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MG Mércio Pereira Gomes Poul aio Gj Cstan Koop edo Paulo Vicia Ress ian Aquino emaconst de Catalogo ma Pubs (Chara Brasilia do Livro, SE rai Gomes Mica Poa Sio Palo: Comet, 2009 Bibioge ISBN976 85.7244.388.8 3. Caltrn 4, Penis atrpoligic I Ti Dire evil ime Pn Rs Dt Jos Has, 520 — Ao da Lapa 150.030 Sio Palos A. NS, A ABRANGENCIA DA ANTROPOLOGIA Antropologia é uma palavra ilumin: dois substantivos que a compdem, ambos de origem grega: anthropos = ie que chama a tengo pelos homem; Jogos = estudo, € também “raza0”, “l6gica”. “Estudo do hon ou “l6gica do homem’ sio duas possiveis definicdes distintas, porém convergentes, daquilo que se entende por Antropologia. No primeiro caso, 2 Antropologia faz parte do campo das ciéncias ~ ciéncia humana ~ tal comoa Sociologia ou a Economia; no segundo caso, ela esti relacionada temas que estio no campo da Filosofia, da Légica, da Metafisica e da Hermenéutica, como se fora uma coadjuvante mais sensitiva Apesar cle sua etimologia, nio foram os geniais gregos, criadores da m a Antropologia. Eles se conside am 120 superiores aos povos € nagdes vizinhos, seus contemporineos, a quem chamavam de “barbaros”, que mal tinham olhos para os ver € os apreciar Para surgir a Antropologia — cuja caracteristica mais essencial € mirar 0 Outro como um possivel igual a si mesmo ~ seria preciso um tempo de diividas ¢ a0 mesmo tempo de abertura ao reconhecimento do valor proprio de outras culturas. Tal tempo 86 surgiria séculos depois, quando 1 Europa, em vias de perder sua velha identidade medieval, ainda incerta sobre o que viria a ser, duvidou de si mesma e péde assim olhar e conceber outros povos, ao menos teoricamente, como variedades da ados. antropolégico, 0 pensar sobre 0 aparente paradoxo de o homem ser um 6, como ser-espécie da natureza, & humanidade, cada qual com seus proprios valores ¢ signifi O pen: ao mesmo tempo, ser miltiplo em suas expressdes coletivas, a cultura; o pensar sobre diferente ser 0 mesmo; sobre as potencialidades reais ¢ rec6nditas de cada cultura ~ é fruto desse momento criativo do Tluminismo. Assim, ni seu primordia iluminista, a Antropologia se situa no campo da Filosofia, da especulacao sobre © homem € suas possibilidades de ser € de agir. F um método de conceber o homem em sua variedade cultural ¢ reconhecer nessa variedade faces diferentes de um mesmo set. Para falar em termos filosGficos, a Antropologia é um modo de pensar variedade do homem, outr culturas, 0 Outro, num mesmo patam em que se coloca a cultura de onde surge esse pensar, a cultura européia. isto €, © Mesmo. Podem palavras, dizer que, para 1 Antropologia, 0 Mesmo @ © Outro sio 0 Mesmo; ou, 0 Outro eo Mesmo sio 6 Outro, Para se « pler esse pensar é preciso ter-se ou criar-se a capacidade de cultivados, part dai penetrar e entender outras culturas pelos valores dessas outras culturas, nao de sua propria, Tal método de pensai condiglo sine qua non para existir © pensamento antropoldgico; mas € um ideal a ser aleancado, esti em permanente construgo, porquanto plenamente, Como, diante das evidéncias gritantes das diferengas e das desigualdades entre cv © povos, podemos e devemos ver fais diferengas num plano de igualdade e respeito? Em suma, a Antropole nasceu como um modo revolucionario e radical do homem pensar a si mesmo, que empurra o homem ao esforco de superar seus preconceitos, sua props > outrc uultura, para poder entender e vivenciar a cultura d ou seja, qualquer cultura Portanto, a Antropologia nasceu dentro do campo da Filosofi como se fosse uma Filosofia da cultura, Mais tarde, com a chegada re vat ante da teoria da evolugio, que integ OS 08 Seres vivos numa escalada de transformagdes 20 longo do tempo, motivada por um processo de Iuta incessante pela sobrevivencia, a Antropologia passou a ser pensada como ui ir para enquadrar 0 plano continuo, ou ao menos paralelo a0 plano biolégico. Desde entio, o pensar antropolégico tem se desenvol- vido tanto como ciéncia quanto como pensar filoséfico; tanto