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PAPAPOULOS & LOLIPÓPI

Parte I - Churrasquinho grego


Quando chegou até mim, essa portenha parecia burra como uma porteenha. Lido
engano, coliforme vim descobrindo. Por conta de dívidas, veio parar aos meus pés como
lambança bíblica: ao pó retornarás. Daquele momento em diante, era lerê, lerê somente
pra mim. Chegou informada do meu completo asco pela Argentina e de meus
empreendimentos narco-sexuais. Mangava que podia disfarçar seu só traque mascando
chicletes. Quando falou comigo pela primeira vez, tencionei cusparadas, chave-de-braço
e raticida, pois toda a perrenguice que passei naquela terra de estante ricolcheteou na
minha cabeça. Mas segurei a honda e rês pirei fundo. Vrrruuummm.
Uma primeira conferida apontava que a putana seria rentável, desde que bem
trabalhada. Olho cínico nesta profissão não é pra qualquer um. Mas havia recriação a
fazer. Pelo poder a mim investido, pelo deus grego que sou eu mesmo, posso reco-
recompor a história. Daí que sentenciei que grafia e pronúncia do nome com o qual foi
apresentada a mim, Theodorous Papapoulos, jamais deveriam sequer ser lembrados.
Sob prenha de morte a quem me desobedecesse. Tasquei nela, sem vaselina, um nome
artístico, afirmamando como batismo. Lolipópi. Em homenagem a Telly Savallas e
Linda Lovelace. Se não fosse pela experiência dos anos 70, eu não escapava da judiaria
que presenciei e vi, venci - ei -, há quase dez anos. A questão era: para soterrar este so
take, esta putinha deveria manter a boca ocupada.
No que ela acabou se resvalando especialista.
Taí este moleque filhinho de papai que não me deixa mentir. Um dos melhores
clientes – meu e dela, portanto, meu de novo – deste comércio cheira-fode. Para cada
festa que o papito dava na mansansão, ele encomendava carga dupla. Entre narinas,
rodadas de putas rodadas. Até escolher uma de sua pré-inferência. Eu só não poderia
adivinhar que o filó da puta deste moleque ra-tá-tá teria esta pré-direção. Logo por uma
putinha de ar gentinha, que acabou se enchendo de regalias. Por isso, memento-a no
carro e rumino até armação que o pentelho habita. Às vezes, quando olho no zarolho –
porque ele pisca um – deste moloch, tento descobrir o que ele quer da vida. Será que vai
ficar eternamente a ensejar punheteenhas e purtarias ? Se estivesse no lugar dele, eu não
seria tão óbvio bruxuleante assim. Nunca que eu iria usar cuequinhas Zorba, por
exemplo.
Mas, com a grana do papai que ele vai de lápis dando, o meleca pode querer
tudo. Quer dizer, quase tudo. Menos chamá-la de “minha peronzinha”, com four medita
um boato olvido e espraiado aqui e acolá-iá-lá-iá. Torço pra que isso não se confirme.
Esse boato me boate à mente no momento em que chegamos à moção. Enquanto páro o
carro no lugar caubynado, tento não olhar muito pra ela, pra não dar corda às
recortações e lambanças do pai sado. Faço sinais para que abaixe o volume dessa merda
que está ouvindo e enfio determinações entre suas orelhas.
Nada de cu-doce dessa vez, hein? Tu é metida a bestinha demais, nem sei por
que te trato nas regalias.
Tenho orgulho do que fiz com ela. A putinha acabou bem adestrada, depois de
levar umas porradas merecidas e bem dadas. Trabalho com mão-de-ferro. Ela aprendeu
a dar sorrisinhos sacaninhas enquanto comprova que entendeu minhas ordens. Finjo que
não sacro um certo cinismo em tridentes e deixo que ela me oboé desça desse jeito torto.
O que mais eu poderia fazer, caralho? Pôr trancas em potrancas?
Fica jogando charmusiquinho, fica. Então, vez em vez a memória volta àquilo.
