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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO


CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS

RODRIGO LUCIANI FARIA

ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA

TRABALHO ACADÊMICO

CURITIBA
2010
RODRIGO LUCIANI FARIA

ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA

Trabalho apresentado para avaliação do


1º bimestre da disciplina de Laboratório
de Textos Argumentativos do Curso de
Licenciatura em Letras Português –
Inglês sob orientação da professora
Luciana Pereira da Silva.

CURITIBA
2010
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ANÁLISE DOS ARTIGOS DE OPINIÃO

Gilberto Dimenstein, jornalista, ex-diretor da sucursal de Brasília da Folha de S.


Paulo, publicou nesse mesmo jornal, em 31 de janeiro de 2010, um artigo intitulado “O que
você não vai ser quando crescer?”, onde discute a pouca atratividade de uma carreira ligada
ao magistério.
Outro jornalista da Folha, da sucursal do Rio de Janeiro, Antônio Gois cobre
assuntos relacionados com educação. Publicou o artigo “Com esse salário, quem quer ser um
professor?” em 28 de maio de 2009, onde aborda pontos semelhantes aos discutidos por
Dimenstein, embora dê maior ênfase à questão salarial do que seu colega.
Apesar das publicações serem do mesmo meio, o jornal Folha de São Paulo, e terem
o mesmo público como leitor previsto, pessoas de classe média com, predominantemente,
nível superior e situação econômica estável, os dois textos foram organizados de diferentes
maneiras.
Abordando primeiro a questão da argumentação, Dimenstein inicia o seu artigo com
um argumento pelo exemplo, citando o caso do professor de filosofia Mário Gatica para
depois discorrer sobre o fato de que o salário de um segurança de casa noturna é, muitas
vezes, maior que o de um professor. É possível perceber o uso de ironia, quando o jornalista
brinca que outras professoras pediram vagas de garçonetes. No segundo parágrafo, o autor
escolhe usar um argumento em provas concretas, o fato de 40% dos candidatos a prova de
conhecimentos da rede estadual de São Paulo foram reprovados.
A seguir, Dimenstein faz uso de argumento de autoridade, ao citar a pesquisa da
Fundação Carlos Chagas e usa os dados estatísticos dessa mesma pesquisa, que apenas 2%
dos jovens pesquisados querem ser professores, para embasar o seu texto. No outro artigo,
vemos que Gois preferiu iniciar o texto trazendo um dado concreto do MEC, de que é alto o
percentual de professores que lecionam física, química e matemática sem formação nessas
áreas e, em seguida, o argumento de autoridade do Conselho Nacional de Educação, para
reforçar o dado do MEC e, no terceiro parágrafo, Gois usa a autoridade do IBGE para trazer
base à sua argumentação.
Os dois autores dão continuidade ao texto baseados em argumentos de provas
concretas: Dimenstein aborda outros números da pesquisa da Fundação Carlos Chagas nos
parágrafos 7, 9 e 10 e se utiliza de outros argumentos (como a prova a que os professores
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paulistas foram submetidos e o aumento da oferta de cursos à distância) nos parágrafos 15, 16
e 17. Gois faz uso dos números do IBGE nos parágrafos 4 e 5 para depois, no parágrafo 7, se
utilizar da autoridade da consultoria McKinsey e em um argumento com base no consenso
para dar continuidade ao texto.
Quanto a questão da organização textual, no texto de Dimenstein, podemos verificar
o uso dos seguintes recursos: verbo de dizer, no primeiro parágrafo, quarta linha. A palavra
“conta” é usada para passar a palavra a Marcio Gatica.
No parágrafo 7, o autor usa de organizadores textuais para enumerar os três
principais motivos que fazem os jovens desistirem da carreira docente. No parágrafo 12,
podemos verificar o uso do modalizador lato sensu atitudinal com a frase “não consigo ver
informação mais alarmante”, onde ele revela sua atitude diante dos fatos apresentados.
O emprego de articuladores discursivo-argumentativos pode ser verificado com os
seguintes exemplos: apesar de, expressando oposição; mais... do que, comparação; mas,
oposição; portanto, conclusão; porém, oposição; ou, relação de alternância inclusiva; e,
adição; mesmo, oposição.
No artigo de Gois, percebemos o uso de um modalizador stricto sensu no parágrafo
6, com a expressão “é verdade que”. Podemos perceber, também, o uso de articuladores
discursivo-argumentativos de delimitação logo no início do texto, em “um dos problemas” e
também no parágrafo 9 com “em áreas em que o número de formados já não dá conta da
demanda”.
Outros articuladores discursivo-argumentativos que podem ser encontrados no texto
são: também, expressando adição; mas, oposição; para isso, finalidade; e, adição; ou, relação
de alternância exclusiva; causalidade, na frase “sem salários atrativos, não há vocação que
resista”; para que, relação de finalidade.
Por fim, os dois artigos possuem a mesma opinião sobre o assunto, mas foram
organizados de maneiras distintas. É possível perceber uma melhor ligação entre os
parágrafos do artigo de Dimenstein, quando ele apresenta um episódio (o caso de Gatica), o
fato que levou a isso (o baixo salário dos professores), as outras consequências que esse fato
nos trás (a falta de interesse das pessoas em se tornarem professores) e o que está sendo feito
para alterar esse quadro, o que não ocorre tão claramente no artigo de Gois, embora seja
possível verificar os mesmos tópicos (o fato – falta de professores, a causa – baixo salário e as
outras consequências que isso nos trás), mas essa diferença pode ser atribuída apenas a
escolhas pessoais do autor.
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REFERÊNCIAS

