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Sumario déste ntimero EDITORIAL: Centenario Expressive — Eng. CHRISTOVAM LEITH DE CASTRO (pag. 743). COMENTARIO: © Retangulo Cruls — Prof. EVERARDO BACKHEUSER (phg. 745). TRANSCRICOES: Contribuicio a0 Estudo da Planicie Litoranea do Estado do Parand — JOAO JOSH BIGARELLA (pig. 747). — Treinamento Geogrifico, Pesquisa em Tempo de Guerra e Objetivos Profissionais Imediatos — EDWARD A. ACKERMAN (pig. 780). RESENHA E OPINIOES: Consideracées gerais sébre a vegetacko do Estado de Mato Grosso: Notas preliminares sébre 0 cerrado (pig. 796). — Problemas da produgio no Brasil (pig. 802). — Os mascates ou mercadores ambulantes do Brasil (pég. 14), — Sul de Mato Grosso (pig. 816). CONTRIBUICAO AO ENSINO: Geografia — Politien — Engenhas GLIA (pig. 819). — Prof. F. A. RAJA GABA- NOTICIARIO: CAPITAL FEDERAL — Cimara dos Deputados (pig. 823). — Presidéncia da ‘RepGblien — Conselho Nacional do Petréleo (pag. 823). — Fandacio Brasil Central (pég 823). — Institute Brasileiro de Geografia e Estatistiea (pag. 829). — Conselho Nacional de Estatisticn (pag. 824). — Conselho Nacional de Geogratis (pig. 825). — Ministério da Agricultura (pig. 825). — Ministério da Guerra (pig. 825). — Ministério das Helagées Exterlores (pag. §28). — Ministério da Viagio e Obras Pablicas (pig. 826). — INSTITUI- COBS PARTICULARES — Instituto Histérico e Geogritico Brasileiro (pas. 826). — Sociedade Brasileira de Geografia (pig. 826). — CERTAMES — Congreso Mundial de Estatistica (pig. 826). — UNIDADES FEDERADAS — Distrito Federal (pag. 827). — Espirito Santo (pag. 827). — Goiés (pig. 827). — Minas Gerais (pég. 827). — Parana (pig. 827), — Sio Paulo (pig. 828). — MUNICIPIOS — Bramado (Bahia) (pag. 829). — Farroupilha (Rio Grande do Sul) (pég. 830). — Salvador (pig. 830). — EXTERIOR — Argentina (pag. 830). BIBLIOGRAFIA: REGISTOS E COMENTARIOS BIRLIOGRAFICOS — Livros (pag. 831). — CONTRIRUICAO BIBLIOGRAFICA ESPECIALIZADA — The Geographical Review — fndice, por autor, dos trabalhos publicados nos volumes I a V (pag. 835). — RETROSPECTO GEOGRAFICO E CARTOGRAFICO — Revista do Instituto Histories ¢ Geogrifico Bra isiro — Indice, por autor, dos trabalhos publicados nos volumes 90 a 185 (pig. 837) LEIS E RESOLUCOES: LEGISLACAO FEDERAL — Ementirio das leis e decretos publicados no perfodo de 11 de junho # 10 de julho de 1947 (pig. 843). — LEGISLACAO ESTADUAL — integra das leis, deeretos ¢ demais atos de interésse googrdficn — Sio Paulo (pig. 850). — Bahia (pig. 862). — RESOLUCOES DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA — Conselho Nacional de Geografia — Diretério Central — fntegra das Resolugées ns, 281 a 288 (pig. 963). Boletim Geografico Ano V | GUTUBRO, 1947 | Nw 55 Editorial Centenario Expressivo Realizou-se na cidade de Sao Paulo, em 12 de setembro de 1947, ceriménia singela, mas expressiva: 0 Diretério Regional do Conselho. Nacional de Geogratia naquele Estado levou a eteito, no meio de legitimas alegrias, a sua 100* reuniao. A jubilosa reuniao centenéria realizou-se no salao nobre da Secretaria de Agricultura do Estado, exatamente no local em que 0 mesmo Diretério se instalou, solenemente, em 10 de junho de 1938, sob a presidéncia do Dr. Mariano de Oliveira Wendel, secretério de Agricultura de entéo. A comemoragéo centenéria justificava-se, porque nas cem reuniées o Diretério aprovou 87 Resolucées, tratando de importantes e oportunos assuntos sbre a geogratia de Séo Paulo, que assim receberam solugées adequadas e efetivas. Merecia, pois, ser afirmada, na comemoracéo, uma legitima e fecunda vitéria paulista, vitéria da cultura de Sao Paulo, em favor de atividade tao valiosa, como é indiscutivelmente a atividade geogrdfica e cartografica. Entretanto, um outro significado a ceriménia transcendia, para orgulho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, de que é 0 Conselho parte integrante. Criado em regime de govérno unitério, o 1. B. G. E. todavia teve a sua organizacao inspirada nos mais salutares principios federativos, nos quais afinal se fundamenta a estrutura do nosso tradicional regime democratico. Estabelecendo a harmonia dos estorcos em favor da Geografia e da Estatistica nacional, o I. B. G. E. considerou sempre os governos dos Estados e da Unido de igual para igual, néo sé nas deliberagées para a escolha das solugées dos problemas mais convenientes ao pais, como sobretudo na execugao das tarefas, sempre obediente 4 mais ampla autonomia dos poderes. Tal respeito ao principio geral federativo foi observado, com o mesmo rigor, em relago aos governos dos municipios brasileiros, junto aos quais a acéo do I. B. G. E. se estendeu: exemplo magnitico disso 6 0 Convénio de 4 BOLETIM GEOGRAFICO Estatistica Municipal, segundo 0 qual o Instituto leva adiante a gigantesca campanha da instalacéo de boas Agéncias em tédas as sedes municipais do Brasil, por delegacdo das respectivas Prefeituras. Verifica-se assim que 0 I. B. G. E. teve a sua criagéo inspirada em principios de nobre tradico brasileira, e por isso esté apoiado em elementos sdlidos de sobrevivéncia. Passam-se os anos, mudam-se as administragées, transforma-se o regime, mas oI. B. G. E. esté fadado a permanecer porque nobre e fecunda the é a tarefa do melhor conhecimento da terra e da gente brasileira e porque sébia ¢ estavel Ihe é a estrutura funcional, organizada segundo as normas tradicionais no pais da sadia democracia. CHRISTOVAM LEITE DE CASTRO Secretario-Geral do Conselho Na¢ional de Geogratia Comentario 0 Reténgulo Cruls Prof, EVERARDO BACKHEUSER Consultor-técnico do C.N.G. Quem no Brasil imagina a mudanga da capital tem logo levado seu pen- samento para aquéle pequeno retangulo tracejado que os mapas do Pais figuram no interior de Goias com o. distico de “Distrito Federal”. Chamam-lhe agora “retangulo Cruls”, em homenagem ao ilustre chefe da Comissio Técnica que o demarcou logo nos primeiros anos do regime repu- plicano, obedecendo a categéricos imperativos da novel Constituicéo sébre a