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Claus Cliiver Professor da Univecsdade de Indiana - USA Resuma te ero identifi dot objetice panels dos emudos iterates conterporineot a irvestgagio des intenrlageserve as 2 abordagem de asuntos er ests cut ras © outros discursos wansiscpinares ena vendo tetas em vig “arte Focaizando 2 primeira orertacio de cunho primaramante semiico, tala de quesiSes de representa, incertequaldade, combat e usta de c= 03 pina traiposigo iterseritica adaptaco € 0 papel do letor Palavas-chave Asartes duro transect studs cuturaisimtertexuaidade: sranspesiio imerseistica Atract This esa identi two major cbjectves of comtemporary imerans studies the ivesti- ton cf sists smong"the art’ andthe pura of topic in cual susie and other ‘raneliciplinary decourse that vob toes in saver art ocoes on the Fst primary semicte eriantstion and cecuses questions of representation teal, the combraton tod fon of sete codes, kota, inter semiotic transposon adaptation and the role ofthe reader, Keywords “The arts ransdiscipinary discourse: oss ctrl sues mertomuty tert ‘warepositon Estudos interartes Conceitos, termos, objetivos Os anos subseqiientes & Segunda Guerra ‘Mundial tiveram uma safta rica de publica Ges extremamente influentes nos estudos Iiterdrios,' entre elas a largamente traduzida ‘Teoria da literature (1949) de René Wellek ¢ Austin Warren,? que viria a cunhar os con- ceitos © priticas de toda uma geragio de estudiosos nos BUA ¢ no exterior. Deri- vando suas posigdes do que hoje conhece- ‘mos por Formalismo Russo, Escola de Pra~ ga ¢ Naw Criticism norte-americano, 0 livro pregava o estudo da literatura como litera~ tura, ou seja, o emprego de abordagens “in- trinseeas” tanto na critica quanto na histéria 1 Bor nimero destas eram obras de estediotos 4 ‘riacos ow alemies que havism pasado of anos anteriores no exilio: entre elas estavam a6 obras de Kayser ¢ Hauser, mencionades mais adiante, m= bmn Emopdiche Litersor nnd lotintchee Mitlater (1948), de Eenst-Robert Costin, reultndo de win “exilio interno” auto-impotte. Minesis Die Derstlung der Widlchhit in dr ostcion Literatur, de Erich Auerbach, também escrito no ex, jé nhs sido publicado em Berns em 1942, Hi era dupes braileias: ER. CURTIUS, Literate eo= péie © Lede Média latina, trad. Paulo Rémi € ‘Teodoro Cabral, Sio Paul, Hucitec/Edusp, 1996 © E.AUERBACH, Mines: a zepesentao da wala de na liters celdente, Sto Paulo, Perspectva, 1976, 2. CE René WELLEK & Austin WARREN, Teoria dz Iesoturs, tad, Joré Pal # Carma, Lisa, Publics= bes Enropa-América, 1962 38 Literatura e Sociedade literaria. © estado das relagdes entre litera tura e biografi, psicologia, sociedade, histé- ria politica e econémica foi declarado “extrinseco” 3s preocupagSes genuinas de ‘um estudioso da literatura, [gualmente ex- trinseco e, logo, de valor questionével para o Literanunwissenschafiler era, segundo Wellek, © estudo das relagdes entre a literatura ¢ as coutras artes: Os esforsos dos pesquisadores deveriam concentrar-se sobre das sprachliche Kunstwerk (para citar 0 titulo do manual de Wolfgang Kayser, publicado no ano ante- tor) ou entio, como quer um outro titulo, sobre o“icone verbal”. Considerava-se que © texto literitio representava um mundo priprio, auténom, autotélico e auto-sufi- ciente. A teoria literdria (¢ a pritica critica) hhavia atingido uma posigio que refletia {déias ja formuladas, no dominio da mésica, quase um século antes por Edvard Hanslick ‘em Von Musikaisch-Schéne® © objeto de estudo ideal para 0 New Criticism cra © poema lirico (romintico & pés-romintico), entendido como bela for- ma ¢ locus de estruturas complexas ¢ do jo- go de ambigitidades internas. As leituras minuciosas que Cleanth Brooks reunia num livro intitulado The well-vrowght um, com referéncia i estética da““Ode on a Gre- cian urn” de John Keats, oferecem tm tes temunho programitico.” Em 1962, Stanley Burnshaw organizou uma antologia que apresentava, cm suas versdes originais, poe ‘mas compostos em sete linguas ocidentais européias e em russo, acompanhados por ‘uma cuidadosa traducio em prosa ¢ bieves comentitios criticos de um especialista reconhecido na respectiva literatura, Tudo jsso visando facilitar 20 leitor 0 encontro com “o poema em si mesmo” (expresso reveladora que dava titulo 20 livro). Um dos poemas excolhidos pelo especialista francés Henti Peyre era “Sainte”, de Stéphane Mallarmé." Alguns anos antes, 0 mesmo pocma fora analisado como espécime exemplar dos procedimentos simbolistas e especificamente mallarmeanos por Hugo Friedrich (em Sinuktur der modemen Lyrik)” De fato possuia qualidades que o tornavam. candidato muito adequado a0 projeto de Burnshaw. Sainte 4 la fondtre elant ‘Le santal views: qui se dédore De sa vole éincelant _Jadis avec fit on mandore Est [a Sainte péle, Galant Le livre views: qui se dépic Du Magofiear miselant Jai selon vépre et compli: A eevitagedxtenso “Welle elaborara esa poscio mum ensaio questionando"“The pals betwen Ktertue and the ars" de 1941; le fain wna discretasetrstagio piblca sb tes décadas mais candle, em resposta & minha contibuigdo sabe “The perspective of the other arts" mesa-edonda sobre “Periodizatioa inthe Twentieth Century”, por oct do VIt Congreso da Asocigio Internacional de Literatura Comparada, em 1973 (“Concluding remaris"). 4 CE Wolfgang KAYSER, Anite e intra da ove ea, ad, Paulo Quinte, 2 vos. Lisboa, Arménio Amado itor, 1958. 5 WK-WIMSATT, The verel kon studies i she mcoing of poetry (1954), Lexington, Univesity of Kentucky Press 1967, 6 E.HANSEICK, Hon Misialich-Sehinen (1858) Traducto inglesa: The banal in onic, New York, 1891 7 Cleanth BROOKS, The sell- nought sa, New York, Harcourt, Brace & Worl 2942, 8 Apad Staley BURNSHAW (cd) The poem isl, Cleveland, Wold (Meridian Books), 1962, p. 46-7. 9 (CE£-Hugo FRIEDRICH, Potted lire modema, tad. Marise M. Cation, Sio Paulo, Duns Cidades, 1978 Que fible une harpe par VAnge Formide avec son vol du soir Pour la délicate phatange De doigt que sans le views santal [Nie vieux lore, elle balance Sar le plunage instramental, Muesicionne di sitence.® Friedrich mostrara' que 2 “sainte” (Santa Cecilia, padrocira da misica) torna~ se uma “musicienne du silence” nio somente por meio da surpreendente ima- gem final em que ela faz mfsica sobre as asas de um anjo, mas igualmente pelo modo como 0 texto inteiro estabelece seu signif cado: ele oferece 20 leitor uma série de imagens representando priticas e instru- mentos musicais (ainda que de forma difi- Gil, obrigando o leitor ao esforgo de deter- minar 0 que exatamente esti sendo repre- sentado), a0 mesmo tempo em que oblitera ou retira do presente o que se esti mostran- do, Do sindalo da viola que esti sendo ‘ocultada e 0 dourado que estd se perdendo, elas negagSes dos participios presentes “étincelant” ¢ “ruisselant” por meio de “jadis” (que também localiza “flite ou mandore” ¢ “vépre et complie” no passado) até 0 direto “sans le viewx santal/ ni le vieux livre”, 0 texto remove esses itens da ‘cena (mas nio da nossa mente) de modo a deixar tio somente a imagem final da miisi- ca executada sobre a “plumage instrumen- tal” de um anjo, Esta iltima imagem, por sua vez, $6 € viabilizada pela evocae: latina de um objeto visual estitico: a santa emerge como figura num vitral (“fenétre” e pau- Estudos interes “visage dTostensoir") que representa ainda uum anjo em vo. As operagdes desse texto cuidadosamente construido tornam-se inte- ligiveis somente através de uma leitura escrupulosa. © poema em si mesmo parece ser tudo de que precisamos para chegar & vivéncia integral do texto. £ por iso mesmo curioso que tanto Henri Peyre quanto 0 especialista Robert Greer Cohn nao tenham reconstrufdo ade- quadamente a cena representada pelo poema ¢ a imagem que ele verbsliza (veja “Apéndice”). Ambos os cxiticos posicionam a santa no vitral (€ no a0 lado dele, ainda que “ la fenétre” possa igualmente sugerir esta possibilidade:a figura como estitua des- tacada).Vitrais ndo tém profundidade, e um anjo voando 4 distincia bem pode (“por uma singulhridade da perspectiva primiti- va")® parecer estar planando logo abaixo do dedo estendido da santa retratads na mesma imagem, Mas um viteal dificilmente poderia representar 0 sindalo perdendo seu revesti~ ‘mento dourado. Assim, a viola da santa no deve ser “parte da imagem”, como entende Cohn; o “recélant” sugere que ela esti fora do alcance da visio, de modo que “le santal. vviewx qui se dédore” e