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CAPITULO IV A ANALISE DE CONTEUDO Jorge Vala 1. INTRODUCAO Na sequéncia da obra de Lasswell (1927) — Propaganda Technique in the World War @) e dos trabathos de Berelson e Lazarsfeld (1948), a andlise de cuntedido foi durante bastante tempo apresentada.como uma técnica predominantemente ‘iti no estudo da comunicacdo social e da propaganda politica e associada a objectivos prag- miticos ¢ de intervencdo. O Congresso de Allerton House em 1955 (Pool, 1959) in- trochiz uma ruptura nessa tradicao: neste congresso nao participaram apenas autores li- gados as cifncias politicas, mas também psicélogos, socidlogos e linguistas; as ques- {Ges discutidas ndo relevavam apenas de problemas de eficécia, mas de problemas te6- ricos e metodolégicos, Aanilise de contetido & hoje uma das técnicas mais comuns na investigagao empi- rica realizada pelas diferentes ciéncias humanase sociais. Lembre-se,aliés, que numa das primeiras investigagdes empiricas em ciéncias sociais, The Polish Peasant in Ei rope and America, Thomas ¢ Znaniecki (1918-1984) recomeram de alguma forma a andlise de conteido: através do estudo de cartas e de outros documentos autobiografi- ‘cos procuravam conhecer as atitudes e os valores dos seus autores ou das pessoas a quem se dirigiam. Também em psicologia se encontra uma velha tradigao de recurso a0 materiais biogréficos como fonte de informacao sobre a personalidade, motiva- GGes € atitudes dos individuos. Esta tradigéo, retomada, entre outros, por Allport (1) 0 leitor encontraré as referéacias completas das citagdes na lista que consti a orientayio bibliogrica final 102 JORGE VALA (1942), ressurge agora, embora noutro contexto, sob a designagéo de estudos de His- triag de Vida (Pais, 1984), E, porém, forcoso reconhecer que a expansio da anilise de contetido nio foi acompanhada por uma teoria capaz.de articular o texto como estrutura e os objectos 4a psicologia e da sociologia — a linguagem vale apenas como indice de fenémenos nio linguisticos, "chega-se ao sentido de um segmento do texto atravessando a sua es- srutura linguistica [...), 0 trabalho do analista apoia-se em indicadores linguisticos cu- Ja pertinéncia néo esti fixada" (Pécheux, 1967). Estes e outros problemas conduri- Tam um certo nimero de autores a formularem fortes criticas metodol6gicas & andlise de conteiido (p. ex. Henry e Moscovici, 1968), ¢ estao na base da proposta de Pé- cheux (1969) de uma Andlise Automdtica do Discurso, Porém, como reconhecem Ghiglione ¢ Matalon (1980), a proposta de Pécheux enferma "dos defeitos constitu. tivos de toda a andlise de contelido: a intervencdo do codificador no estabelecimento do sentido do texto". Em termos mais gerais, sfo os niveis forma e contetido que pa- recem resistir a diferentes ensaios de articulacao: "este é um problema que a andlise de contetido nunca conseguiu resolver —em geral, limitou-se a analisar itens de conter- do, por vezes esforgou-se por analisar procedimentos estilisticos, mas nunca soube Propor um quadro comum a estes dois niveis de andlise” (Burgelin, citado por Morin, 1968). E na segunda metade da década de sessenta e nos primeiros anos de setenta que estas questes so largamente discutidas e suscitam propostas tedricas diferencia as, que Morin (1968) agrupou sob a designacio de “frente comum linguistico-semio- logico-estrutura” ®), O impacto de tais propostas nas ciéncias sociais foi quanto a nds efémero e, contrariamente ao que seria de prever hd alguns anos ©), a andlise de contetido volta” se de novo para os mestres do passado e reaprende as ligdes de Berelson (1954) e Osgood (1959). Tal nao significa porém que os problemas metodol6gicos e tedricos que brevemente referimos nio tivessem ou ndo tenham consisténcia. Dir-se-ia que fo- ram tomeados através da procura de uma separacZo nitida dos campos da linguistica, 4a semintica e da andlise de contetido (Bardin, 1979). A ambicio transdisciplinar é provavelmente prematura neste dominio, Nao é porém objectivo deste texto proceder a um inventério dos limites da andlise de contetido ou & sua eritica metodolégica. As referéncias que acabamos de fazer vi- sam tio $6 que o leitor interessado se abra ao debate do problema. O que propomos este texto € um certo ntimero de pistas que permitam um primeiro acesso & prética da andlise de contetido. Comegaremos por enunciar os objectivos desta técnica, para de- pois a integrarmos no leque mais vasto dos métodos e técnicas das ciéneias sociais. ‘Na terceira parte do texto descrevem-se as etapas e procedimentos principais de uma anélise de contetido, adoptando-se, adentro da perspectiva em que nos situamos, um (2) Os nimeros da revista Communications publicados nesta época 430 conta do exsencial sobre este debate, Ver panculamnente o nimero 8, 1966. {G) Veje-se a este proposito um pequeno texto que escrevemos em 1978 em colaboracéo com A. Rodrigues. A ANALISE DE CONTECDO 103 onto de vista to ecléctico quanto possivel, para que o leitor possa aprofundar as orientagdes que se the revelem mais interessantes, 2, FUNDAMENTOS E OBJECTIVOS DA ANALISE DE CONTEUDO Berelson (1952) definiu