transferéncia da capital. A Comissio Cruls era composta de destacados ele- mentos em varias especialidades cientificas: astronomos, topdgrafos, higienistas, naturalistas, engenheiros, fotégrafos. Désses elementos, quase todos j4 desapa- receram. Resta, porém, pelo menos um Hastinfilo de Moura, hoje general do mais alto pésto e entdo tenente ou capitao. Esse testemunho vivo daquele glo- rioso grupo de sdbios pode, a respeito do novo projeto de mudanga, trazer es- clarecimentos preciosos das razées, n&éo divulgadas no relatério, pelas quais foi aquéle local, e nfo outro, o preferido na época, Em todo caso, independente de se ouvir essa palavra autorizada, fica de pé o ato em si, despojado de palavras, da escolha se ter firmado para aquela, e nao outra regiao do planalto. Parece (ao simples exame do “retangulo” no mapa fisico) se ter tido 0 desejo de preferir, no conjunto do planalto central brasileiro, vasta regido que se alarga por imensa Area, aquéle ponto que, por circunsténcias hidrograficas, tomava feigdes de iniludivel singularidade geografica, O “retangulo Cruls” abrange de fato as cabeceiras das trés bacias principais do Brasil, a do Ama- zonas (através do Tocantins), a do Parana e a do Sao Francisco, Caminhando cérea de um curto quilémetro, vai-se da nascente de uma & de outra. B por essa sé indicagéo de geografia fisica um ponto simbélico no espaco brasileiro. Acresce ter, como alias varias outras do planalto, excelente clima, séco por ser continental e relativamente fresco (pelo menos & noite) por ser elevado. Hssas condigdes climaticas e de salubridade, contrapostas as entéo existentes no Rio de Janeiro, assolado periddicamente pela febre amarela e coutras epidemias importadas por via maritima deram ao local preferido pela Comissio Cruls relévo especial na simpatia do povo esclarecido. Todos desejaram entdo, inclusive paradoxalmente alguns cariocas interes- sados em uma falaz autonomia, que a capital fésse mudada, sem demora, para o planalto central. E no conceito geral, o “planalto central” era o “reténgulo Cruls”. Nao ha negar que ésse conceito de “planalto central” seja 0 do povo em geral. mesmo o do povo culto (o inculto n&o formula conceitos de ordem tao elevada), embora ndo possa, evidentemente, ser 0 dos que conhecem, mesmo superficialmente, a geografia. Para fortalecer aquéle conceito sdbre o planalto onde se devera (ou deverd) localizar a capital do Pais, havia a tradic¢déo que informava haver sido essa a idéia de José Bonifacio e depois de Varnhagen. E acima de tudo, o povo 16 BOLETIM GEOGRAFICO identificava “planalto central” com “retangulo Cruls” pela circunstincia de ver (a visio é na maioria dos individuos 0 principal sentido para a percepedo das novas nogées) nos mapas e nos atlas escolares aguéle quadrilatero signifi- cativo implantado bem no meio do Brasil. Nao importam os motivos dos quais os mais importantes acabo de sumariar, © que importa é saber que o povo brasileiro ter4 grande surprésa, e talvez grande decepciio, sendo para ali, mas para alhures, fique decidida a trans- feréncia da capital. Essa razio, que poderei chamar sentimental, ha de ter pesado até hoje, fortemente, na nova Comiss&o que est4 estudando a localizacio do centro de gravidade politico do Pais. Haverdé dentro dela os que nao desejam desprezar @ tradig&o (serio seguramente os mais idosos), e haveré os que, mais jovens e mais ardorosos, queiram cortar tédas as amarras do passado bolorento e fazer obra nova, inédita, com o apetitoso sabor do imprevisto. Rstes pordo sumariamente de lado os trabalhos antigos, dizendo-os arcaicos, sendo fdsseis. Aquéles recordaréo, melancélicos, “a imperecivel cooperacéo da historia — a grande mestra dos povos”, e se acobertardo, timidos, & sua sombra. Eu que sou velho, mas tenho, como ciclotimico, tendéncia para a novidade, Penso que tudo, neste caso, precisa ser meditado, sopesado, examinado — a tradig&o ao lado de novas solugdes — sob a condic&o basilar de se nao pedir Pressa, prefixando prazos — agdsto ou setembro — para decidir fato téo grave Para a vida nacional. BREF™ Concorra para que o Brasil seja geogriticamente bem representado, enviando ao Conselho Nacional de Geografia informacdes ¢ mapas que possam ser de utilidade A nova edicko da Carta Geogratica do Brasil ao Milionésimo, que o Conselho esta elaborando. Transcrigées Contribuicio ao Estudo da Planicie Litorénea do Estado do Parana Arquivos de Biologia e Tecnologia A Aropien fe tia! oe Blois pike oat Buoanmsa | - Peaquisas Temnologten ‘Parané, Pesquisas Tecnolégicas I — GENERALIDADES © litoral paranaense apresenta no seu estdgio inicial, uma ingressio ma- rinha, que penetrou profundamente nos vales de uma paisagem de época geo~ légica ainda nao bem determinada. Backheuser (1, pags. 3 e 4) refere-se a movimentos de submerséo “ocorridos provavelmente até o decorrer do ter- ciério”, submersao esta que deu origem a serra do Mar, com o seu aspecto caracteristico. Na opinido de Maack,* durante o tercidrio, talvez ainda no crétaceo, em consegiiéneia do tectonismo dos Andes, produziu-se um desequilibrio con- tinental, que ocasionou grandes linhas de falha, originando na parte oriental do continente a elevacdo de blocos limitados regionalmente e afundamento de uma faixa continental, Em conseqiiéncia désse afundamento, efetuou-se nos vales de uma paisagem cretacico-terciaria uma ingresséo marinha, que formou a maioria das baias brasileiras; no Estado do Parand as baias de Paranagud e Guaratuba. Uma vez terminado o afundamento e os movimentos tecténicos, iniciou-se novamente durante o quaternario, a ascenséo epirogénica dessa faixa, que continua nos nossos dias (9, pag. 246). Apés 0 afundamento de parte do bloco continental, originando a serra do Mar, o litoral apresentava-se como uma costa rica em enseadas, pontais e ilhas. Essa costa durante o quaternério situar-se-ia aproximadamente na linha de contacto do complexo cristalino com a planicie litoranea quaternéria (fig. 1). ‘Apés terminado 0 afundamento, iniciou-se a retificacio da linha da costa através de uma sedimentacio intensa, Formaram-se cordées litoraneos, que eresceram em direcdo a0 mar, sobre a plataforma continental, na forma de restingas (beach ridge). A formacdo dos cordées litoraneos implicou no apa- recimento de lagoas, lagunas e baias. As primeiras desapareceram em con- seqiiéncia de intensivo entulhamento, Atualmente o litoral do Estado do Pa- rana no apresenta lagoas ou lagunas tipicas. : © litoral paranaense desenvolve-se entre a vila de Ararapira e a barra do rio Sai-Guacu. Vila de Ararapira: Lat, = 25°12'44”; Long. = 48°01°15” W Gr. Barra do rio Sai-Guacu: Lat, = 25°58’38”; Long. = 48°35’26” W Gr.