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Todas essas ações, detalhadamente analisadas e descritas por Castells, têm focos e
estratégias muito distintos. Contudo, como bem frisa o autor, todas evidenciam “a
sinergia potencial entre a ascensão da auto-comunicação de massas (mass self-
communication) e a capacidade autônoma da sociedade civil ao redor do mundo de
definir o processo de mudança social.”2
Esse esgotamento, que no campo dos movimentos sociais se faz pela utilização das
tecnologias de comunicação no limite máximo de suas potencialidades intrínsecas,
demanda, no campo da arte, uma atitude quase que oposta: o desvio da tecnologia, do
projeto industrial original:
Três exemplos recentes bastam aqui para enunciar a questão. As projeções interativas
concebidas pelo designer japonês Tokujin Yoshioka para as vitrines de Natal da Maison
Hermès em Tóquio4, a genial sinfonia da Verizon da Nova Zelândia, composta com
mensagens de texto enviadas a 1000 celulares5 e o móbile de celulares HTC reciclados
para a árvore de Natal interativa da agência britânica LBi. 6
Esses casos são instrumentais aqui porque mostram o quão tênues se tornaram os limites
entre a artemídia e publicidade, num momento em que a publicidade entra nos museus
não apenas por meio de marca de patrocínio, mas por meio de exposições de cartazes e
produtos, infiltrando-se no discurso teórico e crítico. Lipovestky situa bem o problema:
Um ponto de partida interessante para essa discussão pode ser a obra de Krystof
Wodiczko, provavelmente o artista mais engajado na discussão do nomadismo
contemporâneo a partir de uma problematização crítica e criativa dos dispositivos
midiáticos associados à mobilidade, como fenômeno social, econômico e cultural.
Destaco aqui algumas obras em que o foco são os diferentes tipos de nômades
contemporâneos como os Porte-Parole (1993), bocas virtuais concebidas para dar voz a
imigrantes, os computadores vestíveis Dis-Armor (1999), que funcionam como próteses
psicoculturais de integração para jovens que sofreram algum tipo de violência, como
abusou ou estupro, e que de alguma forma lhes causam vergonha, e Guests (2009), série
de projeções em grande escala em que trabalhadores imigrantes, ocupam o espaço
expositivo com imagens e áudio em suas línguas maternas, problematizando sua
situação de não-pertencimento e alteridade. 10
É pela combinação da arte e tecnologia num design que traz embutido as questões
culturais desse nomadismo, que os diferentes projetos de Wodiczko,
individualmente e com o IDG, atuam no sentido de desterritorializar as práticas e
as idéias de mobilidade. Trata-se, portanto, de uma arte comprometida com o
agenciamento porque voltada para a potencialização dos aspectos táticos do
nomadismo.
Não por acaso já foi dito que o design mais próximo da filosofia do IDG é o do
curativo: algo que estanca o ferimento ao mesmo tempo em que ostenta a sua
presença.12 Frase forte que poderia servir como epígrafe do polêmico projeto
Transborder Immigrant Tool.13
Uma estética que vai além do representado ou visualizável na tela, porque busca
identificar como as práticas em rede se articulam e são condicionadas por regimes de
sentido e forças institucionais, reconhecendo os aspectos materiais incorporados pelas
net-culturas.
Isso não significa entender as estéticas tecnológicas como inteiramente contidas nos
equipamentos e pré-determinadas pelos dispositivos, mas como produzidas no interior e
através dos seus vetores de midiatização.17
Aluguei por um mês um horário na grade de programação dos painéis, como se fosse
uma anunciante qualquer, e em meu horário – 1 inserção de 10s a cada 3 minutos, no
período entre 16 e 19h00 – as mensagens enviadas pelo público, sempre cifradas em um
alfabeto não-fonético (como fontes de sistema e dingbats) eram transmitidas em painéis
eletrônicos nas avenidas Paulista, Consolação e Rebouças em São Paulo.
Essas imagens eram, também, retransmitidas on line por webcams e replicadas em
diferentes dispositivos (celulares, Palms, computadores) e os participantes do projeto
eram notificados – por email ou SMS, dependendo da forma como participavam – sobre
quando e onde sua mensagem seria veiculada.