a andlise de contedido como uma técnica de investigagéo que permite "a descricdo objectiva, sistemdtica e quantitativa do contetido manifesto da comunicasdo". Adoptando esta mesma definicio, Cartwright (1953) alarga o ambi. 10 da andlise de contetdo na medida em que prope a sua extensio a "todo 0 compor- tamento simbélico". Trinta anos depois, Krippendorf (1980) definiu andlise de conted do.como "wma técnica de investigagdo que permite fazer inferéncias, vdlidas e replicé- veis, dos dados para o seu contexto". Cremos poder estabelecer uma equivaléncia entre o carécter objective ¢ sistemati- coda andlise de contecido referido por Berelson e Cartwrighte as condigées de valida. dee replicabilidade expressas por Krippendort. Enquanto técnica de pesquisa, aandli- se de conteiido exige a maior explicitacao de todos os procedimentos utilizados, Krippendorfretira da sua definigdo a refeténcia a quantificagdo, no restringindo assim as direcedes que pode tomar a andlise de contetido. A quantificacao é sem divi. da umaestratégia cheia de virtualidades, mas nao hi justificago para no reconhecer 6s sucessos das investigagées de orientacao qualitativa. O rigor nfo é exclusivo da quantificagdo, nem to pouco a quantificagao garante porsia validadee a fidedignida- de que se procura. Note-se ainda que enquanto Cartwright e Berelson falam na sua definigao em conteiido manifesto, Krippendor? fala em inferéncia. Esta distingdo tem subjacente orientagdes metodoiégicas bem diferentes e é um dos polos das discussées eriticas so- ‘bre a anilise de contetido (e.g. Henry e Moscovici, 1968), A proposta de Berelson de restrigdo da andlise de contetido ao contetido manifesto estd associada a ideia de que esta técnica deve servir objectives predominantemente Gescritivos ¢ classificat6rios,¢ revela a preocupacao do autor em preservaro trabalho em andlise de contetido de inferéncias ingémuas ou selvagens. Esta preocupago de Berelson € relevante. Ela coloca 0 analista de sobreaviso em relagao as sociologias ¢ psicologias ingénuas, & ideia da transparéncie do pensamento dos actores sociais, 2s virtudes da intuicdo. E, por outro lado, uma proposta em favor das estratégias de Pesquisa que sujeitam a ldgica da descoberta e da prova a procedimentos criticos ¢ rigorosos onde o investigador joga contra as suas hipsteses. ‘Mas voltemos & oposi¢ao contetido manifesto-inferéncia. A andlise de contetido de- ve apenas servir a descrico? As priticas de andlise de contetido levam-nos a respon- der negativamente. Como lembra Bardin (1979), € a inferéncia que permite a passa. 104 JORGE VALA ‘gem da descricio & interpretacdo, enquanto atribuigdo de sentido as caracteristicas do material que foram levantadas, enumeradas e organizadas. Quando Osgood et al. (1959), porexemplo, analisam as cartas de suicidas e de.falsos suicidas poem em evi- déncia um certo nimero de indicadores a partir dos quais, e com base numa l6gica que explicitam, podem fazer inferéncias sobre os estacios psicol6gicos dos seus auto- res. Estes estados psicoldgicos sio parte do que Krippendort refere como 0 coniexto dos dados. E neste mesmo sentido que Henry e Moscovici (1968) falam das condi- des de produgdo de um discurso ou do campo de determinacdo dos discursos. Para estes autores, # anélise de contetdo nao se propée estudar a lingua ou o discurso em si-mesmo, mas caracterizar as suas condigdes de producto. Nesta perspectiva, a anélise de contetido permite inferéncias sobre a fonte, a situa- ‘¢do em que esta produziu o material objecto de andlise, ou até, por vezes, 0 receptor (ou destinatério das mensagens. A finalidade da andlise de contetido ser4 pois efectuar inferéncias, com base numa l6gica explicitada, sobre as mensagens cujas caracteristi- cas foram inventariadas e sistematizadas, Podemos entdo sumarizar as seguintes con- digdes de produgao de uma andlise de conteido: os dados de que dispée o analista en- contram-se jé dissociados da fonte e das condigGes gerais em que foram produzidos; ‘o analista coloca os dados num novo contexto que constr6i com base nos objectivos & no objecto da pesquisa; para proceder a inferéncias a partirdos dados, o analista recor- re aum sistema de conceitos analiticos cuja articulagdo permite formular as regras da inferéncia, Ou seja, o material sujeito 3 andlise de contetido 6 concebido como 0 resul- tado de uma rede complexa de condigdes de producZo, cabendo ao analista construir um modelo capaz de permitir inferéncias sobre uma ou varias dessas condicées de producdo. Trata-se da desmontagen: de um discurso e da produgo de um novo dis- ‘curso através de um processo de localizacio-atribuigdo de tragos de significagéo, re- sultado de uma relacdo dinémica entre as condi¢des de produgdo do discurso a anali- sare as condigées de produgdo da andlise (figura 1). 