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U5 KEYNES E OS “CLASSICOS”: UMA INTERPRETAGAO SUGERIDA! John R. Hicks Ser4 admitido pelo leitor menos caridoso que o valor de entretenimento da General Theory of Employment de Keynes é consideravelmente intensificado por seu aspecto satirico. Mas é também claro que muitos leitores ficaram estarrecidos por este Dunciad.* Mesmo que tenham ficado convencidos pelos argumentos de Keynes e humildemente aceitado 0 veredito de que eles mesmos foram “econo- mistas cléssicos” no passado, acham dificil lembrar que acreditavam, em seus dias degenerados, nas coisas que Keynes afirma que eles acreditavam. E, sem duvida, hd outros que descobrem que suas diividas hist6ricas so uma pedra no caminho, que os impede de alcangar o maximo de iluminagdo da teoria positiva, que pode- tiam, de outra forma, ter conseguido. Uma das razées principais dessa situago é, sem divida, encontrada no fato de que Keynes considera como tipicos da “economia classica” os ultimos escritos Baseado numa monografia que foi lida na reunido da Econometric Society, em Oxford (setembro de 1936), e que proporcionou uma discussZo interessante. Tem sido modificada subseqiientemente, em parte devido Aquela discussdo e em parte como resultado de dis- cusses adicionais em Cambridge. Reimpresso de Econometrica (abril de 1937), pp. 147-59, com permissio do editor e do autor. John R. Hicks é professor catedritico do All Souls College, Oxford University. * Nota do Revisor ~ “Dunciad, poema (1728-1742) do poeta inglés Pope, Poderosa ¢ vene- nosa sdtira contra os poetas entdo famosos, Theobald e Cibber. ..” (Grande Enciclopédia Delta Larousse.) 205 do Professor Pigou, especialmente The Theory of Unemployment. Agora, The Theory of Unemployment é um livro relativamente novo e excessivamente diffcil; portanto, é seguro dizer que ainda no causou muita impressfo nos ensinamentos normais de economia. Para a maioria das pessoas, sua doutrina parece t4o estranha e inovadora como as doutrinas do préprio Keynes; portanto, dizer que ele proprio acreditou nessas coisas deixa o economista normal bastante perplexo. Por exemplo, a teoria do Professor Pigou trata, numa extensfo sobremodo surpreendente, de termos reais. Nao apenas a sua teoria é de sal4rios e empregos reais mas intmeros problemas que qualquer pessoa teria preferido investigar em termos monetérios so investigados pelo Professor Pigou em termos de “‘ordenados- -bens”. O economista classico comum nfo faz parte desse “tour de force. Mas se, em apoio do economista cléssico comum, declararmos que ele teria preferido investigar muitos desses problemas em termos monetérios, Keynes respon- der4 que nao hd nenhuma teoria classica de salérios nominais e emprego. E verdade que tal teoria no pode ser facilmente encontrada nos livros-textos. Mas isso é apenas porque a maioria dos livros-textos foram escritos numa época em que as mudangas gerais nos sal4rios nominais num sistema fechado nao representavam um problema importante. Pouco se duvida de que a maioria dos economistas pensavam que tinham uma idéia bastante correta de qual era, realmente, a relagdo entre os saldrios nominais e 0 emprego. Nessas circunstancias, parece valer a pena tentar construir uma teoria tipica- mente “‘classica”, alicergada num modelo mais antigo e grosseiro que o do Professor Pigou. Se pudermos construir tal teoria e mostrar que oferece resultados que, de fato, tém sido comumente aceitos, mas que ndo concordam com as conclusdes de Keynes, ent@o teremos por fim uma base satisfatoria de comparagdo. Podemos esperar ser capazes de isolar as inovagdes de Keynes e, assim, descobrir quais sio os verdadeiros problemas em confronto. JA que nosso propésito é a comparagdo, tentarei apresentar minha teoria classica tipica numa forma similar Aquela em que Keynes apresentou sua prépria teoria; deixarei fora todas as complicagSes secund4rias que ndo se relacionam inti- mamente com esta questdo especifica. Assim, pressuponho que esteja lidando com um perfodo curto, em que a