Você está na página 1de 11

Coelho, L.A.T.

“Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

TESTES PSICOLÓGICOS E O DIREITO – UMA APROXIMAÇÃO


À LUZ DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E
DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
Luciano Augusto de Toledo Coelho
Universidade Tuiuti-Paraná

RESUMO: Testes psicológicos são freqüentemente usados na seleção de funcionários para empresas.
Este artigo busca comparar tais instrumentos considerando os direitos fundamentais do trabalhador.
Sempre que um candidato para um trabalho é sujeitado a um teste, seja isso para medir a aptidão dele
ou dela ou para verificar determinados traços da personalidade, acima daquele instrumento está sujeita-
do o conhecimento de uma ciência que legitima o poder do empregador para testar o candidato. A crise
de trabalho gerada pela globalização e a hegemonia do sistema capitalista neoliberal levam vantagem
do sujeição crescente do trabalhador. Não há nenhuma lei no Brasil que protege um(a) candidato(a) do
“vazamento” de informação sobre sua personalidade. E, em alguns casos, estes fatores que podem causar
a pessoa não ser contratada, poderiam ser considerados discriminatórios. Tais técnicas e testes de
seleção de pessoal abusivas que não são muito fidedignos, aumentam a possibilidade de revelação
desnecessária e, por conseguinte, uma violação de privacidade, vida privada e o desrespeito do princípio
constitucional da dignidade humana.

PALAVRAS-CHAVE: testes, seleção, dignidade humana, vida privada, privacidade.

PSYCHOLOGICAL TESTS AND LAW: AN APPROACH IN LIGHT OF HUMAN DIGNITY AND PERSONALITY
RIGHTS

ABSTRACT: Psychological tests are quite frequently used in selecting personnel for companies. This
article seeks to compare such instruments with the worker’s fundamental rights in mind. Whenever a
candidate for a job is subjected to a test, be that to measure his or her aptitude or to verify certain
personality traits, over that instrument is incurred the knowledge of a science that legitimizes the employer’s
power to test the candidate. The job crisis generated from globalization and the hegemony of the neo-
liberal capitalistic system, takes advantage of the ever-growing subjection of the worker. There are no
laws in Brazil that protect a candidate from the “leak” of information about his or her personality. And,
in some cases, these factors, which can cause one to not be hired, could be considered discriminatory.
Such abusive personnel selection techniques and tests, which are not very trustworthy, increase the
possibility of unnecessary disclosure and, consequently, a violation of privacy, private life and the disrespect
of the constitutional principle of human dignity.

KEYWORDS: tests, selection, human dignity, private life, privacy.

O presente artigo partiu de uma idéia surgida du- República de 1988, e com o Novo Código Civil de
rante o grupo de Estudos sobre Direito do Traba- 2002, passa por uma revolução de paradigma.
lho da Academia Brasileira de Direito Constitucio- Aceito o desafio do tema, pus-me a pesquisar, sob
nal, em Curitiba, Pr, e foi sugestão da Professora o ponto de vista dos direitos da personalidade e
Aldacy Rachid Coutinho, Doutora em Direito e Pro- do princípio da dignidade da pessoa humana.
fessora Titular de Direito do Trabalho da Universi- Concuído o trabalho, entendi que havia pertinência
dade Federal do Paraná. Em virtude de minha for- na publicação dos caminhos trilhados e das con-
mação em psicologia, sugeriu-me um trabalho so- clusões. Esclareço que o texto problematiza o uso
bre os testes e o direito, abordando a confiabilidade do teste nas relações de trabalho e em recrutamen-
dos instrumentos, a validade da padronização e to e seleção para emprego, isso porque existem
um confronte entre os testes e o ordenamento jurí- muitas outras situações em que tais instrumentos
dico brasileiro, o qual, desde a Constituição da são utilizados, mas que não são objeto da aborda-
gem.

90
Psicologia & Sociedade; 16 (2):90-100; maio/ago.2004

OS TESTES, O DESEMPREGADO E estaria fora do alcance, hoje, até mesmo da prote-


O PRÉ-CONTRATO DE EMPREGO ção da lei trabalhista (CLT), toda voltada ao con-
trato, existindo inclusive séria controvérsia sobre
Não se pode falar em testes e em processo a possibilidade de a justiça do trabalho para jul-
de contratação sem falar do trabalho na sociedade gar questões oriundas do pré-contrato de emprego
atual e do trabalhador que geralmente é submeti- (DALAZEN, 1994).
do ao teste: aquele que não tem emprego. Interessa notar que obras que abordam a
Fernando de Vicente Pachés (1998) em obra sobre fase de seleção de pessoal falam em fase pré-
a proteção da intimidade do trabalhador, mencio- contratual, fase de contratação... sem enfrentar a
na: questão de a partir de que momento pode se consi-
Si ya el contrato de trabajo se constata derar que há um pré-contrato.
uma relación de supremacía del É na obra de Fichtner Pereira (2001) que
empresario respecto del trabajador, en encontramos algumas bases doutrinárias para fi-
el momento de la selección de xar o momento a partir do qual pode ser conside-
personal, la situación de inferioridade rado pré – contrato o processo de seleção. Mencio-
en que queda el aspirante es absoluta. na que a responsabilidade civil pré-contratual tem
El elevado número de aspirantes a un quatro hipóteses típicas, nas quais se pode confi-
puesto de trabajo, su frágil situación gurar. Uma delas é quando, durante o desenrolar
económica, las difíciles y escasa das negociações, um dos contraentes vier a causar
posibilidades de empleo, le obligan a danos à pessoa ou aos bens do outro contraente.
tolerar graves abusos en cuanto a Fernando Noronha (1994), após traçar a
injerencias en su personalidad se transformação pela qual passou o princípio da au-
refiere (p. 89). tonomia da vontade no contrato com as mudan-
Na visão de Carmem Lucia Antunes Rocha ças axiológicas que o vincularam a autonomia pri-
(1999), em texto sensível sobre o tema da exclu- vada à boa fé e à justiça contratual, esclarece que
são social e a dignidade da pessoa humana, o de- a boa fé objetiva impõe deveres colaterais que de-
semprego é uma negativa de trabalho, nega-se o vem ser respeitados na fase pré-contratual, sendo
direito ao trabalho àqueles que, dispondo de von- esses deveres não apenas o de não interrupção
tade e condições de trabalho, a ele não têm acesso injustificada das negociações, mas também infor-
por dependerem de uma estrutura na qual lhe seja mação e clareza de linguagem, não indução à erro,
possibilitado prestá-lo... mais adiante, prossegue a sigilo quanto às informações prestadas.
autora: O desempregado é, hoje, vítima de precon- Tais deveres que, a nosso ver, aplicam-se
ceitos. Vivendo cada vez mais nas sombras de mu- como uma luva à situação da seleção de emprega-
ros e viadutos encostados nos quais se recolhem e dos pelas empresas. A fase pré-contratual também
se escondem, tornam-se invisíveis aos próprios ci- é enfatizada pelo Juiz do Trabalho, Eduardo
dadãos. Baracat (2003), em obra sobre a boa fé no contrato
Basta, assim, uma mera consulta a revis- de trabalho, destacando que a responsabilidade
tas de administração ou livros de auto-ajuda que pré-contratual pode-se verificar em diversas fren-
preenchem as prateleiras de bancas e livrarias para tes, fixando-as nas áreas de proteção, informação
se encontrar conselhos ao desempregado: “recicle- e lealdade.
se”, “seja eficaz”, “concentre-se”, “seja Assim, o processo de seleção, mesmo em
dinâmico”...são alguns dos chavões de sempre, que suas fases iniciais, é, para mim, uma fase prévia ao
geralmente só funcionam para enriquecer gurus, contrato em que deverão ser respeitados os deve-
consultores e outras figuras que surfam nas ondas res de informação, cuidado e lealdade, corolários
do mercado perverso, e que de vez em quando são da boa fé objetiva prevista no artigo 422 do Códi-
engolidos por elas, sem conseguir utilizar para si go Civil de 2002. Violado um direito do candida-
mesmos os próprios conselhos. to, não refugiria tal questão da competência para
Na realidade, nada disso resolve, é tudo julgamento pela Justiça do Trabalho. Existe prece-
falácia. O desemprego vai desde o que nada estu- dente importante: o Ministério Público do Traba-
dou e nada faz até aquele que sempre procura se- lho do Rio Grande do Sul contestou a aplicação de
guir os ditames da modernização. Pouco importa testes psicológicos na seleção de candidatos para
o que se faça. O mercado é um animal irracional, o preenchimento de vagas na Companhia Carris
sem lógica e sem emoção. Porto-Alegrense, com fulcro no princípio constitu-
Pois bem. Esse “que não tem emprego”, na cional da igualdade, direito ao trabalho e cumpri-
posição de trabalhador candidato a contratação, mento de requisitos de ingresso no serviço públi-
91
Coelho, L.A.T. “Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