3. A ANALISE DE CONTEUDO NA INVESTIGACAO EMPIRICA A andlise de contetido é uma técnica de tratamento de informacio, no €um méto- do. Como técnica pode integrar-se em qualquer dos grandes tipos de procedimentos l6gicos de investigagao e servir igualmente os diferentes niveis de investigacdo empi- rica. Quando falamos em procedimentos légicos de investi gacao empitica, referimo- -nos aos métodos, que podemos classificar em experimental, de medida (ou anilise extensiva) e de casos (ou andlise intensiva) , Quando falamos em niveis de investiga- (4) Para um aprofundamento desta questo, remetemos 0 leitor para Lima (1981) ou Almeida © Pinto (1976) A ANALISE DE CONTEODO 105 Condigées Gondigées 9 producao | ——— | de producao do discurso | <—— | “daanalce t t Discurso Modelo sujeito de Aandlise analise Fig. 1 Resultado fo empirica, referimo-nos & hierarquia de objectivos do trabalho de investigacdo: des- crever fenémenos (nfvel descritivo), descobrir covariagbes ou associacées entre fend ‘menos (nivel correlacional), descobrir relagdes de causa-efeito entre fenémenos (nfvel causal), No primeiro caso o investigador visa a descrigao to exaustiva quanto possfvel de ‘um acontecimento, de um caso, de uma populacéo, etc. Tomemos como exemplo os estudos de histérias de vida (Poirier et al., 1983), Em muitos destes estudos, o inves- tigador néo dispée de hipéteses de partida, reine dados de forma controlada e siste- mitica que depois organiza. classifica, A andlise de conteddo é a técnica privilegiada para tratar neste caso 0 material recothido. Ela poder mostrar, por exemplo, aimpor- tancia relativa atribuida pelos sujeitos a temas como a vida familiar, a vida econémi- ca, a vida profissional, a vida religiosa, ete. Na andlise correlacional, o investigador procura jéestabelecer relagdes de associa- ‘gio ou correlagio entre varidveis. Poderé, por exemplo, no caso em que recorreu & andlise de contetido,estabelecer relagGes entre as diferentes caracteristicas do material que analisou ou entre estase as caracteristicas que considera relevantes a nivel da fon- te, do tempo histérico em que o material foi produzido, etc.. Para tal poderd dispor ‘ou no de um plano de hipdteses precisas. Foi nomeadamente através da andlise de contetido que McClelland (1961) realizou asua célebre pesquisa em que analisou a hi- potese de Max Weber segundo a qual existe uma relagao entre a ética protestante e 0 espirito do capitalismo, considerando como variével intermédia as préticas de sociali- zacéo. Neste programa de investigagéo, McClelland examinou, através de proces 106 JORGE VALA mentos de anélise de contetido bastante estruturados, hist6rias para criangas de qua- renta e dois patses nos periodos de 1920/1929 e de 1946/1950, a fim de determinar 0 indice de motivacao para o éxito. Procurou assim verificar se existiam diferencas sig- nificativas entre os padroes de motivacao dos paises de ética protestante e 0s de ética catdlica; se existia qualquer relagio entre este factore a produtividade econémica; ese as diferencas na produtividade econdémica correlacionavam ou no com os padrées de motivagéo interiorizados numa gerago atrés (1920/1929), No caso do recurso a andlise de conteiido no contexto do método experimental (ver nesta mesma obra cap. IX, por J. C. Jesuino), o investigador poder procu- Far, por exemplo, manipular as condigdes de produgo de um dado material simbdli- co para assim poder testar hipsteses de causalidade entre essas condigGes de produ- oe o material obtido. Exemplifiquemos. Imaginemos que queremos estudar as mo- dalidades da identidade de individuos pertencentes a grupos sociais dominantes e a ‘grupos sociais dominados. Hé boas razGes tedricas para pensar que a percepgo de controlo sobre si e sobre 0 meio sio factores que gerem a construgio daquelas identidades € que esses factores sto apreendiveis através do discurso dos sujeitos sobre si proprios (Deschamps, 1980). Para testar esta hipstese, o investigador pode construir um plano experimental 2 (indugao de controlo sobre si, indugdo de ausén- cia de controlo sobre si) x 2 (indugo de controlo sobre o meio, indugdo de auséncia de controlo sobre o meio), no qual tomard como varidvel dependente a producao ver- bal do sujeito, na sequéncia do tratamento experimental (cuja operacionalizacio € ce- nario deixamos & imaginagio do leitor), em resposta 2 seguinte consigne: *fale-me agora durante cerca de dez minutos sobre si, sobre quem vocé é, sobre a maneira co- mo se vé a si proprio, sobre 2s coisas que o interessam, sobre a sua maneira de pen- sar, sentire agir...", O material assim obtido serd entio sujeito a uma andlise de con- tetido, Para testar a sua hipdtese o investigador recorrerd a um certo mimero de in- dicadores da defini¢ao operacional que adoprou sobre o que é a identidade num grupo dominante e num grupo dominado. Poderé recorrer a indicadores lingu(sticos, como a frequéncia de utilizaglo da primeira pessoa do singular vs. a primeira pessoa do plural, ou a terceira pessoa do singular; poderd recorer & andlise avaliativa (Osgood, 1959), procedimento que permitiré calcular a frequéncia e a intensidade das auto-re. feréncias positivas e negativas em cada uma das condig6es experiments; poderd cal- cular o niimero de palavras idiossinerésicas (feliz, submisso...) vs. posicionais (se X0, dade, situacao profissional...), ea frequéncia de palavras com conotacdo ansiogé- nea (medo, fuga...) em cada uma das condigées experiments, ec. A