quantidade de equipamento fisico de todos os tipos disponiveis possa ser considerada como fixa. Pressuponho o trabalho homogéneo. Pressuponho, ainda, que a depreciagdo possa ser negligenciada, a fim de que a produgdo dos bens de investimento corresponda ao novo investimento. Essa é uma perigosa simplificago, porém os problemas importantes levantados por Keynes em seu capitulo sobre 0 custo do usudrio so irrelevantes para os nossos propésitos. Comecemos pressupondo que w, a taxa de salarios nominais per capita, possa ser tomada como dado, Que x e y sejam os produtos dos bens de investimentos e dos bens de consu- mo, respectivamente, e NV e Ny sejam os nimeros de homens empregados em sua produgdo. Jé que o montante de equipamento fisico especializado para cada indus- tria é dado, x = f, (Vx) e y = fy Wy), em que fy e fy sio fungSes dadas. 206 Que M seja a quantidade dada de moeda. E desejavel determinar-se Nx e Ny Primeiramente, 0 nivel de prego dos bens de investimento é igual aos seus custos marginais, que s4o iguais a w (dN,/dx). E o nivel de prego dos bens de consumo é igual aos seus custos marginais, que sdo iguais a w (dN,/dy). A renda ganha em transagdes de investimento (valor do investimento ou simplesmente investimento) é igual a wx (dN,/dx). Chamemos a isso de J,. Renda ganha em transagdes de consumo = wy (dNy/dy) Renda total = wx (dN,/dx) + wy (dNy/dy). Chamemos a isso de /. I, é, portanto, uma dada fungdo de Ny, J de Nx e Ny. Assim que I e J, forem determinados, N, e Ny também o poderao ser. Agora, vamos pressupor, segundo a “Equagio Quantitativa de Cambridge”, que haja alguma relacao definida entre a renda e a demanda por moeda. Depois, aproximadamente e 4 parte do fato de que a demanda por moeda poderd depender nao apenas da renda total, mas também de sua distribuigo entre pessoas com demandas relativamente pequenas e relativamente grandes por disponibilidades, poderemos escrever: M=KI. Tio logo k seja dado, a renda total serd, pois, determinada. A fim de se determinar /,, precisamos de duas equagdes. Uma nos diz que © montante de investimento (observado como uma demanda por capital) depende da taxa de juros: 1, =C(. Isso € © que acontece com a fungdo eficiéncia marginal do capital, na obra de Keynes. Além disso, investimento = poupanga. E a poupanca depende da taxa de juros e, se quiser, da renda. J, = S (i, J). (No entanto, j4 que a renda foi determi- nada, nao nos precisamos incomodar quanto a inserir a renda aqui, a ndo ser que assim 0 quisermos.) Tomando-os como um sistema, no entanto, teremos trés equacdes fundamen- tais, M=KI, 1, =C(i, 1, = SGD para determinar trés incégnitas, J, J, e i. Como descobrimos anteriormente, Nx € Ny podem ser determinados de J e Ix. O emprego total, Ny + Ny, 6, portanto, determinado. Vamos considerar algumas propriedades desse sistema. Destaca-se diretamente da primeira equagao que, tao logo k e M sejam dados, J seré completamer::< deter- minado; isto é, a renda total dependerd diretamente da quantidade de mos_. No 207 entanto, 0 emprego total ndo serd necessariamente determinado, de inicio, da renda, j4 que normalmente dependerd em certa extensdo da proporcdo de renda poupada, e, assim, da maneira como a produgdo é dividida entre os mercados de bens de investimento e 0 de consumo. (Se as elasticidades das ofertas forem as mesmas em cada um desses mercados, entéo uma mudanga da demanda entre eles iria produzir movimentos compensatérios em Nx e Ny e, conseqiientemente, nenhuma mudanga no emprego total.) Um aumento na inducao para investir [isto é, um deslocamento para a direita da fungao eficiéncia marginal de capital, que registramos como C ()] tenderd a elevar a taxa de juros, indo afetar a poupanga. Se o montante de poupanga crescer, © montante de investimento também crescerd; o trabalho sera mais empregado nos mercados de bens de investimento e menos nos mercados de bens de consumo; isso aumentard o emprego total, se a elasticidade da oferta nos mercados de bens de investimento for maior que aquela nos mercados de bens