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(BMS) | UNIVERSIDADE |=) FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitor ‘Carlos Alexandre Netto Sara Viola Rodrigues, presidente COORDENADORA Tania Mara Grupo: a afirmagio de ‘um simulacro Regina Benevides de Barros urhes ag EDITORA Eéitora Sulina Cronada Rachando o grupo Com o titulo de *S6, somente s6”, a revista de domingo do Jornal do Brasil de 6 de dezembro de 1992 traz um assunto ha muito fora das manchetes: a anilise de grupo. ‘A terapia de grupo esta em crise. Depois de virar moda e mexer com a cabega de muita gente partir dos anos 70, a pritica agora recebe a alta definitiva dos analisandos e corre o risco de ser sepultada bem antes do tereeiro milénio. Os especialistas consultados pela revista apontam algumas das causas de declinio da demanda. Referem-se, em primeiro lugar, 20s motivos do por que ter havido muitos grupos na época e, logo depois, a0 por que de sua diminuiga0. No primeiro caso, apontam ‘6 aumento da demanda ligado a fatores circunstanciais ~ a época, quando da moda, era de repressio politica e a “nova terapia surgia como uma espécie de reduto da liberdade” (sic); havia, entio, poucos analistas € muitos pacientes, fazendo com que os atendimentos em turmas fossem a solugdo para dar vazdo a demanda; ou, ainda, porque era uma “coisa de vanguarda” (sic). No segundo caso, alegam, como responsiveis pela diminuigio, fatores tedrico- técnicos ou ligados ao setting; destacam a falta de desenvolvimento ‘eérico na fea, o desrespeito as individualidades, a falta de sigilo 1no grupo “que levavaa intimidade dos pacientes para bares e praias” 239 i (sic); a difusio da psicandlise lacaniiana; a inibigio das pulsées de agressividade (importantes no tratamento psicanalitico), jé que nos ‘grupos as relagdes tendem a ser muito amorosas. ‘Chama a atengo no apenas 0 tom jocoso da reportagem ~ colocando 0 grupo como coisa fora de moda ~, como a espécie de argumentago com que os especialistas justificam o fato tanto de terem usado tal pritica, como de nao a usarem mais. No tltimo caso, 0 grupo surge como recurso tebrico-técnico ultrapassado, ides de hoje, que so as de espagos inadequado para as necessi individualizados. J em 1982, Saidén comentava os resultados de uma pes- quisa"!, em que o grupo era visto, pela amostra pesquisada, “como ‘um recurso para tratar pessoas de segunda categoria ou para que as atendam analistas de segunda categoria” (Saidén, O., In: Baremblitt, G., org., 1982, p. 133). Os argumentos trazidos na reportagem, portanto, nio sio novos. A eles poderiamos acres- centar outros bastante difundidos nos meios psi, onde 0 grupo aparece, na maioria das vezes, como subproduto, tratamento mais barato ¢ acessivel & populagio com poucos recursos financeiros ‘ow tratamento indicado para os servigos piiblicos de savide, pelas mesmas razbes econdmico-financeiras e/ou por atender mais pessoas em menos tempo. Hé ainda outro argumento, desenvolvido por Jurandir F. Costa (1989), que justifica a utilizagto das terapias grupais junto A populagio de baixa renda: é 0 fato de elas possibilitarem meca~ nismos de facilitagio da comunicagio ¢ identificagio entre o: membros do grupo, ja que esses circulam por eédigos linguistico semelhantes. Sem discordar do fato de que o partilhar eédigo: linguisticos semelhantes possa facilitar o processo de comuni casio, gostariamos de perguntar, em primeiro lugar, se essa condi G40, por si, caracteriza (¢ em que medida) um proceso terapéutic Em segundo lugar, se essa € uma condigao aplicivel & camadas de populagio de baixa renda, as terapias grupais serviria 240 também para os demais setores da populagio? Em que condigées? Quando formassem grupos homogeneizados pelo critério de semelhanga de cédigo linguistico? (Nao estariamos af em uma perspectiva de terapia no grupo, também criticada pelo autor?) Mesmo rejeitando a equivaléncia pobreza-terapia de grupo, no estaria Costa construindo outras equivaléncias, tais como: pobreza-cédigo restrito-terapia-de-grupo; pobreza-servigo piblico-terapia-de-grupo; possibilidade terapéutica-mesmos cédigos linguisticos entre paciente e terapeuta? Em que, de fato, ‘0 grupo pode ser pensado como dispositive analitico? Mas ha ainda um outro argumento, bastante difundido, do porqué nio se fiz mais grupo. ‘Todos queriam fazer a terapia de grupo porque era uma coisa de vanguarda e a primei cortente alternativa ao tratamento clissico. Esta procura nao existe mais (PY, L.A., Revista de Domingo do Jornal do Brasil, dez/1992, p. 14). “Bsta procura nao existe mais.” Mas as demandas nio sio criadas? © que estaria, entio, produzindo demanda de espagos individuais de atendimento? Seguindo por esse raciocinio, as décadas de 60-70 teriam produzido demanda de “grupo”? O analisador 68: marcas de um coletivo-em-nés © acontecimento ocorrido em maio de 68 na Franga (0 maio de 68) nao pode ser apenas entendido nem como um fato, no sentido de algo que faz parte da histéria, nem como apenas francés, por referencia ao local onde ficou mais conhecido. A ideia de acontecimento traz exatamente o sentido de ruptura, daquilo que nfo pode ser representado, que interrompe uma sucessio de fatos. Por isso, dissemos que seria algo que néo faz parte da histéria, algo 24 te Ihe escapa. © acontecimento tem, ainda, outra caracteristica: ch é datado, localizado, mas a fratura que ele produz pode se irradiar, etcontrar ressonancia em uma multiplicidade de outros avontecimentos ainda invisfveis, que esperavam a invengao de formas para sua atualizagio. Mais do que localizado (por estar referido a um local), ele é regional, porque nao funciona por gmeralizagio ¢ universalizagio, mas por conexiio, por contigio. Acrescentamos uma outra caracteristica: nilo ha sujeito no acontecimento, ninguém é seu autor exclusivo, as relagdes sto, nesse plano, piblicas”. ‘Tomamos, portanto, 0 maio de 68 como um analisador porque ele fez confluir uma série de correntes de pensamento, uma série de movimentos mundiais marcados por suas especificidades socioculturais, que se ligavam em uma eritica ds formas instituidas de ser, de se organizar, de viver. As reivindicagdes de entdo nfo se esgotavam nos enquadtes sindicais, partidirios, de uma ou outra facgao, de uma ou outra categoria de trabalhadores. O que estava se pondo em processo era a emergéncia de outras formas de luta na produgao de uma nova subjetividade, Nao havia autor, nao havia expressito de opinides que remetessem a identificagio de certas corporagdes; 0 acontecimento irrompeu na histéria sem pedir a tutela de ninguém, colocando em andlise certos modos de viver, de existir: ndio ao centralismo de qualquer tipo, nao ao autoritarismo sob qualquer pretexto, sim a vida, & liberdade dos costumes, & autogestio em todos os niveis ~ do Estado & fami E nesse sentido que dizemos que o acontecimento maio de 68 foi um analisador, pois, ao irromper na histéria, ao produzir fraruras naquilo que estava cimentado, ao quebrar as vidragas que separavam lutas politicas de lutas do desejo, a0 nao reivindicar ‘autorias personalizadas, ao insuflar 0 contigio micropolitico (pois © que estava em questo era a produgio da subjetividade), colocou em andlise © que era uno, decompés 0 que se apresentava como totalidade excludente — politica ou desejo. 