andlise de contetido pode ser assim utilizada em pesquisas que se reportam a qualquer dos niveis de investigagao empirica, com a vantagem de em muitos casos funcionar como uma técnica ndo-obstrutiva. Lembremos que um dos problemas com ue se debate a investigacio empirica, quando recorre aos individuos como fonte de informacdo, € saber que em tais condigdes as respostas sio afectadas por um certo nd- ‘mero de enviesamentos, pelo menos potenciais, decorrentes da consciéncia que 0s $1- Jeitos tém de que estdo a ser observados ou testados, dos constrangimentos associa AANALISE DE CONTECDO 107 dos ao papel de entrevistado ou respondente, da interacgdo entrevistador-entrevista- 40, etc Daqui que a psicologia tenha procurado controlar o melhor possivel estes efeitos, considerando-os até por vezes nos planos experimentais como varidveis independen- 1es, e simultaneamente tenha procurado recorrer a técnicas ditas ndo-obstrutivas. Estas técnicas, utilizadas nomeadamente em estudos sobre as atitudes, nao so mais do que instrumentos indirectos de recolha de informaco que visam obviar aos enviesamen- tos enunciados. Ora, a andlise de contetido tem exactamente como uma das suas van- tagens o facto de poder exercer-se sobre material que néo foi produzido com o fim de servir a investigacéo empfrica. Como observa Krippendorf (1980), se Goebbels sou- besse quando e através de que procedimentos 0s seus discursos eram analisados por cientistas sociais norte-americanos, teria sabido descobrir formas de Thes enviesar as conclusdes... ‘Acresce ainda que a andlise de contetido é uma técnica que pode incidir sobre ma- terial nZo-estruturado, Conhecemos as vantagens do uso de técnicas estruturadas, ‘mas conhecemos também os seus limites. A anélise de contetido tem a enorme vanta- gem de permitir trabalhar sobre a correspondéncia, entrevistas abertas, mensagens dos mass-media, etc., fontes de informagao preciosas e que de outra forma nao pode- riam ser utilizadas de maneira consistente pela hist6ria, a psicologia ou a sociologia. Numa investigagZo por questionario, a andlise de comtetido é particularmente stil na fase do pré-inguérito, como € também necesséria na andlise das questées abertas do questiondrio, Sempre que o investigador néo se sente apto para antecipar todas as categorias ou formas de expresso que’ podem assumir as representacdes ou praticas dos sujeitos questionados, recorrerd a perguntas abertas sendo as respostas depois sujeitas & andlise de conteddo. ‘No contexto do método experimental a andlise de conteddo pode também consti- twir uma técnice auxiliar importante. Ao analisar as respostas obtidas em diferentes condigdes experimentais, o entrevistador atribui apriori um determinado valor simboli co a essas respostas. Ou seja, 0 experimentador assume que pode atribuir um signifi cado as respostas dos individuos. Quantas vezes néo ocorrerd o que noutro contexto alguns autores chamaram "o erro fundamental", neste caso, do investigador. Para tentar ultrapassar este problema, os experimentadores consideram como muito impor- tante a entrevista pés-experimental, na qual 08 sujeitos so convidados a falar sobre a experiéncia e as respostas que deram. De novo, € a anélise de contetido que permitiré aprender o significado das respostas obtidas. (Os dominios de aplicagdo da andlise de comtetido sto vastissimos. Berelson (1952), por exemplo, inventariou, logo nos primeiros tempos de recurso a esta técni- ca, dezassete campos de aplicacio. Ndo podemos enuncié-los aqui, mas os exemplos de que nos socorremos ao longo do texto permitiréo, por si, dar ao leitor uma ideia do interesse que reveste hoje esta técnica para a investigagio empitica © (5) Sem qualquer preacupagio de exaustividade, inicemos apesar de tudo alguns dominios de investigagao onde a andlise de contesdo ¢ panticularmente Gul: 108 JORGE VALA 4, A PRATICA DA ANALISE DE CONTEUDO Ao proceder & andlise de contetido de um texto, um documento, uma entrevista ou qualquer outro material, o investigador formula uma série de perguntas que pode- ‘mos sistematizar da seguinte forma: — Com que frequéncia ocomem determinados objectos (0 que acontece € o que & importante); — Quais as caracteristicas ou atributos que sZo associados aos diferentes objectos (0 que € avaliado e como); — Qual a associagdo ou dissociagdo entre os objectos (a estrutura de relagées entre ‘08 objectos), A primeira questo pressupée 0 recurso a uma quantificago simples. A andlise de frequéncia permite inventariar as palavras ou simbolos chave, os temas maiores, os temas ignorados, os principais centros de interesse, etc. A segunda questo liga-se a estudo avaliativo dos objectos referidos pela fonte. Esto neste caso em causa as atitudes favordveis e desfavoréveis da fonte e 0 seu sistema de valores. A terceira questo sugere uma mudanga de nivel em relagdo as préticas dominantes em andlise de contetido: o material a analisar nao é pensado como um conjunto informe mas co- ‘mo uma estrutura; o analista procura passar do inventirio dos referentes da fonte para 4 andlise do sistema de pensamento da fonte, Reencontramos, assim, as trés direc- ‘G6es que