Uma crónica é um género que nasceu no jornal, sendo diferente, no
entanto, de outros géneros jornalísticos, como a notícia ou a reportagem. A crónica capta momentos, situações e instantâneos da vida que no dia-a- dia presenciamos, mas que raramente observamos com maior interesse. Eis algumas características deste tipo de texto:
• aborda temas do quotidiano, da actualidade, de uma forma pessoal;
• tem por objectivo divertir e/ou reflectir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos;
• pode contar uma história; nesse caso apresenta os elementos
básicos de uma narrativa: tempo, lugar, personagens, acções;
• normalmente, as personagens são poucas e o tempo e o espaço são
limitados (breves instantes e um único lugar);
• o narrador pode ou não participar nos factos que narra, mas a sua visão pessoal na transmissão dos acontecimentos está sempre presente; (subjectividade)
• a linguagem é geralmente simples e clara, mantendo muitas vezes
um tom de conversa (coloquial) com o leitor. «Fala o aprendiz de cronista»
Sou cronista. Mas ainda estou a aprender.
Cronista, não sei se sabem, era um escritor de antigamente, que contava os grandes feitos e defeitos dos reis de antigamente. Antigamente está aqui duas vezes de propósito. É que se for um escritor de hoje a contar o que se passou no tempo dos reis de antigamente, já não se chama cronista. Chama-se historiador. Realmente, para se ser cronista de reis e outros senhores era preciso ter vivido mesmo à beirinha da época desses reis e senhores, donde se colhia a crónica. Era preciso estar, como os repórteres dos jornais, em cima do acontecimento. Passá-lo ao papel quase equivalia a tirar um retrato, ainda que ficasse tremido. A culpa, às vezes, era da emoção do cronista, outras da velocidade do acontecimento. Há acontecimentos que acontecem cá com uma gana de acontecerem... Entretanto, para se escrever crónica agora, nesta última talhada do século vinte, já não tem uma pessoa de ater-se aos reis, que poucos há. Basta olhar à roda e, num golpe de vista — zás! — cativar para estas linhas certinhas um acontecimento qualquer, esvoaçante e passageiro. Grande ou pequeno, tanto faz, desde que valha a pena descrevê-lo. Se der depois, a quem o lê, prazer e que pensar, está a crónica ganha. Por isso eu sou cronista. Ando por aí, à cata, à caça, à coca, com um lápis atrás da orelha e um canhenho no bolso. Só me sirvo deles quando os poiso na secretária, mas enquanto ando por fora fazem-me companhia. — Então que registaste hoje? — pergunto-me eu a mim mesmo para ganhar balanço. Nem sempre respondo de pronto. E enquanto espero, vou tamborilando com os dedos na secretária que é sinal de impaciência. Tem destes contratempos a vida de um cronista.
António Torrado, Dez dedos de conversa. Editora o Jornal