a viola inteira apare- ‘cem como extensio imaginativa da imagem. do vitral, da mesma forma como alate ou mandore”, O hinirio, por sua vez, esti na imagem em vidro € no foi “abandonado” como 2 viola (Cohn), visto que a santa o esti “abrindo” (“étalant”), Peyre confisa- mente identifica varios detalhes do poema com aspectos da figura de Santa Cecilia pin- tada por Rafael (por exemplo, “os anjos que 10 Vessio final de 1883, pubeada em Palsy, 1887; versio anterior inislads “Sainte Cécile jouant su alle d'un ché= rubin - Chanton et image anciennes", 1865. A taduyio de Augusta de Campos, "Santa fi epablicads, 20 lado do original, em Augusto de CAMPOS, Décio PIGNATARI ¢ Haralde de CAMPOS, Mallanné(1978),3- ed Sio Paulo, Perpectiva, 1991, p 46-7 Op. cit, p. 744, 12Robert Greer COHN, Touerd she pooms of Millen, Beskeley/Los Angeles, Univenity of Califraia Press, 1965, Pot 39 0 Lreaturae Sociedade seguram livros abertos, como no pocma” talvez ele nfo quisesse seno sugerir que a ppintura servira de inspiraglo, mas a imagem ‘mental que o leitor produz ser, no melhor dos casos, uma fusio dos tragos gerais da obra de Rafael com um vitral como aquele sugerido por Cohn. Scja como for, ambos os comentadores fizeram 0 que 0 poema exige: leram-no como uma verbalizagio de arte viswal, co- mo Bildgedicht. Ainda que aio tenha tido ‘um modelo real," © poema faz referencia ao tipo de obra que devemos visualizar para podermos entendé-o, recorre a umm conhe- ‘cimento comum da arte religiosa medieval, de seus materiais e formas ¢ de seus lugares e modos de exposici leva além das representagdes visuais da santa e do anjo: os detalhes relegados a um passado desaparecido, 3 misica litdrgica implicita nos instrumentos, no hinitio nas vésperas exigem por sua vez algum conhecimento dos instrumentos antigos ¢ da maneita de entoar as preces litirgicas; € (© estudioso poderia mesmo desejar saber algo da situacio deste ramo de conhecime- nto na Franga de Mallarmé. Poder-se-ia aggumentar que uma vaga nogio dessas coisas bastaria para a vivéncia do poema, que encarna antes uma estética simbolista que uma reconstrugio do passado medie~ val. Mas também seria possivel argumentar {que quanto mais amplo for nosso acervo de imagens ¢ informacées, tanto mais rica seri nossa vivéncia; ou ainda que, para os leito— res que construfrem sua imagem desta Santa Cecilia a partir de uma linhagem mais longa de representagdes plisticas (para depois reinseri-la nessa linhagem), 0 poemsa seri um texto bastante diferente ~ tal como Ademais, ele nos 2 insergio do poema na linhagem de repre- sentacoes literirias de Santa Cecflia deve afetar nossa leitura. Deste modo, revela-se insustentivel a afirmagio da auto-suficién- cia do poema: ¢ jé faz tempo que nés nos distanciamos de um paradigma que insiste em tatar © texto como unt absoluto, em detrimento de seus varios contextos. “Sainte” € um exemplo algo mais reve- lador da presenga de intertextos musicais © pictoriais na leitura de textos verbais. Questdes de intertextualidade podem fazer de textos lieririos objetos propfcios a estu~ dos interartes ~ 0 que nio vale apenas para textos literirios ou simplesmente verbais. Norman Bryson, entre outros, insiste que a Jeitura de textos visuais inevitavelmente en~ volve referéncias a intertextos verbais; 0 mesmo pode valer para a misica, também em sua modalidade absoluta." Tals questcs de intertexwalidade preocupam-se_ mais com a produgio ea recepeio do que com 05 proprios textos: os tragos intertextuais ‘que descobrimos e que nos remetem a uma mitiade de pré-textos no dependem tanto do que esti “no texto”, e sim do nosso pro= prio repert6rio de textos e habitos de leita- ra. Exses hibitos ¢ convengdes formam-se nas comunidades interpretativas a que per- tencemos. Um esforgo académico para en~ tender noses habitos de leitura (isto & 0 modo como atribuimos sentido a textos) deverd atentar para os tipos de relagbes in- tertextuais que costumamos. estabelecer; quando essas relagdes intertextuais envolve~ rem textos criados em outros sistemas de si- gnos, deve-se atentar para 0 modo de recepgio desses tipos de textos. No caso de textos produzidios para pablicos distantes de nos no tempo, no esp2co ou pela cultura 13 Hens! PEYRE,"On Stéphane Mallard, Ssinte™, in BURNSHAW, op. i... 14Colm sugesiu que teve modelo: A inspiraio veio provavelmente de um vital nio-identifeado (conheces~ie visas apueaimagSes).” Op. ct, p. 91. 15CE Noman BRYSON, “Intertesmuaiy and ional poetics”, Sie, 22.2, 1988, p. 183-93. Gncluidas af as subculturas contempori- reas), deveremos tentar reconstruir os cédi- gos ¢ convengdes que governam as priticas interpretativas daquele piblico ~ 20 menos se estivermos interessados em saber 0 que tum texto pode ter significedo ou o que se descjava que ele significasse entéo. Donde minha questio anterior sobre 0 gra de conhecimento da miisica ¢ da liturgia medievais na Franga de Mallarmé, que pode agora ser expandida para abarcar 0 modo de utilizagio dese conhecimento na tecepeio do poema, Modos de recepeio ou “eitura” de tex tos verbais, visuais e musicais dependem claro, da educacio e formagio de cada individuo; dependem de habitos fo- mentados pelas comunidades interpretati- vas (que podem no coincidir para cada suma das artes), bem como das condigdes € contextos de recepgio dos textos.Tal como apresentado na antologia The poem itself, 0 poema de Mallarmé constituia provavel- mente um objeto a ser encarado numa sala de aul, possivelmente no contexto da pri~ tica da leitura cerrada (close reading), Talvez tenha sido Hido como poema simbolista, ¢ portanto pereebido no contexto do que muito, é entio se entendia por criagio textual sim- bolista em literatura ~ e, caso a perspectiva foxse suficientemente ampla, também nas artes visuais, e quem sabe mesmo na mési- ca, dependendo do que se considerasse ‘como paralelo musical do simbolismo poé- tico. Os contemporineos de Claude Debussy tendiam a classificar seus trés “esquisses symphoniques” intitulados La mer (1903-05) de “impressionistas”, 0 que indica que os liam como anélogos a0 impressionismo visual (mesmo porque a nogio de impresionismo literfrio, hoje amplamente aceita, no tinha sido muito desenvolvida por entio); desde aquela epoca, jf se sugeriu que seria mais apro- priado e frutifero que, como misica pro gramitica, La mer fosse lido como um ani Estudos intrartes logo musical do simbolismo poético ¢ pic- t6rico. Entretanto, estas sio consideragbes que musicélogos podem achar de pouco inte- esse ou utilidade, contando possivelmente com a concordincia (quaisquer que sejam suas raz6es) de muitos feqilentadores de concertos. Mas para o estudioso de questdes interattisticas relacionadas 3 produgio ¢ 3 recepgio de textos, tais questdes tém im- portincia consideravel: tio logo reconhega~ mos que poemas, pinturas ou sinfonias nio scjam textos auténomos ou auto-suficientes que nio sejam intrinsecamente ou essen. cialmente rominticos, impressionistas ow simbolistas; io logo reconhegamos a im portincia do “ler como” (reading ai) € do papel do leitor no processo de estabelecet 0 status € © sentido dos textos; t20 logo nos apercebamos da importincia das intertex- tualidades no processo de Ieitura ¢ tio logo readmitamos 0 poeta/artista/compositor/ produtor de textos aos contextos em que percebemos 0 texto ~ a partir de entio ineluizemos em nossis investigagbes histéri- cas a tarefa de reconstrug3o das preocupa- {ges e programas estéticos, dos modos de representacio, das convengdes estilsticas € esteuturais relevantes (ou supostamente relevantes) para 0 artista, seus modelos ne- gativos ou positives; ¢ poderemos propor as mesmas tarefas no dominio do pitblico que recebia a obras. Como criticos ¢ historia- dores (¢ também como teéricos), devere- ‘mos examinar 0 que significa para nés, hoje em dia, a leitura de “Sainte” como poema simbolista (ou ainda 0 que ela significa para nossos alunos, para um historiador da arte francés, ow para um estudioso japonés da literatura fancesa) ou a leitura de La mer como composicio simbolista;¢ desejaremos igualmente entender como esses sio predo- minantemente lidos, ¢ por quem: que inter textuslidades esses leitores construitio? En tre outras coisas, poderemos descobrir que conceitos criticos como impressionisino ou a 2 Literatura e Sociedade simbolismo podem ser mais restritivos ¢ confinantes do que propriamente ‘teis: & corrente, hoje em dia, ver “Sainte” como poema francés do