co. O julgamento pelo TST fixou a competência da política em que o dinheiro e o consumo são os
Justiça do Trabalho para julgar o caso, mas ainda reguladores e a necessidade de competição é legi-
não há decisão de mérito (RR 702000/2000)1 . timada pela ideologia e assegurada pelo exercício
Além disso, o artigo 114 da Constituição do poder como força. Falando sobre a hipótese de
Federal fala em trabalhadores e empregadores, e fim da história, Santos (op.cit.) refere-se ao motor
não empregados e empregadores, donde entende- único excludente, consistente na mais-valia uni-
mos que é possível sim advogar a competência da versal que se torna possível a partir da
justiça do trabalho mesmo antes da formação de mundialização do dinheiro, do crédito, do consu-
um contrato de trabalho. mo, da informação. 4 Com efeito, para Coutinho
Em que pesem todos esses fundamentos, a (2003, p. 25): “A concentração do poder econômi-
não ser em julgados isolados, a justiça do traba- co, entretanto, permanece nas grandes organiza-
lho ainda é a justiça apenas de quem tem contrato ções, mitificada num processo alienador que deifi-
de trabalho, (aliás, na prática, tinha, porque ação ca o mercado como dissolvente do poder, como
contra o empregador no curso do contrato é verda- único espaço do poder na relação de emprego. Ao
deira utopia), ou de quem postula declaração de empregado só há campo aberto para obediência e
um vínculo de emprego, em que pese haja uma submissão”.
vontade dos juízes do trabalho no sentido da am- Paradoxal, aponta Antunes (2002)5, que a
pliação da competência.2 Argumenta-se, inclusi- categoria do trabalho seja desconstituída no pla-
ve, que fora dos limites de um contrato de traba- no gnoseológico enquanto, no mundo real, apare-
lho já em andamento, o trabalhador estaria fora ce como uma das mais explosivas questões da
do poder do empregador e, portanto, menos sujei- contemporaneidade.
tado.3 Não pensamos assim. Se o medo do desem- O trabalho como categoria na sociedade
prego já aumenta o grau de sujeição do trabalha- atual deve ser articulado com o espaço de poder
dor que está empregado, o trabalhador mais sujei- da empresa, espaço esse que se estende à fase de
tado, aquele sobre o qual mais incide o poder da contratação, legitimado pelo jurídico (COUTINHO,
empresa, é o que não ainda não tem contrato. op.cit.).
Frisa-se que o contrato não mais poderá
legitimar violação de direitos em nome de uma O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
pseudo autonomia da vontade que é apenas legal, DA PESSOA HUMANA
mas não fática. Conforme Ruiz Miguel (1995), ci-
tando decisão do Tribunal Constitucional da A Constituição da República Portuguesa,
Espanha (STC 88/1985): “El punto de partida es de 1976, proclama em seu artigo 1º a dignidade
que el contrato de trabajo no puede considerar-se humana como valor no qual se funda a República
como un título legitimador de recortes en el ejercicio Portuguesa. Trata-se, segundo Mota Pinto (2000),
de los derechos fundamentales que incumbem al de noção fundamental, que constitui um elemento
trabajador como ciudadano, que no pierde su de unidade de valor da Constituição, sendo certo
condición de tal por insertarse en el âmbito de una que uma das condições desta dignidade é o respei-
organización privada” (p. 185). to pela identidade e integridade da pessoa. Após o
Aldacy Rachid Coutinho (2003) acresce direito à vida e à integridade, consagra em seu
que é viável ainda adotar-se a contratualidade como artigo 26º 6 outros direitos pessoais que, em co-
explicação jurídica para a relação de emprego, des- mum, protegem o círculo nuclear da pessoa,
de que superada a deturpada e ultrapassada con- correspondendo, genericamente, a direitos da per-
cepção da contratualidade como da autonomia da sonalidade. A Constituição brasileira consagra a
vontade, reconhecendo-se no contrato de trabalho dignidade da pessoa humana como fundamento
a atuação direta do Estado na preservação do in- do Estado Democrático de Direito no artigo 1º,
teresse publico e a constituição da relação jurídica inciso III.
pelo comportamento concludente dos sujeitos ou, Para SARLET, a dignidade é qualidade in-
se assim optar, das situações jurídicas patrimoniais trínseca da pessoa humana, é irrenunciável e
existentes. inalienável, constituindo elemento que qualifica o
Essa lei do “mercado” não passou desper- ser humano como tal e dele não pode ser destaca-
cebida pelos neoliberais, que ditam a lógica da eco- do, de tal sorte que não se pode cogitar na possibi-
nomia globalizada e das empresas inseridas neste lidade de determinada pessoa ser titular de uma
contexto. Milton Santos(2000) fala na compe- pretensão a que lhe seja concedida dignidade. Para
titividade em estado puro e na potência em estado esse autor, a dignidade não está apenas onde é
puro, em um sistema de perversidade sem ética ou reconhecida pelo Direito, constituindo-se dado pré-
92
Psicologia & Sociedade; 16 (2):90-100; maio/ago.2004