como teoria quanto como especulacao; tanto como explicag2o quanto como interpret Antropé BOS, 0S praticantes da Antropologia, tém se pautado ora pelos cinones da ciéncia, adaptando-os para a compreen- sao do ser humano € de suas culturas, oF pelas modalidades da filoso- fia, tentando retirar desta os conceitos mais gerais da essencialidade humana e, a0 mesmo empo, tentando injetar na filosofia os conceitos obtidos pela observacio e pela pritica nos trabulhos empiricos que dao sustentagdo a0 pensar antropolégico. Vej desenvolvem, definem seu objeto € se complen mos como essas duas perspectivas da Antropolo, \entam na concep desse objeto. ANTROPOLOGIA COMO CIENCIA Como “eiéncia do homem”, a Antropologia toma o homem, isto é, 0 ser humano, no sentido integral de homem ¢ mulher, de coletividade mas também de espécie da natureza e de ser da cultura e da razao, como um objeto de estudo. Isso quer dizer que 0 homem pode ser sbjetivado, esquadrinhado, medido, cal lado, cimensionado no tempo € no espaco, tal qual outros objetos cientificos, como o cosmo (cosmologia ou astronomia), a terra (geologia) ¢ os seres vivos (biologia) trabalha nde parte dos antropélogos, no Brasil ¢ mundo afc no entendimento de que sio cientistas, definindo seu objeto de muitas maneiras, por muitos Angulos, sempre no empenho de contribuir para ampliar, renovar em alguns aspectos, consolidar em outros, 0 conhecimento sobre 0 homem, E nesse sentido que a Antropologia se coloca como uma ciéneia lado a lado com a Sociologia, a Politicologia 1 Economia, a Psicologia e suas respectivas especialidades e subdisci- plinas ~ todas ageupadas pelo termo “ciéncias humanas” ou “ciéncias sociais", As ciéncias humanas tm o ser humano como seu objeto de estudo, mas cada qual o faz. privile iando ora um aspecto, ort uma parte, ort uma dimensio. Ciéncias Humanas A Sociologia, como sugere seu nome, cuida da sociedade, 0 homem como ser coletivo vivendo em familia, em grupos, em cidades, repartide em classes Sociais, em castas, em nacdes; ou problematizaco em lutas, conflitos ¢ revolucdes, | 4 Economia estuda o homem em seu aspecto material, a proctugto de bens de uso, que se transformam em bens de troca, as | instituigdes de distribuicdo, easconseqilénciasadvindasdoeventuat | mal resultado, ou do resultado desigual da distribuigio e do consumo desses bens, Para muitos, a economia é uma “ciéncia de acada' (dismal science, emingles), ji que ela parte dochamado principio da escassez", segundo 0 qual o deseja dos homens para possuir bens € infinito, enquanto as possibilidades de realizé- lo sio bem menores. Daf o descompasso entre meios escassos € fins infinitos; daf a reparticdo desses bens terminar pesando mais para uns do que para outros, resultando em desigualdades socizi. Para muitos, a economia é a ciéncia humana que mais se | aproxima de uma ciéneia sistemvitica, capaz de medicao, d controle e de probabilidade. Quase todo mundo considera que a economia influencia todas as ages humanas, desde 0 mode de existir até o pensamento religioso, Também pelo fato de tratar de riqueza € que os economistas sao lo admirados € do freqiientemente chamados para planejar ¢ dirigir os paises. Ja outros consideram pensar economicista uma limitagao a pensar humano. A Politicologia, ou Ciéncia Politica, reporta-se ao estudo da dimensiio do poder que permeia as relacdes entre os homens, as classes sociais, as instituigoes, especialmente o Estado, as sociedades € as nagdes, A Politica foi pensada pelos fildsofos gregos como um saber e uma arte de equilibrar interesses dspares em prol de um bem comum, Foi considerada por Aristételes 0 modo ou a arte mais nobre de convivencia. Porém, desde Maquiavel, Hobbes e, mais recentemente, Foucault, 0 poder € visto como uma dimensio da opressio do homem sobre o homem, quase, para falar religiosamente, como o laclo mal do ser humano. Pois que, 0 uso, ou mau uso, clo poder sempre se ci em detriment alguém. Por isso, a Ciéncia Politica refere-se muito mais a ‘onflito do que a negociacao ¢ convivencia