fim-de-século; nada disso elimina das nossas consideragdes a nogio de “simbolismo”, agora entendida como fendmeno histérico, como modo pelo qual produtores de textos e académi- cos de entio pensavam sobre um certo conjunto de textos. ‘Como j& indiquei, “Sainte” & exemplo tanto de um género literdrio especifico, © Bildgedicht, quanto de uma modalidade mais ampla,a'*verbalizagio de textos reais ou fic ticios compostos em sistemas nio-verbais” Esta é minha definigdo propositadamente polémica do que atende pelo termo técni- co de ekphmsis — termo reintroduzide no discurso eritico por Leo Spitzer em 1955, em sua famosa discussio da “Ode on a Grecian urn”. A ekphmsis € uma forma de reescrita e abrange priticas como a descri- do de uma estivua ou de uma catedral num livro de histéria da arte, (re)ctiagio de um concerto para piano ou de um balé em um romance, 2 resenha detalhada de uma pera ou uma produgio teatral, ou ainda a apre~ sentagio verbal de uma litografia no catélo- go de um leilio; pode ser parte de um texto maior ou, como no caso de numerosos Bildgedichte, constituit 0 texto inteiro. A denominacio genérica de Bildgediche € difi- il de traduzir, pois recobre um largo expec~ to de poemas sobre obras de arte visuais ~ nem todos sio ckphrastc poems (uma das tra- duces inglesas cortentes): muitos 56 tomam o texto nio-verbal (real ou ficticio) como ponto de partida ou referencia, sem verbalizi-lo. Por outro lado, se poemas sobre riisica, danca ou arquitetura de fato verba- lizarem 0 textos 208 quais se referem, eles também sio poemas “ekphrésticos”, segun- do minha definigdo.” Resenhas criticas de uma épera, descri- ges de uma pintura num catélogo de leilio ¢ anilises em livros de histiria da miisica substituem os textos que verbalizam ¢ nio costumam divergir intencionalmente, apesar de poder representi-los numa maneira idea- lizante ou parodiante, Ekphrases literdtias aio operam com tais restrigdes, mesmo sendo baseadas em obras reais; a maioria delas tende a atingir autonomia em relacio ao texto-fonte, o qual transformam de acor- do com as necessidades do texto literétio onde funcionam. © leitor nio precisa colo- ciclos (de fato ou mentalmente) 20 lado do texto de sua origem. Isto nio & 0 caso de ‘uma forma especial de reescrita “ekphristi- ca” onde 0 texto literitio oférece uma re- construgio interpretativa de um texto nio- verbal. O lingiiista Roman Jakobson, falan- do sobre © processo invertide, chamou-o “tadugio intersemiética ou transmutagio" ou seja,“interpretagio de signos verbais por meio de signos de sistemas signicos nio- verbais”."" Optei originalmente pelo rétulo “transposigio intersemiética” para designar este aso, mas agora estou inclinado a ado- tur a terminologia de Leo H. Hock, que propés, numa extensio do termo de Jekobson, chamar um texto que se aproxima do texto-fonte de “traduction intersémio- tique”, como um caso especial de “transpo~ 16Le0 SPITZER, “Ode on a Grecian urn’. or content vs. metagrammac” (1988) in Anna HATCHER (ed) Esa on engl and american Iitstne, Princeton, Princeton University Pres, 1962, p. 67-97 17, CLUVER,"Ekpbhritreconsdered-on verbal presentations of on thal test in Ull-rite: LAGERROTH {& Hans LUND (¢8) Int studies new pespectives, Armserdam/Ailanta, Rodopi, 1997. 1§ Roman JAKOBSON, “On lings spect of tansation” (1959), in Seed writings vol. 2: Word and language, The Hague, Mouton, 1971, p. 260-6, CE também C, CLOVER, "On interseniotic wanspostion”, Are and lneratare T, ‘Wendy STEINER (ed) Pacts Tadoy, 10.1, spring 1989, p. 55-90 sition intersémiotique” que normalmente abrange itens mais “auténomos”.” Pode-se considerar todas as formas de ckphrasis como transposi¢bes intersemidticas, a0 Passo que 0 conceito de “traducio interse- midtica” soa melhor se restringido a textos (em qualquer sistema signico) que, em pri- meiro lugar, oferecem uma reapresentagio relativamente ampla (mesmo que jamais completa) do texto-fonte composto num sistema sfgnico diferente, numa forma apro- priada, transmitindo certo sentido de estilo € técnica € incluindo equivalentes de figu- ras retbricas;¢, em segundo lugar, que acres- centem relativamente poucos elementos, sem paralelo no texto-fonte. Ler tais textos como tradugées significa que serio lidas dentro de um estudo dos problemas da tra- dugio ~ campo que recentemente tornou- se uma disciplina independente, complexa e gtatificante. Um dos rumos que a questio tomou & a reconsideracio d2 traducio ‘como processo que nio apenas envolve lin- guas diferentes, mas também culturas dife- rentes — daf que se prefira o termo “trans- culturacio”. Esta pode vir a se tornar uma questio interessante também em casos de tradugdes intersemidticas sempre que o texto-fonte for produto de uma cultura his- torica ou geograficamente distante Ler um texto como tradugio de outro texto envolve uma exploracio de substitui- bes € semiequivaléncias, de possibilidades € limitagdes. No caso de tradugées interse- rmiéticas, alguns leitores fascinam-se com as solugSes encontradas, enguanto outros podem ver nisso a melhor demonstra¢io 19Leo H. HOEK, “La wansposition intesémiotque: pour une clasifiestion pragsiqu Estudos interartes das diferencas essenciais entre 0s varios sis: temas de signos. Poemas, na opiniio destes ‘iltimos leitores, nio podem fazer 0 que pinturas fazem, c a musica € inimitével. A velha metéfora da “irmandade das artes” & para eles uma tentativa de camuflar uma incompatibilidade e uma velha rivalidade: ictura no & ut poesis, ¢ chamar uma pintu- ra de “poema silencioso” ou descrever um poema como “pintura que fala” ajo € um ‘enunciado retoricamente elegante, mas uma afirmagio da superioridade da poesia.” £ claro que é perfeitamente possivel es- todar ckphraseis com muitos outros objetivos em mente, A decisio dependeri parcial- mente das fungSes que desempenham os textos: a descrigfo de uma pintura num catilogo de leilio obviamente nio cumpre © mesmo papel de uma reencenacio verbal de um concerto para piano dentro de um romance; e uma resenha ctitica pode verba~ Jizar um balé tanto para exalti-lo como para denegri-lo — mas a verbalizagio deve ser diferente em cada um destes casos. As ques- tes suscitadas pelo concerto para piano dentro do romance podem tomar a intime- 1as diteges, mas todas provavelmente terio alguma conexio com um discurso interar- tes no sentido que exporemos mais adiante; no @ este necessariamente o caso com os textos “ekphristicos” no catilogo de leilio ou na resenha de‘um espeticulo de balé que de costume no tomamos por “liters rios”, Mas sio precisamente as representa~ (es niovliteririas de textos nio-verbais (expressbes da necessidade incontornivel de traduzir qualquer arte para o discurso verbal in Leo HOEK & Kees [MEERHOFF (ed) Rldnigue et imag: txts en ommage dA. Kikai Voge, Amsterdarn/Auanta, Rodopi, 1995, .65- 8, 20CE Ernest B. GILMAN, "Incrarts studies andthe “imperialism of language”, Art and Utertue ¥,Wendy STEINER, (ed) Pos Todey, 10.1, spring 1989, . 5-30, em reeréncia a Wendy STEENER, The colo ef ctor: profes i he relation bemeen modem Mercure and panting, Chicago, Universiy of Chicago Pres, 1982 ¢ W, J.T. MITCHELL, onoegy: nae, txt, ideology, Chicago, University of Chicago Press, 1986. 