Osgood (1959) propds & andlise de contetido: andlise de ocorréncias, andlise avaliativa, andlise associativa, Cabe ao investigador determinar para qual au quais destas direcgdes vai orientar a sua pesquisa. Porém, qualquer delas pressupse 0 seguinte tipo de operagdes minimas: — Estudos das representagées socisis — material recolido através de entrevista (Herzlich, 1969), a associagto livre de palavras (Vala, 1981; Marques, 1983), das greinas de Kelly (Soczka, 1985), de uterialJé‘disponivel (Vals, 1978), — Estudo da ideoiogia dos Meios de Comunicagdo Social — valores dos programas televisives {infantis (Monteiro © Gongalves, 1986; Chombart de Lauwe et Bellam, 1979), imagens da juventude na publicdsde (Schmidt, 1986), teonovelas (Viegas, 1986), — Estudos dos valores e padroes motivacionais — motivos nos eontos para eriangas (Mele land, 1961), motivagces associadas ao trabalho (Herzberg etal, 1959); Estudo de processos intraxgrupals — andliso das interacgdes em grupo (Bales, 1950), padres de interacgio a familia (Dias, et al, 1987), comportamentos em diferentes climas ‘rupais (Lewin etal, 1939}; — Estudos de processos inter-grupais eidentidase — os estereotipos (Amancio, 1986), identidade (Deschamps, 1980; Zavalloni, 1973), arbuigdo social (Sousa e Leyens, 1985); — Estudos dos discursos do poder — 0 discurso politico (Bogalheiro et al, 1979; Costa e Guerreiro, 1982); — Estudo das historias de vida — Poirier etal, (1983), A ANALISE DE CONTEUDO 7 — Delimitacdo dos objectivos e definigéo de um quadro de referéncia tedrico orientador da pesquisa; — Constituigao de um corpus, —Definigéo de categorias; —Definigdo de unidades de andlise. A estas operagées, juntamos uma outra: — A quantificagio Finalmente, qualquer plano de anélise de contesdo pressupée a elaboragéo de um conjunto de procedimentos que permitam assegurar a sua fidedignidade e validade. 4.1. Definigéo dos objectivos e do quadro de referéncia tedri ‘Como qualquer outra prética de pesquisa, aandlise de contetido pressupée objecti- vos ¢ referentes tedricos. Se um investigador se prope analisar, por exeriplo, 08 ma- nuais do ensino primério pode ter em vista objectivos aplicados ou exclusivamente te6ricos. Pode pretender estudar a adequagio dos textos ao nivel do desenvolvimento cognitivo ¢ moral da crianca, como pode pretender proceder a um levantamento da ‘ideologia que lhes subjaz. Mas em qualquer dos casos teré que seleccionar um certo niimero de conceitos analiticos, que referird a um ou varios modelos te6ricos. Esta € aliés a primeira etapa em qualquer processo de investigagéo empirica (ver cap. Il). 4.2. Constituigéo do corpus Se o material a analisar foi produzido com vista & pesquisa que o analista se pro- poe realizar, entdo, geralmente, o corpus da anilise € constituido por todo esse mate- Fial. Porém, se os documentos-fonte susceptiveis de permitir 0 estudo do problema foram produzidos independentemente da pesquisa, o analista procede habitualmente a uma escolha, ¢ dentro do tipo de documentos escolhidos teré ainda muitas vezes que proceder a alguma seleceo, com base em critérios que explicitard. Estes eritérios po- dem ser de ordem qualitativa ou quantitativa No primeiro caso, hé que ponderar questées metodol6gicas (porexemplo,a diver- sidade e a heterogeneidade das fontes documentais) e questées de pertinéncia tedrica (por exemplo, o grau de adequago entre o tipo de informagdes contidas nos docu- 110 JORGE VALA ‘mentos ¢ os objectos da andlise ou entre os documentos ¢ os diferentes elementos que constiruem 0 modelo do investigador) 1, mas é a sensibilidade do investigador que otienta a selecgdo a realizar, No segundo caso, a par de critérios metodolégicos e te6- ricos, o investigador faz intervir critérios decorrentes das teorias da amostragem. Suponhamos que se pretende estudar as conversas de potenciais suicidas com um ser- vigo $.0.S.. Poder revelar-se necessério recolher material em diferentes momentos do ano, do més, da semana, ou mesmo do dia, como poderd ser necessério conside- rar o sexo, a idade, etc., dos individuos. Neste caso importaré comhecer a distribui- ‘do dos telefonemas segundo estas ou outras varidveis para depois se proceder & se- Ieceao de uma amostra. As técnicas estatisticas de amostragem oferecem diversas hi- poteses de selecgdo de um corpus ditadas por critérios de representavidade ¢ aleatorie- dade, 2 que 0 investigador pode recorrer num caso como este. 43. Definigéo das categorias O que é que hé de comum entre uma mosca ¢ uma érvore ? Quer dizer, que cate- ‘goria permite reunir estes dois termos? A classificagdo, a categorizacdo, é uma tarefa que realizamos quotidianamente com vista a reduzira complexidade do meio ambien- te, estabilizd-lo, identificé-lo, ordené-1o ou atribuir-lhe sentido. A prética da andlise de contetido baseia-se nesta elementar operaco do nosso quotidiano e, tal como ela, vvisa simplificar para potenciar a apreensio e se possivel a explicacao. A andlise de conteido seria eminentemente simples se a producio do discurso obedecesse apenas, ‘auma légica formal como aquela que permite responder correctamente & perguntaque formulémos acima, Todos