Hi a Psicologia perscruta a psique dos homens, sus formacao mental © emocional, a relagho propria de cada pessoa com o ambiente em que vive, E uma ciéncia bipartida entre © aspecto fisiologico e 6 aspecto mental do homem, A figura mais destacada € Sigmund il (1854-1938), que descobriu que o inconsciente humano tem sua propria razio de ser e seu modo proprio de ir, aquém e além do consciente. A Psicologia discorre, portanto, sobre o ser humano como individuo tanto consciente quanto Num sentido muito ambicioso, a Anopologia é a ciéncia humana que presume abordar um pouco de tudo que cada outa ciéncia humana aprecia, Primeiramente, ela busca tratar da questi basica da natureza do homem, de sua condi 2 fundamental de ser uma espécie biolbgica, localizacla na ordem dos primatas, na subordem dos antropdides, ma familia homindidea, no género dos hominideos, como a espécie Homo sapiens. Em seg indo lugar, essa ciéncia visi 20 homem como ser de cultura, um modo de ser para além dos condicionamentos da natureza, para 0 que se subentende uma inteligéncia capaz de encarar 0 mundo através de convengoes simbslicas, as quais sao sistematizadas e transmitidas de geragio a geracio nao pelo instinto ou pela carga genética, mas pela linguagem, que é a quintesséncia da comunicacio humana, Num sentido metafisico, cultura € uma espécie de “segunda natureza” do homem, uma mediaco, uma qualidade de filtro ou lente que permite ao homem formar nocdes sobre si mesmo e sobre o mundo e, ao mesmo tempo, agir. Num sentido empirico, cultura € tudo que o homem faz parcialmente consciente © parcialmente inconsciente, além daquilo que sua natureza biol6gica o permite fazer, Fazer significa nao somente produzir os meios de sua sobrevivéneia (Economia), mas também pensar (Filosofia), desejar (Psicologia) ¢ relacionar-se uns com 08 outros (Sociologia € Politica). Adicione-se a esses atributos a idéia de que © homem, embora pense € faga as coisas como ser individual, tern seu pensamento e seu comportamento condicionados por sua existéncia numa coletividade, a sociedade, Tal explicagio pode parecer auto- evidente, mas serve pa «1 identificar um dos temas mais importantes da sociologia, que € entender a relacao do individuo com a socied, Dando conta dessa divisto de tarefas, entre entender o homem como ser da natureza e ser da cultura, x Antropologia como ciéneia se apresenta nos curriculos das universidades mundo afora em quatro subdisciplinas: Antropologia Fisica ou Biol6gica; Arqueologia; Linguistica; e Antropologi cu rural ou Social. A questio da posi¢o do homem na natureza, que compreende as temiticas de evolucao, distribuig2o © adaptaclo pelos quatro cantos da Terra, as caracteristicas © os potenciais biol6gicos so estudados no Ambito da Antropologia Biolégica. A Arqueologia subsidia com dados essa questio, mas vai adiante ao auxiliar a Antropologia iltural na formulagdo dos processos ds transformagdes dla cultura a0 longo do tempo. Trataremos aqui também da Lingiistica, como uma das subdisciplinas que subsidia 0 conhecimento do homem como ser da cultura, Entretanto, deixaremos pa ra tratar da Antropologia Cultural 1 seu proprio mérito a partir do capitulo “Cultura € seus significados reconhecendo que € essa subdisciplina que representa o grande esforco do pensamento antropolégico da atualidade. ANTROPOLOGIA BIOLOGICA Para © ptiblico que ouve falar de Antropologia, mormente em documentirios de cunho cientifico, através de programas de televisio edueativa e por reportagens mais chamativas de noticidrios, a Antropologia Biologica representa, freqtientemente, a imagem do que parece ser a Antropol gia. A busca da origem do homem, comparagio com o$ macacos, o poder do instinto sobre a cultura e a civilizagao. HA razbes para se pensar assim. £ que esses e outros temas, alguns tatados com certa mistificagio, foram, provavelmente, os primeiros a cativar 0 interesse do puiblico e dos pesquisadores no momento em que Antropologia, pa como uma ciéncia alelamente A Sociologia, estava comecando a surgir © mundo se