Você está na página 1de 2

beaucoup de dés

mallarmélange, mallarmétis, mallarmelada


este ano é o centenário da publicação do ‘Coup de Dés’, o poema que mudou o rumo da
poesia, que misturou na sua concepção a literatura com a música e as artes plásticas, que
usou a página branca para instaurar uma nova relação com o espaço e o tempo, que
inventou a multiplicidade de leituras, que estabeleceu os fundamentos de uma arquitetura -
gráfica - do poema.

esse poema não foi objeto de súbita inspiração, mas um projeto do autor que demorou
trinta anos para ser terminado.
as idéias para sua concepção estão espalhadas pelas cartas que mallarmé mandava para
amigos, como também em anotações.
mallarmé queria produzir aquilo que chamava de ‘Livro’, e não considerava o ‘coup’ sua
obra máxima porque estava obcecado com esse outro projeto.
ele morreu antes de poder produzí-lo.

é preciso conhecer o trabalho e a vida de mallarmé para podermos assimilar conceitos


importantes para um processo de criação que não trate poesia e poema com espontaneísmos
ou tradicionalismos ainda hoje.
ao observar por onde vai a mente de Mallarmé, podemos acompanhar o esforço que seu
corpo faz para resistir ao terrivel combate com as forças do ‘fora’, presentes na palavra
‘néant’, central para toda obra desse poeta.

estudar Mallarmé e sua importância para a poesia moderna e contemporânea.


estudar Malarmé para um trabalho com a própria produção mais consistente e relevante.

de 1865 em diante M. introduz o ‘nada’ para substituir o que em poesias anteriores haviam
sido ‘azul’, ‘sonho’ ou ‘ideal’. Numa carta de jan/1866 diz: ‘o nada é a verdade’.
Igitur foi composto logo após uma crise espiritual, moral e física, que durou três
anos(1886-88) e na qual M. quase morreu. É uma tentativa inacabada de dar conta do
combate com as forças do ‘fora’que M. denominou o Nada.Curiosamente, o subtítulo dessa
obra é ‘A loucura de Elbehnon’, palavra vinda do hebraico e significando ‘filhos de
Elohim’. Na Cabala, eram as potências criadoras emanadas de Yahweh. Mas pode ser
também o todo da criação se ligarmos o ‘Igitur’ com a outra referência bíblica que dá nome
ao poema - Gênesis 2:1 - “Assim forma concluídos os céus e a terra com todo o seu
exército”, que em latim é “Igitur perfecti sunt coeli et terra et omnis ornatus eorum”, frase
que encerra o relato da criação na Bíblia, logo depois de Deus ter feito o homem e a
mulher.
Numa carta de maio/1867 se diz ‘agora impessoal, não sou o Stéphane que conhecestes
mas sim uma capacidade do universo espiritual, de ver-se e de desenvolver-se a si mesmo
e, precisamente através do que foi meu eu’.
Logo depois, escreve o ‘Igitur’, talvez o começo do que chamaria de poesia nova,
concretizado 30 anos depois em ‘Coup de Dés’. Mas o ‘Coup’ era um ensaio do que
chamava ‘O Livro’, sua obra imaginária e incompleta, que aparece em cartas como o
projeto da vida de M. desde 1866.
O Nada e O Livro parecem vir da mesma fonte.
O encontro com o Nada se operou naquela crise de 1865-68 e isso foi o que quase o matou.
Como em Nietzsche, em Artaud, em Hölderlin, esse encontro com a loucura é a
possibilidade de extrema lucidez na criação: o embate com as Forças, com a Crueldade,
com os Deuses.
M. nos conta em outra de suas cartas ter encontrado ‘a correlação íntima da poesia com o
universo, após ter imposto ao meu cérebro a sensação do vazio absoluto(...)Meu
pensamento foi a ponto de pensar-se a si mesmo e não mais tem força para evocar em um
Nada único o vazio disseminado em sua porosidade’(set/1887)
No ano da publicação de ‘Igitur’, numa outra carta, M. saindo da crise diz que sua
‘consciência, saturada de trevas, desperta, lentamente, formando um homem novo e deve
reencontrar meu Sonho após a criação deste último. Isso durará alguns anos ao longo dos
quais tenho de reviver a vida da humanidade desde a sua infância e ir tomando consciência
dela’(fev/1869).

Você também pode gostar