sabemos, porém, que a matriz de pensamento que se ma- nifesta na linguagem nfo releva apenas ou sobretudo da l6gica formal mas de uma I6- ‘g1ca que envolve convengées e simbolos, aspectos racionais e néo-racionais, cons- cientes e inconscientes. Todos estes aspectos esto organizados num cédigo a que o analista pretende, pelo menos em parte, aceder através do accionamento de um c6d: 0 Outro. As categorias S20 0s clementos chave do cédigo do analista. Hogenraad (1984) define uma categoria como um certo ntimero de sinais da lin- ‘guagem que representam uma varidvel na teoria do analista. Neste sentido, uma cate- (6) Num estado que realizimas (Vala, 1978) sobre os livros nicos a 1,2 © 3¥ classes adoptados em 1972, uabalnimos apenss os iexos que expliciamente refenam aspecios ou caractetcas da {nféncia ou de personagens ifanis. O nosto objectivo era estar a imagem de craage nesses textos Este eitrio permitiv-os seleesioar 108 textos em 243 448). ‘Kaiser procedeu em 953 a um esudo da imprensainlemacional, a que chamou Una Semana no Mundo, Reteve apenas 17 paises (8 va Europa, 4 pa América, 3 na Asia, 2na Affica, Ina Ocean) © em cada pals escolnev apenas o ratuino de masiorlragem Como vemos a imprensa e-0 mundo nto $30 lp vaios como iss. (Gy Tratrse de uma das perguntas do teste de intligtnca de Wechsler Bellevue. A ANALISE DE CONTEUDO m1 goria é habitualmente composta por um termo-chave que indica a significago central do conceito que se quer apreender, e de outros indicadores que descrevem o campo semintico do conceito, Assim, a incluso de um segmento de texto numa categoria pressupée a deteceio dos indicadores relativos a essa categoria, O que importa ao ana- lista sao conceitos, ea passagem dos indicadores aos conceitos € portanto uma opera- Glo de atribuigdo de sentido, cuja validade importard controlar ® A construgéo de um sistema de categorias pode ser feita @ priori ou a posteriori, ou ainda através da combinagao destes dois processos. Se a interacgio entre 0 quadro tedrico de partida do analista, os problemas coneretos que pretende estudar e 0 seu plano de hipdteses permitem a formulagio de uum sistema de categorias ¢ o que Ihe importa ¢ a deteccio da presenca ov da auséncia dessas categorias no corpus, entéo o analista optard por categorias definidas a prior Vejamos alguns exemplos. No estudo de McClelland (1961), j4 citado, sobre os padrées motivacionais na literatura infantil, o autor parte de 4 categorias de motivagées: realizagéo ou sucesso, poder, afiliacao e inibigéo ©. Um outro exemplo de um sistema de categorias a priori é-nos dado pelo que Bales (1950) construiu para a andlise das interacg6es em grupo (fig. 2). (@) A lopica subjacete 8 constucio das ctegoriase sua detec numa mensager, pressupoe: 4) a possbilidede de idenificaséo de indicadores numa comunicasio Ou numa mensagem: b) & existocia de um estado ou de Um proceso subjcente 2 produguo da mensagem pels fot; c) Vint correspondéacia entre o inicador € 0 estado ou processo que ocorre na fone. este Sltima aspecio, relative brelagioisomrfica entre a font o indicador, que « metodologia a anlise de coneide nia tem equacionado de forms esclrecedora. (@) McClellan crow a sua meiodologa com base na enlise de histriasproduzidas a partir de pranchas do T-A.T. (Thematic Apperception Tes). Vejamos com este avo: define 0 indicadores da agora afta: 1. "Alguésm na histriaestabelece, mantém ou recomega wna relagdo enetiva postva com outra ‘pessoa. A smizade € 0 tipo derelagi fundamenaldsia categoria e mencionar que dois personagens ma iste sto amigos € wma base minima para colar uma hisria meta eategori. Uma relao pio, cou uma relagi amoros, dever sr cola somerde se implicam ama qualidade apaixona, tema 2 Sitagdes em que uma pessoa ama od deseja Ser emada por Ours, ou se alguém tem seatimentos semelhantes por trem. Também se considera agui Uma flag Stim inlepessoal que fo} qucbrada ou sofrev uma ruptra, bem como os seatimentos de pena ou Wisteza ou as teotativas de reiomar a relacio. 3. Deve igualments wrse em conta se a histiia menciona slgumas actividades gftativas tas ‘comp fexias, eunides, visas ou pequenos diflogos. Condo, e a naturera afliaive da stuagio for ‘explicitamente negads nahisiéria, por exemplo descrevendo-8 como uma conversa de negocios Ov uma iscusso, nfo se cola como tal. Acuapdes anigdves tas como contolsr ov estar inieressado no bem ‘star ou na felicidade de outa pessoa sho de considers, excepio quando esis accbes sto reagbes pr vistas culturnlmente, como por exemplo as relagbes pai-flho. Por utr palavas, importa gu @ ‘ctvidade descriandoseja motvade Somente por um sentido de obrigagto". m2 JORGE VALA |. Mosirasolidatiedado, lava o estate ss outros, ajuda, recompensa 2. Mostra descontacgéo, bina, mostra saistagao 3. Concord, mostra aceliagSo passiva, ‘eompreende, apoia, 48 acordo 4, Da sugostbos, digg, dando auto- nomiaaos autos ‘rea da tareta, resposias ton- 5.Daopinées, avaia, analiza, §— ¢___ tativas ‘exprime sentimentss, dosejoe 6 Déorontacio,inlormagio, ¢ repete claiioa, contema 7. Pede orienta, intomagao, repetigao, confirnacéo Aca da trata, : 8 Pede