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Comportamento dos Meteriais Sob Tensto 125, COMPORTAMENTO DOS MATERIAIS SOB TENSAO X.1. INTRODUGAO © comportamento de um material sob solicitagao mecanica é fundamental na identificaggo de propriedades de interesse em engenharia mecanica. Tal comportamento é fungdo direta de trés fatores basicos ligados as caracteristicas do material, ou seja: 0 tipo e a intensidade das ligagdes envolvendo atomos ou moléculas; a natureza do arranjo dos atomos ou moléculas e a natureza e quantidade de defeitos no arranjo dos atomos ou moléculas do material. Além desses trés fatores, © processamento a que o material foi submetido, determina intensamente a definigao das propriedades do mesmo. Uma das caracteristicas mais importantes dos materiais no estado sélido é a capacidade dos mesmos em resistir ou transmitir tens6es. A resposta desses materiais sob tens4o est intimamente relacionada com a propriedade do material em se deformar elasticamente ou plasticamente. Quando um material é submetido a esforgos mecanicos, ele deforma-se de duas maneiras: elasticamente e plasticamente. | Considera-se que um material exibe comportamento eléstico, quando 0 mesmo, ao ser submetide a esforgos mecdnicos, apresenta deformagées ndo-permanentes, ou seja, a0 se remover tais tensdes, o material retorna as suas dimens6es originais. Ao nivel atémico, a deformagao eléstica 6 observada quando as células unitérias alteram suas dimensdes, alongando, se o esforgo for de tragao ou comprimindo, se o esforgo for de compressdo, como apresenta a figura X.1. Quando 08 esforgos de tragéio ou compressao cessam, as células cristalinas voltam as formas e dimensées originais. © comportamento plastico é observado quando o mesmo material é submetido a tensdes mais elevadas e suas dimensées sao alteradas permanentemente, ou seja, cessados os esforgos, 0 material nao retorna as suas dimensées originais. Ao nivel atémico, a deformaco plastica é principalmente observada quando planos atémicos s40 deslizados uns sobre os outros, de tal maneira que ao se remover os esforgos mecanicos, o material nao exibe suas dimensées originais. A caracterizagéio do comportamento mecdnico de um material pode ser implementada pelo emprego do ensaio de trag&o do mesmo (figura X.2). A aplicagao de uma forga em um material provoca tens6es e deformagies (permanentes ou nao) No mesmo, come mostra a figura X.3. Comportamento dos Materiais Sob Tensio 126 2 & Sem detormaeho Deformepto Detormoeto, por traria por compressa a. b. «, Figura X.1. Deformagao eldstica em cristais: (a) Cristal sem deformagao; (b) Cristal deformado por trag&o; (¢) Cristal deformado por compress&o. Atensio, c, 6 definida como forsa por unidade de area, ou: 1) ln onde: o = Tensdo (Pa = Nim’); F = Forga Aplicada (N); A= Area do Plano (m?). A deformagao (¢) € definida como 0 efeito da tenséio em um material, relaciona- se a alteragao nas dimensdes originais do material e 6 expressa como variagéo do comprimento inicial, ou: oot (X2) lo onde: £= Deformagao (%); AL = (L- Lo) = Variagdo de comprimento (m); Lo = Comprimente inicial (m); L = Comprimento final (m). O ensaio de tragao revela duas fases distintas: a eléstica e a plastica, Na fase eldstica um dos principais parametros que o ensaio de tragao permite revelar 6 o médulo de elasticidade do material. Comportamento dos Materiais Sob Fensio 127 Figura X.2. Diagrama esquematico de um ensaio de tragao: (a) Sem deformagao; (b) Com deformagao. One | One | So au ~ Ony >| o ™ Ou. O71: 1c an S ec 0.2% Def. Relativa € (a) (b) (c) “Tonsiolirite ce esceamento ous) ~ Tens necosséria para incr a deformagéo plétca “Tensolite de ruptura (om) - lta do eomporamento piston (uptra. “Tonsto limite de esstinca(ore- Maxima carge suporteda polo material Figura X3. Curves tensfo-deformagao relativa: (a) Material nao-dictil sem deformagao plastica (ex.: ferro fundido); (b) Material dictil com ponto de