DIMENSTEIN, Gilberto. O que você não vai ser quando crescer? Folha de São
Paulo, São Paulo, 31 jan. 2010. Disponível em:
<http://aprendiz.uol.com.br/content/promeshupr.mmp>. Acesso em 17 jun. 2010.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação.
São Paulo: Ática, 1996.
GOIS, Antônio. Com esse salário, quem quer ser um professor? Folha de São Paulo,
São Paulo, 28 de mai. 2009. Disponível em: <
http://www.sinpeem.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=3173>. Acesso em 17 jun.
2010.
KOCH, Ingedore G. V.. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes
temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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ANEXOS

ANEXO A – O que você não vai ser quando crescer?


Gilberto Dimenstein

Quem se depara com Mário Gatica, óculos escuros, terno preto, alto, musculoso,
lutador de artes marciais, cuidando da segurança de uma casa noturna da Rua Augusta, jamais
poderia imaginá-lo como professor de filosofia de escola pública. “Gostaria de apenas dar
aulas”, conta – apesar de, algumas vezes, ele se sentir mais vulnerável fisicamente dentro de
uma escola do que evitando brigas ou assaltos na madrugada.
O magistério é seu grande projeto desde a adolescência, mas Gatica se vê obrigado a
complementar sua renda na noite. Na condição de temporário, ele passou na prova de
conhecimentos aplicada pela rede estadual de São Paulo: 40% dos candidatos foram
reprovados, mesmo com o benefício de usar o tempo de serviço como parte da nota.
Muitas gorjetas superam o que ele recebe por hora em sala de aula – o que acabou
interessando também a colegas da escola. Professoras pediram um bico de garçonete.
Mesmo que não fosse dublê de segurança e professor, Gatica, que se graduou em
história e está no último ano de uma faculdade de filosofia, já seria uma raridade. É o que se
vê num alarmante levantamento inédito com jovens brasileiros sobre os desejos profissionais.
Idealizada pela Fundação Victor Civita e realizada pela Fundação Carlos Chagas, a
pesquisa integra um relatório sobre a atratividade da carreira do professor. As entrevistas
foram focadas apenas em jovens que estão concluindo o ensino médio e decidindo sua
carreira: apenas 2% deles querem ser professores.
Entre os que estão nas escolas privadas, a taxa cai para próximo do zero. Suas opções
são, pela ordem, direito, engenharia e medicina.
Um terço dos alunos até pensou em ser professor, mas desistiu pelos seguintes
motivos: 1) falta de valorização social; 2) salários baixos; e 3) rotina desgastante. É o que se
traduz na diferença entre a gorjeta que Gatica recebe como segurança e o valor da hora-aula.
Note-se que a pesquisa não pergunta especificamente se ele gostaria de ser professor
de escola pública – se fosse assim, o resultado seria ainda pior.
Não é de admirar, portanto, que 55% das vagas de pedagogia e licenciatura não
sejam preenchidas. Nem que 40% dos professores temporários da rede paulista tenham sido
reprovados – nem que o governo paulista, por falta de alternativa, seja obrigado a mantê-los
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dando aula. Há no país um déficit de 700 mil professores no ensino médio e nos anos finais
do fundamental.
É de mais de 35% a taxa de evasão nos cursos que formam professores.
A pior notícia, porém, é a seguinte: os futuros professores são recrutados entre os
alunos com as piores notas do ensino.
Não consigo ver informação mais alarmante para uma nação do que o fato de que se
recrutam entre os piores quem vai cuidar das cabeças das crianças e dos adolescentes.
Entende-se por que muitos cursos de reciclagem não funcionam bem – ou por que os alunos
saem da escola sem saber ler e escrever direito.
Também se entende por que, em muitos casos, exista pouca diferença entre escolas
públicas e privadas.
Como sem não bastassem as deficiências da formação, eles vão trabalhar num
ambiente hostil e violento, com salas lotadas e famílias omissas.
Há fatos novos interessantes. Novas normas de crédito estudantil garantem
gratuidade a quem cursar um curso de licenciatura ou de pedagogia; a contrapartida é ir para
uma escola pública.
Na semana passada, professores paulistas se submeteram a uma prova que garantirá a
parte deles o aumento do salário, não só com base no tempo de serviço, mas em boas notas. Já
existe em São Paulo o bônus a partir do desempenho dos alunos e a obrigatoriedade de se
passar por um curso – mesmo aos aprovados em concurso.
Aumenta a oferta de cursos a distância oferecidos pelas melhores universidades.
Mas, pelo tamanho do problema, é ainda pouco e vai exigir o melhor da inteligência
da elite política – inteligência para, por exemplo, usar os recursos digitais, criar espaços
educativos nas cidades, integrar os meios de comunicação ao aprendizado.
Daí que a principal questão social brasileira seja colocar a resposta “professor”
quando alguém perguntar aos jovens coisas do tipo “o que você vai ser quando crescer?”.
PS – o relatório é um dos documentos mais profundos que já li sobre a carreira de
professor no Brasil. Leitura obrigatória – coloquei a íntegra no site do Catraca Livre.
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ANEXO B – Com esse salário, quem quer ser um professor?


