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Solução de Controvérsias: OMC, União Européia e Mercosul
Solução de Controvérsias: OMC, União Européia e Mercosul
CONTROVÉRSIAS
OMC, União Européia
e Mercosul
SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
OMC, União Européia
e Mercosul
Adriana Dreyzin de Klor
Luiz Otávio Pimentel
Patricia Luíza Kegel
Welber Barral
EDITOR RESPONSÁVEL
Wilhelm Hofmeister
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Eleonora Ceia
REVISÃO
Patricia Leite
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Fernanda Abranches
S675
Solução de controvérsias: OMC, União Européia e Mercosul / Adriana
Dreyzin de Klor ... [et al.}. - Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung
2004,
240p.; 14 x 21 cm.
ISBN 85-7504-061-8
CDD–341.4098
Impresso no Brasil
Sumário
Apresentação
WILHELM HOFMEISTER ................................................................................7
Capítulo 1
Solução de Controvérsias na OMC
WELBER BARRAL ....................................................................................... 11
Capítulo 2
O Sistema de Solução de Controvérsias na União Européia
PATRICIA LUÍZA KEGEL ............................................................................. 69
Capítulo 3
O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul
LUIZ OTÁVIO PIMENTEL E ADRIANA DREYZIN DE KLOR ...........................141
7
entre si um acordo de livre comércio, acentua a superposição de
distintos sistemas de solução de controvérsias, os quais podem
apresentar eventuais incompatibilidades, tanto formais (proces-
suais), quanto materiais (determinação da norma aplicável).
Para atingir seus objetivos, e mantendo a autonomia
conceitual e teórica de cada pesquisador, o trabalho foi estruturado
em três capítulos, cujo eixo temático é a apresentação da estrutu-
ra processual de cada um dos distintos sistemas de solução de
controvérsias, bem como de suas principais implicações positi-
vas e/ou negativas no inter-relacionamento com os demais atores
comerciais internacionais.
No caso da OMC, as modificações introduzidas pelo sistema
de solução de controvérsias após o final da Rodada Uruguai, gera-
ram a expectativa, tanto nos círculos acadêmicos quanto diplomá-
ticos, da estabilização e consolidação das relações comerciais in-
ternacionais em torno a uma ordem jurídica institucionalizada. Em
outros termos, esperava-se que as incertezas decorrentes do antigo
modelo do GATT/47 de solução de controvérsias, em especial
seu caráter diplomático e negociador, pudessem ser superadas
através do novo sistema, cuja ênfase se dá na explicitação dos
procedimentos adotados, visando conceder maior transparência
e previsibilidade ao sistema. Ocorre, entretanto, que quase dez
anos após o Tratado de Marrakech, a avaliação das mudanças
introduzidas permite identificar alguns problemas. Neste senti-
do, o artigo do professor Welber Barral apresenta o sistema de
solução de controvérsias da OMC, incluindo suas principais li-
mitações e perspectivas futuras, desde os problemas derivados
da implementação das decisões prolatadas até o relacionamento
com outros órgãos jurisdicionais internacionais e Tribunais na-
cionais.
Por seu lado, apesar de suas origens vinculadas a um pro-
cesso de integração inicialmente econômico-comercial, a União
Européia constituiu-se em um fenômeno político-jurídico inédi-
to na história do relacionamento entre Estados. Seu elemento mais
marcante e peculiar em relação às demais Organizações Inter-
8
nacionais de Cooperação Econômica, é seu caráter supranacional,
do qual deriva a especificidade da ordem jurídica comunitária, e
em especial, de seu sistema de solução de controvérsias. A profes-
sora Patricia Luíza Kegel analisa a estrutura jurisdicional e recursal
comunitária a partir da perspectiva supranacional, inclusive quan-
to à co-determinação do relacionamento externo da União Euro-
péia com seus parceiros comerciais. Nesta ótica, são estudados
os sistemas de solução de controvérsias nos acordos comerciais
bilaterais já celebrados pela União Européia, bem como seu po-
sicionamento em relação ao sistema multilateral da OMC.
Sendo um processo mais recente de integração regional, o
Mercosul encontra-se, ainda, em fase de consolidação plena de
sua estrutura jurídica e institucional. Os autores Luiz Otávio
Pimentel e Adriana Dreyzin de Klor expõem o mecanismo de
solução de controvérsias adotado pelo Protocolo de Olivos, re-
cordando inclusive, as razões que levaram à modificação do Pro-
tocolo de Brasília. Igualmente é analisada, de forma crítica, a
situação dos particulares no novo sistema de Olivos, bem como
a incompatibilidade com o ordenamento jurídico dos Estados-
Partes do Mercosul a criação de um Tribunal supranacional ao
estilo comunitário.
O projeto do acordo birregional Mercosul – União Européia
é indissociável do marco mínimo fornecido pelas regras da Orga-
nização Mundial do Comércio, inclusive no que respeita aos sis-
temas de solução de controvérsias. Por outro lado, é também um
acordo amplo o suficiente para necessitar normas claras que pro-
movam a previsibilidade e segurança jurídica aos atores comer-
ciais. A Fundação Adenauer e os autores esperam que este trabalho
possa contribuir para a ampliação e aprofundamento do debate.