8 “ Literatura 2 Sociedade antes que qualquer discussio possa se dat) que demonstram mais claramente 0“impe- rialismo’ da linguagem’”, examinado por Emnest Gilman em relagio aos estudos inte- artes, Havers equivalentes nio-verbais da ekphrasis? Com Les préludes, baseado em poema de Lamartine, Franz Liszt criow uma nova forma musical de um 36 movimento que chamava de poema sinfénico ¢ para a gual tanspés pinturas além de poemas;" Richard Strauss usou-a para recontar Don Quixote, Till Eulenspiegel e Also sprach Zarathustra; 08 Quadros nua Exposipio de Mussorgsky oferecem-nos_representaSes musicais de pinturas identificaveis. Hi tam- bém um género pictérico baseado em cenas especificas de pecas teattais e romances. ‘Muitas dlustragdes podem ser consideradas como equivalentes da eltphrasis - 0 que pode nio ser 0 caso das iluminuras medie ‘vais, onde a relagio de textos visuais com textos verbais tende a ser mais complex Um amigo pessoal possui praticamente todas as edigdes das obras de Samuel Beckett em todas as linguas do mundo; a gama de tipos de ilustragdes para esses tex- tos dificeis é ampla ¢ surpreendente. Como as ekphvases, as ilustracdes so, entre outras coisas, interpretacdes que necessitam elas mesmas de interpretagdes; mas, como quer que as leiamos, elas afetario © modo como leremos os textos que ilustram, mesmo quando sua maneira de reescrita acaba na verdade por subverter 0s textos.” Ha criti- cos que tendem a considerar qualquer for ma de ilustragio como forma de subversio. Auto-ilustragdes constituem um caso 2 parte e so muitas vezes tratadas como capi tulo especifico nos estudos interartes, volta- do para um t6pico diferente: a Doppel- begabung, 0 talento méitiplo. Pata Kandins. ky (poeta tio dotado e importante quanto 0 pintot), escrever poesia era uma “troca de instrumentos”. Arnold Schoenberg criou tama genuina “obra de arte total” (Gesamt- kunstwerk) a0 compor € planejar cada deta~ Ihe para sua épera corta Die glckliche Hand = nio apenas o libreto ¢ a mésica, mas ainda © cendrio, os figurinos ¢ a iluminagio. Mais uma ve7, é possivel abordar 0 fenémeno da Doppelbegabung com varios objetivos em mente; um destes poderia eventualmente recair na categoria geral de “transposigio intersemiética”, ainda quando, como no caso de Kandinsky, nfo temos que lidar com a tradugio de um texto especifico de jum meio para outro, mas sim com a trans posigio de um estilo pessoal. ‘Tanto quanto sei,"‘Sainte” no foi jamais ilustrado ou “musicado”, e nenhuma destas tarefas parece imaginivel; mas a li¢io das fustragbes de Beckett seria uma advertén- cia contra tais pressupostos. Hi um outro 21 CE. Calvin S. BROWN, Muicandletstor, Athens, Univesity of Georgia Press, 1948, Reimpressio: University Pres cof New England, 1987p. 224. 22Uma alana minha, ene Hinsch, eaudow recentemente representarSes visuais do Capitio Acab em ilustagBes nas tradages (€"adapeagdes") de Moly-Did, de Herman Melville para diversosestraos do pblico brain (de adul- tot exigentesleitoresjuveni) ap6t 2 adapapio norte-americama para o cinema, com Gregory Peck no papel do capitio algunas capas prontamente exibiram Ab com os tapos do ator. 23CE HOEK, op. cit, p. 69, Nos dios anor, bastante atenge foi dada tabésn a autores ltetirios camo exticos de aie, alguns maito induentes, como Diderot e Baudelaire cobre a pinura, Mallarmé sobre 2 danga e Nietzsche © George Bernard Shaw sobne a misica, Esa atvidade exten tomoa viras formas, Ass recentemtente a uma pales tea sobre o papel, pelo fim da século pasado, de eicritores angentinos dedicados i cringio de wma suto-iragem nacional eles extimulavam pintores 3 sepeesencr 0s pampas como a paisgem caracteristicamente argenion © vain suas resehas das exposides para ensinar o pico a eras pincuas de acordo com este programa. texto que, tal como o leio, também resisti- ria a um tal tratamento, um texto narrativo igualmente repleto de referéncias i mésica 4 pritica musical (¢ que contém ainda uma espantosa pintura verbal, que alguns criticos consideraram proto-surrealista): “A queda da casa de Usher” de Edgar Allan Poe, uma alegoria da batalha entre as forcas da mente, uma descida 2 insanidade Entretanto, Debussy planejou transformar 0 conto em pera ¢ chegou a esbogar um bret." Ja vi varias verses em filme, quer dizer, filmes com o mesmo titulo € cone xdes suficientes entre as personagens, os ambientes © os enredos para que 0s consi deremos como versdes do conto adaptadas para a tela “Adaptagio” & 0 termo usado para tais converses de novelas em pegas teatrais, ppegas em 6peras, contos de fada em balés, € contos em filmes ow “especiais” de televi- so, Isso implica um ajuste 20 novo meio, {que por sua vez nos leva de volta a0 tépico da transposicio intersemidtica. Mas 0 termo veio a adquirir 0 sentido de “reela: boragio livre”, transformacio, desvio deli- berado da fonte 2 fim de produzir algo novo. Nos primérdios dos estudos cinema- togrificos, quando este ramo comecou a se estabelecer nos departamentos de literatura (como ocorreu nos EUA), a adaptacio cinematogrifica de textos literérios era um dos tépicos centrais, abordada exatamente tal como se abordava a questio da traducio = isto &, com a expectativa de que a adap- tacio fosse tio “fiel” quanto possivel 20 Estudos interartes texto-fonte. Hoje em dia, digo 20s meus alunos que comecem sempre pelo tex aivo © tomem-no como ctiagio inde: pendente: pode ser fascinante observar a partir dai o texto-fonte, estudando as omis- ses @ persisténcias, as transformagdes € expansbes ~ mas também as interferéncias do texto-fonte, nos casos em que 2 nova obra nfo Iogrou adaptar suficiente ou satisfatoriamente 0 material inicial 4 nova linguagem € 20 novo meio, Nada disso nos impede de perceber em alguns casos a extraordiniria proximidade entre 0 velho © novo texto, por veres tio grande que podemos ser tentados a novamente ler 0 segundo texto como traducio intersemidti- ca. Nio obstante, nés geralmente encara~ mos essas relacdes tal como 0 uso que Poe fer de “Das Majorat”, novela de E.T. A Hoffmann, na redacio de “Usher” ou, mais precisamente, 0 uso que ele fez da resenha de Walter Scott sobre os contos de Hoffmann,” além do retrato que Scott fez do proprio Hoffmann: talvez este ltimo tenha exercido mais influéncia do que 0 proprio modelo literério na criagio do pro totipo de Roderick Usher.» Na misica, a Symphonic fantastique de Hector Berlioz, composta poucos anos antes, exemplifica 0 uso de um modelo literSrio que no cons titui uma adaptacdo ou transposition dart, pois se apoiou bastante no Opinions of at English opium eater, de Thomas de Quincey, além de tirar efeitos da Sexta Sinfonia de Beethoven para o terceiro movimento e da cena da Walpugisnacht do Primeiro Fausto de 24 CE Edwatd LOCKSPEISER, "Debusy' brett for The fall ofthe House of Usher", Mose and paintings study in oumputive idee fom Tirert Schooner, New York, Harper and Row (Icon, 1973. 172 25 SicWalter SCOTT, ‘William Hofinann Sees, 11, 1827, p.-442-60. "On the supernatural of fictitious composition; and particully on the works of Ernest Theodore “The Forcign Quarterly Review, 1, 1827, p. 61-98. Reispesite: Museum of Forign Ltoutne ond 26CE. Paul A, NEWLIN, "Scott influence on Poe’ grotesque and arabesque les”, Ainrien Tasendeni Quarta 1969, p. 9-12 © George BVON DER LIPPE,“The figure of ETA, Hotfnann as Doppelinger to Poe's Roderick: Usher", Modern Language Nowe, 92, 1977, p.525-34. 46 Lreraturae Sociedate Goethe para 0 quinto, junto com outras cécnicas programiticas. Se ajustarmos a “clasificagio pragmiéti- ca” do que Leo Hoek chama de “transposi- io intersemidtica” para incluir, além de relagdes entre textos verbais e visuais, as coutzas relacdes intersemiéticas jé explora das, entio a adaptacio cinematogrifica ou operistica, o poema sinfonico, a ekphrass © a resenha de um balé exemplificariam a rela- tion transmédiale (a transposigio de um texto em texto auto-suficiente num sistema signi- co diferente), ¢ ilustragdes de livros (como também emblemas ¢ titulos de textos niio- vverbais) seriam exemplos do discours mult médial (a justaposigo de textos auto-sufi- cientes composts num sistema signico ifezente).” Nao encontramos referéncias @ intertextualidades interartes, nem mesmo a casos que fariam parte da “produgio da relacio palavra-imagem”, Angulo a0. qual Hoek prudentemente restringe sia aborda- gem." Hi, no entanto, duas outras catego- sas propostas no esquema do pesguisador, Em 1949, ano que viu a publicagio da ‘Teoria da literatura de Wellek ¢ Warren, Leo Spitzer (que mais tarde reintroduziria 0 termo elphrasis em nosso vocabulirio criti- co) publicou um “American advertising explained as popular art", que violava vrias das regras estabele~ cidas pela Teoria, Este parece tet sido o prix miro estudo sério de uma propaganda (do ensaio intitulado suco de laranja Sunkist), aplicando os ins trumentos refinados da andlise estiistica de Spitzer (que ele aliés compartilhava com Erich Auerbach) 2 um texto ndo-artistico, profano ¢ utilitirio, constituido sobretudo de imagens visuals acompanhadas de umas poucas palavras. Ao discutir as estratégias visuais dos anunciantes, Spitzer recotria & iconogratia medieval, por af levando (exata~ mente como fazia Auerbach em Mimesis) a interpretagio de um texto simples a refle~ x8es profimndas sobre os valores da socieda- de que o havia produzido ¢ estava destinada a consumi-lo. O que nos interessa aqui no apenas a incursio no campo da cultura popular de um estudioso dos mais respeita- dos, mas também seu tratamento de um tipo de texto que até agora no levamos em conta: um texto em que se encontram simultaneamente signos de diferentes siste- mas de signos. ‘A: maioria das formas de propaganda