vio a ele, sendo que o Direito poderá exercer papel informar o direito positivo na atual quadratura his-
crucial na sua proteção e promoção, não sendo, tórica. Mais ainda: pode-se mesmo acentuar que a
portanto, completamente sem razão que se susten- dignidade da pessoa humana contém explícita em
tou até mesmo a desnecessidade de uma definição todo o sistema constitucional no qual os direitos
jurídica da dignidade da pessoa humana. Lembra, fundamentais sejam reconhecidos e garantidos,
ainda, que se trata de princípio constitucional de mesmo que não ganhem nele expressão afirmativa
maior hierarquia axiológica e que engloba neces- e direta tal como agora concebidos, aceitos e in-
sariamente o respeito e proteção da integridade terpretados, aqueles partem do homem e para ele
física e psíquica que assume particular relevância convergem e a pessoa humana e a sua dignidade
em tempos de globalização, privatização, e incre- não são concebidos como categorias jurídicas dis-
mento dos níveis de exclusão. Alerta, contudo, tintas. Logo, onde aquela é considerada direito
que o princípio não pode ser visto no sentido de fundamental, tida como centro de direitos, igual-
que tudo o que consta do texto constitucional ser mente essa é aceita como base de todo o
reconduzido ao valor da dignidade, sob pena da ordenamento jurídico e incluído como pólo cen-
sua banalização (SARLET, 2002). tral emanador de conseqüências jurídicas(ROCHA,
No dizer de Rizzatto NUNES (2002) , com op.cit.).
o atual Diploma Constitucional, o principal direi- Não se perde de vista que a proteção da
to fundamental constitucionalmente garantido é personalidade, como já mencionado, é fundada na
o da dignidade da pessoa humana, e está mais do dignidade da pessoa humana. Com efeito, a digni-
que na hora de o operador do Direito passar a gerir dade alcança um amplo leque de direitos, dentre
sua atuação social pautado no princípio fundamen- os quais decorre o respeito à integridade física e
tal estampado no Texto Constitucional. Coloca-o psíquica, a qual, friso, pode ser ameaçada na com-
esse autor como verdadeiro supra princípio consti- posição entre desenvolvimento tecnológico e po-
tucional que ilumina a todos os demais princípios der econômico. Para Bodin de Moraes (2003): as
e normas constitucionais e infraconstitucionais. E maiores perplexidades em torno do tema dizem res-
por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pes- peito ao extraordinário desenvolvimento da
soa Humana ser desconsiderado em nenhum ato biotecnologia e suas conseqüências sobre a esfera
de interpretação, aplicação ou criação de normas psicofísica do ser humano. Lembra a autora que o
jurídicas (p. 50). projeto Genoma Humano, que já começa a criar
Antonio Junqueira de Azevedo (2002) in- possibilidades decorrentes do mapeamento genéti-
forma que o princípio jurídico da dignidade, como co permite antecipar, por testes genéticos, algu-
fundamento da república, exige como pressupos- mas predisposições a certas doenças, e, daí, a ques-
to a intangibilidade da vida humana. Sem vida, tão: poderia o empregador exigir um teste desses
não há pessoa, não há dignidade. E acrescenta para o ingresso no emprego? (p. 125-127). De an-
como conseqüência do princípio o direito à intimi- temão, a resposta é negativa.
dade. Cleber Francisco Alves (2001), referindo ao Em artigo sobre o tema, Peres Gediel (2003)
princípio com relação aos direitos sociais, lamenta menciona que a observância dos direitos funda-
a ineficácia do direito ao salário mínimo para pro- mentais nos contratos de trabalho se torna dificul-
porcionar uma vida digna ao trabalhador, mas lem- tada pela condição fática de desvantagem econô-
bra que a norma constitucional serve para revelar mica do trabalhador, subjacente à relação jurídica
extrema sensibilidade para resguardar à pessoa os e, diante disso, o mero consentimento do empre-
mais elementares requisitos para o pleno desenvol- gado destinado a renúncia ao exercício temporá-
vimento de sua personalidade.7 Este autor menci- rio de direitos fundamentais não pode ser, normal-
ona ainda serem raras as decisões judiciais que se mente, aceito como renúncia, e aduz que a digni-
apóiam exclusivamente no princípio, mas dade da pessoa humana é fundamento da limita-
exemplifica com uma questão ligada a testes: HC ção às condições que representem obstáculos ao
71.373-4 em que o STF julgou pela impossibilida- livre desenvolvimento da personalidade, para ele,
de de se determinar que uma pessoa seja obrigada nessa hipótese se inscrevem, quase sempre, os exa-
a realizar exame de DNA. mes pré-admissionais, sem a devida autorização e
Finalmente, Carmem Lucia Antunes RO- informação da finalidade, e sem o compromisso
CHA, no artigo já citado no capítulo inicial: do empregador de que dará ciência dos resultados
Pode-se afirmar que, mesmo se um dado ao trabalhador e deles guardará sigilo (p. 160-165).
sistema normativo não concebesse, em sua expres-
são, a dignidade humana como fundamento da
ordem jurídica, ela continuaria a prevalecer e a
93
Coelho, L.A.T. “Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