** A planicie litoranea é uma planicie com cérca de 10 a 20 quilémetros de Jargura, e atinge 9 maximo de 50 quilémetros na baia de Paranagua. E cons- tituida ‘de formacdes arenosas, paludais terrestres, manguezais (paludais ma- rinhos) e nas proximidades do complexo cristalino por terrenos de aluvides terrestres. A altitude em sua maior extensdo varia de zero a 10 metros sobre 0 nivel do mar. Nos pontos mais interiores atinge 20 metros de altitude. E” bordada a este pelo oceano e a oeste pelo limite montanhoso do complexo cristalino, constituido pela serra do Mar e suas ramificacdes (fig. 1). Na * Carta ao Dr. Loureiro Fernandes, julho de 1942 — Arquivada no Museu Paranaense. ‘+ luxtraido do mapa do municipio de Paranagué, organizado pelo Departamento de ‘Terras e Colonizagio do Estado do Parana. 8 BOLETIM GEOGRAFICO BRASIL ESTADO DO PARANA MAPA GEOLOGICO Vr eh : DOLITORAL PARANAENSE PY seve giunskaneh i000 80 ee ABRANGENDO 0 MUNICIPIO DE PARANAGUA'|' +155" + rah 3 U4 | EDARTE 005 MUNIC. DE MORRETES € ANTONINA |* .X.* Levantado por JORD JOSE. BIGARELLA 5. Utilizanda teventamentos proprios @ baseado Lars Segoe lations Pat eka et eee pe LEGENDA FY fernacses evens Rae aeege than (Doe (rotons narinnsy Senet sa ate Comploro cristoline emgera! Litago meer ks formagbes Zone nde verificade DIVISAO CIENTIFICH 0 GEOLOGIA £ PETROGRAFIA ‘SECRETARIA DE AGRICULTURA, INDUSTRIA E COMERCIO INSTITUTO DE BIOLOGIA E PESQUISAS TECNOLOGICAS, Fig. 1 : planicie observam-se ilhas de complexo cristalino (shantungs) que repre- sentam antigos pontos de apoio para a sedimentagio e bordados atualmente por larga planicie. A retificagao da linha de costa levou & formacdo das baias de Paranagud € Guaratuba, baias tipicas de ingressio marinha, que dividem a planicie litoranea em trés partes, compreendidas: a este, pelas praias de Superagui, a leste e ao sul (praia Grande do Sai). A baia de Paranagua estende-se por cérca de 46 quilémetros terra a dentro, com largura m4xima de 10 quilome- tros. Compreende diversos setores com denominacées proprias: Antonina, La- ranjeiras e Pinheiros. Nela se situam os portos principais do Estado: Parana- gua e Antonina. A baia de Guaratuba estende-se por 15 quilémetros terra a dentro e possui a largura maxima de 5 quilometros. Ambas as baias apresen- tam numerosas ilhas e extensos manguezais. O entulhamento dessas baias Processa-se de maneira intensa tendendo para a colmatacio completa das mesmas. TRANSCRICGOES “9 Qs rios que cortam o litoral, tém as nascentes na parte montanhosa do complexo cristalino, ou nas baixadas pantanosas. O curso superior, encachoei- rado, situa-se sObre o complexo cristalino, e sua direc&o esté subordinada & estrutura geolgica. As suas aguas sdo limpidas, em contraste com as do curso inferior. Os riachos menores correm, por entre blocos e matacées, e abaixo dos detritos que enchem os vales.* Os rios ao atingirem a planicie tornam-se meandrantes, com aspecto de se- nilidade. Através das regides pantanosas, sua agua é escura, em conseqiiéncia da presenca de matéria organica e tém sua velocidade muito reduzida. Os rios na planicie sofrem comumente a influéncia das marés muitas vézes até algumas dezenas de quilémetros acima da foz. ‘A planicie litoranea 6 constituida de sedimentos de origem marinha, intermediaria e terrigena, depositados diretamente sObre 0 embasamento cris- talino; morfologicamente a classificamos da seguinte maneira. Sedimentacdéo marinha — Praias Restingas Sedimentagao intermediaria — Manguezais Bancos de lédo e areia (recentes e antigos) Mangrovitos Sedimentacdo terrigena © — Aluvides terrestres Dunas edlicas. Antes de iniciarmos o estudo das formacées sedimentares, apresentaremos algumas observagées sdbre os pontos rochosos do litoral paranaense. II — PONTOS ROCHOSOS DO LITORAL PARANAENSE A aco constante das vagas sobre as costas rochosas tem um efeito me- canico consideravel, efeito ésse que muito bem podemos observar no litoral paranaense, onde, além de causar a destruicio das rochas, abrindo falésias, cliffs e grutas de vagas nos pareddes rochosos, produz o aplainamento das superficies rochosas com a formacéo de terragos ou planos de abrasio. Os cliffs sAo abertos por uma gradual eroséo e apresentam um nivel de base onde se inicia o ataque e onde se produz o aplainamento (f, pag. 312). * A andlise quimica da 4gua de um désses riachos, que abastece a vila balnedtia de Matinhos, realizada. por R. Spluzner e J. Ravaglio, nos laboratorios do Instituto de Biologia @ Pesquisas Tecnologicas de Curitiba, ‘revelou o' seguinte resultado: “Aspecto Mmpida-incolor lmpida-incolor nenhum agradavel nenhum, 6.55, (0038 520 Yay Densidade a i5» ©. Residuo de evaporact Residuo voldtil .....0...0. 0184 = 87 Residuo flxo ao rubro sombrio 0.0338 & °/5 Matéria orginica em meio deido ... 0.0013 & °/%5 Oxigénio consurnido em melo alc 0.0012 & °/ Nitrogénio amonlacal em NH® . nenhum, Nitrogento albumindide em NH? nenhum Nitratos em NO? ....cccecee indfcios Nitritos em NO? nenhum Silica — Sid? 7 0.0167 & °/ Oxidos de ferro aluminio — 0.0017 & °/i9 Gxido de calcio — Cad... 0018 & 07% Gxido de magnésio — MgO. 0.0007 & °/ Potassio — K ... 7 indicios Sédio — Na . 0,0088 & °/oy Cloro — C1 . 