opniges, avalacio, analse, sore lexpressio de centimento at 9 Pode eugoetbee,drsetyas, posciveis lisnas de nego 10. Discorda, mostra rooigo posiiva, formalism, retra juga ee 11. Masratensdo, pade auxilo, tas ional, reaczbes se, foge as problemas, negatvas ‘Ses eov ane rel 12, Mostra antagonismo, desafia 0 estaluto dos outros, defende-se § ¢<——_____! OU almase a siproore ‘2 probiomas ce orientagdo; b problomas de avalagéo; e problemas de conte: < problemas de decis do; e problomas de redugio de tena; fproblemes de ntegragdo, Fig. 2 - Categorias de processos de interaogo em grupo (Bales, 1950) Mas o investigador pode recorzer a uma outra estratégia: definido 0 quadro teéri- coe um leque de hipéteses, parte para um trabalho exploratério sobre 0 corpus, o que the permite, através de sucessivos ensaios, estabelecer um plano de categorias que releva simultaneamente da sua problemética tedricae das caracteristicas concretas dos materiais em anélise. Neste caso, as referencias tedricas do investigador orientam a primeira exploragao do material, mas este, por sua vez, pode contribuir para a refor- mulacdo ou alargamento das hipsteses e das problematicas a estudar. Um exemplo desta estratégia é-nos oferecido pelo conhecido estudo de Herzlich (1969) sobre a re- A ANALISE DE CONTECDO u3 presentagio social da saiide e da doenga. Foi este igualmente o percurso que utiliza- sam Herzberg et al. (1959) na andlise das entrevistas realizadas com vista 20 estudo dos factores que influenciam as atitudes face ao trabalho (10, No polo oposto aos dois procedimenios referidos encontram-se os sistemas de ca- tegorias totalmente definidas a posteriori, sem que qualquer pressuposto tedrico orien. te a sua elaboragdo. Poder-se-ia dizer que sto as técnicas de anilise de contetido utili. zadas que so auto-geradoras dos resultados (Ghiglione e Matalon, 1980), Encontra. ‘mos bastantes exemplos deste tipo de andlise de contetido nos estudos sobre a im. prensa ou 0s Meios de Comunicagiio Social em geral. No estudo de V. Morin (1969) sobre as reportagens da imprensa francesa aquando da visita de Khrouchtchev a Fran- ‘9a, a autora procedeu a um levantamento das informacdes (8.532) contidas no cor. Pus, agrupando-es depois em 69 categorias, que por sua vez jumtou em 6 categorias de segunda ordem ou temas, Nenhum pressuposto tedrico orientou o levantamento das informagées ou a construcéo das categorias, ‘Uma vez construfdas, as categorias de andlise de contetido devem ser sujeitas a um teste de validade interna. Ou seja, o investigador deve procurar assegurar-se da sua exaustividade ¢ exclusividade, Pretende-se assim garantir, no primeiro caso, que todas as unidades de registo possam ser colocadas numa das categorias; e, no segun- do caso, que uma mesma unidade de registo s6 possa caber numa categoria, ‘Se do ponto de vista do valor substantivo de uma anélise de contetido a escolha das categorias é talvez o momento mais delicado, do ponto de vista do trabalho do analista a escolha das unidades de andlise e a sua identificagdo & sem duivida a tarefa ‘que mais dificuldades operacionais suscita, (10) Nese extudo, Herberg eta. (1959) verficaram que quando ot factors a que chamaram isidicos (ais como ts contistesfsicas do able, os sldcos, cc) Se umnam scives pore uma aude negative face 0 trabalho, mas que s6 os faccresfascoos wo wablha ca motores (ais como as caracterscas do perio abalh, as possibiidaes de aperfegoamenta © eouhee reno profissona, et, sto capazcs de geraraludes poitivas face ao table, Ess Toslader fo ‘am obtids através d alse de conteddo de enrevisarealizaces com base wo lode dos netbeoce rics, Nesia andise de condo, a eatgoria econbeimento(fecior motvadr) ft asin define 0 sitio principal para coir ums unidade nesta cetegorie € a exinoci de uss to de reconhecimento da pessoa que nos fl, por pate de ovtem, A fonts de reconhesimento pode sr tos pessoa queues: supervisor, um pessoa de direceio, a direcjto cho enidade pessoa am ciate, 4m coleg, 0 pblio em geal Envolve normaimente um elogi, um eres ce tana chan oe stengdo, Inclufnos assim uma sub-categria que chamémos "reconhecineola nepuuvo’ pia dzseriges que entenham cress ou seusapbes, Nostassubcategorias dsunguimos ere suaroce ue ineluem a obtengio de algua recompenta com o ato de econhecimeni squat ems que oo io se verilca de referie qu encontrmos mulas itagdes em que o aconicemen cea volvia uma promacio od um aumento de salério sem que iso se relacionasse com qualquer ssouhecets eral embora a pessoa enrevstadao senate como una fnte de sentimontas de rsontocinents Este po de sequineias foram ceegorizada como “reconhecimento de segundo atv” tu edie ot que envolvem: um reconhesimento sbjecivo, odemos pdr questi dalled destacalegeris Ui vexque bi uiza categoria de elapbesinterpessoui. A dierena esta importa que auisanoe Se acto de recnhecimento, enuanio que na oate cxegoriaTealamos a earaclensuca, 44 pope interest, x vatureza das relages ene, por exempla superior ¢ eabordinadon nd JORGE VALA io das unidades de andlise ‘Uma anélise de contetido pressupée a definigdo de ts tipos de unidades: unidade de registo, unidade de contexto, unidade