de consumo, e sera reduzida se for 0 contrario. Um aumento na oferta de moeda elevard, necessariamente, a renda total, pois as pessoas aumentardo seus dispéndios'e empréstimos até que as rendas tenham aumentado suficientemente para retornarem k a seu nivel precedente. O cresci- mento da renda tenderd a aumentar o emprego, tanto na fabricagdo de bens de consumo como na de bens de investimento. O efeito total sobre o emprego depen- deré da proporgdo entre as expansGes dessas indtstrias, sendo que isso dependera da proporgdo de suas rendas aumentadas que as pessoas desejarem poupar, a qual também governa a taxa de juros. Até aqui, 'temos pressuposto que a taxa de saldrios nominais seja dada; mas desde que venhamos a pressupor que k seja independente do nivel de saldrios, nao haverd dificuldade, também, quanto a esse problema. Um aumento na taxa de salérios nominais ir4, necessariamente, reduzir o emprego e elevar os salérios reais. Pois uma renda monetaria imutavel ndo pode continuar a adquirir uma quantidade imutavel de bens a um nivel de precos mais elevados; e a nao ser que o nivel de precgos aumente, os precos dos bens nao cobrirdo seus custos marginais. Portanto, deverd haver uma queda no emprego; 4 medida que o emprego cair, os Custos margi- nais, em termos de trabalho, irao diminuir, e, portanto, os salarios reais aumentarao. (Jé que uma mudanga nos salérios nominais é sempre acompanhada de uma mudanga nos saldrios reais, na mesma diregao, se ndo na mesma propor¢do, nenhum prejuizo sera causado, e alguma vantagem talvez seja assegurada, se se preferir trabalhar em termos de saldrios reais. Naturalmente, a maioria dos “economistas classicos” tem assumido essa posi¢Ao.) Acho que concordaremos que temos aqui uma teoria razoavelmente bem consistente e uma teoria que é, também, consistente com os pronunciamentos de um reconhecido grupo de economistas. Reconhecidamente, segue-se dessa teoria que se pode aumentar o emprego por meio da inflagdo direta; mas se iremos ou nao favorecer essa politica dependerd de nosso julgamento sobre a reacdo provavel sobre os salarios e, também, numa drea nacional, de nossos pontos de vista quanto ao padrao internacional. 208 Historicamente, essa teoria descende de Ricardo, embora nao seja realmente ticardiana; provavelmente é mais ou menos a teoria que foi mantida por Marshall Mas com Marshall j4 comegava a ser modificada de uma maneira importante; seus sucessores a tém modificado ainda mais. O que Keynes fez foi colocar uma énfase enorme sobre as restrigdes, no sentido de que elas quase apagam a teoria original. Vamos seguir esse processo de desenvolvimento. Quando uma teoria como a teoria “classica” que acabamos de descrever for aplicada A andlise das flutuagdes industriais, entraré em dificuldades de diversas maneiras. E evidente que a renda monetédria total experimenta grandes variagdes no curso de um ciclo econdmico, e a teoria classica somente poderd explicar esse fato pelas variagdes em M ou em k_ ou, como uma terceira e ultima alternativa, pelas mudangas na distribuicdo. (1) A variagéo em M é a mais simples e Obvia, e bastante se tem depen- dido dela. Mas as variagdes em M que sdo determindveis durante um ciclo eco- nomico s&o variagdes que ocorrem através dos bancos, sao variagdes nos emprés- timos bancdrios; se formos depender delas, ser4 imediatamente necessdrio que expliquemos a conexao entre a oferta de moeda bancdria e a taxa de juros. Isso pode ser feito grosseiramente, pensando-se nos bancos como individuos que estao fortemente inclinados a movimentar a moeda por meio de empréstimos, ao invés de gastd-la. Suas ages, portanto, de infcio tendém a reduzir a taxa de juros, e somente mais tarde, quando a moeda passar as mas dos que irdo despendé-la, é que ird elevar os precos e as rendas. “A nova moeda corrente, ou o aumento da moeda corrente, vai ndo para as pessoas individuais, mas para os centros bancarios e, portanto, aumentard a disposi¢do dos mutuantes de empresté-la na primeira oportunidade e reduziré a taxa de desconto. Mas, posteriormente, haverd acrés- cimos nos pregos, e entdo isto tendera a aumentar a taxa-de desconto.”