VIDA PRIVADA E INTIMIDADE gador, assim, em tese, poderia haver justificativa


para a aplicação de um teste específico de perso-
Na visão de Didier Anzieu (appud FREITAS, nalidade em candidatos para determinadas fun-
1993) um teste projetivo é como um raio X. Atra- ções que pudessem oferecer perigo, como, por
vessando o interior da personalidade, fixa a ima- exemplo, motoristas (um motorista agressivo de-
gem do seu núcleo secreto sobre um revelador (apli- mais, por exemplo, poderia ser recusado...). Já no
cação do teste), permitindo depois sua leitura fá- caso da contratação de uma secretária, de um au-
cil, por meio da ampliação ou projeção ampliadora xiliar administrativo, de um advogado....a ques-
de uma tela (interpretação ou protocolo). O que tão da personalidade não tem relevância a ponto
está escondido fica, assim, iluminado; o latente se de justificar a invasão na esfera psíquica, além dos
torna manifesto; o interior é trazido à superfície; o aspectos profissiográficos específicos do cargo ou
que há em nós de estável e também de emaranha- de uma eventual situação específica da contratan-
do se desvenda. te. 10
São inúmeros os autores que estudaram os Xavier Lobo (2003, p. 261-275), em artigo
direitos da personalidade, cada qual classifican- sobre a defesa da proteção da personalidade do
do-os de uma forma, muitas das quais reconhe- trabalhador, já demonstra a preocupação com a
cem os direitos psíquicos, como sendo os relativos questão do teste genético, e é enfático ao rejeitar
a elementos intrínsecos da personalidade.8 Toda- esse tipo de teste para qualquer seleção de traba-
via, em que pese o reconhecimento de uma esfera lhadores, por tratar-se de injustificável e gravíssima
psíquica do indivíduo que pode ser violada, como invasão.11 Interessante que esse autor, ao mencio-
o direito atua frente a utilização desses avanços nar as condições para a realização de testes gené-
tecnológicos pelos empregadores? Como já menci- ticos, nos dá uma pista a seguir para o aperfeiçoa-
onado no início, a questão da vida privada e inti- mento das condições para aplicação de testes de
midade do trabalhador já foi abordada em inúme- personalidade em geral: condições de processo –
ras obras. fiabilidade, reserva, consentimento esclarecido e
Para Mota Pinto (2000), que escreve vigo- livre – e de fundo – congruência relativa ao objeto,
roso estudo sobre o tema, a definição positiva da na medida em que deve haver uma justificativa
noção de vida privada é difícil. Como conseqüên- poderosa para aplicação.
cia destas dificuldades, esta noção é mesmo por Ressalte-se que, doutrinariamente, vida
vezes caracterizada como sendo vaga, obscura e privada está ligada à relação com a coletividade,
sem um verdadeiro conteúdo preciso. A Carta Cons- protegendo o indivíduo do conhecimento alheio.
titucional Portuguesa, no artigo 26 já menciona- Intimidade diz respeito a uma esfera mais fecha-
do,9 fala em “reserva à intimidade da vida priva- da, que permite inclusive o desenvolvimento reser-
da”, o que, segundo o autor, não restringe a prote- vado da própria personalidade. Em um complemen-
ção da vida privada e não deve ser excessivamente to sistêmico às cláusulas gerais de proteção cons-
valorizada. titucional (dignidade da pessoa humana, igualda-
Assim, a Constituição Portuguesa parece de...), o Novo Código Civil inseriu um capítulo
não diferir intimidade de vida privada, resguar- específico sobre os direitos da personalidade até
dando neste último conceito as duas proteções: “o então inexistente,12 e, segundo Tepedino (2003),
respeito pela reserva da vida privada torna, na ver- a partir daí, deverá o intérprete romper com a óti-
dade, proibidas seja a revelação ou divulgação de ca tipificadora seguida pelo Código Civil, ampli-
informação, seja a tomada de conhecimento, cor- ando a tutela da pessoa humana não apenas no
respondentes à protecção, respectivamente, do in- sentido de admitir uma ampliação de hipóteses de
teresse na não difusão e do interesse na reserva ressarcimento mas, de maneira muito mais ampla,
stricto sensu” (MOTA PINTO, op.cit., p.169). Ao no intuito de promover a tutela da personalidade
especificar a formas de violação do direito à reser- mesmo fora do rol dos direitos subjetivos previstos
va da vida privada, traz a menção de que questio- pelo legislador codificado.
nários e testes relativos a aspectos incluídos na
vida privada do trabalhador devem ser limitados TESTES E VIOLAÇÃO A DIREITOS
aos casos em que seja necessária a proteção de
segurança de terceiros ou do próprio trabalhador, Todos os dias, milhares de candidatos são
ou de outro interesse publico relevante. submetidos a testes psicológicos, entrevistas, di-
Levando em conta essa ultima observação, nâmicas de grupo, e outras técnicas variadas, vi-
estabelece-se um permissivo para a aplicação dos sando o preenchimento de uma vaga para empre-
testes, cria, ao mesmo tempo, um limite ao empre- go.13 Alguns desses instrumentos, como os testes,
94
Psicologia & Sociedade; 16 (2):90-100; maio/ago.2004