tem exemplos desta espécie (incluida af a misica no cinema ou na TV). Estamos na texceira categoria de Hock, 0 diseours mnixte (combinagio de textos separiveis mas nio auto-suficientes compostos em sistemas sig nicos diferentes),” que ele exemplifica ainda com o selo, os quadrinhos e inscrigSes ver: bais em textos visuais. Acabei de comprar ‘Moby-Dick como narrativa em quadrinhos: outro exemplo de transposi¢io intersemid rica, Poderfamos incluir ainda nesta catego~ 27 CE HOEK, op cit, p.77-O esquema de Hck, tragado em relagio a textos werbike visuals € bastante mas a esignagio do FEndmeno inteixo era confi porque parece que em mutar das justpasgbes, combinagGes € fasbes de signos veebase vias no se tata de transposicio incersemiétiea, Um coléquio sobre “Transpositions”, aque teve lagar na Université de Toulouse-Le Miral, em: 1986,"gardantla trace de son sens musical origin!" enten- del notion de transposition” como “comment select Ie pesage d'un arti 'autre' (ef, Gwenhaél PONNAW & Andsée MANSAU (ong) Thanspostns: ates du Collague National, organizado pels Université de Tavlowse-Le ‘Miri sob o pateocinio ca Société Fangaise de Litérature Générale et Compatée, 15-16 malo 1986.Tabalhos da Universit de Toulouse-Le Mira 38, Toulouse, Service des Publications UTM, 1986) Aqui, o campo designa- {do pelo termo parece mais largo do que o da tacugSo intersemi6tica no sentido mals eszito, mua wo the ample como 0 de Hoek, 28HORK, op cit p. 66, ria a narrativa verbo-visual dos “livros ama~ relos” japoneses do século XVIII, produzi- dos entre outros pelo artista-autor Kitao Masanobu; Sumie Jones mostrou paralelas fascinantes entre eles e as narrativas visuais de William Hogarth, quase contempori- reas, como The rake's progress (transposto em Spera por Stravinsky). Os “livros amare- Jos" combinavam representacio visual com narrativa ¢ didlogos inscritos, ausentes das seqiiéncias pictéricas de Hogarth, cujos espectadores — além de se apoiarem em referéncias intertextuais a cenas ¢ enredos bem conhecides da ficgao e do teatro con- temporfneos ~ construfram a narrativa com a ajuda de material escrito em forma de legendas, documentos e outras inscrigdes em objetos encontrados nos locais repre- Estudos interrtes entender, apesar do emprego de téenicas Voltaremos a questbes relativas 20 dis. cours mizie depois de considerar um outro fenémeno estreitamente ligado aos estudos interartes € que, por isso mesmo, apenas recentemente achou um Ingar institucional para ser examinado: 0 texto intersemi6- tico, também chamado (pouco satisfatoria~ mente) de texto intermidia.” No esquema de Hock, esse fendmeno representa a quar- ta categoria, a de “discours syncrétique” Muitos tipos de poesia visual" (um tipo de producio textual cuja histéria no Ocidente remonta & Antigitidade clissica) e os géne- ros muito mais recentes da poesia sonora € da poesia semidtica envolvem textos nos guais 0s aspectos visuais ou auditivos nio sentados. A eliminacio dos elementos ver~ bais deixaria ambas as nacrativas diffceis de admitem separagio do verbal, de tal modo que qualquer tentativa de decodificagio & 29 Hoek: prefeis mbiamente nio usar o termo “aida mit", peur de ter danominada sua primeira eategoris de relation tana © a segunda de dieu malting sae, no ceo presente, ot sas de sgnes so mistrados, enguanto 0 meio € um 46 (0 poster ou 0 video). 30CE Sumie JONES, “William Hogarth and Kitno Masanobu: reading eighteenth-century pictorial naratvs”, Yerbol of Consparatve ond Gave Litezaue, 34, 1985, p. 37-73 31 Termo (ce}iatodusido por Dick HIGGINS (cf. “Inermedia", Something Eke Navslate; New York, Something Ese Preity Ll, 1966, Reimpresio: Dick HIGGINS, Horizon: the poets end theory of the intemnedia, Carbondale & Edward, Southern Hinois University Pres, 1984, p. 18-23).Mas tal como no caso de dows mixt,o meio uti Jinado & muitas vezes umn 2 (¢ 0 testo io exnte"Yenre meios"), 30 pass que oft signo() do texto interemitico recorrein simmltaneamente 2 mais de wm digo semidsic, Em porcugués, tis textos podem sce chamaddos de “tex tos intexcSdiges", 0 que infeiamentenio & posivel em inglés ou alemio 32 Creio ser dui aplicar © temo amplamente, de modo a abacar tanto 0s textos im que exstem elementos verbs Visuais combinades mas sepaiveis & o equivalente a0 dixous mixte de lock), quanto os vextes que recorrem simultaneamente a c&digos vsuase vebais sem entiranco permit sua separacio (0 dixous syuntalgue de Hoek). (© termo & feqiente ¢ erroneamenteidentificdo com a poesia conctei: por outro lado, em seu livro Poita visralidede: nna tnjeria do pocsis hails conwonpordnee (Campinas, Eatora da Unicamp, 1991), Phisdelpho MENEZES “temporariamente”« sem muita confanca reserva 0 termo “poesia visual” acs poemas experimenrais basleios dos anos setenta@ oitenta,exchtindo assim a poesia concrete semiétic das décadas ant ones (cp 98) — o que me parece basanceacbitririo, mesmo dentzo de sou ecquemna cuidsdosamente armado. CE vivios dar cnitios do volume organizado por K. David JACKSON, Eric VOS e Johana DRUCKER. sobre eta ordem de quet- bes, Experimental Vinal Concete: avantgarde poctry since the 1960s, AvantGarde Criteal Studs, 10, Amtecdam/ Atlanta, Rodopi, 1996. Estamos ampllando a nosis fnilieidade com wadig5as de poesia vial es culture nfo-ocidentss: muites testo cligrficesérabes, por exemplo,fariam parte dessa goria, 20 menos p cobhos ocidentsis. 4s Literatura e Sociedade interpretagio. deve simultancamente levar em consideragio virios sistemas semisticos. Exemplos puros de textos intersemiéticos sio a Sonate in Urauten de Kurt Schwviters, “Karawane” de Hugo Ball, “Un coup de és" de Mallarmé e virios logotipos comer- Ciais. Os textos contidos no CD Poesia sono sa: do fonetismo as poétcas contemporéneas da voz, organizado por Philadelpho Menezes, representam o discours symerétigue; a versio em video de Nome, de Arnaldo Antunes, é ‘uma mescla complexa de discours mixte e dis cours syreriique Entre os exemplos do discowrs synerétique, Hock inclui a tipografia ¢ o caligrama & maneira de Guillaume Apollinaire. O segundo parece imediatamente aceitivel; 0 primeiro requer mais reflexio, Sem divida, lum texto verbal ¢ afetado pelas decisdes tomadas, na producio da versio esctita, quanto i forma ¢ ao tamanho das letras, como também & distincia entre as linhas, aos recuos, i largura das margens € outros aspectos visuals ~ mas podemos questionar se tuma mudanga em qualquer destes aspec- tos vai produzir um texto diferente (questio que depende do género © muitas outras consideracaes). A escolha da forma das le~ tras pode ser um ato de interpretacio, ‘observagio que vale ainda mais no caso de caligrafia, além do fato de que em ambas as ‘radiges, ocidental e oriental, sistemas cali- gtificos costamavam funcionar de acordo com cédigos seminticos preestabelecidos, ‘cujas convengées sio hoje em dia conheci- das 36 pelos especialistas. Parece que a codi- 33CE. Ming SHI, “"The three perfection ficagio da caligrafa chines era muito mais convencional e baseada em critérios bem diferentes. Numa lingua em que a palavra recebe sua identidade por sua forma escrita 0 ideograma ~, a escolha dis pinceladas poderia ter efeitos profundos. B isso o que torna a abordagem da pintura dos literati chineses tio dificil para o espectador/leitor ocidental, que a considerard como justapo- sigio de textos visuais e verbais ou, no melhor dos casos, como combinagio num discours mist, Para o chinés informado, este tipo de pintura deve ter a qualidade de um discours synaétique com 0 seu jogo das inter- relagdes entre as “trés perfeicbes” da pintu- 1, da poesia e da caligrafia vistas como uma finica atividade — nogio expressa no modo como a lingua chines fala do pintar: © termo é “escrever pintura”." Decerto, os poemas inscritos podem ser (e tém sido) separados das pinturas, mas neste caso pode~ se dizer verdadeiramente que em si mesmos rio sio os mesmos. Nio ha correspondén- cias exatas na tradigio ocidental (6 costume citar William Blake neste contexto, ¢ alguns dos livres-d’antste modernos chegam perto), ‘mas em termos de complexidade e da inter- relagio entre elementos verbsis e visuzis, a pintura dos literati chineses pode ser ainda ultrapassada pela maneira como Hrabanus ‘Maurus desenvolveu o carmen fguratum den- to dos vers intexti em sua obra De adora- tione Sanctee Crucis no comego do século TX* — e costumamos nos esquecer de que estes textos € outros carminafigurata em ver- sos métricos tém uma