0107 07% Gas. sulffdrico” "72S nenbum Sulfatos — So! . ee 00023 £ °/g Gas carbOnico lives "GOs" * 0025 & °/o5 Blearbonatos. — HCO" : 00183 & °/eq, Carbonatos — Co® .. nenhum Dureza total em graus franceses oe Li) BOLETIM GEOGRAFICO 760 ourjeystzs ox2jdwo>- g ovspqeip 2p sonbia-£ £04)592194 sougyueg-9 DapSD140} OPIANIY-¢ (s94uyou sieuDpued) joeanburyy-5 oproubuew-< ereipawuaput ogseuswipes-z TRANSCRICOES 5. Se a regiio sofre um levantamento ou ocorre um abaixamento do nivel do mar, a superficie em aplainamento (terraco) ¢ abandonada abrindo-se novo cliff mais abaixo com a formacao de novo terraco e assim sucessivamente. Os terragos representariam periodos de estacionamento do movimento relativo do continente e oceano. Estas formas escalonadas, que se observam no litoral do Brasil Meridional, sio conseqiientes dos movimentos epirogénicos, consi- derados por certos autores como movimentos isostaticos e por outros como movimentos eustaticos. Nao sendo da alcada desta contribuigao, nao trataremos de tal assunto, reservando-nos sdmente a apresentacio dos fatos. Os afloramentos rochosos diretamente na costa paranaense sio poucos, constituindo ilhas de complexo cristalino, bordados de um lado pela planicie sedimentar e do outro pelo mar. A serra da Prata mergulha no oceano entre Caiobaé e Guaratuba (fig. 2). No oceano se observam ilhas rochosas que séo os picos mais elevados de uma regiéo submergida. Entre elas destacamos as ilhas dos Currais e Itacolumi. A face marinha dos afloramentos rochosos apresenta falésias e cliffs, assim como terragos marinhos, demarcando certos niveis de abrasao. Notamos em certos pontos a presenca de grutas de vagas e marcas de marés. Nos diversos pontos do litoral por nés examinados encontramos alguns niveis de erosdo caracteristicos; assim verificamos a presenca de terragos em altitudes compreendidas entre 3, 7 e 10 metros e muito caracteristicos entre 25 e 32 metros. Em excursio realizada a Itanhaém no litoral paulista com o Prof, Dr. K. E. Caster e os assistentes do Departamento de Geologia da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras da Universidade de Sao Paulo, Drs. J. C. Mendes e R. O. de Freitas, verificamos a presenga de terragos no litoral situados: a 7 metros e a cérca de 30 metros sébre o nivel do mar. Os afloramentos do complexo cristalino, constituidos de gnaisses, gnaisses- granitos e granitos, sao cortados por diques de diabasio de direcio NW — SE (N 320° E magn.) Caracteristica é na zona litoranea, a presenca de morros com a forma de paes de acticar. Segundo Freyberg (2), os cones rochosos limitados por faces planas, quase que verticais (paes de aclcar), sdo originados pela decomposicgao intensa dos velos de pegmatitos, assim como de zonas de menor resisténcia, onde a decomposigéo se aprofunda rapidamente. Tal fenémeno se produz, principalmente, em regiao de clima tropical, onde a decomposigéo das massas graniticas n&o pode acompanhar a dos pegmatitos e fendas. O material decomposto é removido rApidamente, isolando massas, que poste- riormente sio arredondadas por decomposi¢ao lenta e sucessiva e tomam forma tronco-cnica, As faces expostas diretamente & isolagio sofrem descamacao. Verificamos na serra da Prata e em morros isolados a presenga de blocos e matacées, desagregados principalmente pela acdo continua do mar, que deixaram mais para o interior vestigios de antigas falésias (fig. 3). A variacdo da temperatura teve a sua influéncia s6bre os matacoes semi-mergulhados, produzindo-lhes dilatacées e contracées irregulares, originando rompimento de nicleos (Kernspriinge), conforme’ se verificou em diferentes alturas, sobre o nivel do mar. A erosio diferencial, decompondo mais rapidamente os diques de diabdsios, produz vales reintrantes na topografia do complexo cristalino. As lavagens e os respingos salgados contribuem na erosdo diferencial das rochas, para a for- magao de sulcos, buracos e outras escavagées de diferentes tamanhos e carac- teristica para cada tipo de rocha. * Nas costas rochosas verificamos a presenga de pequenas cavidades arre- dondadas de diametros varios e situadas abaixo e acima do nivel do mar. Na literatura geolégica essas cavidades sao consideradas como produzidas por escavacées de ourico do mar. Lo Bianco in Cabrera (16, tomo II, pags. 401 € seg.), descreve os ourigos como animais que se alimentam de algas, que ata- petam as rochas. Afirma que algumas espécies, como o ourigo comum sao sedentarias, e voltam, sem engano, ao lugar onde vivem, apés deslocamentos em busca de alimentos. O habito de viver sempre no mesmo lugar se acentua nos animais que povoam costas rochosas. Nelas por mais duras que sejam, escavam cavidades, nas quais se alojam e de onde é dificil desaloja-los. O mar, por mais agoitante que seja, ndo lhes produz o menor dano, sendo indis- BOLETIM GEOGRAFICO (ourpgstae oveydues) oytucub 9 sesroup “g wumee yopmyod ovseuauiPS “f ‘crspqorp op senbig “2 Svov99 sory “€ ‘wou op opto vp ryuoupodrourad soquozinses so201g “9 otyue enbuow ep soru0g » emBuus 7p OPET “Z ‘eqsousey OIEMTY |S ‘Dywwom optequawipeg -F cr wore vise ep eyuep suey ome PPT HH rate IE B oct 7 + frm eos ay ouurzegy, wysBiq peer get ued sopoquosey NWAOIVD-OHNILVW OVID4uY Va SAAVULV SO9ID010430 Slddad ‘ayoy ep ous TRANSCRIGOES 158 pensdvel mesmo & vida déstes animais. O testemunho de muitos observadores parece atribuir agio de escavar principalmente a um atritar continuo dos espinhos e dentes sébre a rocha desde a juventude do ourico, conseguindo, pri- meiramente, uma cavidade na qual se aloja e que mais tarde vai aumentando conforme requeira o crescimento. Os ouricos assim protegidos n&o se encon- tram isolados, mas em agrupamentos numerosos, as vézes com centenas. Bste autor considera tais escavacées como produzidas por ourigos do mar, argumentando a sua afirmacao. Assim as diferentes altitudes das cavidades j4 abandonadas sobre o nivel do mar indicariam uma maior altura primitiva das Aguas do mar. Em contrario A. I. Oliveira e O. H. Leonardos (13, pag. 766) afirmam poderem os ourigos do mar viver nos rochedos fora da agua até alguns metros acima do