242 E claro que o maio francés merece muitas outras abordagens, tanto do ponto de vista de suas condigdes de emergéncia quanto das aliangas feitas ou dos efeitos produzidos. Hi intimeras publicages ¢ anilises sobre o tema’, hé quem diga que 0 fato nada significou em termos de mudangas estruturais mais expres- sivas, ou ainda que o maio foi logo recuperado, nao conseguindo vias de desdobramento em outras formas de luta. Embora o debate seja instigante, no queremos a ele nos ater no momento. O que queremos é destacar 0 aspecto irruptor do acontecimento-anali~ sador e, em especial, observar alguns efeitos sobre as priticas grupais. ‘As redes das priticas grupais ¢ 0 movimento do institu- cionalismo francés Lourau afirma que “a andlise institucional nasceu de uma xitica aos métodos de grupo centrados no grupo” (HESS, R. et ala, 1988, p.167), A entrada da psicossociologia americana ~ s de influéncia lewiniana, seja a rogeriana, seja a moreniana ~, na Franga, durante as décadas de 50-60, desdobrou-se em trés grandes redes: a primeira, ampliando uma ou outra abordagem tedrico~ pritica, aclimatou-as aos costumes ¢ 4 cultura francesa; a segunda, critigada pela psicandlise por seu enfoque conscientizador- adaptacionista, montou 0 diagrama psicanslise-grupo; a terceira, criticada pelos institucionalistas, por sua ideologia grupista de fechamento de andlise sobre o proprio grupo, abre-se em algumas Jinhas que ora se atravessam, ora percorrem caminhos diversos entre si, Tracemos nosso rizoma: praticas psicossociolégicas desen- volvidas nos Estados Unidos-caminho-francés + rede 1: diagrama da psicossociologia francesa; impulso & Psicologia Social com énfase nos grupos; criagio de associagoes de psicdlogos, socidlogos, pedagogos pesqui- 243 sadores ¢ cientistas sociais; linha da psicossociologia institucional; + rede 2: diagrama da psicanilise francesa de griipos; + rede 3: diagrama do institucionalismo: primeira linha da psicoterapia institucional; segunda linha da psicoterapia institucional; linha da pedagogia institucional; linha da socioanilise. Ja havendo desenvolvido a rede 2 quando da postulagio das priticas grupais com aporte da psicandlise (entrada 2), tomaremos as outras duas redes, destacando, em especial, 0 que nelas ha de referéncias a0 grupo. Diagrama da psicossociologia francesa As linhas E (Elton Mayo), M (Moreno), L (Lewin), acrescentamos a C (Carl Rogers), na montagem de entrada da psicossociologia americana na Franga. Da linha E, 0 grupo se destaca como elemento propiciador das boas relagées humanas, fandando uma nova disciplina, a Psicossociologia Industrial. Logo tal constatagio ~ a de que o grupo era facilitador das relagoes Jhumanas ~ cruza-se com outra contribuisio vinda da linha M: os procedimentos sociométricos. O grupo, aqui, entra como configu= ragio resultante de escolhas pessoais, segundo critérios de simpatia, ¢ indiferenga que, quando respeitados, favoreceriam a boa izandlo tais procedimentos em situagées de campo, cruza-se a linha L, onde, como jé vimos, o grupo sera construido como objeto de pesquisa-acio, elemento importante de intervenca0, no campo social. Um dos desdobramentos das pesquisas de Lewin. nia rea da formagao acabou criando 0 T-Group ou Grupo de Diagnéstico, cuja caracteristica fundamental é0 cariter nio diretivo da experiéncia. Rodrigues (1994, p. 468) assim descreve o T-Group: © T-Group visa a realizagio de uma experigncia de grupo que seja transformavel em tum conhecimento, o qual, por sua ver, transforme a propria experiéncia. Este conhecimento nfo lhe vem do exterior, como no caso da experimentacio clissica, mas de um trabalho de elaboragio interno a0 grupo enquanto tal. Preservando alguma fidelidade 20 paradigma experimental, oT-Group se define por um enquadre estivel, assim especi~ ficado por Lapassade: “Um training group ou T- ‘group é um pequeno grupo de cerca de dez pessoas reunidas para formar-se com um monitor de dina mica de grupo. O grupo analisa 0 seu funcio- namento com a ‘ajuda’ desse monitor, que no dé conselhos nem ensina. Ele, simplesmente, comunica ao grupo, quando julga necessitio, a ‘maneira pela qual ‘percebe’ ou analisa a situagao. Progressivamente, os membros do grupo (...) aprendem a dispensar 0 monitor e a analisar, eles proprios, aqui e agora, o funcionamento desse grupo de que fazem parte. A relagio do grupo de formagio com seu monitor ¢ igualmente analisnda”, Cruza-se ai a linha C, pelo cariter nao diretivo e pelo apelo a viver autenticamente cada situagio, seja de aconselhamento psico- légico, seja nos grupos de formagio ou terapia. O grupo aparece como espaco propiciador de encontros entre pessoas, onde todos tém livre direito a fala. Segundo Hess ¢ Savoye, no inicio dos anos 60, G. Lapassade aparece como um dos iniciadores do movimento dos grupos na Franca, Citam, em nota de rodapé, o mimero 158-161 do Boletim de Psicologia, dedicado aos grupos, onde Lapassade publica dois 249 autigos, um sobre 0 T-Group ¢ outro sobre téenicas de grupo, considerando essa publicasio como ponto de partida, na Franga, do movimento dos grupos. Seguem-se novas publicagdes nos anos seyuintes, todas voltadas para o tema dos grupos, das organizagées das instituigdes™. © movimento que Lapassade comesava a implantarjé era 0 de articular grupos e organizagdes. No prologo, em 1970, para a segunda edigio de Groupes, organizations et institutions, declara cle haver constatado uma dimensio no analisada nos grupos — a dimensio institucional -, levando-o a aproximar-se da corrente da psicoterapia institucional, ji que essa enfatizava a necessidade de aralisar 0s efeitos institucionais sobre o furcionamento dos grupos. ‘Mas sigamos um pouco mais nas linhas de composigio da Peicologia Social na Franca. Como bem observa Rodrigues (1994, p-470), as atenges para a Psicologia Social americana jf hhaviam sido despertadas por Jean Stoetzel. Sua Teoria das opinides, publicada em 1943, é considerada a primeira obra francesa de psicologia social *propriamente dita’, entendendo-se a tltima expresso como legitimagao do paradigma positivista de observagio e experimentagéo. A primeira cadeira de Psicologia Social na Sorbonne terd de aguardar 0 ano de 1956, sendo implantada sob a diresao do préprio Stoetzel. Desta época data também a criagio do Laboratério de Psicologia Social, sob o impulso de Robert Pages, igualmente voltado para uma abordagem experimental complementada por rigorosa reflexio episte- molégica. Culminando a conquista de dominios académicos assistiremos, em 1964, a criago de um laboratério de Psicologia Social na VI Segio da BE. 246 P.HLE,, sob a batuta de Serge Moscovici e, em 1966, a da segunda cadeima de Psicologia Social, em Nanterre, confiada a Jean Maisonnewoe. Se uma Psicologia Social de bases experimentalistas jé aportara na Franga pelas vias académicas, € através de associagoes de vatiados pesquisadores', incentivadas pelo acordo de ajuda matua ctiado com o Plano Marshall, que formagio e intervengio psicossociolégica estario marcadas pelas técnicas grupalistas vindas daslinhas E, M, CeL. ‘A psicossociologia americana, endossada por muitas dessas associagées, toma alguns rumos préprios 4s condigdes francesas. ‘Tratava-se, em muitos casos, de adaptagio/aclimatagio a cultura do outro lado do Atlantico, Percebe-se, por exemplo, momentos de mera aplicagéo das técnicas de grupo as situagdes, especialmente de formacao. Em outros, desenha-se um cariter clinico, marcado pela influéncia psicanalitica entre muitos dos pesquisadores. Configurava~ se, portanto, uma oscilagio e, em outros casos, mistura de técnicas de grupo de base psicossociol6gica com aportes psicanaliticos. Essa orientagio mais clinica do que experimental, tomada por algumas associagées, vai desenhando um caminho por vezes critico, em relagio is tendéncias de desenvolvimento organizacional, adotada pos-plano Marshall, tornando as intervengbes de base psicosso~ ciol6gica menos predominantes, em favor de uma perspectiva em que a dimensio institucional passa a ser destacada, tecido politico-institucional de entio ja é outro. Da euforia de reconstrugaio do pés-guerra, da entrada da ajuda americana, de uma Psicologia Social experimental a uma Psicologia Social da pesquisa-agdo, de uma “Franga-da-resisténcia” a uma “Franga-em- guerra-na-Argélia’... 