de enumeragao. Unidade de registo Uma unidade de registo é 0 segmento determinado de contesido que se caracteriza colocando-o numa dada categoria. Mais uma vez sio os objectivos e a problemética te6rica que orientam a pesquisa que devem determinar a natureza das unidades a utilizar. Distinguem-se habitualmente dois tipos de unidades: formais e seménticas, No primeiro caso, podemos incluir a palavra, a frase, uma personagem, a interven- 40 de um locutor numa discussio, uma interaccao ou ainda um item (1!) No segundo caso, a unidade mais comum € 0 tema ou a unidade de informagao. Considera-se que as unidades de informagio ou temas podem ocasionalmente, mas nao necesseriamen- te, coincidir com unidades linguisticas. Por oposicao as unidades formais do tipo frase ou pardgrafo, propée-se neste caso 0 recurso a unidades que no dizer de V. Morin (1969) sio recortadas "en esprit et non a lettre", ou seja, independentemente do seu modo de insergdo léxico-sintético. Alguns autores tentam uma conciliagao entre 0s dois tipos de unidades referidas, quer através da fixacao, sempre que possivel, da unidade de informagdo & unidade formal constitulda pela relacio sujito + predicado, quer através da transformacéo de cada unidade de informagao numa proposicio ca” nénica com os seguintes elementos: objecto + conector (elementos que ligam no enun- ciado © objecto e os termos de qualificacio) + predicado, E a este thimo proceso que recorre a Andlise Avaliativa de Osgood (1959) (2, Unidade de contexto Aunidade de contexto é 0 segmento mais largo de contetido que o analista exami- nna quando caracteriza uma unidade de registo. A dimenséo da unidade de contexto de- pende do tipo de unidade de registo que se escolheu. Este tipo de unidade é um supor- teimportante da validadeee fidelidade do trabalho dos analistas. Quanto mais extensas sdo as unidades de registo ¢ de contexto mais dificuldades se levantam & validade in- tema da andlise. (11) Berelson (1954) éefine como item unidades to diferentes © com dimensbes to extensas como um liv, um jorna, um editorial, una cara, et. Este Lipo de unidade ¢ apropriado quando se conside- ra que a8 variag0es dento de um item sio menos revelanies do que as variacGes entre itens. (12) Nada impede, ov melhor, tudo aconselha a que num mesmo estudo se recor a mtis do que um ipo de unidade de registo. A ANALISE DE CONTEUDO us Unidade de enumeracéo A.unidade de enumeragdo é a unidade em fungdo da qual se procede & quantifica- Go. Podemos classificar as unidades de enumeragdo em geométricas e aritméticas, As unidades geométricas so as mais comuns nas andlises de imprensa. Como nota Kaiser (1963), este tipo de unidade é no caso da andlise de imprensa aquele que é me- nos susceptivel de criar distoredes, Poirier etal. (1983) recomendam-no igualmente na andlise das histérias de vida As unidades aritméticas podem ser muito variadas e ter ou no por base directa- ‘mente as unidades de registo. Permitem contar a frequéncia de uma categoria, ainten- sidade da atitude em relagdo a tal ou tal objecto, o tempo de antena ou niimero de ima ‘gens consagrado a tal ou tal contetido, etc. Aeescolha das unidades de enumeragio deve ser cuidadosamente ponderada, pois diferentes tipos de unidades podem conduzir a diferentes resultados. Exemplifique- mos. Num estudo sobre a imprensa regional e a emigraco, Alves (1984) considerou ‘como unidades de enumeracio 0 cmvcoluna, o ntimero de artigos em que surge cada categoria, 0 niimero de artigos d Ja une por categoria ¢ 0 mimero de jomais em que cada categoria aparece referida, Como observa o proprio autor, se a categoria Home- nagem-Festa aparece como mais relevante qualquer que seja o tipo de unidade de enumeracio considerada, 0 mesmo jé no sucede com a posigéo relativa de 11 das res- tantes 12 categorias consideradas. A escolha de um sistema de enumeragao deve por isso ser explicitada, justificando-se os critérios que permitem estabelecer uma equi- valéncia entre as medidas utilizadas e a inferéncia sobre a stengio relativa que a fonte confere aos diferentes objectos. De facto estabelece-se geralmente uma equivaléncia entre a frequéncia de uma categoria e a sua importéncia no sistema de interesses da fonte, mas no se deverd admitir igualmente que as referéncias a determinados objectos podem fazer parte da estratégia de um sujeito para esconder outros objectos, estes sim relevantes na sua estrutura de pensamento? Vejamos um outro exemplo que nos pode ajudar a ilustrar outro tipo de proble- ‘mas relativos & escolha das unidades de enumeragao. A consideracdo do niimero de re- feréncias de uma fonte a um objecto nem sempre € por si suficiente, porque nada nos diz sobre a natureza dessas referéncias, sobre a sua orientacio ou intensidade. Em- bora entrando jé de certa forma no contetido do ponto seguinte, consideremos 0 quadro I que a seguir se apresenta, relativo a uma pagina do France-Soir e incluido no estudo de V. Morin (1969) sobre a visita de Khrouchtchev a Franca. (13) No caso da andlise de imprenss, a unidade de enumeracto geométrica gersimente tilizada € 0

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