nivel do mar. ‘A bibliografia compulsada sdbre a biologia déstes equinodermes no traz informagoes satisfatorias sobre a possibilidade déles viverem fora da agua durante certo tempo. No entanto tudo leva a admitir que, sendo o ourigo do mar animal de respiracio essencialmente branguial (12,’ pag. 96) com um sistema de vasos aquosos auxiliares da respiracio (21, ‘pag. 56), a perma- néncia fora da agua além dos limites das marés seja impossivel. Convém lem- brar ainda a ésse propésito, que nas experiéncias fundamentais de Von Uexhiill (20, pag. 466) nao so a cavidade geral do corpo como o sistema de vesiculas de que o animal € provido intervém na mecanica respiratoria. O funciona- mento déstes érgaos se nao exige um fluxo continuo de Agua que se dé na preamar, todavia nao despreza a presenca do liquido que se deposita nos nichos durante o periodo da baixamar. Assim pois pelo que se conhece atual~ mente sdbre a respiragao déstes equinodermes nao se pode afirmar serem capazes de resistir normalmente fora da agua por intervalos maiores do que © das marés, Devemos acentuar que em casos excepcionais, ouricos pescados, muitas vézes perdem 0 liquido da cavidade do corpo, que 6 preenchida pelo ar atmosférico. Nestas condigdes os animais flutuam na agua e podem resistir Gurante alguns dias, Perrier (14, pags. 633-634) que féz estas observagoes, admite (pag, 637) a existéncia de respiragao intestinal. Aqui porém, o veiculo principal de oxigénio é a 4gua e no o ar. Em palestra o Prof. Dr. K. E, Caster levantou dividas sobre a possibilidade dos ourigos conseguirem construir semelhantes nichos nas rochas. Percorremos, em sua companhia, trechos dos costées de Itanhaém e da ilha de 840 Sebas- tidio, no litoral do’ Estado de Sao Paulo, verificando uma diferenga entre a erosdo diferencial comum dos gnaisses e os chamados buracos de ourico. Na enseada do Sombrio, na ilha de Sao Sebastido, nas rochas alcalinas verifi- camos grande numero dessas formas abaixo e a muitos metros acima do nivel do mar, cuja origem para nés é ainda incerta. Segundo informacdes do Prof. Dr. Paulo Sawaya, os ourigos do mar encontrados nas costas rochosas vive geralmente nesses nichos abaixo do nivel do mar. Nichos désse tipo, quando encontrados acima do nivel do mar no constituem ainda uma prova do movimento relativo do continente e oceano. SEDIMENTAGAO MARINHA III — PRAIAS No litoral do Estado do Parana as praias se estendem por cérca de 90 quilémetros. Sao interrompidas por pontos de costa rochosa, formados por aflo- ramentos do complexo cristalino e também pelas baias de Paranagua e Guaratuba. Ao norte, situa-se 2 praia de Superagui com cérca de 36 quilémetros de extensdo, no centro a praia de Leste com cérca de 30 quilémetros © a0 sul a praia do Sul com 12 quilémetros e outras praias como a praia de Guara- tuba, Mel, etc., apresentam extensdo menor e aqui ndo séo consideradas. A largura da praia, tomada em relacéo a baixamar, varia em regra de 50 a 80 metros, podendo, em certos lugares, como no Pontal do Sul, atingir 200 metros. A sua inclinacio é geralmente suave e varidvel. Quando, porém, se acentua, acusa pouco além do limite da baixamar, uma concavidade para- lela & costa, No bordo oriental dessa concavidade (conhecida regionalmente por lagamar) tem origem a primeira arrebentacao; quando a arrebentagio BOLETIM GEOGRAFICO 2earrebontagso —-tarrebentago z 7 Oceano Fig-4 - CORTE RSQUEMATICO DE UMA LINHA DE PRAIA. 1 ~ Sedimentagéo marinha § - Antedunas (halefites e psa- ; nefits) 2 - Prdie 6 - Dunas interiores (vejetagao xeronorfa) 3 - clife 7 - Banco submerso 4 - Areias eslicas 8 - Lagamar Bata Situagao tual SEES attiga priritiva dest Fig.5- ‘CORTE ESQUEMATICO ATRAVES DA ILHA DO MEL. Ez Niveis de preamar e baixamar primitivos. 2 - Atuais Bancos arenosos Mangrovitos } Bedimentagao intermedidria Areias edlicas Bancos de 16do 8 - Vila balneéria. Alt. 3m. Pantanos 9 - Morro da Fortaleza. Fig.6-COMPOSIGAO GRANULOWETRICA DA AREIA DAS PRALAS: ~ Caioba. b - de Leste - 2,5 Ku. : ae so N. de ‘Yat inho Figs. 4.50 & TRANSCRICOES 705 transpde ésse bordo ela desaparece transformando-se numa onda normal; nova arrebentagio produz-se nas proximidades da praia. O bordo oriental dessa concavidade representaria a fase inicial de um novo avango da terra sobre a plataforma continental na forma de beach ridge — feixe de restinga (fig. 4). A largura dessa concavidade 6 muito varidvel, geralmente superior a 50 metros. A costa brasileira é bordejada pela corrente equatorial brasileira, apresen- tando, junto ao litoral, contra correntes e correntes secundarias, vindas do sul, produzidas pelos ventos dominantes do quadrante sul e suleste. Em conseqiiéncia dessas correntes, as barras dos rios sio dirigidas para o norte, migram constantemente nessa direc&o, até um ponto, em que sao entulhadas pelas areias. Formam-se, entre a praia e a restinga, lagoas estreitas e com- pridas. Essa situacdo nao perdura; o rio abre nova barra num ponto de menor resisténcia, reiniclando nova migracao para o norte. Em diversos pontos, préximos aos rios, encontram-se, na zona da praia, vestigios désse fenomeno. Ocasionalmente, surgem ao longo das praias correntes secundarias vindas do norte. Sao pouco freqiientes e sem grande importancia. A linha da costa, como se nos apresenta, tem, como principal responsavel pela sua formacao as correntes secundarias ‘vindas do sul. Os tabuleiros arenosos do Cambara, Pereira, Guarani e Tabuleiro, antigas praias, pela sua situacéo e morfologia, atestam que sua formagio é devida as correntes marinhas vindas do norte (figs. 1 e 7). A acSo das correntes marinhas e das ondas é responsavel pela construcéo e modificagio das linhas de praia. As correntes transportam o material meca- nicamente e as ondas selecionam-no. Realizamos diversas andlises mec&nicas dessa formacao (fig. 6), verificando a porcentagem maxima dos graos de areia, situada entre os diametros 0,125 milimetros e 0,5 milimetros. Um dep6- sito de praia sempre é estratificado. Durante as