0 diagrama da psicossociologia francesa foi se contorcendo, mudando seu desenho e, em alguns casos, construindo outro diagrama. 247 Diagrama do institucionalismo Os institucionalistas eram varios", ainda que confluissem em alguns pontos, se diferenciavam em muitos outros. Tomaremos aqui apenas 0 que concemne ao tema do grupo nas diferentes abordagens. LINHA DA PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL. LINHA PRIMEIRA FASE/PRIMEIRA Destaquemos 0 nome de Frangois Tosquelles que, durante a ‘Segunda Guerra Mundial, desenvolve, no hospital de Saint-Alban — regio de Lozére, Franga -, junto a outros psiquiatras, enfermeiros e pacientes, uma experiéncia que colocou em questo as relagdes estabelecidas no hospital psiquidtrico. Psiquiatra espanhol que, durante a guerra civil em seu pais, havia desenvolvido agdes terapéuticas comunitérias com a ajuda, de pessoas comuns (nao especialistas), Tosquelles chega como refigiado a Franga, no inicio da Segunda Guerra Mundial. Depois de trabalhar no campo de concentragio de Sept Fonds, foi recrutado para Saint-Alban, onde desenvolveu os primeiros passos dagquilo que veio a ser denominado por G. Daumezon e P. Koechlin em 1952, de psicoterapia institucional”. Estavamos no inicio dos anos 40, Na base desta iniciativa existia a tradigéo das cooperativas dos operadores catalies, nas quais em me inspirei. Nio € preciso lembrar que a guerra civil foi consequéncia de cem anos de evolugio de um movimento social, cuja base eram as coope- rativas ¢ 05 sindicatos, Sobretudo os sindicatos, porque, como por exemplo, em Reus, nao se tratava simplesmente de lutar contra 0 patrio, ‘mas de como ser patrio de si mesmo (Tosquelles, 248 E, entrevista dada a G, Gallio e M. Constantino em 1987. In: Lancetti, A., org., 1994, p. 97). No apenas a experiénia espanhola, mas as prOprias carac~ teristicas encontradas em Saint-Alban de iniciativas cooperativistas fez. com que lA se formasse um campo propicio a experimentagdes de outras formas de organizagio e de decisio sobre 0 fun mento de um hospital psiquistrico. ‘A utilizagio de recursos tais como cooperativas de trabalho, jornal, grupos de pacientes e técnicos, estimulo & participagio no cotidiano do hospital discutindo regras e propondo atividades, mas, especialmente, a mistura de refugiados, camponeses ¢ intelec- tuais ~ a partir de 42, os iltimos chegaram a Saint-Alban ~ foi o que tornou essa experiéncia uma irradiadora de outras que se seguiram no pés-guerra. Essa curiosa mistura, facilitada por Bonnafé; entio diretor do hospital, transformou Saint-Alban em local de acolhida para refugiados que, em sua estadia, ofereciam seus servigos aos pacientes e vice-versa: ma Nesse periodo o hospital estava povoado de oucos ¢ de estrangeiros. Os pacientes se coloca~ ‘vam a servigo dos refuugiados politicos, refugiados judeus. George Canguilhem e sua fumifia chega . ram a Saint-Alban naquele ano, Foi li que ele esereven os capitulos finais de seu livro O normal ¢ 0 patolégico. Entio chegaram Paul Eluard e Nouche, sua esposa: uma mulher de teatro que trabalhou bastante conosco, demonstrando ex- traordindtias habilidades com pacientes esquizo- frénicos... Os artistas de St. Allan eram também surrealistas e foi gragas a Bonnafé que esta inteligéncia foi colocada a servigo das priticas (Tosquelles, F., op. cit, p. 105). 249 No que se refere as priticas grupais implementadas, obser- ‘vemos que faziam parte, como outro qualquer recurso, do arsenal de ferramentas utilizadas na experiéncia de St-Alban, visando ao hospital-estabelecimento como objeto 2 ser reformado. Tosquelles afirma qu Antes de 1931, quando chegou o primeiro analista, estivamos conhecendo diversas teorias ¢ priticas psicoterapéuticas de grupo. Recordo, por exemplo, que faziamos grupo com os quais ensindvamos aos doentes a nao se alienarem ea nao se comportarem como loucos em piiblico, No grupo dos doentes parafrénicos, lembro-me de ter dito: “Alucinem, delirem quando quiserem, desde que estejamos aqui dentro, mas aprendam a nao fazé-lo fora, com os familiares, com os policiais! Aprendam a no fazer isso publi- camente, senio colocam voces em um buraco fechado por dentro... Ha especialistas que no os perdoario nunca...” (op. cit. p. 98). Poderiamos dizer que a intervengio grupalista de Tos quelles, nessa época, em muito se assemelha A do médico J. Prat (1905/6), que ensinava a seus doentes tuberculosos, através cooperacao miitua, a acelerar sua recuperacao fisica. O.métod do grupo pelo grupo procurava aliar mecanismos de conscien tizagfo as emogGes despertadas no contato com outros pa cientes. Mas jii se apontam algumas diferengas em relagio modo como 0 grupo é utilizado. No primeiro caso, um instr mento com finalidades terapéuticas, em que os bons pacient eram premiados pelo médico quando apresentavam mudangs no comportamento. No segundo, um instrumento terapéutict que visava no apenas aos pacientes, mas ao hospital, aos esp 250 cialistas, & comunidade. Nao é a toa que a experiéncia de St- Alban, ao acolher misturar pessoas de origem, caracteristicas socioculturais e destinos to heterogéneos, tornou-se um defla~ grador de criticas contundentes a psiquiatria asilar, medica~ mentosa e privativa de especialistas. ‘A modificagio implementada nessa primeira fase da psico- terapin institucional visava a destecnocratizagao e deshierarquizasaio do hospital-psiquisitrico, enquanto operador de uma psiquiatria classica, Entre outras priticas, forja-se um embritio da psiquiatria de setor, pretendendo a humanizagio dos hospitais e uma ligagiio cada vez maior com a vida da populagio. Isso implicava descen- tralizagio e esvaziamento dos hospitais, através da criagdo de formas de atendimento distribuidas pelas cidades, coordenadas por um sistema de estruturas diferenciadas de acordo com as demandas. caminho da desalienagio do doente passava, entio, por uma cxitica a0 modo como o hospital ¢ a psiquiatria estavam orga- nizados: criticas 4 divisio de tarefas entre os especialistas, as normas impostas pelas diregées verticalizadas, 208 métodos ortodoxos usados. Mas, paralelamente, criagio de dispositivos que pudessem acionar a participagio de todos na vida do hospital e implicassem questionamento das concepgdes de doenga mental. ‘Todos esses, aspectos tornaram-se pontos fundamentais na primeira proposta institucionalista. Destaca-se ainda em St-Alban, jé ao final da guerra, a utilizacao de priticas grupais microssociolégicas impor~ tadas dos Estados Unidos. O psicodrama de Moreno € trazido de uma viagem aos Estados Unidos, por Miceille Monod, psicdloga do Hospital de St-Alban (Lozére). Ele vai desempenhar um papel importante assim como as técnicas de “psicoterapia ocupacional” (ergoterapia, socioterapia, técnicas ativas, técnicas Freinet)... (Hess, R; Savoye, A., 1993, p. 11). 