são operados por psicólogos, os quais deverão pos- Libertes – CNIL “impondo uma série de exigências
suir a qualificação necessária. Outras técnicas são para que as informações pessoais, respeitantes aos
aplicadas por profissionais dos mais diversos ra- candidatos, sejam recolhidas e tratadas” (p. 313).
mos, inclusive psicólogos, pedagogos e adminis- Destaca o artigo que as exigências legais fundam-
tradores. No tocante especificamente aos testes, se no princípio da proporcionalidade, na não dis-
estes precisam ser revalidados pelo Conselho de criminação, na pertinência e boa – fé .
Psicologia, e esta revalidação é feita a cada 10 anos, Cristiani Marques (2002), em tese sobre a
o que significa que um teste aplicado em um can- discriminação estética, entende que na avaliação
didato hoje pode ser considerado não válido pos- dos aspectos psíquicos observa-se possibilidade de
teriormente. Na última avaliação feita, muitos dos discriminação, uma vez que aspectos subjetivos não
testes avaliados foi reprovada14 . ligados à função poderão ser utilizados pelo em-
O artigo 168 da CLT torna obrigatório o pregador. Mencione-se ainda a dissertação de
exame médico na admissão, demissão e periodica- Maximiliano Nagl Garcez (2001), sobre a vida pri-
mente, e em seu § 2º, a Lei menciona a possibili- vada e a relação de emprego, que dedica um item
dade de outros exames complementares para apu- à questão da testagem, argumentando com a ne-
rar a capacidade ou aptidão física e mental do cessidade de limitação de abusos. Esse mesmo au-
empregado para a função que deva exercer.15 A tor, em artigo sobre a exigência de teste de polígrafo
legislação portuguesa tem disposição semelhante, para o candidato a emprego, menciona: “Pode-
todavia, parece haver lá um cuidado maior do le- mos afirmar que o direito do empresário à admi-
gislador com relação à proteção dos dados levan- nistração adequada da empresa, bem como o di-
tados, eis que são inúmeros os dispositivos legais reito constitucional à livre iniciativa, estão em pa-
relacionados a proteção de dados dos trabalhado- tamar inferior ao direito do obreiro à intimidade,
res portugueses. 16 No Brasil, inexiste legislação devendo prevalecer este, em caso de conflito” e traz
específica sobre proteção de dados dos trabalha- ainda projeto do deputado Paulo Paim apresenta-
dores. do em 2001 o Projeto de Lei nº 5.566, de 2001, que
A questão do dano e sua reparação jurídi- “dispõe sobre a proibição do uso de métodos de
ca na fase anterior ao contrato já foi abordada por recrutamento de pessoal que possam causar dano
Sandra Lia Simón (2000) , atual Procuradora Che- à honra e à dignidade do trabalhador.” Tal Projeto
fe do Ministério Público do Trabalho no Brasil: re- recebeu em 14 de maio de 2002 parecer favorável
fere-se à fase de contratação como a fase em que a da Relatora na Comissão de Trabalho e Adminis-
situação do candidato a emprego é extremamente tração Pública, Deputada Vanessa Grazziotin, do
delicada, e questiona a exigência de submissão a PcdoB/AM.”17
exames médicos e os abusos que daí poderão de- O Juiz Gabriel de Oliveira Zéfiro (2003),
correr. debate o problema dos testes psicotécnicos em con-
Também a obra da Juíza Alice Monteiro curso público e cita uma série de jurisprudências
de Barros (1997) se destaca porque ingressa espe- sobre o tema, diz ele: “além da legalidade e
cificamente na questão da testagem, para esta au- pertinência do exame, o certo é que o Judiciário
tora, o ordenamento jurídico brasileiro não possui não pode avaliar o mérito da decisão que eventu-
norma dispondo sobre a licitude dos métodos uti- almente exclua o candidato por inaptidão psicoló-
lizados na seleção de pessoal, mencionando ainda gica. Somente profissionais diretamente ligados à
que os exames psicotécnicos geram oportunidade missão de garantir a segurança pública podem
para que se atente contra a intimidade do traba- validamente apreçar o resultado da investigação
lhador. psíquica”. Thereza Cristina Gosdal (2003),
No exterior, Fernando Pachés(op.cit), em Procuradora do Trabalho, também aborda a discri-
obra já citada, adentra também especificamente minação e a questão do sigilo das informações na
na questão dos testes: “Com carácter general se admissão do empregado, frisando que na fase de
considera que lãs pruebas psicológicas deberain formação do contrato as partes devem observar o
cumplir uma serie de condiciones y realizarse so- princípio da boa fé.
bre um determinado marco de referencia” (p. 116).
José Adercio Leite Samapaio (1997), Procurador CONCLUSÕES
da República, escreve interessante artigo sobre o
tema, no qual menciona a França como um dos As conclusões, em face dos fundamentos
países com o sistema jurídico de proteção mais levantados, giram mais em torno de questões a se-
avançado do mundo, citando uma recomendação rem ampliadas e no sentido de fomentar o debate.
da Comission Nationale de l;informatique et des Parece-nos fora de dúvida que testes de personali-
95
Coelho, L.A.T. “Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

dade ou projetivos invadem a esfera psíquica do NOTAS


indivíduo e que, se existe um direito psíquico,
derivado da personalidade, que é irrenunciável, não 1
No prazo entre a confecção do artigo e a publicação, foi
se justifica, juridicamente, hoje, em todas as situ- concluído o julgamento do processo, colaciono os principais
ações, a aplicação de testes aos candidatos a em- termos do voto: PROC. Nº TST-RR-702.000/2000.6 A C Ó
R D Ã O 5ª Turma RECURSO DE REVISTA POR CONVER-
prego, mesmo que por profissional qualificado.
SÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELOMINISTÉRIO
Assim, hoje, diante da funcionalização do PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA COLETIVA. OBRI-
contrato, e da solidariedade do novo Código Civil, GAÇÃO DE NÃO FAZER.EMPRESA ESTATAL. CONCURSO
em oposição à patrimonialização anterior, inexiste PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
o direito absoluto de não contratar com base em OUTESTE PSICOTÉCNICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
um resultado de teste. DO TRABALHO. Diferentemente do entendimento adotado
Questiona-se, ainda, em face da autono- pelas instâncias ordinárias, émanifesta a competência da
mia administrativa que é dada aos Conselhos Pro- Justiça do Trabalho para instruir e julgar ação civil pública,
fissionais, qual a responsabilidade desse conselho, de índole coletiva, proposta pelo Ministério Público do
Trabalho em defesa da ordem jurídica trabalhista, visando
e quais os direitos de um trabalhador que não tem
à t u tela dos direitos metaindividuais, isto é, dos interesses
acesso ao emprego devido à reprovação em um tes- difusos dos cidadãos interessados no acesso ao emprego
te que posteriormente tem seu padrão não valida- público oferecido pela Ré. Com efeito, é atribuída
do pelo Conselho de Psicologia ? Na mesma linha, constitucionalmente à Justiça do Trabalho a competência
o candidato que se recuse a fazer um teste e por para julgar, na forma da lei, outras controvérsias decorre
isso não tenha acesso a um emprego, possui al- ntes da relação de trabalho, a teor do art. 114, 2ª parte, da
gum direito em face da empresa ? Constituição da República, de 1988.Por sua vez, o art. 129
Pondera-se, ainda, que um teste levanta da Carta Magna estabelece, como função institucional do
muito mais do que fatores correlacionados com a Ministério Público, promover ação civil pública para a
proteção do meio ambiente e de outros interesses difusos e
função, assim, se o chamado “perfil profissiográfico”
coletivos. E, a seu turno, a Lei Complementar nº 75, de 20
da função deve levar em conta aspectos subjetivos de maio de 1993, atribuiu ao Ministério Público do
e situações circunstanciais, é possível identificar Trabalho, expressamente, a legitimação ordinária para
os limites da invasão na esfera privada em um caso promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do
específico, e, portanto, aí, há um direito violado. Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando
No Brasil, não há legislação que proteja o desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
candidato contra o “vazamento” de informações garantidos (art. 83, caput , e inc. III)...Vale registrar, em
sobre a personalidade, e, em alguns casos, tais fa- última análise, que a Justiça do Trabalho também não é
tores, gerando uma não contratação, podem ser avessa ao deslinde daquelas lides em que a causa de pedir
e o pedido tenham relação com prejuízos morais e materiais
considerados discriminatórios, o que nos leva a
que possam advir das tratativas preliminares ao pacto de
pensar se existe uma “discriminação por personali- emprego, ou seja, na chamada fase pré-contratual, em que
dade”, como no caso da empresa que só contrate as partes reuniam as condições inerentes às figuras de
pessoas expansivas, outra que só contrate pessoas empregado e empregador, mas a contratação não chegou
com “espírito de liderança” elevado, outra que afas- a ser concretizada. ...Aliás,legem habemus, vez que a Lei
ta candidatos com estima em baixa. Aliás, curio- nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a adoção de
samente, o mercado quer empregados com estima qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito
elevada, mas, como é notório, o desemprego ge- de acesso à relação de emprego, impondo penas pecuniária
ralmente acarreta uma baixa justamente nesse as- e de prisão ao empregador ou seu representante legal.
Irrecusável, portanto, a competência material da Justiça
pecto.
do Trabalho para julgar a presente Ação Civil Pública.
Assim, entende-se que técnicas abusivas, 2
Esta vontade já ficou expressa nas discussões do projeto
como a chamada “avaliação 360 graus”, sistemas de reforma do judiciário, que infelizmente, em nosso
de “testes on line”, dinâmicas de grupo aleatórias, entender, não ampliou a competência da justiça do trabalho
testes pouco confiáveis, ampliam sobremaneira a como deveria.
possibilidade de divulgação indevida e violação de 3
Nesse sentido, o enunciado 342 entende que não se pode
intimidade. Tais questões precisam ser pensadas e presumir coação ao empregado quando da adesão a
repensadas pelo direito e pela sociedade, para que descontos salariais por ocasião da contratação. Ora, em
não se repita a frase de Ripert, de que quando o sã consciência, qual o empregado que já vai iniciar o
almejado emprego indispondo-se com a empresa,
Direito ignora a realidade, esta se vinga, e ignora
recusando-se a assinar autorizações para descontos de
o Direito. seguros de vida, associação, e outros?
4
Em que pese o autor não pregar o fim da história, ao
contrário, entende justamente que uma outra globalização
seria possível o que proporcionaria uma retomada e um
96
Psicologia & Sociedade; 16 (2):90-100; maio/ago.2004

