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A IMAGINAÇÃO

Martha Medeiros.

Ele ficou de ligar às duas da tarde. Às duas em ponto você estava plantada ao lado do
telefone. Às duas em ponto o telefone não tocou. Nem às duas e quinze. Nem às duas e meia.
Nem às três. Você liga pra ele e lhe comunicam que ele não está. Ninguém sabe onde ele está.
Quatro e meia. O telefone numa quietude petulante.
A imaginação, então, começa aquele exercício macabro de formular suposições. Onde
ele está, afinal?
1. Ele está em casa, quietinho. Não ligou de propósito. Não atendeu o telefone de
propósito. Ele quer que eu me dê conta sozinha de que a história acabou. Ele não
tem coragem de terminar olhando nos meus olhos. Prefere que eu fique com raiva
dele, assim me conformo mais rápido. No fundo, ele está se achando muito
bonzinho, aquele pulha.
2. Ele não ligou porque ficou chateado com o que eu fiz ontem. Foi isso. Mas que
diabos fiz ontem? Nós não brigamos. Não nos xingamos. Não falei mal da mãe
dele. Nem da camisa puída dele. Nem do timeco dele. Ficamos o tempo todo no
maior amasso. Eu fiz tudo certo, cacilda.
3. Ele conheceu outra depois que saiu aqui de casa. Ele passou num bar para tomar a
saideira e viu a garota encostada no balcão. Chegou nela. Falaram. Ficaram. Saíram
juntos. Estão juntos até agora, cinco e vinte da tarde. Eu quero morrer.
4. Morrer? Foi isso! Ele saiu daqui levitando de paixão, atravessou a rua sem olhar
para os lados e cataplum! Passaram por cima. No tombo, perdeu a carteira de
identidade. Foi levado para o IML. Não o identificaram. Foi enterrado como
indigente numa vala comum. Impossível telefonar de lá.
5. Ele não morreu. Foi atropelado, mas não morreu, só ficou com uns lapsos de
memória. Esqueceu meu número. Esqueceu meu endereço. Esqueceu que existe
guia tefefônico. E também não sabe mais ver as horas.
6. Ele ligou. Ele ligou pontualmente às duas, como estava combinado, mas eu não
ouvi. Que silêncio é esse? Estou surda. Socorro, estou surda.
Você está louca, isso sim. Basta falhar a combinação e você já fica variando, criando mil
fantasias na cabeça. Você e a torcida do flamengo. Por que ficamos tão enlouquecidos com a
desinformação? Por que estamos sempre achando que vamos ser deixados de uma hora para
outra? Por que acreditamos tão pouco em contratempos e ficamos a imaginar o pior? Simples:
porque estamos apaixonados. Acontece com as melhores cabeças.

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