257 As técnicas grupais (marcadas findamentalmente por uma tradigio microssociolégica) entram no projeto da psicoterapia institucional com o intuito de transformar as relagdes sociais do hospital, buscando a criagio de novas formas de organiza¢io, em que a separagdo entre os que cuidavam e os a serem cuidados fosse atenuada. Remi Hess e A. Savoye (1993, p. 12) lembram, entretanto, que Bonnafé ¢ Le Guillant comegam a denunciar as ilusées desse hospital-falanstério: “Para eles, o clima assim criado é tal que 0 doente nao pode mais desejar a saida desta sociedade ideal para enfrentar, novamente, a sociedade real com suas contradigoes”. LINHA DA PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL - SEGUNDA FASE LINHA R, Hess e A. Savoye (1993) descrevem trés fases da psicote= rapia institucional: fase empirica, em torno de 1940, quando 08 ‘médicos psicoterapeutas que trabalhavam em alguns hospitais psiquidtricos (especialmente St-Alban) procuravam modificar as relagdes entre médicos e pacientes, apoiados numa concepgio. de alienagao vinda do marxismo; fase ideoldgica, no pés-guerra, com a entrada maciga das técnicas grupais de otientagio microsso- ciolégica, usadas como métodos de ressocializagio dos doentes no interior do hospital fase tedrica, momento em que o conceito de instituigo ¢ elaborado e a critica ao hospital ¢ a psiquiatria cami~ nham pela dimensio analitica. i Propomos, entretanto, outra divisio: uma primeira linha, com concepgao na proposta da psicoterapia institucional, marcada pelo aglutinar de pessoas ¢ experiéncias em torno de St-Alban, onde as priticas grupais entram como recurso de deshierarquizacio dos lugares ¢ das normas estabelecidas. Isso apontou, de fato, para um, uso acritico dos modelos grupais ¢ para uma visio de instituigao inda identificada de estabelecimento. Por outro lado, como experiéncia, St-Alban pode ser vista como irradiadora, disparadora 252 ou a0 menos inspiradora dos movimentos da psiquiatria de setor, da comunidade terapéutica, da anilise institucional (em suas verses pedagégicas e psicoteripicas) e até mesmo da antipsiquiatria”, ‘A segunda linha da psicoterapia institucional tem como destaque Felix Guattari. Jean Oury havia estado com Tosquelles em St-Alban e procurava instalar, a partir de 1953, em La Borde®, priticas institucionais semelhantes is experimentadas em Lozére. Para isso convidou Guattari a se juntar & sua equipe (1955). ‘Guattari nos diz.que foi convidado para desenvolver o Comité intra-hospitalar da Clinica (em particular o Clube de pensionistas). Ele, que militava desde os 16 anos em virios tipos de organizasio politica, aceitou ¢, em alguns meses, havia instalado miltiplas instincias coletivas (assembleias gerais, secretariado, comissdes paritérias, subcomissdes e afeliers de todos os tipos). Em uma entrevista a J. Beillerot, Guattari (1980, p. 95-96) analisa esse momento: ‘Um primeiro campo problemitico se colocou para mim quando fui trabalhar com Jean Oury em Ta Borde, enquanto era, por um lado militante politico de um grupo de extrema esquerda e, por outro, um dos primeiros nao médicos que participavam no Seminério de J. Lacan. Oscilando . entre estes dois polos, tentei remontar,mal que bem, as contradigbes que existiam entre estas diferentes. situagdes. ‘A orientagio de La Borde era caminhar no sentido de uma desagregacio das relagées aquele que trata/aquele que é tratado, assim como das relagées internas a0 pessoal. Instalar, portanto, ‘um incessante questionamento com relagdo a todas as rotinas burocriticas, a passividade, & hierarquia, ao carter repetitive © setializado dos modos de existéncia. 208 Isso significava uma construgio coletiva e permanente de dispositivos aptos a criar modos de reapropriagio de sentidos que caminhassem em uma perspectiva ética (¢ nao tecnocritica), favorecendo um processo de singularizagio na relagio com 0 trabalho e a propria existéncia pessoal. Guattari propoe, entiio, em 1964-65, em uma reunifio do GTPsy (Grupo de Trabalho de Psicologia e de Sociologia Insti- tucionais), a expresso andlise institucional, fazendo uma dupla demarcagio em relagio & psicoterapia institucional tosquelliana: “Era um certo niimero entre nés que desejava a introdugio de uma dimensio analitica neste tipo de pritica e nfo encontrava satisfagio nas referéncias que Tosquelles fizia frequentemente a Moreno ea Lewin, e acessoriamente a Marx e a Freud? (ibidem, p. 99). ‘A primeira demarcagio opunha a anilise institucional & psicoterapia institucional, ji que a dimensiio analitica, nesta tltima, se restringia a ser uma “fora exterior que coexistia pacificamente neste campo com 0 marxismo, a psicossociologia, a dindmica de grupo, a terapia social” (ibidem, p. 99). A segunda demarcagio estabelecia “que tais processos analiticos néo poderiam ser uma especialidade do campo da higiene mental” (ibidem, p.100). Rodrigues (1994, p. 499) assim se refere a este momento de virada da psicoterapia institucional em anélise institucional: Em sintese, além de por em causa a neces- sidade da dimensio analitica,a expressio “andlise institucional” tem, para Felix, uma outra fungo, de cunho estratégico: remeter a uma abertura neste campo de anilise até entio restrito & ago dos “especialistas psi*e consideragio de “fatores: ‘psi’. Por mais proximo que esteja conceitual institucionalmente da Psicanilise, por mai vinculado que esteja historicamente & Psicosso~ ciologia nestes meados dos 60, Guattati rece 7 234 que a recém-concebida Anilise Institucional se venha a tornar monopélio de mandarins ou generais, novidade no mercado de consumo, disciplina académica, técnica oficial ou oficia~ lizada, enfim, falo ou fetiche ~ para usar uma linguagem que ele niio despreza ~ de alguma totalizagio sujeitadora. Niio era, por conseguinte, apenas mais um conceito o que se criava entilo, mas uma outra proposta que se desenhava: a andlise mio deveria mais ser propriedade de certas categorias profissionais, nao poderia ficar confinada aos especialismos. A partir dai a perspectiva da psicoterapia institucional estava marcada pela incluso da dimensiio analitica, A andlise passa a ser vista como dimensio de toda expe- rimentagio social, Ela nfo se restringe agio dos trabalhadores de satide mental, nem a cura é concebida como cura individual. ‘Aarticulasao da anilise com o campo politico é evidente.’Trata- se todo o tempo de se perguntar sobre o problema da produgio das instituigdes: de que modo isso se faz? O que essa produgio opera? ‘As propostas do movimento institucionalista da primeira fase da psicoterapia institucional jé estavam criticadas: 0 micros- sociologismo que no levava em conta a dimensio analitica; as cexcessivas referéncias As t€cnicas grupalistas, especialmente as de inspiragio lewiniana e moreniana, e 0 cariter experimentalista da dinamica de grupo americana. Entretanto, virias questées e desafios te6rico-politicos se colocavam. E nesse panorama que Guattari formula alguns dos conceitos que impulsionariam a formagio de novas frentes institu- cionalistas: andlise institucional"; transversalidade; transferéncia contratransferéncia institucional; analisador, grupo sujeito ¢ grupo sujeitado. A anilise institucional deveria instaurar um espago de formulagio permanente da demanda inconsciente, de anilise das 205 instituigdes potencializadas pelos diferentes atores sociais. Ao incorporar A sua proposta a dimensio analitica das intervenes, bem como a dimensio histérica da Psicanilise, a Anélise Insti- tucional afirmava que toda anilise é institucional. Nesta ética, Guattari criara um arsenal conceitual com vistas ao salto que romperia a dicotomia desejo/politica tio fortemente implantada. Impulsionado pela experiéncia de La Borde e pela preocupagio. em determinar as condig6es que permitissem aos estabelecimentos de tratamento incluire desempenhar um papel analitico, Guattari, que ja implantara varias atividades em grupo, se pergunta sobre como poderia um grupo tomar a palavra sem reforgar os meca~ nismos seriais ¢ alienantes que caracterizavam as coletividades nas sociedades industriais Em 1962/63, no artigo “Introdugio A Psicoterapia Institu- cional”, sugere imagens da hist6ria para ilustrar o