quedou abismado a partir do momento em que um certo esqueleto descoberto no vale do Neander, na Alemanha, em 1856, m. 0 chamado Homem de Neanderthal virou “o elo perdido” entre 0 homem foi proposto como sendo de um provivel ancestral do hom € 08 grandes simios, eis como foi conjeturad e alardeada essa descoberta = € eis como o tema continua prevalecer no imagindrio coletivo até hoje. Consolidando esse imaginario pela ciéncia, sui publicagao da Evolugao das espécies, do bidlogo inglés C cuja teoria iria revolucionar a forma de © homem pensar a diversidade arles Darwin, das espécies da natureza e o sentido cientifico da vida. A teorka de Darwin concebe que a vida, além de depender de uma série de processos vo Funckamental quimicos de troca de energia, estd sujeita a um impera que & a sua continuidade, a qual depende da capacidade de disputa de cada espécie dentro do ambiente em que esti inserida, A famosa frase ‘a sobrevivéncia do mais apto” sintetiza a teoria da evolucio, mesmo que se compreenda modemamente que a disputa entre as espécies ci mo destemor de vez, com freqiiéncia, a processos cooperatives. Ci quem estava certo das conseqiiéncias ideologicas de sua teoria, Darwin nao fugiu ao desafio de por o homem como um ser da natureza, que, portanto, passaria pe > dle competir com outras espécies €, provavelmente, consigo mesmo, pela sobrevivéncia Para a Antropologia Bioldgica, o homem € visto € definido como um. ser da natureza que evoluiu fisicamente até chegar, hd uns 80.000 anos (@ partir de seu surgimento ha cerca de 200.000 mil anos), 2 condicao atual, desde entao praticamente sem mudangas essenciais, a nao ser aquelas derivadas de adaptagdes fisicas aos quatro cantos da Terra, A evolugio humana teria se realizado por processos idénticos aos dos demais animais, isto 6, condicionada aos processos da lei da evolugao. Eniretanto, o homem se tornou um ser especial por ter acquirido aquilo que de modo geral se chama cultura. Inclui-se aqui a capacidade de comunicagio por um sofisticado sistema lingiistico, a fabri glo € a utllizacao de ferramentas ~ 0 fogo em primeiro lugar ~ € a adocdo generalizada de um costume social excepcional, a proibigio do incesto, isto €, de relagdes sexuais entre pais € filhos ¢ irmaos € itmas, como regra fundamental da sociedade humana; Os antropdlogos bidlogos se 10 do homem, mas preocupam com os aspectos fisiolégicos da evoluca lo podem deixar de reconhecer que os aspectos culturais, descle 0 infeio, ajudaram na evolucao biolégica. Por exemplo, quando 0 fogo passou a ser usado para cozinhar alimentos, os grandes molares, encontrados nos fésseis de alguns ancestrais humanos e préprios para triturar sementes, ficaram dispensacos dessa fungao, j4 que sementes cozidas So mais facilmente mastigaveis. Assim, para reconstituir como, ‘osancestrais do homem viviam, os antropélogos bidlogos freqllentemente recorrem a modelos e explicagdes criados pelos antropslogos culturais, ndo adicionando uma idéia que surge na tentativa de imaginar os percalgos dessa evolucio. de vex em Duas questoes de grande importncia cientifica orientam as pesquisas da Antropologia Bioldgica: a primeira é localizar a posigaio do homem enquanto Homo sapiens na sua ordem ¢ na sua escala de evolucio, Impora saber como o homem evoluiu fisicamente, por quais motives € influéncias, sob quais condigdes. Importa saber essa hist6ria, seu trajeto de evolu 0 € come se espalhou € se adaptou por todo o globo. A segunda questio € entender 0 quanto de “animal”, de ser da nature nico, ainda existe no homem tal qual ele € hoje. © quanto que © homem faz vem diretamente de seus instintos de animal e © quanto deriva de comportamentos adquiridos no curso de sua evolugao biol6g ou das transformagdes culturais, Tal questio tem desdobramentos em ‘rios setores das ciéncias humanas € até da filosofia, E grande ainda debate sobre 6 quanto o homem age como um animal em busca de sua sobrevivéncia pessoal € coletiva € 0 quanto ele age por preceitos

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