andlises mecdnicas dos sedimentos observamos maior porcen- tagem de ilmenita 4 medida que os furos dos tamises diminuem, abaixo de 0,062 milimetros a porcentagem de ilmenita é dominante. . A linha de praia tende a atingir o seu perfil de equilibrio. Conseqiiente- mente, transformagées mais ou menos importantes sdo realizadas. Pontos ha, onde 6 mar penetrou terra a dentro algumas centenas de metros. & bem de ver, porém, que nao se trata de afundamento, mas de modificagdes nas corren- tes’ marinhas que bordeiam o litoral. Martyn (10, pag. 293) refere-se & mu~ danga fregiiente da linha da costa na Guiana Inglésa como conseqiéncia da variacdo das correntes. Na ilha do Mel, o cliff atual da linha de praia esta aberto em mangrovitos (bancos antigos de manguezal solevados ao nivel do mar, vulgarmente conhecidos por pigarra), essa ocorréncia s6 seria explicada admi~ tindo-se uma linha de praia situada no minimo a algumas centenas de metros mais & frente (fig. 5). Antigos moradores da praia de Leste afirmam que o mar avangou cérea de 150 metros na regido do Pontal do Sul. No rio Guarituba, na praia de Matinho, o mar 6perou ligeiro avango, abrindo cliff em mangrovitos ou depésitos paludais aterrados com areias edlicas. Ocorréncias semelhantes tivemos ocasido de observar na ilha de Santo Amaro, no Litoral paulista. Os ripple-marks, alongados e alinhados paralelamente 4 praia, onde se encontram freqiientemente, séo considerados por Freyberg (2) como ripples de movimentos de marés.’Na praia verifica-se uma pavimentacdo (Pflaster- stellung), com valvas e restos de moluscos. Cérca de 90 % das valvas se acham com a concavidade voltada para baixo. Esse fato segundo Freyberg (2) indica um lugar onde predomina a sedimentacéo. Os lugares onde se encontra irre- gularidade na disposicio das valvas indicaria um lugar onde predomina o transporte, e as areias acham-se em movimento. A praia é despida de vegetagdo até o limite maximo das marés. Segue-se a zona das ante-dunas e a zonas das pequenas dunas edlicas (15, pag. 21), nesta regio pouco desenvolvida, devido & falta de ventos fortes (fig. 8). O ventos predominante é o SSE e¢ SE. A umidade do clima contribui para a menor mobilidade das arelas da praia em direco A terra, principalmente & noite quando sopram ventos contrarios que fazem voltar atrés partes das areias transportadas durante o dia (15, pag. 21). Estabelece-se assim, um 188 BOLETIM GEOGRAFICO PLANTA TOPOGRAFICA & GEOLOGICA on REGIAO =< MATINHO=CAIOBA’ = - Levantade por —~- ‘Jodo JosE.BIGARELLA =~ Fevereiro 1945 stopetvans + + marina a terrestre Fig. 7 TRANSCRICOES 81 movimento de areias, terra a dentro, que vai originar as pequenas dunas elicas, sObre as restingas. Caracterizamos as ante-dunas pela associacio dos vegetais de fixagdo das arelas: Ipomoea pes caprae, Remirea maritima etc. Iv — RESTINGAS © térmo restinga é usado no Brasil significando um membro da formacao litordnea. As restingas sao formagées arenosas constituidas por corddes lito- raneos (barrier em inglés, Nehrung em alemio) e pelos feixes de restinga propriamente ditos (beach ridge em inglés). O feixe de restingas representa um agrupamento paralelo de cordées litoraneos. O estudo da formacao e evo- Tugdo das restingas na costa brasileira foi de uma maneira clara e precisa tratada por Lamego (6). © ambiente no qual tem origem a formac&o da restinga sio as enseadas e Angulos mortos ocasionados por ilhas ou pontais rochosos, sendo de impor- tancia uma fonte constante de sedimentos e sua distribuicdo pelas correntes marinhas. Segundo Lamego (6, p4g. 16), a origem da restinga é de um modo geral condicionada & existéncia de correntes costeiras secundarias transpor- tando areias, A abundancia do material arenoso arrastado pela corrente € 0 seu perene abastecimento sio causas decisivas na sua formacao, O seu pro- cesso de formacéo consiste numa corrente tangenciando a massa de agua que a separa da praia, perdendo velocidade no contacto e depositando os sedi- mentos numa faixa paralela a linha costeira. & também fungdo da profundi- dade dos mares costeiros. Os sedimentos transportados pelas correntes sio depositados nos j4 men- cionados angulos mortos provocados pelas ilhas ou pontais rochosos de onde avangam na forma de espordes (spit em inglés), constituindo linguas de areias; so orientados pelas correntes. Terminada a construgio do esporéo temos um cordao litoraneo (restinga), que se nos apresenta como uma faixa longa e estreita, medindo muitas vézes, varias dezenas de quilometros. Como exemplo classico’ de restinga temos no Brasil a restinga de Marambaia, no Estado do Rio, No litoral paranaense, principalmente nas barras das baias temos a forma de espordes. Formam bancos de sedimentos arenosos, ainda submersos, orien- tados pelas correntes, e constituem nticleos de outras futuras restingas. Na enseada de Caioba, entre 0 morro das Caieiras e a ponta de Caioba, estende-se um banco de sedimentos submersos, o “Banco Grande”, orientado na tangéncia das correntes secundarias, vindas do sul, com as correntes de marés da barra da baia de Guaratuba. Sobre éste banco produz-se a arrebentagio das vagas ocea- nicas. O cordao litoraneo isola geralmente do mar lagoas ou lagunas que pos- teriormente sao entulhadas e transformadas em regides pantanosas (fig. 9). Temos ai sempre um limite nitido entre a restinga e tais regides pantanosas. © litoral paranaense apresentou, no seu estado inicial de formacio, éste tipo de restinga, porém, atualmente nao temos um tipo simples de cordao litorneo, visto nao termos lagoas isoladas do mar por restinga. A forma que se encontra, comumente, é de beach ridge, que designamos por feixe de restingas, isto é, uma sucessdo de cord6es litoraneos intercalados com partes baixas brejosas, cobertas de vegetagdo tipica; segundo Lamego — vales de restingas (fig. 10). . © aspecto das restingas é modificado secundariamente pela acao dos ven- tos, com a formacdo de dunas edlicas. O desenvolvimento dos feixes de res- {ingas no