que entendia por grupos sujeitados e grupos sujeitos. Os primeiros recebem sua lei do exterior, so caracterizados pela hierarquia, pela organizacao vertical ow piramidal, conjuram qualquer inscrigo de morte ¢ dissolugdo, preservam mecanismos de autoconservagio, fundados na exclusio de outros grupos, operando por totalizagées ¢ por unificagio. Jé os grupos sujeitos propdem-se a pensar suas posigdes, abrindo-se a alteridade ¢ aos processos criativos, conjuram as totalizagdes ¢ unificagées, permitem que sua pritica os leve a0 confronto com seus limites, sua finitude, nfo buscam garantias transcendentais e se definem por um aumento em seus coeficientes de transversalidade®, Em uma primeira leitura podemos reconhecer, ainda, dua~ lismos (grupo sujcito/grupo sujeitado) e uma tentativa de superagio das verticalidades opressoras e burocratizantes através do ativo grupo sujeito. Isso poderia levar a uma nova totalizacio ~ o grupo quando atinge seu estado de grupo-sujeito € autdnomo e produz efeitos analiticos... E é 0 proprio Guattari (1974, p. 82) quem adverte: ‘Mas para evitar qualquer confusio com uma concepgio de estilo psicolégico ou escoteiro, insistamos ainda nesta ideia de que um grupo nao poderia em si ter virtudes analiticas! Ressalvados 08 periodos de sopro revoluciondtio, existe, 20 contritio, toda uma prixis particular, toda uma quimica do grupo e da instituigio, que é necesséia para produvir “efeitos analiticos”. Seria necessirio repetir, uma tal priais no poderia ser fato @ nfo ser de um agente coletivo ~ 0 grupo mesmo~no seu projeto de ser sujeito nfo somente para ele mesmo, mas também para a histéria. Deleuze (1974a) destaca que a diade grupo sujeito/grupo sujeitado era uma estratégia pensada por Guattari para introduzir a dimensio analitica na luta politica®. Ressalta que as duas espécies de grupo seriam duas vertentes da instituigio € no dois tipos de grupo que se oporiam, jf que, por exemplo, “um grupo-sujeito arrisca sempre se deixar sujeitar, em uma crispago paranoica em que ele quer a todo prego se manter ¢ se etemizar como sujeito”. ‘Nao podemos nos esquecer de que essas formulagdes se davam 40 mesmo tempo em que a psicoterapia institucional era ques- tionada em seus caminhos microssociolégico-grupistas e em que se buscava a construgio de dispositivos que produzissem efeitos de sentido variados, reabrindo potencialidades de histérias dos sujeitos, nao mais falados através de porta-vozes-especialistas dos/ nos estabelecimentos. Em La Borde, os grupos estavam ligados a atividades concretas, ao contrério das chamadas pesquisas da dinamica de grupo. E nesse sentido que Deleuze (1974a [1969], p. 132) nos alerta. Ni se trata, certamente, de uma “aplicagao” da psicanalise aos fendmenos de grupo. Nao se 207 trata, tampouco, de um grupo terapéutico que se proporia a “tratar” as massas, Mas de constituir no grupo as condigdes de una anilise de desejo, sobre si mesmo e sobre os outros; seguir os flaxos que constituem tantas linhas de fuga na socie~ dade capitalista e operar rupturas, impor cortes no scio mesmo do determinismo social e da causalidade historica; destacar os agentes cole~ tivos de enunciagdo capazes de formar 0s novos enunciados de desejo; constituir, nfo uma van- guarda, mas grupos em adjacéncia com os pro~ esos sociais ¢ que se dediquem somente a fizer avangar uma verdade sobre caminhos onde ela ordinariamente nunca se engaja.. Em seu texto “A transversalidade” (1964), Guattari afirma uma subjetividade de natureza politica e social, limitada e identificada, no Estado moderno, a uma encamacio individual. Avanga em. algumas considerag6es sobre a andlise de grupo, dizendo que essa se situaria para aquém ealém clos problemas de ajustamento de papé ¢ transmissiio de informagées, buscando novos sentidos e falas que se articulassem as cadeias do discurso histérico, estético ete, O deslocamento que Guattari esti operando vai muito além, de uma nova proposta de grupo. Esti sinalizando criticamente 0 Proceso de constituigao de subjetividades individualizadas, sujeitos-dados, grupos-dados, sobre os quais interpretagdes revela- doras se dirigitiam, Diante disso, 0 que Felix propoe & que, 20 contrétio, o desencadear do processo analitico se dé por ampliagées do grau de transversalidade. No caso dos grupos, isso seria possivel quando esses fossem suporte para diversos modos de expresso, Aqui a nogio de analisador se mostra fundamental, pois ressalta a irrupedo na cena analitica de situagGes, falas, atos, que desmancham as unidades cristalizadas, No texto recém-citado, também de 1964, o tema dos grupos é retomado, Ji no quarto parigrafo, Guattari assinala que “grupo sujeitado e grupo sujeito nfo deveriam assim ser considerados como mutuamente exclusivos’. Tentando escapar 3s dualidades con- gelantes, ambos serio tomados como polos entre os quais qualquer grupo oscilaria Encontramos, ai, grupo sujeito e grupo sujeitado como mar- cagdes de vertentes: uma que coisifica e obtura 0 grupo, transfor- mando-o em unidade-para-si (grupo sujeitado), outra que se caracteriza por aberturas para a afeccto, para 0 contato com 0 inesperado e a conjuragio das garantias. Rodrigues (1994) destaca o carter processual dessa nuance estabelecida por Guattari, dizendo terclefugido dos grupalismos substancializadores aportando em uma concepgio fundada nas priticas onde o grupo série é efeito a ser retificado por alguma disciplina. Efeito-grupo e nao natureza-grupo, adiferenga é fundamental, pois destitui o grupo daquilo que parecia ser seu destino inexorivel: massificagio ou libertagio da alienagio, O grupo no é um dado, & construgio, desenho que se configura a cada situag esta perspectiva ~a processual ~ que o grupo é exigido & abertura que 0 confronta com as capturas coisificantes que determinam seu lugar de objeto de investimento por sujeitos individuados que temem a morte que vem de dentro e também a que vem de fora. Os papéis, as identificagdes, as liderangas so efeitos de certo modo de produgio de grupo ~ efeitos, enfatizamos, nao natureza. Em um movimento de ampliagio da critica aos especialismos funda-se, em 1966, o FGERI (Federasio de Grupos de Estudos e de Pesquisas Institucionais). Nele, agrupavam-se psiquiatras vindos do movimento de psicoterapia institucional, assim como profis- sionais de outras éreas (arquitetos, urbanistas, militantes do movi- mento estudantil, socidlogos, antropélogos, psicanalistas ete.), empreendendo uma reflexio critica acerca de suas atividades sociais, ¢ profissionais, o que inclufa a anilise dos projetos dos pesquisadores 209 ¢ de suas relagdes com a vida cotidiana e 0 desejo. Isso foi cons= tiruindo um método de anslise em situagiio cujo objeto era a pro= blemitica sociopolitica, tomando:o inconsciente como lugar dos investimentos do desejo e da producao das instituigées. Essa andlise institucional instauraria um espaco permanente de formulagao de demandas e de anilise das instituigbes, atualizadas nos diversos campos da existéncia, Tal tipo de empreendimento procurava destacar as enunciagdes coletivas do desejo que se expressavam em um jogo de serialidade x alternativa de sujeito, Dessa maneira, a anilise estaria voltada para processos, modos de produgiio das subjetividades e agenciamentos coletivos de enun= ciagio. Guattari, relatando a época de efervescéncia do PGE! reconhece que tais encontros se redobraram em “trabalho: analiticos de grupo” e que maio de 68 teria ido muito além do q haviam podido imaginar. Instalaram-se, com esse acontecimento, “revolugdes moleculares” que deveriam ser conjugadas a revolugio social. Mas esse ja ¢ um outro momento da producto guattariana, essencialmente