mais limitado, renova as seanas de agitacho domestica, a perenne occupsgo da gua vida.Penetremos. a6 a0 intimo sanctuaria, até & comara mais recstade, a6 ao eposento das duas meninas, qui serido ainda a olegtia daquella femilia trensplantada dos seus lares, se a tristeza de uma ndo vellasse de dolorosos crepes a vivacidade inquieta da outta. oe Ei-los. Em uma aviva-se de robor a tez morena, ‘revellarido agein. abundante. Na outra, sob a pallidez transparente como a das perolas, dir-sesha que polpita a megua, E’ verdadeiramente o lyrio @ a ros, como inscrevomos na frente deste capitulo, ambas fldres, ambas formo- * aas, ambas puras e perfumadas ;" mas esta poddente e languida, entor- nando do calice um orvalhv de legrimas, suspirando ausencias, des- maiada de terrores; aquella—sorrindo ainda entre os pezares, dando 4 amizade o calor da psixio, luxuosa de vida, estendendo os ramos vigosos, que das tempestades nia sablao.senio o nome, a que se Ihe rea- lentava nelles curvada j& pelo sopro do vendavel que lhe devassira © ssio. Lyrio debrugado, rosa flurescente, enlecavo-se pois, revenda mais gragas no contraste, servindo de reciproco relevo & mutua far- mosura. : Tereis {4 adivinhado nas dus fldres, quz pleiteavio mimo e frescor, as duss primas da casa de Gées © Berenguer, Anninhase Maria. inutil dizer porque o lyrio se inclinava lactimante; occioso seria explicar porque a rosa borrifava tambem de prantos as magnificencias de seu lustre e cor. Anninhas nunca amfra; mas, como todas as menioas da sua idade, adivinhava o amor. Presentia-o nas vagas aspirocdes da sua mesma innooencia. Compadecia-o nas logrimas que elle arrancava de outeos olhos. Maria era verdadeiramente a filha da America, ondulante, melin- drosa, quesi indolente como as noites suaves do seu paiz ; mas 14 dentro uma superabundancia vieaz sob a pallidez alebastrina, um vulcio como ps que rebentio de entre pedreiras preciosss. Maria era come uma har- monia viva, como um éco melodivso da harpa eolica, como o symbolo de toda a graca feminina, como um anjo sob as yestes brancas, como ag alvas filhas das nuvens na terra do Fingal. Anoinbss tinha ainda nas veias, vivo, ardente, impectuoso, indomado, v herdado sangue do Meio-Dia. Debaixo,da maotilba da sndaluza ninguem Ihe adivinbéra anaturalidade. © sol dos tropicos puzera em ebuligio squella veia mognificente. Havia em todas as suas feicdes como a itradiagiio de vm reverbero dourado. Quando das longes pestanas se lhe debrucava

Você também pode gostar