? Isto é superficialmente satisfatorio, mas se nos esforgarmos para determinar mais precisa- mente esse processo, logo encontraremos dificuldades. O que determina o montante de moeda necesséria para produzir uma dada queda na taxa de juros? O que deter- mina a durago de tempo em que a taxa baixa se manterd? Essas no so questdes faceis de se responder. (2) No sentido em que podemos depender das mudangas em k, podemos, também, conseguir bons resultados, até certo ponto. As mudangas em k poderao ser relacionadas a mudangas na confianga, e é realistico afirmar que os pregos crescentes de uma expansao acontecem porque o otimismo encoraja uma redugo das disponibilidades; os pregos decrescem numa depresso, porque o pessimismo ea incerteza ditam um aumento. Mas, tdo logo tc namos esse passo, torna-se natural perguntar se k nao abdicou de seu status como uma varidvel independente e ndo se tornou propensa a ser influenciada por outras, entre as varidveis de nossas equacées fundamentais. 7 Marshall, Money, Credit and Commerce, p. 257. 209 (3) Essa tiltima consideragao é poderosamente apoiada por outra, de cardter mais puramente tedrico. Em aspectos de puro valor tedrico, é evidente que o sacri- ficio direto feito por uma pessoa que possua um lote de moeda é um sacrificio de juros, e & dificil acreditar que o principio marginal nao funcione de forma alguma nesse campo. Como Lavington colocou o problema: ‘A quantidade de recursos que (um individuo) possua sob a forma de moeda serd tal que a unidade de moeda que exatamente e apenas vale a pena manter sob essa forma Ihe proporcione um retorno de conveniéncia e seguranca igual ao retorno de satisfagio derivado da unidade marginal gasta em consumiveis e também 4 taxa liquida de juros? A demanda por moeda depende da taxa de juros! O palco foi armado para Keynes. Em contrapartida as trés equagGes da teoria classica, M=KL, Ie =CW, ty = SUD Keynes comega com trés equagdes: M=L(), 1p =C@, fe =SO) Diferem das equagGes classicas de duas maneiras. De um lado, a demanda por moeda é concebida como dependente da taxa de juros (Preferéncia pela Liquidez). Por outro lado, qualquer influéncia poss{vel da taxa de juros sobre o montante poupado de uma dada renda é desprez ia. Muito embora signifique que a terceira equacdo se torna a equacdo multiplicad »ra, que desempenha truques tao esquisitos, mesmo assim essa segunda emenda é meramente uma simplificagao e, por ultimo, insignificante.* A doutrina da Preferéncia pela Liquidez é que é vital. Pois é agora a taxa de juros, e nfo a renda, que é determinada pela quanti- dade de moeda. A taxa de juros contraposta a fun¢do eficiéncia marginal de capital determina o valor do investimento; isso determina a renda pelo multiplicador. Entdo, o volume de emprego (a dadas taxas de saldrios) sera determinado pelo valor do investimento e pela renda, que nao foi poupada, e sim gasta em bens de consumo. > Lavington, English Capital Market, 1921, p. 30. Veja também Pigou, “The Exchange-value of Legal-tender Money”, in Essays in Applied Economics, 1922, pp. 179-81. Isso pode ser imediatamente visto se considerarmos as equacdes M=KI, Ip = Qi, Ly = SD que encorpam a segunda emenda de Keynes, sem a sua primeira emenda. A terceira equagao jé & a equagdo do multiplicador, mas o multiplicador perdeu as suas asas. Pois, jé que / ainda depende apenas de M, I agora depende apenas de M, e é impossivel aumentar o investi- mento sem aumentar a predisposi¢ao a poupar ou a quantidade de moeda. O sistema assim gerado é, portanto, idéntico aquele que, poucos anos atrés, costumava ser chamado de a “Visio do Tesouro”. Mas a preferéncia por liquidez nos transporta da ‘Visio do Tesouro” para a “General Theory of Employment”. 