projeto que utilize o sistema de técnicas atuais de outro questão dos direitos psíquicos. Essa garantia já vinha
modo a partir da crise do atual modelo, enfatizando-se reconhecida pela doutrina, tendo, a partir de agora,
não o progresso do homem tecnológico mas a mutação positivação no novo Código Civil. “Art. 11. Com exceção
filosófica que conduza a um novo sentido da existência. dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são
5
Dentro das concepções teóricas sobre trabalho, destaca- intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
se Hannah Arendt em sua crítica à Marx, diferenciando exercício sofrer limitação voluntária.”. O direito à
trabalho de “labor” na medida em apenas este último visa privacidade é tutelado no art. 21 do mesmo texto: “Art.
manter a condição humana da sobrevivência biológica. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,
Ainda, conforme posto na obra de Ricardo Antunes a requerimento do interessado, adotará as providências
consultada (os sentidos do trabalho), a polêmica entre necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrária a
Lucáks e Habermas quanto à constituição do trabalho esta norma.”
como categoria intermediária que possibilita a 13
Entende-se pertinente descrever alguns dos “sintomas”,
humanização do homem, uma vez que Habermas centra em casos concretos, das situações observadas em seleção
essa transição na linguagem. Cite-se, ainda, as obras de de pessoal: “O aumento na procura por empregos e a
Domenico DE MASI: A economia do ócio. Rio de Janeiro: saturação do mercado de trabalho fizeram com que as
Sextante, 2001; _____. O futuro do trabalho. Rio de grandes empresas brasileiras exigissem um perfil especial
Janeiro: José Olympio/UnB, 1999. O autor faz em síntese de profissionais. Os critérios de seleção foram mudando, e
uma crítica à sociedade viciada em trabalho e prega a busca hoje não basta ter um ótimo currículo, experiência,
da felicidade através do trabalho mais criativo e mais livre. diploma, curso de informática e conhecer uma língua
6
“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, estrangeira. Como boa parte dos candidatos já atende a
ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, esses requisitos, os funcionários de recrutamento avaliam
à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à outras qualidades. Contam pontos a capacidade de
palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar comunicação, iniciativa e até mesmo a auto-estima do
e à proteção legal contra quaisquer formas de discrimina- candidato, atributos que estão sendo bastante valorizados
ção”. no mercado profissional. Alguns critérios subjetivos podem
7
Sobre o direito ao salário mínimo e sua eficácia, ver artigo definir a contratação. Na avaliação da equipe de seleção
feito por grupo de estudos do qual participamos: de algumas grandes empresas, o espírito de iniciativa revela
COUTINHO, Aldacy, e outros: Direito constitucional ao a capacidade de adaptação e de trabalho em grupo.
salário mínimo. Revista da Academia Brasileira de Direito Valoriza-se também a segurança com que o candidato se
Constitucional, Curitiba, v. 2. expressa nas dinâmicas de grupo. A psicóloga Bianca
8
Conforme Sandra Lia SIMON (2000, p. 69), destacando Massucci, que trabalha como analista de recursos humanos
Carlos Alberto Bittar, que usa especificamente a expressão da empresa Ford New Holland, afirma que o profissional
“direitos psíquicos”. mais procurado é aquele que é ‘ pró ativo’: É muito grande
9
A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, a procura por pessoas que busquem o seu próprio
ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, desenvolvimento profissional e sua maturidade dentro da
à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à empresa. Além disso, devem ter dinamismo, vontade de
palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar crescer e de desenvolver novos projetos’. O diretor de
e à proteção legal contra quaisquer formas de discrimina- produção da Copel Geração, Ricardo Goldani, diz que a
ção. pessoa tem que ter um bom relacionamento interpessoal,
10
Essa situação específica nos foi exemplificada pelos pensamento crítico, ousadia e auto-estima...”.(Jornal do
psicólogos com os quais conversamos: por exemplo, sabe- Estado, Curitiba,16 abr. 2002) Um método diferenciado
se que determinada pessoa está sendo contratada para ser de avaliação de recursos humanos aumenta em 85% a
secretária de um chefe tirano, grosso, mal educado e chance de uma empresa selecionar o profissional adequado
exigente....faz parte do trabalho do profissional que para a função disponível. O novo serviço está disponível
contrata “selecionar” uma pessoa com determinada em Londrina e região desde o mês passado. Através de
personalidade que se adapte à situação que vai encontrar. análises, consultoria, treinamento e estudos específicos é
Aí, segundo a psicologia, justificar-se-ia um teste de possível auxiliar a empresa na contratação adequada de
personalidade, em que pese entendermos, pessoalmente, pessoal. A parceria firmada entre a Labor Trabalho
que a entrevista seria suficiente, até porque naturalmente Temporário, empresa especializada em recrutamento e
essa pessoa e passará pelo período de experiência previsto seleção de mão-de-obra, e a Caliper Estratégias Humanas
em lei com o chefe em questão, que visa justamente às do Brasil - consultoria norte-americana de recursos
partes avaliarem as condições do contrato. humanos com atuação em 38 países - está possibilitando o
11
Menciona que, apenas em casos raríssimos, como a acesso das empresas do norte do Paraná a uma nova forma
contratação de um astronauta (!!) por exemplo, o exame de avaliação e seleção de pessoal com base em um sistema
seria justificável. de mensuração do potencial humano. O Perfil Caliper -
12
O novo Código Civil, apresentando inovação ao texto um dos instrumentos de trabalho da empresa - tem 150
anterior, regulamenta, sem querer ser exaustivo, os direitos questões que avaliam competências fundamentais para o
da personalidade em seu Capítulo II, intitulado Dos direitos sucesso profissional como liderança, persuasão,
da personalidade. Não custa lembrar que se trata de habilidades em relacionamentos, resolução de problemas,
direitos irrenunciáveis. Logo, o indivíduo não pode tomadas de decisão, organização pessoal e administração
renunciar a seu direito à privacidade e isto abrange a do tempo. Toda a compilação dos dados é feita na sede da
97
Coelho, L.A.T. “Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