escoamento definide (ex: ago de baixo carbono); (c) Material diictil sem ponto de escoamento definido (ex: aluminio). Comportamento dos Materiais Sob Tensio 128 X.2, DEFORMAGAO ELASTICA Se um material apresenta comportamento elastic, 0 mesmo segue a lei de Hook, que estabelece que sua deformagao varia linearmente com a tens&o aplicada. A relagdo entre tensao aplicada e deformagaio resultante & constante e denominada de Médulo de Elasticidade (E), ou: E-= (K.3) O médulo de elasticidade de um material é a medida de rigidez do mesmo. Se um material exibe valor elevado desse parametro, isso siginifica que uma tensao meo&nica elevada ser necessaria para deformé-lo, Como visto no estudo das forgas interatémicas, 0 médulo de elasticidade esta diretamente relacionado com a variagao de Froa (equagdo II.2), em relagao a distncia interatémica ou, | ZeN(Z20) 2,| AF To . | 4neoa? atl 4) da da A temperatura influencia intensamente o médule de elasticidade, e quanto mais elevada for a mesma, menor seré o médulo de elasticidade. Como o médulo de elasticidade varia com a diregao em um cristal (depende da densidade linear de Atomos), a anisotropia dos cristais permite que o mesmo varie intensamente com a orientagae do cristal. Como exemplo, 0 ferro tem um médulo de elasticidade médio de cerca de 205 MPa. Porém, o médulo real de um cristal de ferro varia de 208 MPa na diregdo [111], para apenas 125 GPa na diregao [100]. A tabela X.1 apresenta valores de modulo de elasticidade de diversos materiais, Um outro parémetro importante, relacionado ao comportamento mecanico dos materiais, € 0 médulo de elasticidade transversal (G), que relaciona tensées e deformagées de cisalhamento dentro da fase elastica do material. Este parametro é definido de maneira semelhante ao médulo de elasticidade (E), ou seja: G= (5) : Y onde: += Tenséo de cisalhamento y = Deformagao elastica por cisalhamento. Comportamento dos Matertais Sob Tensdo 129 Conforme mostra figura X.4, a deformagao elastica por cisalhamento, y, é& definida como a tangente do Angulo de cisalhamento a, ou y= tg a. X.3, DEFORMAGAO PLASTICA POR DESLIZAMENTO Na fase plastica do material, ocorrem as deformagées permanentes no mesmo. Neste caso, planos atémicos do material séo deslocados permanentemente de suas posigées originais. Existem dois mecanismos de deformago pldstica, quais sejam: 0 deslizamento de planos cristalinos e a maclagéio. Em ambos os casos, a deformagao ocorre devido as componentes de cisalhamento das tenses aplicadas. A deformacao permanente de um material submetido a ensaio de trag&io pode ser tratada como o alongamento, que é 2 quantidade de deformagao permanente observada antes da Tuptura ou estricgao, que é a redugso da rea da secedo transversal, observada antes da ruptura. Material Médulo de elasticidade (GPa) Borracha Sintética 0,004 - 0,075 Nylon 28 Borracha Vulcanizada 38 Chumbo 14 Magnésio 45 Ligas de Aluminio 72, Cobre 110 ‘Ago de Baixo Carbono 200 Ago Inoxidavel 193 Titanio 17 Quartzo (SiOz) 310 ‘Alumina (AlzOs) 350 Tungsténio 400 Tabela X.1. Valores do médulo de elasticidade de diversos materiais. Comportamento dos Materiais Sob Tensto 130 Sem tensao de cisalhamento / Com tensao de cisalhamento Figura X.4. Diagrama esquematico da deformacao elastica por cisalhamento. © principal mecanismo de deformacao pldstica é o desizamento de planos atémicos e caracteriza-se pelo movimento de uma parte do cristal em relagao a outra (figura X.5). Nas estruturas cristalinas, estes deslizamentos acontecem em tomo de planes atémicos compactos (de alta densidade planar de atomos), seguindo direges compactas (de alta densidade linear de atomos). A tabela X.2 apresenta planos e diregées de deslizamento das estruturas cristalinas mais comuns. ‘A tensdio necessdria para iniciar a deformagdo pléstica em monocristais. depende n&o apenas da tenséio necesséria para deslizar os planos cristalinos, mas também da orientagao da tensdo aplicada em relagdo ao sistema de deslizamento. Para que esta deformacao plastica por deslizamento de planos atémicos ocorra, & necessario que a componente de cisalhamento da forga aplicada ao material, no plano e na diregdo de deslizamento, atinja o limite de resisténcia ao cisalhamento do material, também chamado de tensdo critica de cisalhamento. O calculo desta tenséo necesséria para deformar o cristal envolve a determinagao da area de cisalhamento, bem como da forga na direg&o de cisalhamento, Comportamento dos Materiais Sob Tensto. 