Você está na página 1de 3

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar preciso; viver no preciso.

" (*)
Quero para mim o esprito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver no
necessrio; o que necessrio criar.
No conto gozar a minha vida; nem em goz-la penso. S quero torn-la grande, ainda que para isso
tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo.
S quero torn-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essncia anmica do meu sangue o propsito
impessoal de engrandecer a ptria e contribuir para a evoluo da humanidade.
13 de junho de 1888 - Nasce em Lisboa, s 3 horas da tarde, Fernando
Antnio Nogueira Pessoa.
1896 - Parte para Durban, na frica do Sul.
1905 - Regressa a Lisboa
1906 - Matricula-se no Curso Superior de Letras, em Lisboa
1907 - Abandona o curso.
1914 - Surge o mestre Alberto Caeiro. Fernando Pessoa passa a escrever
poemas dos trs heternimos.
1915 - Primeiro nmero da Revista "Orfeu". Pessoa "mata" Alberto Caeiro.
1916 - Seu amigo Mrio de S-Carneiro suicida-se.
1924 - Surge a Revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1926 - Fernando Pessoa requere patente de inveno de um Anurio
Indicador Sinttico, por Nomes e Outras Classificaes, Consultvel em
Qualquer Lngua. Dirige, com seu cunhado, a Revista de Comrcio e
Contabilidade.
1927 - Passa a colaborar com a Revista "Presena".
1934 - Aparece "Mensagem", seu nico livro publicado.
30 de novembro de 1935 - Morre em Lisboa, aos 47 anos.

UTOPSICOGRAFIA
O poeta um fingidor.
Finge to completamente
Que chega a fingir que dor
A dor que deveras sente.
E os que lem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
No as duas que ele teve,
Mas s a que eles no tm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razo,
Esse comboio de corda
Que se chama corao.
VENDAVAL
vento do norte, to fundo e to frio,
No achas, soprando por tanta solido,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu corao!
Indmita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
No so to deixados do alegre e do humano
Como a alma que h em mim!
Mas dura plancie, praia atra em fereza,
S tm a tristeza que a gente lhes v
E nisto que em mim vcuo e tristeza
o visto o que v.
Ah, mgoa de ter conscincia da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles - teu pulso divida
Minh'alma do mundo!
Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da idia
De eu ter que pensar!
Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque que no entras no meu pensamento
Para ele morrer?
Horror de ser sempre com vida a conscincia!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, vento; do cho da existncia,
De ser um lugar!
E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tdio profundo.
E contra as vidraas dos que h que tm lares,
Telhados daqueles que tm razo,
Atira, j pria desfeito dos ares,
O meu corao!
Meu corao triste, meu corao ermo,
Tornado a substncia dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
Fernando Pessoa, 16-2-1920.

Você também pode gostar