Tempos de ter de esconder tudo, se deixando por último. Acreditava ainda. Ainda
ajudiei. Os traços dessa ela aqui são quase parecidos; evita, evita. Corpo carbonizado,
1994 - quase dez anos, agora em julho. Eu ajudiei. Tem nada não, aqui nada lembra
ninguém disso, é terra outra, o meu lugar. Quem eu vejo, o que eu mando. Misturei só
um pouco? Isso. O fedelho ainda não está freguês completo. Um lado, o outro, não
chegou? Esse ar não funciona? Porra, tá demorando pra caralho. E a Lola aqui
prontinha, maior perrengue pra ir buscar na hora. Um basbaquinha rico que neca da vida
sabe. Mas é cliente, e pra cliente é sempre pó de tudo, enfurmaça, fuleirigem. Soltavam
carros, seus canos nos bons tempos. Vistos daqui, como eles regeneraram. Os bons anos
setenta, vistos do retrovisor, soltando poeira. Toda essa merda que eu vivi ainda estava
pela frente, vestida de futuro pra segurar as pelancas. O tempo é uma puta. Agora
esfriou demais. Pronto. Nada ainda do moleque.
Lola nem aí. Fica se ajeitando, boneca, entupindo o ouvido nessas bostas de
egoístas, cada vez mais cheios de sacanagem, luzinhas piscando, um dia varo isso longe
prela aprender. Mandei caô que o garoto é que pediu prela se vestir assim... até parece
que era com ele ter assim imaginação. Agora quase não parece uma Ester, Rute, essa
Madalena com indumentária. Evita. É melhor chegar o garoto logo. Não posso esquecer
que amanhã o Santana vai pegar a carga comigo. Tá quente de novo. Putz, casa sem
cobertura aquela nenhuma, pra que fui deixar lá. Mas não tem como ninguém
desconfiar. Parece o banheiro do Abiáqueo, longe na zona, aquele entrexposto.
Quero usar meu nome verdadeiro.
O quê? Quem disse isso? O fedelho não chega. O que você tá verbando, nega?
Qual é o nome dela mesmo? Nem porra de lembro! Tá querendo me provocar, sabe que
não posso danificar o material. Aos modos dos que vendem a pele pra Yakuza.
Actovacilos vivos, não pode dar furo. Pensei que ela tivesse largado esse sotaque.
Lolipópi é brega pra caralho.
Está mesmo falando isso! Toma um pé, que o sapato eu lavei ontem, mas tem
quase a mesma idade do asfalto relveito da porta da embaixada. Sim, eu ajudiei. Vai ao
encontro de Gaia, sua portelha juvadia. Estamos sob o império da lei, você não tem
filho nenhum meu na barriga, ainda por cima tá viva, eu posso muito bem te espantar,
estampar, espancar. Espancar.
Essa aqui é a sua terra, porra !
Alguma confusão pra formar torno? Nada. Nem o fedelho chega. Lá em cima a
boca deve estar livre, comendo solta. Porra, até as casas se parecem. Mas aqui não, eu
ainda mando, posso sentir o que não se reduz a uma impressão, está muito mais em
volta que na minha cabeça. Se viesse alguém com tundência pelas costas, olha eu fudido
que estava.
Já botei muito cliente pra ouvir tango no discman.
O que ela pensa que sabe? Devia estar agarrando a saia da mãe quando
aconteceu, mãe esta que era, e não sabia, mãe do tempo, mãe de uma puta. Mas aqui,
fora da cabeça, a matéria quica ao meu contato. Eu posso judiar. Mesmo? Vamos
experimentar. Um, dois. Os olhos de Lola vão pra cima, ralentando a câmera dos
golpes. Não pode, bato mais: o filme é meu, é meu. Se começar a gostar eu paro. Que
tango o que, tango é o caralho! Toma um Priazola na tua cachola. Toma um galo Jardel!
Toma, Yepes! Toma, Zárate! Toma idealismo, Herzbollah, amputamputemputempo!