marcada pelo acontecimento 68 ¢ pelo encont com Deleuze. Por isso, paramos por enquanto por aqui p: retomarmos sua trajetéria mais adiante. LINHA DA PEDAGOGIAINSTITUCIONAL, Acexperiéncia levada desde as décadas de 20-30 por C. Frein €referéncia importante quando puxamos essa linha. Inconform: com os privilégios de uma educagio voltada para a elite urban Freinet inicia sua luta por uma escola popular que fosse ativa, on a crianga fosse sujeito de sua educacio, com contetidos que articulassem as experiéncias de seu cotidiano. Sua proposta imy cava uma intrinseca relagdo escola-trabalho-vida, no sentido que essas esferas nfo deveriam estar isoladas, nem colocadas 260 uma hierarquia que acabasse por valorizar o trabalho intelectual em detrimento do manual. Para tanto, combina diferentes técnicas: ‘2 imprensa, o texto livre, a correspondéncia escolar, a cooperativa, os conselhos etc. Hess e Savoye (1993, p. 18-19) relatam que: As instituigdes externas nao aceitam as ino- ‘ages que as colocam em questao. Pouco susten- tado por sua administragio, ele é conduzido, em 1934, a fundar sua propria escola, Esta é conhe- cida como escola experimental de um movi- ‘mento muito mais vasto, a cooperativa de ensino laico que vai atingir cerca de 30.000 professores inspirados direta ou indiretamente por sua pedagogia. Os anos 50, entretanto, trariam dissidéncias no interior do movimento Freinet, Alguns professores do ICEM (Grupo Pari- siense da Escola Moderna), impossibilitados de aplicar as propostas freinetianas ~ voltadas cada vez mais para o meio rural ~ e ambi- cionando entrar em contato com psicdlogos € psicanalistas do movimento da psicoterapia institucional, acabam por ser excluidos do movimento Freinet em 1961 e fundam movimento da pedagogia institucional. Rodrigues (1994, p. 447) assim descreve 0 embate FreinevICEM: © conilito se faz inevitivel e, em 1961, Raymond Fonvieille ¢ Fernand Ouey, exctuidos do movimento Freinet, fundam um grupo exclu- sivamente parisiense, o G-TE. (Grupo de Técnicas Educativas), que se denomina defensor de uma Pedagogia Institucional. R. Fonvieille exem- plifica algumas das perguntas que tanto ele como F. Oury formulavam na época, mal recebidas por 261 Freinet e pelos ortodoxos, dado que configuravat a necessidade de uma aniilise das pritica pedagégicas: 0 que implica o fato de liberar expresso das criangas?; o que exprimem elas? sabemos decifiar tais mensagens?; temos formagio que nos permita evitar erros graves neste processo de liberagio? Todas estas indagagdes desafiavam as propostas Freinet, acusando-as de “esquematizagdes abusivas”. Nesta busca de novos alindos, entretanto, novas cisdes se fariam, Em 1963, ainda nos conta Rodrigues (1994), Oury € Fonvieille fazem contato com Lapassade em uma tentativa de verem analisadas certas tensdes existentes. Em 1964, Oury, mais afinado com a perspectiva da psicoterapia institucional (marcada pela influéncia psicanalitiea) funda o GET (Grupo de Educagao ‘Terapéutica), enquanto Fonvieille funda o GPI (Grupo de Pedagogia Institucional), mais afinado com a perspectiva psicos~ sociolégica. A cisio traz. as diferengas de filiagao — Psicandlise ou Psicossociologia ~ as diferencas de encaminhamento de utilizagéo dos recursos técnicos ~ apoio nas técnicas freinetianas relidas partir da psicanilise ou aplicagao das técnicas grupalistas calcadas na psicossociologia americana, © que vai ficando claro na exposigio, quanto ao tema que mais nos interessa — os grupos — & que as linhas dos. diferentes diagramas vio se eruzando e constituindo terrenos onde a espe~ cificidade da Area de atuago— pedagogia, psiquiatria — fica menos em questo do que 0 modo como “os grupos” sio utilizados. Ousa~ ‘lamos afirmar que duas grandes tendéncias se configuraram até o momento: grupo como técnica e grupo como dispositivo, Sigamos, entretanto, um pouco mais na histéria do institu- cionalismo para voltarmos, mais adiante, a esse ponto. 262 LINHA PA SOCIOANALISE Tniciadas em bases psicossociolégicas ~ Lapassade € um de seus introdutores-defensores na Franga ~, a socioandlise™ critica tais modelos ¢ cria outro campo teérico-politico sobre o qual se instala, Poderiamos dizer que da psicossociologia é 0 carater de aso da pesquisa aquilo que mais chama a atengio dos socioa nalistas. Lourau assinala que ja nos anos 60 existem pesquisas- acto habituais, iniciando-se as primeiras intervensdes externas. Nesse momento, a via ainda a da psicossociologia, com seus grupos-T, seus psicodramas e algumas entradas em experiéncias corporais. Lapassade, entretanto, estava bastante pr6ximo dos grupos de base dos universitirios e de suas organizagdes sindicais. Interessava-se, igualmente, pelas questes da renovagio pedagdgica nas classes primirias e nos liceus. Ao mesmo tempo, junto a alguns colegas sicossocislogos, propugnava por uma visio mn politica que puramente especializada dos trabalhos grupais (Rodrigues, H. C., 1994, p. 475). Era 0 comeso da critica aos grupismos, difundidos pela paicossociologia, que mais valorizavam as téenicas de grupo do que a escuta dos efeitos por elas produzidos. Desmascarar a dimensio institucional do nfo diretivismo dos T-Groups, bem como historicizar as priticas de formacio insistentemente reduzidas a seus aspectos tecnicistas, passaram a ser 0s alvos ce ae romperiam com as amarras naturalizantes da pease fe pedagogia, da psicossociologia etc. Lourau (1979, p. 23) assim descreve um fato dessa critica aos grupismos: 263 Esse dispositivo [0 pequeno grupo], que nada tem de desprezivel, foi objeto de uma sub- versio a partir do momento em que, rompendo com 0 instituido da “dinamica de grupo”, La= passade € os seus primeiros “clientes” efetuaram a andlise da encomenda e do pedido da inter- vengio (ou de formaedo), fazendo assim eclodir © campo de anélise fora das famosas “frontciras de grupo”. Lourau localiza em torno de alguns membros do GPI, da influéncia exercida pelas publicagbes de Socialismo ¢ Barbirie™ da critica A sociologia americana, 0 surgimento da anélise itucional. O proprio Lourau havia sido do GPI, juntamente com Lobrot e Lapassade, assim como os dois tiltimos haviam sido membros, durante um certo tempo, do grupo Socialismo ou Bar- birie. Em termos conceituais, localiza inspiragdes na psico- terapia institucional (conceitos de analisador,transversalidade), na pedagogia institucional (conceito de autogestio), em tendéncias dlapsicossociologia (conceito de demands, encomenda, implicagio) em Castoriadis (conceito de ins ). A historia ¢ recheada de acontecimentos, de publicagées, de associagdes que so fundadas ¢ multiplicadas®., As décadas de 50, 60 e 70 sio profusas em contatos, invengdes, ousadias. A andlise institucional emerge nesse terreno ¢ encontra sua dimensio intervencionista na socioanalise, Nela, contrariamente tsociologia das organizagées, que toma por objeto de anilise o estubelecimento que formula 0 pedido, serio as instituigdes os objetos da investigagio, A diferensa crucial esti no proprio conceito de instituigio que, sendo deslocado do aprisionamento juridico-funcionalista a que esteve. submetido, ganhard sua dimensdo hist6rico-politica. Ao ser destituido de sua equivaléncia a estabelecimento ou organizacio, a insttuigo recupera sua historicidade, sempre produtora de novos sentidos, 264 Esta virada de sentido, empreendida pelos socioanalistas, decerto é fruto de produgies vizinhas, tanto no nivel da formulagio te6rica (leia-se teérico-politica, como € 0 caso da formulagio :1 da relagio instituido/instituinte), como das formu- lagies praticas (leia~se pritico-politicas, como é 0 caso das formu- lagdes antipsiquidtricas, antipedagégicas). Desse