Você está na página 1de 1

Mia Couto

"Mar me quer" (2)


Quarto captulo
O dia comea sempre de mentira. Porque o sol s finge nascer.
Aquela manh acordou com vontade de esquentar e eu me
decidi passear pela praia. Foi quando encontrei Luarmina mergulhada
numa poa de gua. Estava vestida e as roupas colavam-se no corpo.
Aproximei e lhe perguntei a razo daqueles banhos. Ela respondeu
que queria aquecer as pernas..
- A gua est quentinha ?
- No recebo quentura da gua. Quem me aquece so caracis.
E explicou: havia uns certos caracis que lhe lambiam as pernas,
pastando nessas gorduras dela. Os bichos desqualificavam viscosas
salivas sobre a vizinha e eu s pensava: mal empregadas as minhas
prprias babas, com o devido respeito. E salvo seja.
- D licena eu entrar ?
- Entrar onde ?
- Nessa gua onde a senhora est ser banhada.
Entrei, fui-me achegando perto da vizinha. Me entornei na toalha
da gua e fechei os olhos igual como ela. Minhas mos fingiram ser
caracis, lesmas babadoiras lavrando nas coxas de Luarmina. Para
meu espanto, a mulata no me repeliu. Meus dedos prosseguiram,
cumprindo seu dever, pescando entre roupa e corpo. Espreitei pela
esquina dos olhos: a gorda Luarmina estava flutuando,
embenvencida, parecia um navio repousando em desenho de criana.
De repente, porm, ela soltou um grito. Emendei minha
malandrice, mos atrs das costas.
- Susto, Dona! O que foi ?
Luarmina apontou qualquer coisa sobre as guas. Eram peixes
mortos boiando.

Você também pode gostar