Antônio Gois

Um dos problemas mais graves detectados no censo do MEC com professores é o


alto percentual dos que dão aulas de física, matemática e química no ensino médio sem
formação nessas áreas.
Em 2007, o Conselho Nacional de Educação já alertara que havia um déficit na
formação de professores nessas disciplinas, evidenciado também pela dificuldade dos Estados
de preencher vagas em seus concursos.
A principal explicação para isso depende de uma informação que o censo do MEC
não traz, mas que pode ser obtida na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do
IBGE.
Na comparação de 30 ocupações que exigem nível superior, as cinco de menor
rendimento médio são todas relacionadas ao magistério.
O salário médio de um professor de ensino médio com nível superior no Brasil era de
R$ 1.335 em 2007. Isso representa dois terços dos rendimentos de um enfermeiro diplomado
(R$ 2.022), metade do que ganham jornalistas (R$ 2.767) e 27% do obtido por médicos (R$
4.865).
É verdade que há evidências empíricas de que salários maiores não significam
melhores notas de alunos nas avaliações do MEC. Mas esse é um dado que capta apenas um
efeito imediato.
Sabe-se, a partir de um estudo da consultoria McKinsey, que os países com melhor
desempenho educacional são os que selecionam para suas escolas os profissionais mais bem
capacitados. Para isso, não há dúvida de que a remuneração é um fato essencial.
No Brasil, dados do questionário socioeconômico do Enade (exame substituto do
provão) mostram que vamos em direção oposta: os alunos em cursos de formação de
professores são os mais pobres, de famílias menos escolarizadas e que mais estudaram na rede
pública.
Em áreas em que o número de formados já não dá conta da demanda – caso de
matemática, física e química – o problema fica ainda mais agudo. Os melhores que se formam
nessas licenciaturas se deparam com escolhas como essas: receber R$ 1.335 como professor
ou, por exemplo, fazer um concurso público para bancário, cuja remuneração média para
nível superior é de R$ 2.216?
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Sem salários atrativos, não há vocação que resista. Resta às escolas darem um
jeitinho para que os alunos não fiquem sem aulas dessas áreas.

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