caldeirio, os socioanalistas, em ato, procurario garantir fundamentalmente 0 cariter desnaturalizador das instituigées. O que isso significou? Uma ruptura com as priticas grupalistas de eunho picossocioligico, uma eritica as anilises do desejo como exclusivas do campo psicanalitico, uma critica das propostas politicas centristas ¢ teoricistas. Sobre esse iltimo aspect, vale lembrar que consideravam falsa a ideia de poder como oposigao centro/periferia; “o poder central esti em todas as partes ¢ inclusive esse € o funda mento da anilise institucional com relagio aos outros métodos de microssociolégica” (Lourau, R., 1977, p. aniilise e de intervengi 22). ‘Além disso, criticavam as postulagdes abstrato-cientificistas, fossem da sociologia, fossem da politica. Muito por isso, a anilise institucional fez-se logo socioandlise, construindo suas ferramentas de intervengao nas préprias situasdes de campo (a génese teérica é fa genese social dos conceitos). Fica marcado, dessa forma, que buscavam nfo o estabelecimento de uma narrago evolutiva de um bjeto/pritica/agi0, mas a possibilidade de pensi-los na relago com as priticas que os haviam engendrado, Problematizar essas relagSes cra a tarefa a que os analistas das instituigdes se propunham. Isso impunha, entretanto, a criagio de novas ferramentas, ja que © pesquisador-analista, imerso no campo de intervengao, se recusava a ocupar 0 lugar do monitor dos grupos-T (ou dos grupos de encontro), da mesma forma que recusava o lugar distante ‘ocupado pelos psicanalistas. A no diretividade dos primeiros, com sua capa de igualdade, implicava a reprodugao acritica do sistema institucional dominante ¢ era hora de desmascari-la, jé que a 265 instituic (0 do saber ali engendrada jamais era posta em anilise. A neutralidade pretendida pelos segundos nfo convencia, ja que ali era a instituigao da anélise que nfo era analisada, O conceito de implicagao ¢ forjado neste campo de questées. Esse nfo tanto a neutralidade quanto a0 nao diretivismo, criava tum impasse para pensar o lugar do analista institucional. Cami- nhando no sentido da autogestio da intervengio”, tomada de decisio das condigdes de intervengo pelo grupo cliente; da anilise dademanda®, diferenciada do pedido que chega aos analistas; da utilizagio de analisadores™, construidos ou nfo; da busca constante do aumento do grau de transversalidade™ a impor sentidos de abertura permanentes, 0 analista despojava-se de seu hugar de saber, Isso niio quer dizer, entretanto, que deixava de participar da anslise €, por vezes, até de realizd-la", © analista se manteria todo 0 tempo implicado com as instituig6es presentes/ausentes no campo de intervengio ¢ de anilise™. ‘Tratava-se, de por em anilise as relagbes observador/ observado,analista/grupo-cliente, aparentemente resguardadas pela capa cientificista da neutralidade" ou distancia étima, que era imposta 20 analista ou pesquisador vestir. O conceito de implicaga0 queria pér fim tanto as ilusdes © imposturas da neutralidade Psicanalitica, quanto igualdade espontaneista da psicossociologia: O observador se acha colhido no campo da observagio,¢ sua intervencio modifica o objeto de estudo, 0 transforma. O analista é sempre, pelo mero fato de sua presenca e ainda quando o esquega, um elemento do campo (Lapassade, Gay 1980 [1975], p. 107) Heisenberg jé havia levantado, nas ciéncias fisicas, 0 problema do efeito do investigador sobre os processos observados. Colocando em discussio a tio pretendida objetividade do pesquisador, o Efeito~ 266 Heisenberg ser4 tomado pela anilise institucional como impor- ‘ante elemento para pensar os vinculos do analista com as diversas instituigdes. Dessa forma, as implicagdes do mesmo com o conjunto das instituigdes, com 0 grupo-cliente e o lugar ocupado pelo socioanalista nas relagdes sociais, se constituirio em objetos de anilise. A critica aos grupos, nesse diagrama, volta-se contra 0 reducionismo politico operado pelas propostas grupalistas até entio existentes. Volta-se, igualmente, contra a utilizagao indiscriminada (como técnica em si), daquilo que poderia ser um importante dispositivo (de formagio, de terapia ete.). Volta-se ainda contra 0 psicologismo, que remete o grupo a seu interior, como caminho de solugo para suas questées. Volta-se, por fim, contra as substan- cializagées que transformaram 0 grupo no objeto a ser pensado/ trabalhado como fonte das mudangas de comportamento, mais ou menos ditigidas. No ambito da intervengao, entretanto, os socioanalistas pre~ cisario de dispositivos que promovam a fala, 0 encontro entre os membros do grupo-cliente. Passarfo a trabalhar com as assembleias gerais (AG), espago onde todos os participantes sio reunidos, pretendendo-se, com isso, alterar a divisio espago-temporal das trocas ¢ do trabalho instituido. Segundo Lourau (1979), esse dispositive permitiria uma desinstitucionalizagao das relagoes stabelecidas, jé que: a comunicacio proposta desta forma tenderia ‘apagar as relagées privilegiadas que se instauram eventualmente entre o pessoal analitico © 0 pessoal responsivel pela fase de negociago do trabalho; a assembleia geral torna-se espago de restituigIo de qualquer informagio ete. Como podemos acompanhar, os socioanalistas, diferente- mente dos demais institucionalistas, nao langario mao dos grupos como instrumento de trabalho (em todo caso, muito raramente). O dispositivo de intervengio é essencialmente a assembleia geral (AG). 267 E bastante interessante essa utilizagio da AG, nao s6 pelos aspectos acima descritos, como principalmente pelo aspecto no. intimista, no privatizante, que ela pretende eriar para 0 encax minhamento dos conflitos. Perguntariamos, contudo, se a negagio sistemtica do uso do pequeno grupo, dadas as criticas a ele feitas ~ com as quais, alids, concordamos =, no estaria expressando uma visada que, embora precisa, abordaria apenas o Angulo do instituido dos grupos, Criticar os grupos por terem se tornado meramente uma técnica é insuficiente, pois, como P. Lévy (1993, p. 194), julgamos que “a técnica em geral niio é nem boa, nem mé, nem neutra, nem necesséria, nem invencivel. uma dimensio, recortada pela mente, de um devir coletivo heterogéneo ¢ complexo na cidade do mundo”, E bem verdade que a critica de Lapassade, demarcadora da diferenga entre campo da psicossociologia e o da andlise institucional, incidiu exatamente sobre o ocultamento da dimensto institucional feita pela primeira. Vemos, ai, uma critica ao uso do grupo como técnica em si, descolada do contexto institucional que o produziu, ‘Mas... nfo teriam os socioanalistas caido na armadilha por eles préprios denunciada? Penso que se tomarmos a questio pelo eixo a histéria, por suas condigées de emergéncia, 0 grupo nio mais seri olhado/utilizado como algo em si, mas como dispositive criado que poe algo em fancionamento. ‘Nesse sentido, 0 grupo nfo seria nem bom, nem mau, A. deniincia empreendida pelos socioanalistas decerto foi proveitosa, pois com eles pudemos resgatar o aspecto nao natural do grupo. Mas, insistimos, 0 dispositive de intervengfo AG} por si 6, 6 suficiente para garantir © nao tecnicismo, 0 niio funcionalismo, 0 nio utilitarismo, almejado quando da critica aos pequenos grupos? Nao se correria aqui o risco de também esse dispositivo ser reificado, transformando-se em um novo nao analisado, uma nova tecnologia descontextualizada? Com relagdo a esse mesmo ponto, como se localizaria a proposta de Guattari de um grupo sujeito vivendo a plena palavra 268 x um grupo-sujeitado, proposta marcada pela leitura feno- menolégico-sartreana série x grupo, bem como pela psicanilise lacaniana? Teria