210 E esse sistema de equagdes que proporciona a conclusao surpreendente de que um aumento na inducdo a investir, ou na propensdo a consumir, ndo tender4 a elevar a taxa de juros, porém a aumentar apenas o emprego. A despeito disso, no entanto, e a despeito do fato de que uma grande parte do argumento segue em termos desse sistema e desse sistema somente, nao é a General Theory. Poderemos chamé-la, se quisermos, a teoria especial de Keynes. A General Theory é algo apreciavelmente mais ortodoxo. Como Lavington e o Professor Pigou, Keynes nao acredita, no fim, que a demanda por moeda possa ser determinada por somente uma varidvel, nem mesmo pela taxa de juros. Ele realga mais esse ponto que os outros, mas nem para ele nem para os outros poderd ser a unica varidvel a ser considerada. A dependéncia da demanda por moeda dos juros nao fara mais, no final, que modificar a velha dependéncia da renda. No entanto, nao importa quanto realce venhamos dar ao “motivo especulativo”; 0 motivo das “transagdes” também deverd ser considerado. Conseqiientemente, temos, para a General Theory: M = L(Li), Ie = CW), Ly = SU) Com esta revisio, Keynes di um passo atr4s no sentido da ortodoxia de Marshall, e a sua teoria torna-se diffcil de distinguir das teorias revistas e modifi- cadas de Marshall, que, como vimos, ndo sao novas. Hd, realmente, alguma dife- renga entre elas ou seré tudo uma luta fingida? Recorramos ao diagrama (Figura 1) Figura 1. Is L Em confronto com uma dada quantidade de moeda, a primeira equacdo, M =L(I,i), nos proporciona uma relagdo entre a Renda (J) e a taxa de juros(i). 211 Isso pode ser representado por uma curva (LL) que se inclinar4 para cima, j4 que um aumento na renda tende a elevar a demanda por moeda, e um aumento na taxa de juros tende a reduzi-la. Além disso, a segunda das duas equagdes, tomadas em conjunto, nos fornece uma outra relagdo entre a Renda e os juros. (A fungao eficiéncia marginal do capital determina o valor do investimento a qualquer dada taxa de juros, e o multiplicador nos revela que niveis de renda serdo necessdrios para tornar as poupangas iguais aquele valor de investimento.) A curva JS poderd, portanto, ser representada mostrando a relacdo entre a renda e os juros, que devem ser mantidos a fim de que a poupanga seja igual ao investimento. A renda e a taxa de juros sdo agora determinadas em conjunto, em P, o ponto de intersecgo das curvas LL e IS. Sao determinadas conjuntamente, assim como © prego e 0 produto sao determinados em conjunto na teoria moderna da demanda e oferta. Na realidade, a inovacéo de Keynes é intimamente paralela, nesse parti- cular, 4 inovagdo dos marginalistas. A teoria quantitativa procura determinar a renda sem juros, da mesma forma que a teoria do valor do trabalho procurou deter- minar 0 prego sem o produto; cada um tem de dar lugar a uma teoria que reconhece um mais alto grau de interdependéncia. Mas se essa é a verdadeira ‘ General Theory , como Keynes chegou a comen- tar sobre um aumento na indugdo a investir que no aumentasse a taxa de juros? Pareceria em nosso diagrama que um aumento na funcdo eficiéncia marginal do capital deveria elevar a curva JS; portanto, embora elevando a renda e o emprego, também elevard a taxa de juros. Isso nos traz ao ponto que, sob muitos aspectos, é o mais importante do livro de Keynes. Nao apenas é possivel mostrar que uma dada oferta de moeda determina certa relagio entre renda e juros (que expressamos pela curva LL); também ser4 possivel dizer algo sobre o formato da curva. Provavelmente tenderd a ser quase horizontal no lado esquerdo e quase vertical a direita. Isso é porque ha (1) algum minimo abaixo do qual a taxa de juros provavelmente nao ird, e (embora Keynes nao realce isso) h4 (2) um mdximo de nivel de renda que possivelmente poderd ser financiado com uma dada quantia de moeda. Se quisermos, poderemos pensar na curva como se aproximando desses limites de maneira assintética (Figura 2). Portanto, se a curva JS se colocar bem 4 direita (ou por causa de uma forte indugao a investir ou por uma forte propensdo a consumir), P se colocar4 naque|a parte da curva que, decididamente, se inclinar para cima, e a teoria cldssica seré uma boa aproximagao, nao necessitando mais do que a