Trata-se de uma rede nômade, de curto alcance que é montada e desmontada sempre em
relação a um outro nó, que pretende utilizar a rede de transportes implantada para a
transferência digital de dados.
A idéia de Danja Vasiliev, criador do projeto, é que a rede funcione sob um parâmetro
muito parecido ao do Torrent, num sistema em que qualquer nó que compõe a rede
(todo portador do transpoder do projeto Netless, operando como um cliente-servidor),
tente recuperar os dados novos à sua disposição e passá-los para qualquer outro nó.
Dessa forma, a velocidade de transmissão aumenta, pois quanto mais usuários
simultâneos existirem, mais rápida a rede se tornará.21
Ao propor-se como uma rede parasitária “do bem” que se apropria do resíduo dos
backbones que cruzam a infraestrutura urbana, Netless projeta uma metáfora de reforma
agrária dos grandes latifúndios dos territórios informacionais das telecomunicações
contemporâneas.
Faz parte desse jogo de apropriações, que de uma certa forma definem o artivismo nas
redes, a capacidade de “surpreender os consensos que dão valor negativo ou positivo às
tecnologias”.22 O projeto Zapped! Kit de Ferramentas para as Massas23 evidencia essa
situação de maneira irônica e radical. Seu ponto de partida é o potencial de vigilância e
controle que a popularização da RFID (Radio Frequency Identification) pode
consolidar.
As RFIDs ampliam o raio de leitura propiciado pelo código de barras, lido apenas de
distâncias curtas, localmente. Além disso, o sistema nunca é desativado, tendendo a dar
um ar de Minority Report ao cotidiano, pois mais do que possibilitar o cadastro de
hábitos do consumidor, como os códigos de barra associados aos populares “cartões de
fidelidade” dos supermercados fazem, elas permitem um monitoramento do uso dos
produtos consumidos.
Um livro ou uma roupa com esse tipo de etiquetas permitirá saber quando se começou a
ler o volume, onde a pessoa se troca... É o que alegam algumas associações norte-
americanas de direitos do consumidor, advogados e desenvolvedores de software que
vem se pronunciando contra a implantação da tecnologia RFID.24
Para contrapor-se a essa situação, o coletivo Preemptive Media, que nesse projeto
envolveu Beatriz da Costa, Heidi Kumao e Brooke Singer, criou uma série de
instrumentos de interferência na freqüência das radio-etiquetas. O mais intrigante de
todos é o que utiliza baratas de Madagascar como transportadoras dos dispositivos de
interferência. A escolha desse microexército tem sua razão de ser:
Essa raça de baratas é uma ferramenta perfeita para interferência humana em sistemas
RFID porque elas dormem de dia e caçam à noite, têm acesso a locais que os humanos
não conseguem atingir e não são prejudicadas pela radiação emitida pelos leitores de
RFID. A Preemptive Media não promove interferência nos leitores simplesmente para
causar incômodo, mas encoraja ativistas a usar essa abordagem simbólica e
funcionalmente mais agressiva, a fim de escolher seus alvos e definir seus objetivos
cuidadosamente.25
Numa época em que a iconografia da Web 2.0 celebra um êxtase contido por meio de
ícones gordinhos, cor de rosa e azul-celeste, que exclamam onomatopeicamente seus
Yahoos e Googles, pontuados por discretos e insistentes tweets e flicks, a idéia de
conjugar a possibilidade de agenciamento nas redes com o princípio de Ana Karenina,
entendido aqui como princípio de dissonância e desvio, me parece mais que oportuno.
Isso não implica nenhum juízo de valor, quanto a previsões de expectativas mais ou
menos otimistas, frente aos desdobramentos políticos e culturais do uso futuro das
tecnologias e dos dispositivos móveis.
Olhar a Era da Mobilidade pelo ponto de vista do “princípio de Ana Karenina”, não é
ceder a uma abordagem que privilegia o fracasso e a infelicidade como mote de ação.
1
Castells, Manuel, Communication Power, Nova York, Oxford University Press, 2009, p. 302-402.
2
Idem, p. 303.