sido Guattari apenas um misturador de esséncias, cujo odor singular se perderia, fazendo-se perfume barato com cheiro indiscriminado? Teria ele feito uma espécie de atranjo, mantendo acordos com a psicossociologia (o modelo de pequenos grupos) e com a psicanslise (a incluso dos aspectos inconscientes)? ‘Antes de avancar nesse ponto ¢ retomar outros deixados em aberto ao longo do texto, montemos o diagrama do institu- cionalismo, com suas diversas linhas, e fagamos 0 cruzamento com 6 diagrama da psicossociologia francesa no que se refere ao modo de inclusio (ou niio) das priticas grupais. } | cdntusts 1,8 ec) ‘Gree ni de tisesaeicinens ‘No iat de grupos weusaG Grp come dst de apa de dete: noe deena Legend: Diagama da pscosecinloi (pcononiloaogizaion) imei in da cote intciona jo Link da soa. _ Desenhado o ultimo diagrama no que tange aos aspecto: significativos quanto as priticas grupais, ficamos com pontos perguntas, pontos-bifurcagdes que pedem outras conexdes, ‘Trabalharemos, a partir de agora, com alguns deles, em uma. tentativa de propor um outro pensar/agir sobre/com os grupos", A demanda por grupos ¢ sua desvalorizagao Percorrendo os diagramas tragados, pudemos acompanhar momentos de énfase, crescimento de interesse ¢, por vezes, até enaltecimento das priticas grupais, Marcadas pelas condigdes s6cio-histérico-politicas, vemos, em cada um dos diagramas, percursos singulares respondendo, por sua vez, a demandas especificas. ‘Temos, entio, um crescimento de demanda por se fazer! experimentar grupos durante a guerra e no pos-guerra (diagrama do todo do grupo —linhas E, L, M, C, especialmente desenvolvida nos Estados Unidos, e diagrama do grupo aspirante & psicaniilise em sua verso inglesa ~ linha B). Eram grupos voltados para a mudanca de comportamento e, ainda timicamente, para a terapéutica Um outro movimento, na Franga, significativo de crescimento da demanda por grupos também iniciou-se durante a guerra, montando o diagrama do institucionalismo ~ primeira linha da psicoterapia institucional. No pés-guerra (década de 50), monta= se a segunda linha da psicoterapia institucional e 0 didgrama da psicossociologia francesa. Logo a seguir, nas décadaé de 60-70, outras linhas se desenham ~ da pedagogia institucional, da socioanilise e a linha da psicanilise dos grupos em sua versio francesa. As priticas grupais. voltavam-se, aqui, para intervenges em onganizagées ¢ estabelecimentos, para a formacio e para a terapéutica. Ao mesmo tempo (décadas de 50-60-70), constréi-se 0 diagrama da epistemologia convergente na América Latina, O 270 campo politico € outro. Longe dos campos de batalha ¢ da devastagio produzida pela guerra, mas sofrendo seus efeitos em nivel econdmico, a América Latina vive a situagéo de continente periférico com possibilidades de responder & necessidade de expansio de mercado do capitalismo mundial. Essa expansio, entretanto, nfo se restringiu 20 campo econdmico. Também os mercados culturais precisavam ser ocupados® e é neste rastro de entrada e de resisténcia as priticas “importadas” que o diagrama da epistemologia convergente se forma. As priticas grupais voltam- se para uma terapéutica-formagio ou formagiio-terapéutica, nelas incluindo dimens6es até ento impensiveis para o mundo psi~o materialismo histérico. No Brasil, esses diagramas penetraram, as vezes, com uma década de diferenga em relagio a suas composigdes iniciais. Para © que estamos querendo analisar ~ a questao da demanda ~, constatamos uma espécie de doom das praticas grupais nas décadas de 60/70, atingindo mesmo o inicio dos anos 80 (vale lembrar, como exemplo, o artigo apresentado no inicio do presente texto) € sua expressiva decadéncia nos anos que se seguiram. A titulo de hipéteses para, quem sabe, uma futura investigagio, destacamos certos pontos que nos chamam a atensio, ‘As priticas grupais sio mais procuradas nas décadas de 60-70 = viviamos, entio, a ditadura, a diminuigao de espagos coletivos de troca. Por outro lado, aquele era um momento de intensa critica ao status quo, época de experiéncias em educagto popular (Paulo Freire), criago de novas inguagens no teatro (Teatro Opinio), no cinema (Glauber Rocha), na miisica (os festivais, 0 ‘Tropicalismo), onde padres de comportamento mudavam (apilula anticoncepcional liberada, 0s movimentos hippie e contracultural ctiticando 0 modus vivendi), momento de lutas politicas... Afinal, também tivemos 0 nosso maio/68 ~ 16/1: estreia no Rio @ pega Roda viva, de Chico Buarque; 31/1: a Camara dos Deputados aprova 0 uso de anticoncepcionais; 10/2: 0 Dops prosbe a pega Um bonde chamado desejo, de'T. Williams; 11/2; greve contra a cen: no Rio, protestos em Sao Paulo e Brasilia; 29/2: proibido o filme chinesa, de Godard; 6/3: a censura federal determina que todas miisicas a serem apresentadas em shozos tenham liberagao prévia; 7/3) mais duas pesas sio proibidas; 12/4; Caetano Veloso da seu grit tropicalista na Noite da Banana do programa do Chacrinha; 10/5: policia do Rio de Janeiro di uma blitz.em Copacabana e prende de 400 pessoas; 26/6: passeata dos cem mil, convocada pela UNE Rio de Janeiro; 16/7: encontro da Conferéncia Brasileira de Bisp do Brasil, enunciando o sistema baseado no Iueto ¢ pedindo reform: agra; 17/7: 0 Conselho de Seguranca Nacional proibe manifestagé de rua; 18/7:0 Teatro Galpao (Roda Viva), em Sao Paulo, &invadi depredado pelo Comando de Caga aos Comunistas; 14/8: repress a0 homossexualismo, expresso no mandado da censura federal cont ‘um costureito brasileiro por se apresentar na TY, alegando que aipologia do homossexualismo; 29/8: a policia invade a Universida cde Brasline um estudante ébaleado na cabegn; 27/9: bombas explodem na Faculdade de Diteito e na Escola de Belas Artes, no Rio; 28/9: Caetano Veloso discursa contra 0 conservadorismo estético; 1/10: 9 piblico canta com G. Vandré a composigio Caminbando, proibi algumas semanas depois; 3/10: conflitos de rua com estudantes em Siio Paulo; 12/10: 1.240 estudantes sio presos no congresso da UNE} 3/12: explode uma bomba no Teatro Opiniio, no Rio; 13/12: Presidente Costa e Silva assina 0 AI-5, 0 congresso é fechado; 27/125 Caetano Veloso e Gilberto Gil sio presos em Sao Paulo, Sim, também tivemos 0 nosso maio/68. contestagdes aos modos de existéncia, as priticas autorit conservadoras, ficou marcado por intensa repressio politic se seguiu 0 recrudescimento do autoritarismo, da perseguigéo politica e da tortura aqueles que se negavam a calar frente a§ arbitrariedades cometidas. ‘Mas... que relagao isso pode ter com as priticas grupais? Teria sido o grupo (terapéutico, especialmente) um espago de fala onde ~ que, além a regra-do-tudo-dizer se ampliava para além das associagdes indi- viduais? Teria ele fancionado como espago de encontro entre aqueles que nao podiam falar fora do consultério? Seria por essas historias que 05 grupos teriam ficado marcados como espago de cons- cientizacao politica, onde apenas o imaginério pode surgir, endo 0 sujeito? Ou seria o grupo instrumento a ser utilizado nos estabelecimentos de cuidados (ao estilo da comunidade terapéutica, difundida entre nés & mesma época), ou nas empresas (restritas, na ocasifo, as dinmicas de grupo para selegao de pessoal), ou ainda nas instituigdes da rede piblica, para atender ao aumento de procura por servigos psiquidtrico-psicolégicos? ‘Tomado por esse Angulo, o raciocinio seria o seguinte: dada certa difusio de técnicas grupalistas, dadas certas condigdes de estreitamento dos espagos coletivos de fala, dado o aumento de _procura aos servigos especializados, uiliza-se o grupo, que se tomnaria

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