modificagao que de fato recebeu das maos dos seguidores de Marshall mais recentes. Um aumento na propensio a investir elevard a taxa de juros, como na teoria cldssica, mas tera, também, algum cfeito subsididrio em elevar a renda e, portanto, da mesma forma, emprego. (Keynes, em 1936, nao era o primeiro economista de Cambridge a ter uma fé mode- 212 Figura 2. rada nas obras piblicas.) Mas se 0 ponto P se colocar a esquerda da curva LL, entéo a forma especial da teoria de Keynes seré mais valiosa. Um aumento na fungdo eficiéncia marginal do capital aumenta unicamente o emprego ¢ nao eleva de forma alguma a taxa de juros. Estamos completamente fora de sintonia com o mundo classico. A demonstracdo desse minimo 6, assim, de importancia capital. E tao impor- tante que me aventurarei a citar a prova, colocando-a de um modo bastante dife- rente daquele adotado por Keynes. Se os custo de se guardar moeda puder ser desprezado, sera sempre lucrativo guardar moeda ao invés de a emprestar, se a taxa de juros ndo for maior que zero. Conseqiientemente, a taxa de juros devera ser sempre positiva. Num caso extremo, a taxa menor e a curto prazo poder, talvez, ser quase zero. Mas se assim for, a taxa a longo prazo deverd colocar-se acima, pois a taxa de longo prazo teré de correr o risco de a taxa de curto prazo aumentar durante o curso do empréstimo, e devemos observar que a taxa de curto prazo somente poderd aumentar, ja que nao poderd cair.° Isso nao apenas significa que a taxa de longo prazo deva ser como uma média das taxas de curto prazo provaveis no curso de sua duragdo, mas 5 Keynes, General Theory, pp. 201-02. © £ bastante concebivel que as pessoas possam tornar-se acostumadas a idéia de taxas muito baixas, no sentido em que nao se impressionariam com tal risco; mas tal é sobremodo improvavel. Pois a taxa baixa poderé aumentar ou porque a economia methora e a renda se expande ou porque a economia piora e o desejo por liquidez aumenta. Duvido que um sistema monetério to eldstico, que elimine ambas as possibilidades, possa ser, realmente, possivel. 213 também que essa média deverd colocar-se acima da taxa de curto prazo corrente. H4 também o risco mais importante a ser considerado de que o emprestador a longo termo poder desejar possuir moeda corrente, antes da data combinada de pagamento, e, depois, se nesse interim a taxa de curto prazo tiver aumentado, ele poder envolver-se numa perda substancial de capital. E esse ultimo risco que fornece a Keynes um “motivo especulativo”, e garante que a taxa para empréstimos de duracdo indefinida (que ele sempre tem em mente como a taxa de juros) nio poderé cair até muito perto de zero. Deve-se observar que esse minimo para a taxa de juros se aplica ndo apenas a uma curva LL (desenhada para corresponder a uma quantidade espectfica de moeda), mas a qualquer curva semelhante. Se a oferta de moeda aumentar, a curva LL se movimentaré para a direita (como a curva pontilhada na Figura 2), mas as partes horizontais da curva serfo quase as mesmas. Portanto, novamente é essa depressdo a esquerda do diagrama que desarticula a teoria cléssica. Se JS se colocar a direita, ent@o, na realidade, poderemos aumentar 0 emprego pela elevacdo da quantidade de moeda; mas se JS se colocar 4 esquerda, ndo poderemos fazer isso; instrumentos meramente monetérios nao forgardo mais para baixo a taxa de juros. Assim, a General Theory of Employment é a Economia da Depressio. Iv. A fim de elucidar a relagdo entre Keynes e os “cl4ssicos”, inventamos um pequeno dispositivo, Ndo parece que esgotamos os usos desse dispositivo; portanto, vamos concluir dando-lhe um desenvolvimento préprio. Com esse recurso a nossa disposicao, nado estamos mais obrigados a fazer certas simplificagdes que Keynes faz em sua exposi¢ao. Podemos reinserir 0 i que falta na terceira equagdo e admitir qualquer efeito poss{vel da taxa de juros sobre a poupanga; e, o que é mais importante, podemos observar a dependéncia exclusiva do investimento sobre a taxa de juros, que parece bastante suspeita na