Toma mais, aqui tu é minha perra! Torra!
Chega, olha o material. Parece ela estar é absorta na música. Ainda não apagou?
Tem alguém atrás de mim, acho que ouvi um tiro. Apagou, sim. Foi lá longe em
cima. O garoto se meteu em confusão, só faltava essa. Que tempo de merda. Sua puta,
um dia eu acerto as contas contigo.

Parte II – Manzanas argentinas


Ele me pega de carro. Me leva pra passear, é hora de encontrar o filhinho de
papai. Peralá, abre a porta de novo, o cabo do discman ficou pra fora! Isso, assim.
Papapoulos está em silêncio. Nunca sei quando arriscar falar algum assunto, a menos
que eu também esteja de veneta, pensando em alguma coisa. Mas essas luzes da lagoa
sempre me enchem os olhinhos. A primeira vez que vi, quando cheguei, já
encomendada... Dívidas do pó.
Mas isso já faz tempo. Pelo menos pra mim — hoje nem me importo dele me
chamar de "nêga", galega como sou; a vaidade escorre pelo ralo. O negócio é mesmo
aguentar esses macaquitos, que um tiquinho de brenfa derruba, arrotando cultura logo
pra mim, nascida e criada na cidade com mais bibliotecas que esta merda de país toda.
Tem nada não, é o negócio. Basta estar com minha música, criar nela meu centro pra
sentir as bordoadas que Theodorous me dá. Me entregar em silêncio à fúria das coisas.
Sempre pensei o quanto cada quina é mortal, as coisas em que pisamos, apoiamos o
copo, o corpo, o espelho da carreira cortando quando quebra em mil pedaços. O tapão
só dá impulso extra na montanha-russa.
Isso, é o que sobra na cabeça. As lembranças da infância. Dizem que aqui na
Lagoa também tinha um parque de diversões, antes de eu chegar. Hoje esse prefeito
demagogo duma figa apaga as luzes da cidade na calada da noite. Lá por onde eu moro,
nas passarelas, nenhuma tem luz, é uma aventura atravessar. Aproveitou a onda do
apagão pra botar lâmpadas baratas. Aprendiz de Menem, esse César Maia. Um dia ele
chega lá.
Nada de cu-doce dessa vez, hein? Tu é metida a bestinha demais, nem sei por
que te trato nas regalias.
Não sabe, né? Claro que sabe. Luz del Fuego, só três palavrinhas pra você. Quer
ver? Basta um ombrinho pra cima, um olharzinho de lado, o luzidio do batom... tudo
isso tem de sobra de onde eu venho, mas essas neguinhas - essas, sim, são - daqui têm
material, bunda, peito, têm tudo, e nenhuma tomaria meu lugar. Parecem até um certo
país que eu conheço.
Seu desejo é uma ordem, senhor.
Viu? Já amoleceu, fácil. Com essa pompa de nome, não é nada que uma vocita
caliente não derrube.
Estranho, agora chegamos, o carro parou. Casa chique, do outro lado da rua. Já
vi essa cena antes, hoje eu tive um sonho, isso mesmo: carros parando, uma construção
suntuosa, de repente algo explode, e é uma bomba! Os corpos voando, voando,
estilhaços, livres por um momento, pra encontrar o pai chão de braços abertos.
Maravilha! Como poderia ser um pesadelo?
Há tempos, rola uma teoria que Theodorous Papapoulos tem um trauma com a
Argentina. Isso é reforçado pelo fato de que ele nunca concordou que eu fosse chamada,
em qualquer ocasião, pelo meu nome verdadeiro. Nem mesmo que pensasse em usá-lo,
estando sob sua gerência. Papapoulos deixou bem claro: acredita piamente que é um
sacrilégio uma putinha que ele administra evocar qualquer lembrança argentina. Não
pensei em questionar os motivos. Nem mesmo quando ele me rebatizou Lolipópi.