litoral paranaense é relativamente pequeno, e constituido em regra de 2 ou 3 individuos. A distancia entre as restingas é varidvel e indica o valor do _avanco terrestre sobre a plataforma continental. Lugares ha como na Vila Balnearia, em que aprecidvel é a distancia entre as restingas, ai no- tamos a presenca de riachos, alagadigos e brejos nos vales de restingas. Ao norte de Matinho entre duas restingas préximas observa-se um riacho com mangue, e mais acima, além do limite da acéo da maré, ha uma vegetagao de brejo tipica, com periperi (Ciperus princeps). Andlise mecanica dos sedimentos de um antigo cordio litoréneo, em Sertaozinho a cérca de 2 quilémetros ao oeste da vila balnedria de Matinho, revelou tratarem-se os mesmos, de sedimentos menos selecionados do que os 758 BOLETIM GEOGRAFICO Gvsssgomvss 3 systacnn) ‘swwnaaany (svitaosaw 3 ‘SYALZOWGX’SYALUONWEd) ‘S3MOrMBINI SNe veass09 vistwolt io. Beri Pa ; : Figs. Perfil esquemation de literal arenoso 1 aa a Fig.9, Corte esquemadtico de um cordéolitoraneo. 1- Restinga - cordo ltoraneo ‘Nehrund'dos alemdes e” barrier’ em inglés. (Exemplo tipico para o Brasil : -Restinga da Marambaia no E.do Rio’ 2- Lagda. 3- Oceano 4-Embasamento cristalino 4-Feixes de restingas - "beach ridge“em inglés. : (Exemplo tipico para o Brasil: -Restingas de Campos, E.doRio) 2-Vale de restinga 3- Aluviges terrestres, pantanais ou mangues 4-Embasamento cristalino 5-Oceano Figs. 8, 9 ¢ 10 TRANSCRICOES 759 sedimentos de praia e do interior das baias. Sedimentos de restingas mais recentes revelaram um grau de selecéo maior que o antigo cordao litoraneo de Sertdozinho (fig. 25). ‘A restinga apresenta-se com a forma de ‘faixas longas, estreitas e abau- Jadas, de altitude variavel de 3 a 7 metros. Na regido da praia de Leste as restingas do interior sao designadas vulgarmente por tabuleiros. As forma~ ¢ées arenosas junto ao mar sao designadas também por campinas e cdmoros. SSo cobertas de vegetacao halo-psamofila nas regiées mais proximas a0 mar onde as areias conservam ainda uma certa salinidade. Mais para o in- terior é constituida por matas. Os vales de restingas mais antigos, ainda pantanosos, séo cobertos com matas de aspecto diferente da mata pluvial $ropical da regido serrana. Nas matas da planicie litorAnea ocorrem, de maneira notavel as palmaceas, observadas principalmente na estrada do Mar. Estudamos mais pormenorizadamente a regiaéo Matinho-Caiobé, onde realiza— mos levantamentos para a construcéo de uma pequena planta topografica-geol6- gica (fig. 7).e de um perfil geolégico (fig. 3).* Nessa regido, a planicie se- dimentar quaternaria (holocénica), estende-se desde o limite do complexo cristalino até a orla do mar, com a largura maxima de 2 quilometros e o comprimento de 3,5 quilometros. Morfoldgicamente, apresenta as formacdes arenosas de restinga. A mais antiga. mede de 5 a 7 metros de altitude: Ta- buleiro e Sertdozinho e a mais recente formando os témbolos de Caioba ¢ Matinho e a faixa arenosa entre essas localidades com 2 a 3 metros de altitude sobre o nivel do mar. Entre essas formacoes, situa-se uma zona rela~ tivamente plana, em sua maior parte, pantanosa, com altitude de 1 a 2 metros sobre o nivel do mar (fig. 2). Nesta zona surgem esporadicamente pe- quenas ilhas arenosas. A planicie sedimentar, na orla do mar, apresenta vege- tacdo halo-psamofila de fixacdo das areias, constituida principalmente por gramineas e ciperaceas. Na restinga préxima ao mar ocorre uma flora psam6- fila parcialmente haléfila passando a xeromorfa mais para o interior. A zona pantanosa é coberta de mata em sua maior parte. No herbario do Museu Paranaense, encontra-se o seguinge material coletado nas praias e ante- dunas do litoral paranaense, sendo que as poucas espécies determinadas sao as que seguem: Salicornia gaudichaudiana MAQ. Remirea maritima AUBL. Sporobolus virginicus KUNTH. Panicum racemosum SPRENG. Hydrocotyle umbellata L. Ipomoea pes caprae SWEET. Acicarpha spathulata R. BR. Cenchrus echinatus L. F. K. Rawitscher (15, pags, 21-22), cita, além dessas espécies as seguintes para o litoral paulista, as quais muito provavelmente devem também ocorrer nesta zona, porém ainda nao foram determinadas na colecao do Museu Para- naense: Sesuvium portulacastrum L. Statice brasiliensis BOISS. Spergularia marina GRIESB. Conocarpus erecta L. Iresine portulacoides MOQ. Telanthera maritima MOQ. Ipomoea acetoseafolia ROEM. et SCHULT. Canavalia obtusifolia DC. Polygala cyparissias ST. HIL, Scaevola plumierit VAHL. * Palestra realizada pelo autor na Assoclaciio dos Gedgrafos Brasileiros, — Niicleo de Gurttpeem outubro:de 1945, ob 0 titulo: Algumas Notas sobre a Geologis da Resito ‘Matinho- faioba. 700 BOLETIM GEOGRAFICO Complexe cristalina Taboleires arenosos com Aim-5m de altitude sabre o nivel do m: EJ Bancas de manguezal extinto alcade 40" Asm de altitude coberte com mato, 3 Mangvezal atual A Samba qui Jj Bigaralta Fig. 11 — Levantamento topogréfico-geolégico da zona da praia sul. TRANSCRICOES 81 As camadas superficiais dos sedimentos arenosos das restingas possuem uma coloracso claro-cinzenta que vai progressivamente passando a amarela até eastanha nas camadas inferiores. A coloragao claro-cinzenta da superficie é proveniente da lavagem por dguas pluviais e pelo descoramento por Acido himico. A maior profundidade foi verificado um aumento na porcentagem de ferro sob a forma de éxido de ferro hidratado e de matéria organica. A coloracao amarela até castanha é conseqiiente 4 matéria organica, dxido de ferro hidratado e as argilas provenientes do transporte marinho ou da de- composicio dos feldspatos sedimentados juntamente com os graos de quartzo e outros minerais. ‘A altitude das restingas decresce do interior para a praia o que indica, segundo Johnson, (3, pag. 439), um movimento positivo da regiao. As for- magées arenosas, antigos corddes litordneos, situadas, no interior da plani- cie, so conhecidas regionalmente por tabuleiros: Cambard, Guarani, Tabu- Jeito, etc. Nesta denominacdo também sao incluidos os antigos bancos de jOdo'e areia, da sedimentacdo intermediéria solevados sobre o nivel do mar, e 0s mangrovitos. Junto ao mar, como ja vimos, a restinga é denominada regionalmente por campina. Os t6mbolos ocorrem também na regio. Entre éles salientamos o de Matinho, Caiob4, Guaratuba, ilha do Mel, etc., sdbre os quais se situam as vilas balnedrias mais importantes. ‘A restinga € formagio muito pobre do ponto de vista agricola, Andlises realizadas no Instituto de Biologia e, Pesquisas Tecnolégicas de Curitiba re- yelaram o seguinte resultado sumario: : Amostra nt 1 Amostra n.