empresa, em Priston, nos Estados Unidos. Os resultados discussão sobre o tema com um ex-diretor de multinacional
dos testes são ágeis e repassados verbalmente para a e hoje empresário, ouviu a seguinte afirmação: - nas
empresa no prazo máximo de 24 horas. O relatório empresas o que manda é o lucro e, portanto, contrata-se
completo é entregue em 48 horas.Segundo a diretora de pela lei de Darwin, seleção natural, só os melhores, os
atendimento da Caliper Estratégias Humanas do Brasil, mais fracos estão fora.
Daniela de Oliveira Carvalho Leludak, o índice de 14
Informação de 07/11/2003 do Jornal Folha de São Paulo
contratações mal sucedidas ainda é grande, mas o mercado dá conta de que 52,4% dos 103 testes verificados foi
está encaminhando as empresas para a necessidade de reprovada, ou seja, mais da metade, o que, segundo o
terem uma política de recrutamento e seleção adequada. mesmo jornal, provocou uma investigação pelo Ministério
Extraído do site: www.caliper.com.br. Francisco de Souza Público Federal.
( o nome é fictício) 27 anos, é executivo de uma empresa 15
Conseqüentemente, a lei não autoriza intromissões em
multinacional. Ele não quis revelar sua identidade por dados que não sejam parte do perfil profissiográfico do
medo de sofrer represálias, mas nos contou a experiência cargo.
de ser submetido a uma das chamadas “avaliações 360 16
Em Portugal existe a comissão nacional de proteção de
graus”. “Tive que responder a 5 mil perguntas, durante o dados, CNPD, além da Lei 67/98 (lei de proteção de dados),
período de quatro dias, para ser avaliado”, disse. Eis que regula tratamento de dados pessoais e proteção de
algumas das questões que ele teve de responder: Sua privacidade. Desde 1991 Portugal dispunha de uma norma
mulher já se masturbou? Se a resposta for ‘sim’, quantas específica sobre a matéria, a Lei 10/91, revogada pela Lei
vezes por semana? O que você acha disso? Você já brincou 67/98. As informações foram obtidas em: SARMENTO e
de enterro? (Revista Carta Capital, São Paulo, 15 de maio CASTRO (2002).
de 2002 p. 17). “Os testes online da Catho foram criados 17
Ibidem. A dignidade da pessoa humana e o
para facilitar e otimizar e o processo de pré-seleção de seus aviltante uso a dignidade da pessoa humana e o
candidatos. Desenvolvidos por Doutores em Psicologia, os aviltante uso do polígrafo (“detector de mentiras”)
35 diferentes Testes Online da Catho avaliam: Inteligência pelos empregadores - análise de Projeto de Lei de
Geral, Personalidade e Adequação Executiva, iniciativa do deputado federal Paulo Paim (PT-RS).
Conhecimentos de Informática e Conhecimentos Específicos Disponível em: <www.pt.org.br/assessor>. Acesso em:
(Idiomas, Marketing e Matemática Financeira).Você 05.07.03.
poderá selecionar os testes a serem ministrados ou utilizar
as recomendações que estão em nosso site. As REFERÊNCIAS
recomendações são de acordo com o nível hierárquico e a
área de atuação do candidato. Os testes poderão ser
ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional
aplicados nas dependências da empresa ou enviados para
o e-mail do candidato, proporcionando comodidade para da dignidade da pessoa humana: o enfoque da
a realização. Os relatórios e laudos ficam disponíveis doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar,
imediatamente após sua realização e são divulgados de 2001.
três formas distintas:- Tabela comparativa de candidatos.-
Tabela/laudo resumo dos testes de cada candidato.- Laudo ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? 8. ed. São
individual de cada testes aplicado.Sua empresa poderá Paulo: Cortez/Unicamp, 2002.
ainda, contar com a assessoria de psicólogos da própria
Catho sem custo adicional.” extraído do site ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. 5.
www.catho.com.br/testesonline. “Metodologias
ed. São Paulo: Boitempo, 2002.
consideradas menos ortodoxas na contratação de pessoal
e mesmo na condução de departamentos de Recursos
Humanos começam a vencer resistências. Astrologia, AZEVEDO, Antonio Junqueira. Caracterização
Numerologia, I-Ching, Grafologia, Cabala de nomes, entre jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista
outras, são algumas das técnicas utilizadas...”.(Revista Ser Trimestral de Direito Civil, São Paulo, v. 9, p. 3-23,
Humano, Revista mensal da Associação Brasileira de jan./mar. 2002.
Recursos Humanos, Curitiba dezembro de 1995.) “Ao
seguir as instruções do Wartegg, o indivíduo projeta na BARACAT, Eduardo Miléo. A boa fé no direito
tarefa sua maneira pessoal de perceber, sentir, associar e individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
agir e, assim, revela a dinâmica de sua estrutura psíquica”
(FREITAS, op. cit., p. 10). “Você, em geral, recebe de boa
vontade a censura de seus amigos? Você acha que um BARROS, Alice Monteiro. Proteção à intimidade
grande amor seria a melhor compensação para os do empregado. São Paulo: LTr, 1997.
sofrimentos da vida? Você, às vezes, tem a impressão de
que suas fantasias, esperanças e sonhos acabarão por CARPENA, Heloísa. Abuso do direito no Código de
realizar-se? Você já pensou que, às vezes, é impulsionado 2002: relativização de direitos na ótica civil-
em seus atos e atitudes por um mal disfarçado desejo de constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo [coord.].
mandar? (Perguntas que constam do teste de A parte geral do novo Código Civil: estudos na
personalidade Dadahie, da editora CEPA centro de perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro:
psicologia aplicada). Ainda, o autor desse artigo, em
98
Psicologia & Sociedade; 16 (2):90-100; maio/ago.2004

Renovar, 2002. p. 367-385. GARCEZ, Maximiliano Nagl. A dignidade da


pessoa humana e o aviltante uso a dignidade da
COELHO, Luciano Augusto de Toledo; OLIVEIRA pessoa humana e o aviltante uso do polígrafo
NETO, Alberto Emiliano de. E-mail do empregado: (“detector de mentiras”) pelos empregadores -
limites ao poder diretivo do empregador sob a ótica análise de Projeto de Lei de iniciativa do deputado
do novo código civil. Em o Impacto do Novo Código federal Paulo Paim (PT-RS). Disponível em:
Civil no Direito do Trabalho, LTr, 2003. coord. José <www.pt.org.br/assessor>. Acesso em: 05.07.03.
Afonso Dallegrave Neto e Luiz Eduardo Gunther. Gazeta do Povo, Curitiba, 25 jul., 2003.

COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro. GEDIEL, José Antonio Peres. A irrenunciabilidade
Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2001. a direitos da personalidade pelo trabalhador. In:
SARLET, Ingo [org.]. Constituição, direitos
COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder punitivo fundamentais e direito privado. Porto Alegre:
trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. Livraria do Advogado, 2003. p. 160-165.

COUTINHO, Aldacy Rachid. A autonomia privada: GOSDAL, Thereza Cristina. Antecedentes criminais
em busca da defesa dos direitos fundamentais dos e discriminação no trabalho. Curitiba: Gênesis,
trabalhadores. In: SARLET, Ingo [org.]. 2003.
Constituição, direitos fundamentais e direito
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. GUARESCHI, Pedrinho; GRISEI, Carmem Ligia. A
p. 165-183. fala do trabalhador. Petrópolis: Vozes, 1993.

COUTINHO, Aldacy Rachid et al. Direito HEIDBREDER, Edna. Psicologias do século XX. São
constitucional ao salário mínimo. Revista da Paulo: Mestre Jou, 1981.
Academia Brasileira de Direito Constitucional,
Curitiba, v. 2, p.221-253, 2002. INTERNET. www.caliper.com.br. Acesso em:
12.09.03.
DALAZEN, João Oreste. Competência material
trabalhista. São Paulo: LTr, 1994. INTERNET. www.catho.com.br/testesonline.
Acesso em: 12.09.03.
DE MASI, Domenico. A economia do ócio. Rio de
Janeiro: Sextante, 2001. Jornal do Estado, Curitiba,16 abr. 2002.

DE MASI. O futuro do trabalho. Rio de Janeiro: LAZARUS, Richard. Personalidade. Rio de Janeiro:
José Olympio/UnB, 1999. Zahar, 1984.

FREITAS, Ana M. de Lima. Guia de aplicação e LEBRUN, Gerard. O que é poder. São Paulo:
avaliação do teste de Wartegg. São Paulo: Casa do Brasiliense, 1985.
Psicólogo, 1993.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da vi- Maria. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas,
olência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2003. 1986.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Pau- MARQUES, Cristiani. O contrato de trabalho e a
lo: Graal, 2003. discriminação estética. São Paulo: LTr, 2002.

FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e con- MELHADO, Reginaldo. Poder e sujeição. São Paulo:
trato de trabalho: do sujeito de direito à sujeição LTr, 2003.
jurídica. São Paulo: LTr, 2001.
MIGUEL Carlos Ruiz. La configuración
GARCEZ, Maximiliano Nagl. Vida privada e a constitucional del derecho a la intimidad. Madrid:
relação de emprego. Curitiba, 2001. 310 f. Tecnos, 1995.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade
Federal do Paraná. MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de
dignidade humana: substrato axiológico e
99
Coelho, L.A.T. “Testes psicológicos e o direito - uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade”

conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo [coord.].


Constituição, direitos fundamentais e direito SARLET, Ingo Wolfgang [org.]. Constituição,
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. direitos fundamentais e direito privado. Porto
p. 125-127. Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

MOTTA, Manoel de Barros [org.]. Michel Foucault: SARMENTO e CASTRO, Catarina. A protecção dos
problematização do sujeito, psicologia, psiquiatria dados pessoais dos trabalhadores. Questões
e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitá- Laborais, Coimbra, a. 9, n. 19, p. 27-60, 2002.
ria, 2002.
SIMON, Sandra Lia. A proteção constitucional da
MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia. A proteção intimidade e da vida privada do empregado. São
da vida privada e a Constituição. Boletim da Paulo: LTr, 2000.
Faculdade de Direito de Coimbra, v. 76, p. 153-
203, 2000. TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e direitos da
personalidade. Cadernos da Escola de Direito e
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e Relações Internacionais das Faculdades do Brasil,
seus princípios fundamentais: autonomia privada, Curitiba, p. 15-31, jan./jun. 2003.
boa fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994.
WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl
NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da Marx: o mundo do trabalho. São Paulo: Ateliê,
dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2000.
2002.
XAVIER LOBO, Bernardo da Gama. A constituição,
PACHÉS, Fernando de Vicente. El derecho del a tutela da dignidade e personalidade do
trabajador al respeto de su intimidad. Madrid: trabalhador e a defesa do patrimônio genético: uma
Consejo Economico y Social, 1998. (Colécion reflexão. Coimbra: Almedina, 2003. (Memórias do
Estudios) V Congresso Nacional de Direito do Trabalho)

PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré- ZÉFIRO, Gabriel de Oliveira. A problemática


contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. jurídica acerca do exame psicotécnico como fase
eliminatória nos concurso públicos para ingresso
Revista Carta Capital, São Paulo, 15 maio 2002, p. nas carreiras ligadas à segurança pública.
17. Disponível em: <www.ambito-juridico.com.br>.
Acesso em: 10.08.03.
Revista Ser Humano, Revista mensal da Associação
Brasileira de Recursos Humanos, Curitiba, dez. Luciano Augusto de Toledo Coelho Bacharel em
1995. Psicologia. Bacharel em Direito. Juiz Federal do
Trabalho do Paraná. Mestrando em Direito
ROCHA, Carmem Lucia Antunes. O principio da Econômico e Social pela PUC do Paraná.
dignidade humana e a exclusão social. Revista Professor de Direito do Trabalho e Direito
Interesse Público, São Paulo, n. 4, p. 23-48, out./ Processual do Trabalho na Universidade Tuiuti
dez. 1999. do Paraná. O endereço eletrônico do autor é:
lluciano1@uol.com.br
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade Testes psicológicos e o direito: uma
do candidato a emprego. Revista de Direito aproximação à luz da dignidade da pessoas
Comparado, Belo Horizonte, v. 1, p. 313-339, jul. humana e dos direitos da personalidade.
1997. Recebido: 1/04/2004
1ª revisão: 28/5/2004
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do Aceite final: 21/6/2004
pensamento único à consciência universal. Rio de
Janeiro: Record, 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa


humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002.
100

Você também pode gostar