Assim mesmo, pra facilitar. Meu nome artístico. Embora nunca tivesse sido vista
chupando pirulitos, ao modo de Telly Savallas. A escolha evidencia a ligação de
Papapoulos com os anos 70 - e ninguém tem coragem de dizer pra ele que os anos 70
acabaram. Pra ele, importava só a sacanagem. O que era ecoado pelas demais
amiguinhas.
Cliente gosta é de fuleiragem, nega.
Fiquei pensando nisso, enquanto Papapoulos checava o relógio de cinco em
cinco minutos, preocupado com a demora do cliente - tanto dele quanto meu; o gerente
não dorme no ponto. E, à medida do nervosismo, aumentava e diminuía a potência do
ar-condicionado do carro e rechecava meu visual, que foi encomendado pelo cliente - o
que já mostrava um bocado de falta de imaginação. Falta talvez causada pela porcaria
de material que Papapoulos anda vendendo ultimamente. Ah, sim. Manja o visual.
Cabelo preso em rabo de cavalo. Camisa rosa, com “Seventeen” escrito de maneira
chamativa. Casaco e calça de couro marrom completam o visual born to fuck (without
luck). Título da música que acabei de ouvir. Meu discman toca o CD Absolutely
Nothing, dos Nientes. Enquanto esperamos, aqui dentro, nesta cabezita, engrenagens se
juntam. Rangem. Rangem. Rangem. Rangem. Na pasmaceira, uma delas se quebra.
Destravo gatilho, faço mira e disparo.
Quero usar meu nome verdadeiro.
Papapoulos olha pra mim, sem entender direito. Talvez com certa razão. O
sotaque acabou aparecendo com força, mesmo falando português. Acho que ele pensou
que eu poderia estar simplesmente acompanhando a música. Pra certificar, penso em
voz de boquete, modulo meu sotaque e enfatizo.
Lolipópi é brega pra caralho.
Ah, a certeza, enfim. A verdade me libertará ? Antes dela chegar, Papapoulos
escancara a porta do carro - do meu lado - e me empurra pra fora. Com o pé. Isso.
Delícia. Caio de cara, lambendo grama. Não tento me levantar de imediato, mantendo a
cara ainda no chão, para dar certeza a ele sobre o que ainda pode fazer. E não me
decepciono. Papapoulos se abaixa e esfrega minha cara no gramado.
Essa aqui é a sua terra, porra !
Ele pára e olha pra todos os lados. Meus olhinhos reviram, em expectativa, verde
e marrom. Vai ficar assim ? Eu preciso de mais ação, algo que dê sentido a toda essa
putaria. No vórtex, vai subindo dosagem de delírios pelas minhas pernas, batendo na
minha cabeça. Por que ele parou ? Eu preciso de mais. Para me sublimar.
Já botei muito cliente pra ouvir tango no discman.
Ranger de dentes. Papapoulos avança e delírio ecoa na minha cabeça, junto com
os socos que recebo. Reviro ainda mais os olhinhos e tenho uma visão. Carlos Menem,
cansado de guerra, assume seu lado cafetão-drag queen, abandona a política e junto
com Tony Blair, monta um mix de discoteca com puteiro chamado Blair Bitch Project.
Punho de Papapoulos sobe e desce na minha cara, dando estocadas no meu maxiliar e
nas manzanas do rosto. Penso em putinhas - outras, outras, outras - e clientes, engatados
em roda-roda de carrossel. Penso em pipoqueiros e em algodão doce. Penso
especialmente em algodão doce. Se a palavra é escrita ou não com hífen. Os fones ainda
no ouvido vão despejando Lovely punch, a última música do CD. Onde acaba a dor e
começa o amor ? Papapoulos pára. O CD também.
Meus ouvidos apitam. Papapoulos de pé, na minha frente, fica sério e avalia o
estrago. Atrás dele, algumas janelas da mansão dos ricaços emolduram aquela cabeça
grega. Pensei ter ouvido um estampido. Um brilho fugaz, de queima de cartucho, emula
uma auréola e ele deixa de prestar atenção em mim. Apago escorrendo.

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