131 Considere como exemplo um ensaio de tragao. Assumindo que um corpo de prova de geometria cilindrica e secgao transversal A, é solicitado mecanicamente através da forga de tragao F, como mostra a figura X.6. HCP asl ain wars Dasa stp planes I HCP nt el Figura X.5. Deslizamento em um monooristal de zinco paralele ao plano (0001): (a) vista frontal - cristal real; (b) vista lateral - cristal real;(c) diagrama da vista lateral com os planos de ceslizamento; (d) célula HC mostrando os planos de deslizamento. A aplicagao da forca F no corpo de prova provoca 0 aparecimento de uma tensao de trago no mesmo, que 6 dada por: o= FE £ (K.8) No plano de deslizamento, a componente desta forca F, causa uma tensdo de cisalhamento +, igual a - Bs (X.7) As onde As = Area da seceao transversal no plano de deslizamento: F Forca aplicada no plano de deslizamento; Comportamenta dos Materiais Sob Tensito 132 Estrutura Plano de Diregao de Numero de Diagrama | Deslizamento | Deslizamento | Sistemas | crc 14} <110> 4X3=12 (Cu, Al, Ni, | Pb, Au, Ag...) | CCC {110} => 6x2=12 (Fe,, W, Mo) coe er} => 12X1=12 (Fe, W. Mo) coe B27} == 24X14 = 24 (Fea, k) | HC {0007} =1120> 1X3=3 (Ca, Zn, Mg, Ti, Be ...) HC {1010} <1120> 3X1=3 0) HC {1017} =1120> 6X1=6 (Ti, Mg) Tabela X.2. Planos ¢ diregdes preferenciais de deslizamento em alguns cristais Comportaniento dos Materiais Sob Tensto 133 Plano de Desiizamento a are) “ BUSES Se ‘a / AA ; Eueen SE | | Compactos (a) (b) Figura X.8. Tensao de cisalhamento em um cristal submetido a esforgos de tragaa: (a) Nivel macroscépico; (b) Nivel atémico, mostrando diregdes e planos compactos (sistemas de desiizamento) Supondo que a forga F apresenta um Angulo ¢ em relago @ normal ao plano de deslizamento, entao: A “sa (X8) A forga Fs atuando no plano € na diregao de deslizamento € dada por: Comportamento dos Materiais Sob Tensdo 134 Fs = Feosh (K.9) A tensao de cisalhamento no plano de deslizamento ¢ igual a: = Fs 1 = F8cos KA Ticost (10) ou I = Zi cos§ cost, = ceospeosh (K11) Esta tensao atinge seu valor maximo quando os valores de 6 e 4 so iguais a 45°. Neste caso tem-se: Tmax > wla (X12) A tabela X.3. apresenta valores do limite de resisténcia ao cisalhamento de diversos metais Na deformacao plastica por deslizamento, assumindo um mecanismo simplificado onde a deformagao implica na ruptura de muitas ligag6es interatémica ao mesmo tempo, nota-se que a resisténcia do material considerado seré muito maior que a encontrada experimentalmente. Evidénoias experimentais sugerem um mecanismo de deformagao envolvendo movimentos de discordancias (figura X.7). As discordancias facilitam o movimento de planos de atomos dentro de um material, Assim, a tensdo de cisalhamento calculada para o ferro é de 10'° N/m’, porém a obtida experimentalmente 6 de 10° N/m’, ou seja, 6 100 vezes menor. A razo disto reside no fato de que as ligagdes entre os atomos sao reajustadas passo a passo pelo movimento das discordancias. X.4. DEFORMACAO PLASTICA POR MACLAGAO O segundo mecanismo de deformagao plastica que pode ocorrer em metais 6 a deformagao por maclago. Neste proceso, parte da rede cristalina ¢ deformada de modo que a mesma forme uma imagem especular da parte no deformada (figura X.8) © plano cristalogréfico de simetria entre as regides deformadas © ndo deformada, & chamado de plano de maclagao. A maclagdo, como o deslizamento, ocorre em direcdes especificas chamadas de