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ESCRITOS DO MUNDO DE JANUS

Poliamorismo: entre o sonho e a realidade


Janus SW – Publicado originalmente em http://janussw.blogspot.com

As relações, e isso é perceptível, não são entes neutros ditados pela vontade ou
pela conveniência dos envolvidos. Na realidade, no campo social, as relações
e sua dinâmica são firmemente formulados e sancionados por instrumentos
como a religião (seja ela qual for) , pelo direito e , principalmente, pelos
costumes ou moral.

Sem querer tornar esse artigo um tratado sociológico, convém, à titulo de


exemplo, a questão da infidelidade conjugal ou adultério. Esse elemento que
hoje em di encontra-se circunscrito no âmbito social em sua reprovação, já foi
, e não faz muito tempo, um crime sancionado no Código Penal de vários
países, inclusive no Brasil.

Era de se esperar, no entanto, que os diversos grupos não apenas


questionassem essa rigidez e intolerância buscando alternativas mais ou
menos viáveis para esse ambiente opressivo. Contribuíram também para esse
questionamento a percepção clara de que o casamento e as uniões
monogâmicas visavam, em um primeiro momento, a vinculação unívoca de
seus contratantes e também a segurança que o patrimônio do casal seria
transferido à sua prole legítima.

A questão da poligamia não é recente, ao contrário, é habitual em


determinados grupos e sancionados em outros desde os primórdios. No
entanto, dentro da voga libertária, criou-se uma alternativa mais ou menos
viável de arranjos de relação entre eles o poliamorismo.

Dependendo do ponto de vista , pode-se dizer que essa relação poliamorista


propõe ser uma construção não apenas aceita mas admitida de um ou ambos
os parceiros estabelecerem relações fora do arranjo original tirando o caráter
clandestino e subterrâneo de tais relações.

Algumas questões estão colocadas no caminho que nos fazem pensar se esses
arranjos são viáveis tanto no âmbito social como no individual, até porque
no aspecto legal ela não é sequer aceita, podendo ser classificado, facilmente
como poligamia.

A primeira questão a ser colocada é a questão de qual relação está sendo


construída e em quais bases? Aqui coloco uma questão aparentemente
inadequada mas que é real e , em muitos casos, tristemente real: a questão
da posse do parceiro, geradora de questões de poder e do ciúme. Como
superá-lo? Como transformá-lo?
Eventualmente alguém me contestará: quem ama de verdade não mata!
Ainda permito-me a dúvida, apesar de uma amiga querida me dizer que, na
verdade, o que se criou foi um laço de dependência afetiva que conduz à posse
à partir da consciência que aquele outro ser e´ a fonte primordial de
satisfação e plenitude. Nossos relacionamentos são saudáveis a ponto de
renunciar à isso sem dor?

Cada um sabe a resposta para si.


Outro fator que acredito ser relevante e que não deveria causar espécie ao
menos à nós, BDSMistas: a questão do poder. Mais ou menos (mesmo que
seja quase nada), exercemos um poder maior ou menor um sobre os outros à
ponto de alguns e algumas simplesmente abrirem mão de sua iniciativa e
transformarem-se em escravas ou escravos. A consciência desse poder que
prende, ata e muitas vezes manipula, torna-se , em minha visão, um fator
que não apenas impede o poliamor mas faz com que, menos tempo, mais
tempo, possa levar à uma decisão de colocar os parceiros outros em disputa
pela convivência que os membros da trinca, quadra ou qualquer outro acerto,
possam ter desenvolvido.

O fato de algo ser libertário não significa apenas conformar a atual situação
à um novo patamar mas sim erodir definitivamente as bases da ditadura da
moral e dos costumes (geralmente bons costumes) em nome de uma nova
moral e um novo código de ética na qual tanto o poliamorismo como outras
correntes de pensamento transformador venham a se assentar.

Desculpe-me se é pessimista mas , sinceramente, não vejo uma capacidade ou


vontade intelectual para estatuir esse novo código, para fazer crescer, nem
mesmo em meio aos que postulam essas teses, uma nova realidade ditada
pela negação imediata de um modelo patrimonialista que rege os nossos
contratos, mesmo aqueles gerados sob a égide do BDSM.

O que temo, e não tenho nenhum pudor em dizer, é que sob o rótulo libertário
do poliamorismo se abriguem teses que conduzam, na verdade, à poligamia e
sobretudo, a egos feridos, sentimentos destroçados e manchas à um ideal que
pode guardar realidades belas e libertárias.

Tomo como exemplo, lastimo se as coisas são diferentes, as questões mal


sucedidas ou mal conduzidas referentes à irmandade de coleira. Os danos
estão explícitos, não preciso comentar quais sejam e são variáveis em cada
caso mas uma proposta que poderia ser prazerosa para todos, na verdade
transforma-se em uma experiência tumultuosa e danosa.

Para apenas começar a discussão e não tentar fechá-la, ao contrário, gostaria


de pontuar mais um fator de "risco": poliamorismo requer pessoas
preparadas , tanto em discurso (o que menos importa) mas no conceito, na
sua vivência e na atenuação dos conflitos, elementos que levam ao prazer.

Na minha visão, devemos usar aquele velho ditado: "não está pronto, não
desce para o play" e é bom ter consciência que não estamos em uma época
onde a generosidade, compreensão, empatia e intenção de construção de uma
realidade que nos seja cara e de grande crescimento, seja sequer a tônica
majoritária.
Para o poliamorismo é necessário um novo ser humano. Cumpre-nos
constatar que ele exista.

Saudações!

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