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Diário do solitário servidor

No último dia, do último mês, ao acordar, com o céu ainda escuro e ao som das gotas impi
edosas d'água, que mais pareciam pedras, flagelos gelados vindos do céu para castiga
r os que aqui estão e purificar, levar embora n'correnteza tudo o que esta era pre
cisava deixar para atrás, levantei me, eu, o fiel servidor das terras distantes po
r detrás do velho palácio do velho império, pelos rios negros ululantes, próximo da terr
a dos selvagens entorpecidos, do poderoso e influente reino de Ibigue, que detin
ha o controle sob todas as terras e gentes daquelas bandas. Eu, um reles mercenári
o que, no auto de sua fé naquilo que de dispôs a realizar, prometeu solenimente como
quem assina um contrato com sangue azul, servir e cuidar daquela potência nos próxi
mos tempos, pois se aproximava um tempo de guerra.
O domínio autárquico de Ibigue se preparava para mais uma de suas batalhas, que acon
teciam de dez em dez anos, para estabelecer o domínio sobre toda-a-gente, quando e
spalhavam seus agentes por todo o território de todo-o-lugar e conquistavam o cont
role sobre seu número, suas posses e suas crias, para depois, num ímpeto da mais cru
el selvageria e soberania, expor seus resultados para todo-o-mundo que pudesse e
quisesse ver. Mas, antes de se lançar à terrível guerra decenial, era preciso que mer
cenários como eu, e a minha compania, se prestassem a realizar pequenas tarefas su
jas, aqui e ali, afim de favorecer Ibigue na vindoura batalha.
Aquele definitivamente não era um bom dia para se realizar uma grande jornada como
a que eu ia realizar, mas o meu dever fala mais alto e justifica os bens que até
então tinha alcançado. Acredito fielmente nas instituições e na troca equivalente que oc
orre entre o fiel servidor e todo-o-resto, quando bons feitos e missões cumpridas
levam a riquezas e bens diversos para a felicidade do servidor. Assim, levantei
me e após realizar os meus ritos matinais, deixei minha humilde chalerna e, acompa
nhado dos cânticos de guerra da Décima Sinfonia, que a mim vinha por meios que eu me
smo desconheço perfeitamente o seu funcionamento, segui rumo ao transporte que me
levaria pelos rios negros até meu destino na fortaleza ocidental de Ibigue. Seguin
do pela longa caminhada através das planícies do reino de Izabel, atravessando a ter
ra dos sábios e dos ébrios, buscando, depois do grande rio limítrofe, atingir o sobera
no Omni'us, o majestoso transporte de aço, veloz o suficiente para transpor a torm
enta e me deixar são e salvo em meu destino, que de outra maneira jamais alcançaria
em tempo, com o óbulo de uma pequena oferta. Mas não temo, pois possuo o amuleto místi
co que me permite livre passagem por todas as sendas e passagens que existem nes
se mundo de meuDeus, cortesia dos senhores de Ibigue que tão prontamente me oferta
ram no, a magnífica tableta de Roo's Carr.
Assim, com os votos de boa vitória que a Nona Sinfonia me dá, e o ânimo renovado. Com
a tableta de Roo's Carr em mãos me dirijo a Omni'us, sabendo que esta seria a última
vez que a tableta funcionaria por um longo tempo, pronto a me deslocar nas planíc
ies desertas, no último dia do último mês, rumo ao conhecido desconhecido. Mais uma ve
z.
07/30
Cheguei aquela paragem ainda pela manhã e a chuva fria da aurora me recepcionava e
me alertava de como seria dali em diante, de como gélido e solitário seria a minha
estada, depois de singrar os úmidos rios negros em meu couraçado em frangalhos rumo
ao dever.
Quando deixei meu transporte e atravessei a grende ponte, que se erguia a dez me
tros dos rios negros e torvejantes que se estendiam cruzando toda a terra por ba
ixo de mim, tive que me esquivar do vento impiedoso que quase me leva e as minha
s armas rio abaixo para a gigantesca queda para o vau. Controlei as forças da natu
reza ali em cima, naquela ponte, tendo o bafo quente da morte negra às minhas cost
as. Consegui me aprumar e deslocar o peso do dever sobre as minhas botas e segui
r em frente, atravessando as brancas muralhas, manchadas aqui e ali e repletas d
e negras inscrições de conteúdo desconhecido por mim, rumo a entrada da fortaleza. Ade
ntrei,
08/06
Depois de longa jornada, rumando para o meu posto, senti como aquele dia era ter
rivelmente solitário e vazio, como que de repente, me sentia o último homem a estar
naquelas terras, outrora repletas de toda a gente e povos. Provavelmente eu era,
de fato, o último homem de toda aquele lugar, mas deixava esta difícil constatação de l
ado em meio ao torvelinho de coisas que passavam diante dos olhos da minha mente
enquanto, molhado e pesado, fazia com que minhas botas me levassem, mais uma ve
z, ao meu destino. Encontrando, pelo caminho, membros de outros povos que me olh
avam e sorriam, com o brilho no sorriso próprio daquele que vê um estrangeiro. Um mi
sto de respeito e admiração, mas sem dúvida, atrás desta máscara de simpatia habitava um i
nstinto protetor de seu povo que poderia, no mesmo instante, romper a camada ext
erna e se transformar no pior dos

Quando cheguei enfim, encontrei os portões dos meus domínios cerrados, lacrados cont
ra todo o mal, e por detrás destes, via apenas à escuridão

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