diregdes de maclagdo. Entretanto, no deslizamento, os atomos em um lado do plano de deslizamento desiocam-se igualmente. Na maciagao, as distancias de movimentagéo dos dtomos sao proporcionais a suas disténcias do plano de maclagao. A maclagao envolve pequenas Comportamento dos Materiais Sob Tensio 138 fragdes do volume total da estrutura atémica e assim, a deformagdo resultante deste mecanismo @ minima. Porém, um importante papel da maclagao 6 a mudanga de orientagao do cristal, permitindo a reorientag&o do mesmo segundo sistemas favoraveis 4 deformagao por deslizamento. A figura X.9 compara os dois tipos de mecanismos de deformagao plastica. Inceneased stomie plane (2) An edge didocaton, pictured a8 formed (&) Aow stress causes a stint of atomic bonds yan extra ha plane of tons to fee 1 new interiesved plane. Stearstress “Ripple nag” analogous sneige dislocation ind metal cyst Force Rugon ocr ge dBocation (6) Repecvon oF this process causes the scation to moe arn the ya @ Figura X.7. llustraga0 do movimento de uma discordancia em cunha produzindo um degrau unitétio com a aplicagéo de uma pequena tenséo de cisalhamento: (a) discordancta em cunha; (b) tensdo provoca mudanga das ligagdes atOmicas, para libertar um novo plano intercalado; (c) repetigéo do processo faz com que a discordancia se mova através do cristal, (d) analogia do movimento de uma discordancia com o movimento de uma dobra em um tapete. Comportamento dos Materiais Sob Tensto 136 [112] Pwermictrstion Figura X.8. Diagrama esquematico do processo de maciagao, mostrando planos e diregbes de maclagao. Metal Estrutura Plano de Diregéode | Resisténcia ao Cristalina | Deslizamento | Deslizamento | Cisalhamento (MPa) [a [He | con | ty | oo | Mg HC (0001) [1120] 0,77 Cd HC (0001) [1120] 0,58 Ti HC (1010) [1120] 13,7 Ag CFC (111) [110] 0,48 Cu CFC (11) [110] 0.65 Ni CFC (111) [110] 57 Fe ccc () [111] 275 Mo CCC (110) Tit 49,0 Tabela X.3. Valores de tensao limite de cisalhamento necessarios para ocorrer 0 deslizamento em monocristais de alguns metais. Comportamento dos Materiais Sob Tensto 137 Slip steps Caysta a remains straight cogil fs deformed Twinned region « w Figura X.9. Diagrama esquematico de superficies de um cristal deformado por destizamento (a) e por maciago (b). X.8. PROPRIEDADES MECANICAS Em fungao do comportamento mecanico dos materiais, as seguintes propriedades mecanicas podem ser definidas: a. Elasticidade - Capacidade do material ser deformado elasticamente, sem atingir o campo plastico. A relagdo entre tens&o e deformagao elastica (oe) & definida como médulo de elasticidade (E). . Ductilidade - Capacidade do material ser deformado plasticamente, sem atingir a ruptura. Pode ser obtida da analise do alongamento € da estriccao. c. Fragilidade - Comportamento oposto a ductilidade. d. Fluéncia - Capacidade do material se deformar lentamente, quando submetido a tensdes menores que a de escoamento, sob temperaturas elevadas. e. Tenacidade - Capacidade de um material em armazenar energia sem se romper. Pode ser quantificada através do célculo da area sob a curva tens4o/deformagao. Comportamento dos Moteriais Sob Tenso 138 f. Dureza - Capacidade de um material em resistir A penetragao de sua superficie @ est intimamente relacionada com a tensdo limite de resisténcia do material EXERCICIOS X14. Por que a resisténcia mecdnica de um metal monocristalino, calculada teoricamente, 6 sempre maior que aquela obtida na pratica ? X.2. Quais 40 os 2 principais mecanismos de deformacao plastica ? X.3. Qual 6 a fungao do fenémeno de maclagéo em um processo de deformacao plastica? X.4. Descreva 0 papel das discordancia no processo de deformagao plastica ? X.5. A tensdo de cisalhamento critica para os sistema <110>/{111} do Cu monocristalino 6 de 1 MPa. a. Qual a tensao a ser aplicada na diregao [001] para produzir deslizamento na diregdo [011] e no plano (111)?

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