segunda equagdo. A elegancia matemdtica iria sugerir que deverfamos ter J e i em todas as trés equagdes, se é que a teoria deve ser Geral. Por que nao as colocamos assim: M=L(Li), Ix = CL), Ty = SL? Entretanto, algo mais que o “motivo especulativo” sera necessdrio para explicar o sistema de taxas de juros. A mais curta de todas as taxas curtas devera ser igual 4 valorizacdo relativa, na margem, da moeda e de tal letra; sendo que a letra permanece com desconto, principal- mente por causa da “conveniéncia e seguranca” de se manter a moeda corrente; a inconve- niéncia possivelmente serd causada pelo fato de se ndo ter moeda corrente imediatamente disponfvel. E a chance de que vocé poderd querer descontar a letra, que interessa, e ndo a chance de que vocé tenha, entéo, de desconté-la em condi¢Ges desfavoriveis. O “motivo de precaugio”, e néo o “motivo de especulacao”, é que, aqui, domina. Mas os termos em perspectiva de se redescontar so vitais, quando se tratar da diferenga entre as taxas de curto e longo prazos. 214 Uma vez que levantamos a questao da renda na segunda equacdo, fica claro que ela teré bons motivos para ser inserida. Keynes, de fato, ficou apto a deixd-la de fora, possivelmente, em virtude de seu dispositivo de medir tudo em “unidades- -salério”, o que significa que ele permite mudangas na fungao eficiéncia marginal de capital, quando houver uma mudanca no nivel de saldrios nominais, mas que outras mudangas na renda sio consideradas como nfo afetando a curva ou pelo menos ndo da mesma maneira imediata. Mas por que fazer essa distingdo? Certa- mente hé muita razdo para se supor que um aumento na procura por bens de consumo, que surge em virtude de um aumento do emprego, geralmente estimu- lar4 diretamente um aumento no investimento, pelo menos assim que aparega uma expectativa de que a demanda aumentada continuard. Se tal for 0 caso, deveremos incluir J na segunda equacdo, embora devamos confessar que 0 efeito de J sobre a eficiéncia marginal de capital sera vacilante e irregular. A General Theory generalizada poderd, entdo, ser determinada dessa maneira. Pressuponha-se, em primeiro lugar, uma dada renda monetdria total. Desenhe-se uma curva CC, mostrando a eficiéncia marginal do capital (em termos monetdrios) aquela dada renda, e uma curva SS, mostrando a curva de oferta de poupanga Aquela dada renda (Figura 3). Sua intersecodo determinard a taxa de juros que tornard as poupancas idénticas ao investimento, naquele nivel de renda. A isso Podemos chamar “taxa de investimento”. Se a renda crescer, a curva SS se movimentard para a direita; provavelmente CC também se movimentard para a direita. Se SS se movimentar mais que CC, a taxa de juros do investimento cair4; se CC se movimentar mais que SS, ela crescerd. (Quanto crescer4 ou cairé, no entanto, dependerd das elasticidades das curvas CC e SS.) Figura 3. IS A curva JS (desenhada num diagrama separado) apresenta, agora, a relagdo entre a renda e a correspondente taxa de juros do investimento. Terd de ser confrontada (como nas nossas construg6es anteriores) com uma curva LL, mostran- do a relacdo entre a renda e a taxa de juros “monetdrios”, somente se agora puder- 215 mos generalizar um pouquinho a nossa curva LL. Ao invés de pressupormos, como antes, que a oferta de moeda seja dada, poderemos pressupor que existe um dado sistema monetdrio em que até certo ponto, mas s6 até certo ponto, as autoridades monetérias irdo preferir criar moeda nova, em lugar de permitir que as taxas de juros crescam. Uma curva LL tao generalizada ird, ento, inclinar-se apenas gradual- mente para cima, a elasticidade da curva dependendo da elasticidade do sistema monetério (no sentido monetério comum). Como anteriormente, a renda e os juros sio determinados onde as curvas [S e LL se cruzam, onde a taxa de juros de investimento se iguala 4 taxa monetéria. Qualquer mudanga na propensio a investir ou na propensdo a consumir ird modi- ficar a curva JS; qualquer mudanga na preferéncia por liquidez ou por politica monetéria iré modificar a