dimensio sonora © jomorphic structures in works of te chinese poet-caligrpher-pain- ters jn Martin HEUSSER etal. (ed) Hird © image inratons I, Amsterdam /Aanta, Rodopt, 1997. Nos Roles de Ganj Japio,sfculo XID), até 0 modo de prepracio do papel contribu para o efit Sina ds caligafia,que, por st ‘ver, ésdaptada ao tom emocional dos motives Lzics, da stuagi,e da posigio socal da personage que fl; estes teechos texts iados da Histhle de Genji mas recriades n2 mancira indicads exemples do dios syneniqn, sto sucedides pe dustagio da cena, que transforma os Relos mum discus multnddl(¢ Aiko OKAMOTO-MAC- PHAIL, "Interacting sign in the Gen! soll in Martin HEUSSER etal, op. cit), SHCE Ulich ERNST, Carmen figuanm: Gestidte der Figurengedchs von den anther Uspringen is =n foram compostos numa época em que ler ainda significava ler em vor alta ‘Um caso diferente mas igualmente com- plexo de co-presenca de dois sistemas de signos 6 a cangio, A musicalizaggo de um poema nio é equivalente a uma ilustragio visual: nio hi justaposicio, mas fusio dos textos verbais e ndo-verbais, como ocorre em alguns livres dartiste. Mas por mais ins- trutiva que seja a busca de equivaléncias ver- bo-visuais, nfo creio que cheguemos por essa via a um paralelo convincente, mesmo se deixarmos 20 lado a questio da peyforman- ee. © que vale lembrar é que 0 poema na cangio é um texto diferente do poema fora dela; ¢ ainda que a partitura musical possa ser executada sem a letra, ela também serd tum texto diferente sem as palavras.As cate- gorias de Hock, diteis até certo ponto nas reflexdes sobre a cangio, nio so completa mente apliciveis: num sentido, as letras © a mtisica sio separiveis (critério tanto para 0 discurso multimidia quanto para o discurso misto), ¢ pelo menos o texto verbal é tam- bém auto- ficiente (critério para 0 discur- so multimidia), mas, como no caso da pala- ‘yea e sua imagem no texto caligritico, as letras quando cantadas fandem-se insepara- velmente com a melodia (critério para 0 discours syncrtique). Parece que os esforgos para lidar com este aspecto da cangio no ém sido muito satisfatSrios, Nas institui- ges académicas no a nenhum lugar tra~ dicional em que a questio possa ser estuda- da—o que vale para a maior parte dos fend- menos que estamos examinando. O que quer que os estudos interartes possam ser — ‘uma nova disciplina ou um discurso inter € transdisciplinar — , € af que podemos espe- rar desenvolver modos de lidar com um fenémeno como a cangio, tio profin- damente atraigada em todas as culeuras, Estas reflexdes também nos fazer lembrar Ausgang des Mitel, Pet et Posi 1, Kéla/ Weimse/Wien, Bahia, 1991 studs intrrtes que falta toda uma dimensio 2o que estuda- ‘mos em nossa aulas de literatura, como a épica homérica, 2 lirica de Safo, a ode pin- dirica, a tmagédia clissica ou mesmo a comédia de Plauto, Faltam-nos também as melodias de muitos dos Carmina buran, dos Minnelieder, das cangdes dos trovadores. Imagine as conseqiiéncias de termos s6 as letras da miisica de Caetano! Nao deveria~ mos, é claro, restringir as nossas reflexdes sobre a cangio aos casos em que as letras € a miisica foram criadas juntas, como na pro- dugio de Caetano Veloso, ou 3s misicas compostas especificamente para um poerna {jf existente: assim como é interessante esta- dar as implicagdes de observar uma mesma ilustragio inserida em distintos textos ver~ bais, do mesmo modo precisamos tambem lidar com o que ocorre quando uma letra é composta para uma melodia preexistente, ou com hinos religiosos cantados com melodias diferentes. E inevitivel que, falando da cangio, cam ‘bém pensemos em formas do disours mite em que 0 cantar € combinado com 2 apre- sentagio dramitica e cénica~ 0 diame lyri- que, formas operisticas (do tragico até 0 cémico), 0 musical, o cabaré, € as muitas formas do teatro musical encontradas em outras culturas distantes no tempo e/ou espago da nossa. Em todos estes tipos de apresentagio cénica — como também no cinema, no teatro nio-musical, no balé e em todas as performances de danga que se combinam com miisica ou usim cenografia ¢ figurinos e em muitas formas de rituais — 05 varios elementos baseados em sisternas signicos diferentes sio fundidos, como as letras ¢ a melodia na angio. Podemos com- prar gravagdes de éperas e trilhas sonoras de filmes, estudar pecas teatrais nas aulas de drama, visitar exposigées de figurinos cenografia e assistir 2 ensaios de balé onde erature Soceda nio ha mésica — precisamos insstit mais juma vez que todos estes textos sio entida- des diferentes enquanto no fundidos na performance. Nossa referéncia prévia a pera Die gliickliche Hand, de Schoenberg, nos fez lembrar 0 ideal oitocentista de criar a “obra de arte total”. Abordada assim, provavel-mente vista numa perspectiva interartistica. Mas deve também ficar laro que nem todo estudo ou toda discussio de ‘uma épera— ou de um filme, um balé ou uma produgio teatral ~ € um exercicio em estudos interartes. Seria ertado pensar que estados de cinema ou de teatro fazem co ipso parte de um discurso interartes. Hii uma vasta gama de relagSes entre as artes que nio pude mencionar, races que normalmente no envolvem textos especifi- cos. Hi géneros paralelos, alguns dos quais so produtos de necessidades © interesses idénticos mum dado momento (a novela histérica encontra paralelo na Historienma- fare), a0 passo que outros sio resultado da imitagio, numa forma de arte, de um géne- ro desenvolvido em outra. O poem sinfo~ nico no imitou um género pottico especi fico, mat surgi antes na busca de uma forma adequada para as necessidades da miisica programética do século XIX; ao rebatizar 0 poema sinfénico de “esboco sin- fEnico”, Debussy nfo apenas indica um redirecionamento, do modelo litecitio para © pictético, como também filiase desse modo 4 idéia do “esbogo”, que permeia varias artes oitocentistas. Ha a produgio de retratos, visuais ou verbais, uma prética cul- tural que se encontra 20 longo da Historia e-na maior parte das culturas. Ao lado do anto-retrato pictérico ou escultural, hi autobiografias no somente verbais (€ ‘mesmo literdrias) como também musicais (Bedrich Smetana, Minha vida; Strauss, Ein Heldenleber). A danga, por outro lado, em ‘vex de apresentar “personagens” individua- lizadas, no costuma ir além de ofececer tipos genéricos. Hé transposi¢des de recur- sos estruturais ¢ estiisticos, ¢ analogias for- mais, A decisio tomada nas primeiras fases a histéria da arte para criar conccitos de periodos de acordo com critérios de estilos foi imitada nas outtas disciplinas e resultou na insisténcia de Oskar Walzel na “ilumina- go mitua das artes”, numa das primeiras comparages interartes no século XX." Tenho considerado apenas os mais ‘bvios tipos de textos € de relacdes como objetos dos estudos interartes, sem sequer tocar nos fendmenos que suscitam os pro- bblemas mais espinhosos. Dei énfase aos aspectos que poderiamos chamar, em termos gorais, de semidticos, por razSes a serem explicadas mais adiante. Mas essas relagSes tém toda espécie de implicacdes, que foram despertadas pelo interesse, recentemente renovado, em contextos sociais ¢ culeuras, Como indiquei desde 0 inicio, tal interesse fora reptimido pela orientagio formalista dos estudos literfrios que comegou a preva lecer nas décadas de trinta e quarenta, com 0 ‘New Criticism nos EUA ¢ com tendéncias semelhantes (algo mais antigas) em outros paises. Mas nio devemos esquecer 0 surgi- mento de um outo estudo extremamente influente logo apés a Guerra:2 monumental Sozialgeschichte von Kunst und Literatur de “Arnold Hauser, escrito a partir de uma pers- pectiva marxista. E também dbvio que se deve A atividade e a0 desenvolvimento con- tinuos das varias formas de critica de inspi- racio marxista 0 engajamento contempori- 135 Oskar WALZEEL, "Weehselseitge Esellung der Kinste” (1917). THadugio ingles: "Mutua illumination ofthe ars, intod.