° 2 Perda ao rubro . 2,260% 0,360% Nitrogénio total 0,064% 0,064% Oxido de cAlcio . 0,003 % 0,003% Oxido de potassio . 0,007% 0,008% Anidrido fosférico 0,002% 0,002% Argila 2,400 % - Conclusées: Perda ao rubro . Nitrogénio total . Oxidp de calcio . Oxido de potassio Anidrido fosférico . muito pobre a pobre . regular * . muito pobre + muito pobre muito pobre As amostras 1 e 2 foram coletadas na restinga da praia de Leste, proximo ao Pontal do Sul, a primeira na profundidade de 20 centimetros e a segunda a 1 metro de profundidade. A porcentagem da perda ao rubro, na amostra 1, significa um maior teor em matéria organica junto 4 superficie, teor éste insignificante. SEDIMENTAGAO INTERMEDIARIA V — MANGUEZAL Por manguezal (mangrove swamp em inglés, Mangrove Sumpf em ale- mo) significamos 0 aspecto geografico-geoldgico da formacéo em si; isto ¢, @ associacdo vegetal caracterizada por certo numero de halofilas, que sio designadas indistintamente por mangue, vicejando sdbre bancos de lédo nas Aguas tranqiiilas dos rios e baias. Os manguezais estendem-se por largas reas, nas baias de Paranagua e Guaratuba, penetrando mais ou menos profundamente, nos rios que nelas desaguam e nos rios que vao ter diretamente ao oceano. Constituem ilhas rasas e planas, inundaveis na preamar e emersas na baixamar. Bordeiam, em grandes extensdes, as margens das baias ou dos rios. As ilhas nestas con- digdes possuem, freqiientemente, um centro arenoso com mato ou vegetagao BOLETIM GEOGRAFICO (000 09:1 “woud “osm) — at - Weal peer fer enBuey oj A016 ue}4-9.yesanBuew g ~seoyos sei21e > sung.» Aowexieg 2 Jowerid:¢ -2}52] 2p Mord: z= obuyjsay «4 S¥6l 2p Ou a raearir ff 404 WNVUVd - “ING OG IWLNog oa oyioat va OD1901029 THawad ¥ ODI4VUDOdOL O5QaSy TRANSCRICOES 168 de restinga, onde, viceja o Hibiscus tiliaceus L. na zona de transigio, e o Cocos Romanzofiana nas partes mais centrais. Esta formacéo arenosa repre- senta muitas vézes um antigo manguezal entulhado por areias e sua flora substituida pela flora de restinga ou mato. Para as formagées de manguezal antigo solevado ao nivel do mar, seria_de conveniéncia, a introducdo de um térmo que caracterizasse essa formacdo. O térmo mangrovito passamos a@ usar nesta contribuicio significando os antigos bancos de manguezal, salvo denominagéo em contrario. Entre as espécies constituintes do manguezal paranaense identificamos: Laguncularia racemosa GAERTIN. Rhizophora mangle L. Avicennia tomentosa JACQ. E como elemento de transigio para a restinga ou mato: Hibiscus tiliaceus L. A verificagio e a distribuicéo destas espécies vegetais foram executadas com a colaboragdo de R. Hertel da Seccéo de Botanica do Museu Paranaense. F. Rawitscher verificou estas mesmas espécies para os manguezais do Estado de Séo Paulo (15, pag. 25). Stellfeld, tratando do manguezal do Estado do Paranda, refere-se & Avicennia tomentosa e designa-a por Avicennia Schaueriana (18, pag. 247). 7 Caracteristica torna-se a presenca em frente aos bosques de mangue de uma graminea, conhecida regionalmente por “praturé”. Segundo fomos in- formados pelo Prof. Dr. F. K. Rawitscher trata-se provavelmente de Spartina brasiliensis RADDI ou S. ciliata KUNTH,, que sao indicadas para tais habitats; @ falta de flores nao possibilitou classificagao exata. Freyberg (2), assinala para o norte do Brasil a presenca da S. brasi- liensis. Martyn (10) também refere-se & presenga dessa graminea nos man- guezais da Guiana Inglésa. A certa distancia da barra dos rios vicejam junta- pene com o manguezal lilidceas e ciperdceas, ocupando a mesma posigao lo “pratura”. Nas baias, 0 manguezal desenvolve-se com maior exuberdncia nos lugares mais tranqiiilos e nas barras dos rios. Nao existe ou é escasso nos lugares de correnteza mais forte, onde se encontram praias arenosas, com pequenos Darrancos. Observamos maior desenvolvimento do mangue nas regides lodosas onde seu desenvolvimento diminui com o aumento do teor de areia, e parece, mesmo, receber decisiva influéncia da salinidade. Nao encontramos mangue, onde é minimo 0, teor em sal. Nos bancos areno-argilosos da sedimentac&o intermediaria tem inicio o desenvolvimento da flora de manguezal. O banco é primeiramente ocupado por uma graminea o “pratura”. Entre as hastes dessa graminea acumula-se uma Pequena quantidade de lédo que favorece a ocupacéo por mangue. O mangue edifica-se rapidamente num pequeno bosque, tendendo a um desenvolvimento cada vez maior. © mangue que ai cresce nfo é um formador de terra, como pareceria & primeira vista, mas sim um fixador, auxiliando a fixacao dos sedimentos, através do seu emaranhado de raizes, podendo contribuir como um acelerador da Ultima fase da sedimentacdo, necessitando espacos com deposigéo positiva de sedimentos, (2). Esta fixagao 6 débil, sendo que, a ilha ou margens da baia podem ser facilmente destruidas pela erosdo motivada pelas ondas ou correntes, sem contudo, opor grande resistencia. O manguezal cede, pouco a pouco, terreno e destruido na sua base de sustentacio o mangue acaba por tombar. Nos pontos em que a acdo erosiva se féz sentir encontramos diversos espécimes de man- gue tombados. Como ja vimos, 0 mangue néo é um formador de terra, porém, acom- panha_o progresso da deposi¢io do lédo, que se faz no sentido da corrente, na protecéo de um Angulo morto ou em direcao da agua mais salgada.

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