curva LL. Se, como resultado de tal mudanga, a taxa de investimento for elevada acima da taxa monetéria, a renda tenderd a crescer; no caso oposto, a renda tenderd a cair; a extensdo em que a renda aumentard ou caira dependeré das elasticidades das curvas. Quando generalizada desta maneira, a teoria de Keynes comega a parecer sobremodo com a de Wicksell; isso, naturalmente, nao é de surpreender.? H4, sem divida, um caso especial em que se enquadra por inteiro a construgao de Wicksell. Se houver o “pleno emprego”, no sentido em que qualquer aumento na renda imediatamente exigir um aumento nas taxas de saldrios nominais; entdo ser4 possi- vel que as curvas CC e SS possam ser movimentadas para a direita, exatamente na mesma extensio, a fim de que JS seja horizontal. (Digo possivel porque nao é de todo improvavel, de fato, que o aumento do nivel de saldrios possa criar a presuncao de que os saldérios venham a crescer novamente mais tarde; se tal for 0 caso, CC provavelmente seré movimentado mais que SS, a fim de que IS seja de inclinagao ascendente.) No entanto, acontecendo isso, se /S for horizontal teremos, realmente, uma construgdo perfeitamente wickseliana,!° e a taxa de investimento se tornard a taxa natural de Wicksell, pois nesse caso poder ser considerada como determi- nada por causas reais; se houver um sistema monetério perfeitamente eléstico, sendo a taxa monetaria fixada abaixo da taxa natural, haverd uma inflagdo cumula- tiva; e uma deflacdo cumulativa, se for fixada acima. § sé que CU, )=SU,d, 08/61 - 4C/ Gi 0S/01-8C/ OL O mercado de investimento de poupangas ndo serd estavel, a ndo ser que aS/ai + (- 3C/di) seja positivo, Acho que poderemos pressupor que essa condi¢ao serd preenchida, Se aS/ai for positivo, 2C/ai negativo e aS/al e aC/al positivos (0 estado de negocios mais provavel), poderemos dizer que a curva IS seré mais eldstica quanto maior as elasticidades das curvas CC e SS, e quanto maior aC/a/ relativamente a aS/al. Quando aC/al > aS/al, a curva JS estar inclinada para cima. Cf. Keynes, General Theory, p. 242. '© Cf. Myrdal, “Gleichgewichtsbegriff”, em Beitrage zur Geldtheorie, ed. Hayek. 216 9 Isso, entretanto, é visto agora como sendo apenas um caso especial; podemos utilizar nossa constru¢do para englobar possibilidades muito mais amplas. Se houver uma grande quantidade de desemprego, sera muito provavel que dC/d/seja bastante pequeno; nesse caso, podemos contar que JS se inclinara para baixo. Esse é 0 tipo de Economia de Depressio com a qual Keynes se preocupa bastante. Mas ndo poderemos escapar da impressdo de que poderd haver outras condigdes quando as expectativas forem facilmente inflamaveis, quando uma ligeira tendéncia inflacio- naria as incendiar4 com facilidade. Entéo dC/6/ podera ser grande, e um aumento na renda tenderd a elevar a taxa de juros de investimento. Nessas circunstancias, a situacdo serd instavel, a qualquer dada taxa monetéria; sera apenas um sistema monetério imperfeitamente eldstico, uma curva crescente LL, que poder impedir que a situagdo fuja completamente do controle. Essas, portanto, so algumas das conclusdes que podemos tirar de nosso dispositivo analitico. Mas, mesmo se for uma ligeira extensdo do dispositivo seme- Ihante de Keynes, -permaneceré como um tipo de assunto terrivelmente dspero. Especificamente, 0 conceito de “renda” é trabalhado de uma forma monstruosa e drdua; a maioria de nossas curvas nao sao realmente determinantes, a ndo ser que se diga alguma coisa sobre a distribuigéo da renda, assim como sua magnitude. Realmente, o que elas expressam é algo como uma relagao entre o sistema de precos e 0 sistema de taxas de juros; e isso ndo pode ser obtido por intermédio de uma curva. Além do mais, toda sorte de questdes sobre depreciacdo foi negligenciada, e também toda sorte de questées sobre o planejamento de tempo dos processos sob consideragdo. A General Theory of Employment é um livro util; mas ndo é nem 0 come¢o nem o fim da Economia Dinamica. 217

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