¢ condensagio Ulrich Weistein; trad. Kent Hooper ¢ UW, Yésboo of Compoative and 1988, p.9-31 Seve Literate, 375 36A.HAUSER, Hive sce de eta ¢de ante, tad, Wer H. Geenen, 2 e, Sao Paulo, Mesue Jou, 1972,2 v neo em novas pesquisas sobre os contextos socioecondmicos e as balizas ideoldgicas das artes, nos periodos histéricos como também em situagdes pés-coloniais estas abordagens criticas ¢ em outras nio ligadas 8 perspectiva marxista,tais como 2 atitica psicoldgica e psicanalitica ¢ algu- mas orientagdes da critica feminista, a idéia de “‘construcio” tornou-se termo-chave, em conexio com a base de quase todos aqueles paradigmas exiticos atuais que insis- tem no reconhecimento de que tudo 0 que sabemos sobre o mundo é uma construgio nossa (idéia bern encapsulada no titulo de Ways of worldmaking, de Nelson Goodman) — a inclnidos, 6 claro, nossos conceitos cri- ticos, que nio se referem a fatos,mas a cons- trues. A produgio e receprio de “obras de arte” (uma dessas consteugdes) tm sido examinadas por criticos interessados em saber de que modo as obras sio utilizadas na construgio das nogées de diferencas sexuais (gender), de classe, raga, etia. Visto que essas questies geralmente envolvem representa- ges, tais abordagens criticas ocupam-se sobretudo das artes representativas ou dos aspectos representatives das artes; nio sei dizer em que medida um musicélogo, por exemplo, faria uso desas abordagens — mas devo mencionar os livros de Susan McClary Rose Subotnik” A contrugio do eu (self implica a cons trugio do outro (com ¢ sem inicial maits- cuz). Nos estudos literdrios (em particular no comparatista) tem-se registrado um interesse renovado na “imagologia", modo como escritores representaram as imagens do estrangeiro (“Vétranger tel gu’on le voit”). Tais imagens sio abundantes nna literatura de viagem (cartas, relatos, dig- rios, poemas, romances e utopias), especial- Estudos intrartes mente em conexio com as grandes viagens de descobrimento, Estados desses textos tornaram-se comuns, incluindo muitas vvezes anilises da documentagio pictérica existente ou de registros pictéricos inde- pendentes, Nesta érea, 0 foco tende a recair sobre objetos de representagio e modos de recepeio (certamente no com um “olho inocente”}. Além das predisposicdes ideol6 gicas ¢ dos objetivos politicos, outro fator a dar forma a essas representagdes de seres, comportamentos e modos de vida pouco familiares foram os modos jé estabelecidos de representagio do outro (ai incluido 0 mundo animal), 2 que os viajantes inevita- yelmente recorriam em suas produgdes ver- bais ou visuais, na medida em que sua for magio os havia familiarizado com tais modelos. Ainda que a maioria das questes sobre 05 modos de percepgio ¢ representa io dos habitantes do Novo Mundo inclua- se no campo geral dos “estudos culturais”, ha questées relativas A maneiza de usar motives visuais convencionais nos relatos vverbais (¢ vice-versa) que seriam de interes se particular para o estudioso das questdes interartsticas. Boa parte da literatura de viagem nio é lida com quaisquer expectativas “literi- rias”, € € pouco provivel que a massa dos documentos visuzis venha a se tornar “obras de arte” canénicas, Os estudos recentes tém dado pouca atencio ao status “literdrio” ou “artistico” na selecao de seus objetos de estudo, o que vale também para ‘5 estudos interartes ~ até a denominagio de estudos interartes tornou-se questionavel antes mesmo de se tornar familiar. Ao falar- mos de““artes”, referimo-nos aos objetos de estudo das disciplinas que costumamos con- siderar como especializadas em estudar “as 37 Susan McCLARY, Foninine ending: musa gevde, ad seeudty, Minneapels, Unversity of Minnesom Press 1991 © Rese SUBOTNIK, Developing variation: style and idly jn west muy Minnespolis, University of Minnesota Pres, 1991 0 Literatura © Sociedade artes"; no se tata, portanto, das “artes libe~ ris”, mas das diseiplinas melhor conhecidas em alemio como Kunstwissenscheft, Musik- wissenschaft e Literatur, Theater, Film= Tanzwiscenschaft. Algumas destas disciplinas possivelmente jf no consideram seus obje- tos de estudo como “arte”; agora temos a Medienwissenschaft € a Kommnuniationswis- senschafi, em que a reorientagio jf esti pro- gramaticamente expressa no rotulo. Mas mesmo onde © interesse nas “artes” e na producio ¢ recepgio de “obras de arte” continua, a tendéncia atual & pensar nelas como priticas sociais, E possivel neste ponto chegarmos a algumas conclusdes. © espectro de exem- plos deve ter sugerido que mais vale conce- ber os estudos interartes como discurso transdisciplinar 4s voltas com as “artes” suas inter-relagdes do que como uma disci- plina auténoma, a despeito do significativo apoio institucional que obteve: existem cur sos regulares oferecidos nas universidades, programas de graduacio ¢ mesmo departa- mentos, existem varios periédicos dedica~ dos exclusivamente ou primariamente a questbes interartisticas, ¢ existe finalmente ‘uma bibliografia anual que em geral arrola perto de mil itens."' E, como discurso trans- isciplinar, tem preocupagdes de orientagio semiética, explorando questdes de significa- do e interpretacio, de sistemas sfgnicos © suas interacbes, de representagio ¢ narracio, de tempo e espago, ¢ de assuntos tradicio- nalmente tratados na estética; mas mesmo tais interesses e assuntos no podem mais ficar separados de contextos socioculturais, existe uma tendéncia crescente para 0 dis- curso ser absorvido pelas abordagens e inte~ resses dos novos Cultural Studies, Esta super- disciplina, dinimica mas mal-definida, que se instalou nos BUA ¢ no Reino Unido (mas também alhures) 20 longo da éitima década, agora esti ameagando engolfar os estudos literdrios (bem como @ literatura comparada). © faturo depende em parte das direges tomadas pelas disciplinas “artisti- cas” singulares, pois 0 programa do discurso interartes esté estreitamente entremeado 20s interesses delas, Se lograrem demonstrar 203 ‘olhos do pitblico, dos administradores € de i mesmos gue seus interesses no coinci- dem inteiramente com as preocupagdes dos Cultural Studies (e880 mesmo dentro de um paradigma que favorece a contextualiza~ ‘¢l0), que hi questdes vitais no contempla- das pela abordagem dos Cultural Studies, entio essas disciplinas singulares poderio sobreviver como instituigBes - ¢ 20 lado delas os estudos interartes. Uma dessas questdes & de fato fundamental: a formagio de leitores competentes. Os objetivos dos estudos interartes sio largamente determinados pelas_ mesmas preocupagdes que dominam 0 discurso eri tico atual — e por isso deverio freqiiente- mente coincidir-com os objetivos dos Cul- tural Studies. Entretanto, como ji vimos, hi varios tipos de textos que ou combinam ou fandem cédigos semiéticos diferentes e que rio se incluem nos limites das disciplinas artisticas tradicionais. © estado de tais tex: tos requer uma competéncia especftica, ¢ 2 formagio de leitores competentes para tanto Glém da formacio de leitores equipados para lidar com intertextualidades interartes) & uma das fangdes dos estudos interartes — concebidos neste contexto como uma dis ciplina. Mais além, talvez fosse possivel divi- dir os objetivos dos estudos interartes (bem 8A bibliograéa € publicada no Yeuboo of Comparative and Goel Litutue, Desde 1995, é uma Nonlsk Selikap for InverartSeudier,¢ a Inernational Asocation for Word & Image Srudies,que jf tem organizado quatro congres- cot tient teri uma paaela na International Awciation for Word and Music Sedies depois do enconto funda- orem Graz, Avira, em maio de 1997. como os das disciplinas artisticas tradicio~ nais) entre aqueles que enfatizam o estudo de textos ¢ de suas relagdes intertextuais enquanto tais e aqueles que abordam fend= ‘menos interartes sobretudo como prodatos € priticas socioculturais. Nos dois casos, estaremos tratando de questées relativas 3 produgio e & recepgio de textos, a autores & leitores, e por esta razio apenas sera impos- sivel excluir a dimensio dos contextos cul- turais, Nio é inteiramente errado considerar as abordagens do primeiro tipo como essen- cialmente semidticas: a propria referéncia a ilustragdes, cangdes, logotipos ¢ dperas como “textos” privilegia essa visio. Mas, & atte o fato de tais objetos de estudo terem fortes qualidades nio-semidticas (como musicélogos ¢ historiadores da arte nio deixam de acentuar), hi questdes bisicas que podem nfo ter uma evidente raiz se- mi6tica. Questies referentes 3s “linguagens da arte” (citulo de outro livre de Nekon Goodman)” e & representa¢io (do mundo fenoménico, mas também de outros tex- tos), além da questo mais localizada da iconicidade, do status da semelhanga como qualidade essencial ov fenémeno culeural- mente construido sio preocupagdes eminen- temente semiéticas; mas as questdes da estru~ ‘tur da narratividade, do espaco e do tempo podem nio o ser na mesma medida. Tado depende da nogio de semidtica em uso, © modo como apresentei meus exem- plos privilegiou claramente o primeiro tipo de abordagem. Mas espero ter