3
Machado, Arlindo, Artemídia, Rio de Janeiro, Zahar, 2007, p. 16.
4
http://www.youtube.com/watch?v=gyNHJQzn3pw
5
http://www.youtube.com/watch?v=R3nSoEhY8SM
6
http://www.theophane.co.uk/mobile-mobile
7
Lipovetsky, Gilles, O Império do efêmero – a moda e seu destino nas sociedades modernas, trad. Maria
Luisa Machado, São Paulo, Companhia de Bolso, 2009, p. 228.
8
http://interrogative.mit.edu/about/
9
Baseado em textos de apresentação do IDG no site do projeto Arte/Cidade, por ocasião da participação
do artista na série de debates “Intervenções em Megacidades”, em 1998. Quando não fizerem outra
referência, as afirmações sobre o IDG baseiam-se neste site.
http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/brasmitte/portugues/idg.htm
10
http://interrogative.mit.edu/projects/
11
Brissac, Nelson, As máquinas de guerra contra os aparelhos de captura – Uma fotonovela sci-fi, São
Paulo, Arte/Cidade, 2002, p. 12. Disponível em:
http://www.pucsp.br/artecidade/novo/publicacoes/fotonovela/maquinas_de_guerra_ebook_pt.pdf.
12
http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/brasmitte/portugues/idg.htm
13
http://bang.calit2.net/xborder/
14
http://www.theaphroditeproject.tv/
15
http://www.theaphroditeproject.tv/goals/
16
http://www.zexe.net/
17
Rossiter, Ned. Organized networks – Media theory, creative labour, new institutions, Rotterdam,
Institute of Newtork Cultures/NAi Publishers, 2006, p. 174-177. O conceito de estética processual das
novas mídias atualiza algumas idéias caras a Guattarri que em Caosmose discutiu e conceituou a estética
processual no âmbito das máquinas autopoiéticas que extrapolam o modelo da interpretação semiótica
tradicional, baseada em processos de codificação e decodificação.
18
Em Berlim, o projeto integrou a exposição p0es1s e foi exposto no Kulturforum e no espaço público.
No museu, Poétrica consistia de uma série de impressões em grande formato, projeção de DVD um web
site. No espaço público, ocupou o painel eletrônico de Kurfürstendamm e foi apresentado nos cinemas no
formato de trailers, anunciando P0es1s por meio da série "ad_oetries" (ads + poetry) concebida
especialmente para esta ocasião a convite de Friedrich Block, curador de P0es1s (http://www.p0es1s.net).
Para mais informações sobre o projeto, acessse: http://www.poetrica.net, para comentários sobre essa
intervenção e as que lhe foram anteriores e posteriores, v. Beiguelman, Giselle, in McQuire, Scott et. al.,
op. cit., p. 179-190.
19
Santaella, Lucia, Linguagens líquidas na era da mobilidade, São Paulo, Paulus, 2007, p. 350-351.
20
O transpoder é um transmissor-receptor de freqüência. http://pt.wikipedia.org/wiki/Transponder
21
http://k0a1a.net/netless/
22
Hora, Daniel, “Infecções artísticas”, Trópico, 29/11/2009. Disponível em
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3144,1.shl
23
http://www.preemptivemedia.net/zapped/index.html
24
Beiguelman, Giselle, “Coleiras Digitais”, em Link-se – arte/mídia/política/cibercultura, São Paulo,
Peirópolis, 2005, p. 122-128.
25
Preemptive Media, “Zapped Toolkit para as massas”, Trópico, 03/11/2005. Disponível em:
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2675,1.shl
26
Castells, Manuel, op. cit., p.302
27
Canclini, Néstor G., Consumidores e cidadãos, trad. Mauricio Santana Dias, 6ª. Ed., Rio de Janeiro,
2006.
28
http://bambozzi.wordpress.com/projetosprojects/mobile-crash/
29
Guattari, Félix, Caosmose: Um novo paradigma estético, trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Claudia
Leão, São Paulo, 2006, p. 137.
30
Nosengo, Nicola, A extinção dos tecnossauros, trad. Regina Silva, Campinas, Editora da Unicamp,
2008.