suficiente- mente indicado que a maioria ( no a totilidade) dos exemplos de objetos de estudo se prestariam igualmente bem a investigagdes voltadas para fungSes cultu- rais, motivagdes ideol6gicas e toda espécie de contextos — a9 mesmo tempo em que se Fstudos intrartes Jjuntam a preocupacdes de outras disciplinas “ndo-artisticas” no interior dos varios dis- cursos transdisciplinares que marcam boa parte da pesquisa contemporinea. O campo é tao vasto que seria fil tentar delimitS-o. Realcei essa primeira abordagem por virios motivos. E em seu Ambito gue os estudos interartes adquirem algo como uma identidade propria, é ela que estabelece os pressupostos para um trabalho de &xito com 0 segundo tipo de abordagem, e é nela que a maior parte do trabalho de fimdamenta~ G40 deve ser realizado, O que se ressalta em meu discusso é uma posigio te6rica defini da, ela mesma parte do paradigma em que trabalho como estudioso de questdes inte- zartisticas — um paradigma que claramente traz a marca de minba disciplina original, os estudos literirios. £ sempre interessante € ultimamente mecessério descobrir em que medida essas posicdes io compartilhadas por estudiosos de outras disciplinas. Uma das fiangdes das conferéncias ¢ seminérios sobre estudos interartes esti em identificar ¢ cesclarecer os diferentes pressupostos ¢ priti- cas paradigmiticos. Ainda estamos ocupa~ dos em desenvolver uma base comum para nosso trabalho, com preocupacées, concei~ tos e objetivos comuns, com uma termino- logia vidvel ¢ com métodos apropriados. Os métodos dependerio, em boa medida, das questdes que formularmos e das metas que seguiremos; tal como a literatura compara~ a, 0 estudos interartes nfo possuem meto- dologia propria. A terminologia teri que superar dois obsticulos sérios: 0 uso deno- tativo versus 0 uso figurative de termas" ¢ a aplicagio do mesmo termo a fendmenos em textos pictoriais, musicais verbais que no sio necessariamente idEnticos, andlogos cou equivalentes em cada uma dessas reas — ritme, por exemplo, De modo geral, as ques- S9N. GOODMAN, Languget of ram appraath a theory of syibls,2. 24. Indianapolis, Hacket, 1976. 40 Claudio GUILLEN escreveu sobre i, hi muito tempo, um enssio evehdor: “On the concept and metaphor of| Uteraturae Sociedade tes de corespondéncia continuam emba- ragosas: a linha na pintura corresponde 4 melodia, a cor corresponde a0 timbre? A que cotrespondem esses elementos em tex- tos verbais? Faz sentido falar de metiforas pictori-ais ou musicais? Uma personagem & igual na ficgio narrativa, no teatro, na Spera, no cinema e na pintura? Se quisermos fazer comparagies, teremos que resolver essas ‘questdes — e talver s6 possamos fazé-lo por meio de uma semidtica das artes, e de prefe- réncia, uma que nio privilegie a dimensio lingtifstica, para fornecer a base comum. Este ensaio é um exemplo da tendéncia predominante de privilegiar o texto verbal © os paradigmas da pesquisa literéria nos estudos interartes, uma tendéncia que se explica pelo fato de que tais preocupacdes tém ocupado mais insistentemente os pes quisadores de literatura;.o problema ainda mais se agrava pelo ““imperialismo da lin- guagem” mencionado mais acima. Mas no hi teoricamente nenhum obsticulo contra tornar as relagdes entre a danga e a miisica © ponto central desse discurso; e a metifora da arquitetura como “miisica congelada”, certamente mais persuasive que a designa ‘io da pintura como “poesia silenciosa”, su- sgere uma das varias maneiras de relacionar a misica as artes visuais. Ao longo das ‘mudancas na hierarquia das artes ocidentais, a literatura nem sempre ocupou 0 posto sais alto, ainda que na maior parte do tem- po o discurso sobre as artes tenha sido do- minado pelas tradigdes da ret6rica clissica. ara muitas pessoas, os estudos interartes podem parecer apenas uma das novas super Gisciplinas, como a semiética hi algum tempo € os Cultural Studies no presente. Na verdade, mesmo a literatura comparada ja foi vista como candidata a esse lugar, e parte desta percepgio persiste ¢ leva ao desespero do comparatista fice 4 impossibilidade de conhecer tudo, 20 medo de ser incompe- tente. Incompeténcia & de fato inadmissvel ‘Mas aprendemos a determinar os limites e a extensio da nossa competéncia, a aferi-la nos contextos em que trabalhamos. Muitos da velha geragio de comparatistas nio tive~ ram formagio como tal, mas, entretanto, produziram os trabalhos pioneiros a que me referi logo de inicio. O mesmo vale para os estudiosos de temas interartes. Estamos pre parando as ferramentas e a formagio neces- siria 3 nova geracio que tera como trabalhar com textos que combinam e fuandem dife- rentes meios e sistemas de signos, ¢ que po- derd entio lidar com a maior parte da cria- Gio artistica do nosso tempo, voltada a pro- duzir exatamente esse espécie de textos." ppempective”, in Stephen G. NICHOLS J. Richand B. VOWLES (ed) Capea at abil: aude ix comparative Fiat, Witham, Mass, Bla |, 1968, 28-90. Reimpretsio in GUILLEN, Liter at setemsuys tarda theory ef litey history, Princeton, Princeton Universiey Pres, 1971, p. 283-371. 41 Outs referénciasbibliogréica: Claas CLUVER, "Estudos inteares:inoducio ein”, Bonds intr, wad Yun Jung lm e Claus Ciiver, apres Ana Mae Barbora, Sio Paul, Experimenta, 1997, C. CLUVER, "Periodization in che twentieth cennmy: che perspective ofthe other ar, in Paceding ofthe VIP Cong of the Intrnatinsl Compote Lita Assaton {1973}, vol. 2: Conpansive ewsuretodey: dey and prt, Eva Kushner and Reman Struc (2) Budapest, Akadémisi Kinds; Seogart, Eich Bieber, 1979, p. 197-9, René WELLEK, "Concluding remazis", in Prong of te VIP Congress of te international Conpautive Lisatwe Assedation, vol 2: Comparative liane day theory end pute, op. it, p. 201-2, R. WELLEK, “The parle beoween lteranue and the ats", Eni Insti Ecseys 1941, New York, 1942, p. 29-63. A Bibiopwply on dhe Relaions of Limanwe and Other Ars 1952-1967, Apéndice Comentirio de Henri Peyre sobre “Sainte”, de Mallarmé, in BURNSHAW (ed), The poe itself Mallarmé had probably seen a reproduc~ tion of Raphacl’s well-known painting in the museum of Bologna, in which Saint Cecilia, with two saints on either side and the musical instruments at her fect, listens in rapture to the singing of the angels above her ~ the angels holding opened books before them, as in the poem, She bas rejected her own instruments, ptefer- ring the unheard music of the angels to anything she might attempt to create, For a moment the reader may think of Keats (“Heard melodies are sweet, but those unheard / Are sweeter”) — but for a moment only. For our entire poem con- verges and comes to rest on the final line: it ends in silence as it began in absence “Sainte” is only one of the poet’ memo- rable exaltations of the beauty and signi- ficance of ultimate Nothingness. (p. 47) ‘New York, AMS, 1968.A pari de ent Estudos iterates Comentirio de Robert Greer Cohn sobre “Sainte”, de Mallarmé, in Toward the poems of Mallarmé: A still, glowing epiphany worthy of the Italian masters, this awless miniature pre~ sents a stained-glass window portraying Saint Cecilia, the patroness of music, 25 2 ‘madonna-like Muse. By a quirk of primi- tive perspective, she appears to be playing on the ideal harp formed by an angel’ wing, The more usual instrument, the viol, and an opened hymn-book, though part of the picture, seem to have been abandoned in favor of this pure expres sion. We are reminded of Keats’ unheard music ffozen, visually, on a Grecian urn, ‘The sonnet thus gently represents the aspiration of Mallarmé’s art that occasio- nally seems, or somehow manages, to express the ineffable The inspiration pro- ably came from an unidentified stained- glass window (various approximations are Known). (p.91) Tradugio de Claus Chiver ¢ Samuel Titan Jr atualizada anaalmente soba editors de Calvin $.Brown (at 1972) e Steven P.Seher (1973-198). A bibiografia de 1974 foi publicada em Honfrd Sues in Liew, 7, 1974, p. 77-96, Desde 1985, publicada em Yerlook of Compantve and ence Liteatre, Claus Cliver (ed). Cobre “Theory and general topies"""Music and literarure, "The visual ats and literature”, “Fm and literature” (1974-1984), "Dance and lter- azure" (1985- Desde 1986, com indices de antor ¢assato,e nots paris. Bibografia ni inchs nos vo. 39, 41 ¢ 42; vel. 40 contém bibiografas para 1989 « 1990, vol. 43 (1995) c 1995, Contin, rtm wna bibliografi parcial para 199%

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