Wilhelm Hofmeister
Diretor do Centro de Estudos da
Fundação Konrad Adenauer no Rio de Janeiro
9
Capítulo 1
Solução de Controvérsias na OMC*
WELBER BARRAL
1. INTRODUÇÃO
11
rá a evolução do sistema, e seus traços característicos materiali-
zados pela Rodada Uruguai. O terceiro capítulo informa quem
são as partes envolvidas no procedimento, qual é a capacidade
processual e os limites de atuação de cada uma. O capítulo se-
guinte detalhará as várias fases do procedimento, comparando-as
com a jurisprudência acumulada até agora. A quinta parte dedi-
ca-se à matéria atualmente mais complexa no âmbito da OMC: a
fase da implementação da decisão; conforme se demonstrará, é
nesta fase que se concentram os grandes problemas atuais para
dar maior previsibilidade às soluções de controvérsias na OMC.
A penúltima parte aborda um problema recente, e crescentemente
relevante: a relação entre o sistema de solução de controvérsias
da OMC e, de um lado, os demais tribunais internacionais, e de
outro, os tribunais nacionais. Por fim, uma parte conclusiva deli-
neia os principais desafios para OMC, a fim de que seu sistema de
soluções de controvérsias possa servir como um mecanismo de
garantia de legitimidade nas relações econômicas internacionais.
2. HISTÓRICO
12
Os dois primeiros projetos tiveram melhor sorte, mas a OIC
nunca se concretizou, fundamentalmente em razão da oposição
do senado norte-americano. Em seu lugar, entrou provisoriamente
em vigor o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT-1947),
cujo objetivo primordial era servir como o foro de negociação
para a redução de barreiras tarifárias.
O GATT-1947 não continha regras sobre um sistema para a
solução de controvérsias entre as partes contratantes.1 Tampouco
havia referência à possibilidade de recurso a um tribunal interna-
cional existente àquela época, como a Corte Internacional de Jus-
tiça (CIJ).
De fato, como foro de negociações que era, o GATT-1947
ressaltava a solução diplomática dos conflitos porventura existen-
tes. Desta forma, o Artigo XXII direcionava a parte reclamante a
buscar consultas com a outra, em relação a problemas relaciona-
dos com o Acordo Geral. O outro único artigo sobre solução de
controvérsias, Artigo XXIII, previa a possibilidade de investiga-
ções, recomendações ou determinações pelas partes contratantes,
que poderiam suspender concessões negociadas entre as mesmas,
se as circunstâncias fossem sérias o bastante para justificar tais
medidas.
Nos primeiros anos do GATT-1947, esses dispositivos le-
varam à criação de “grupos de trabalho” para apresentar relatório
sobre reclamações apresentadas pelas partes contratantes, e reco-
mendar soluções práticas para o problema. A evolução desta prá-
tica resultou numa primeira regulamentação, em 1952, que esta-
beleceu procedimentos mais formais para o funcionamento dos
painéis. Esta foi a primeira mudança relevante no sentido de
garantir uma solução jurídica para as controvérsias entre as par-
tes contratantes do GATT, e não apenas procedimentos fundados
em negociações entre estas mesmas partes.
13
Nas décadas seguintes, a tendência mais ou menos legalista
do sistema de solução de controvérsias no GATT variou imensa-
mente, dependendo da maior ou menor crença no multilateralismo
por parte dos principais atores do comércio internacional, sobretu-
do EUA e as Comunidades Européias (CE). Ao fim da Rodada
Tóquio (1973-1979), um entendimento sobre solução de con-
trovérsias foi negociado, modificando a prática adotada até
então: apresentação da reclamação a um painel com três mem-
bros, que remetia um relatório sobre o problema para o Conselho
do GATT. Mas havia a necessidade de consenso no Conselho -
isto é, entre todas as partes contratantes quanto à conveniência
de instalação do painel, e também para aprovação do relatório
final apresentado por este painel. Isto possibilitava que a parte
reclamada pudesse “bloquear” a instalação do painel ou a ado-
ção de seu relatório.
Esta era a mais grave falha do sistema de solução de contro-
vérsias do GATT. De outro lado, havia ainda problemas de: a)
linguagem vaga, com poucas definições sobre o procedimento;
b) pouca transparência sobre o procedimento e os acordos even-
tualmente adotados pelas partes contratantes envolvidas na con-
trovérsia; c) existência de vários procedimentos, a depender da
matéria em discussão; d) pressão dos governos mais poderosos
sobre os membros do painel.2
14
mais baseada em regras. Os argumentos dos primeiros eram
centrados no fato de que a flexibilidade diplomática era mais
compatível com a natureza política inerente dos acordos comer-
ciais. No outro extremo, os defensores do legalismo argüíam que
regras mais estritas, e mais fundamentadas em uma interpretação
jurídica que obrigasse a todas as partes contratantes, traria maior
previsibilidade ao sistema multilateral do comércio e melhor ga-
rantiria a defesa dos interesses de todos os Estados envolvidos.
O resultado destas visões contrapostas foi o Entendimento
Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvér-
sias (ESC), que passou a constituir um dos acordos obrigatórios
para os Membros da então criada OMC. Conforme se detalhará
nos capítulos seguintes, o ESC consolidou uma visão mais legalista
(rule-oriented) das relações comerciais internacionais; ao mesmo
tempo, manteve algumas importantes brechas para que as solu-
ções negociadas fossem preferíveis ao litígio entre os Membros da
OMC.
Assim, podem-se destacar como características fundamen-
tais do ESC:
15
ção daquela organização internacional em matéria de con-
flitos relativos a seus acordos;
c) o sistema é quase automático, e somente poderá ser inter-
rompido pelo consenso entre as partes envolvidas na con-
trovérsia, ou pelo consenso entre todos os Membros da OMC
para interromper uma fase (“consenso reverso”);
d) o sistema pode interpretar as regras dos acordos da OMC,
mas não aumentar nem diminuir os direitos e obrigações de
seus Membros;
e) o sistema termina com a possibilidade, várias vezes adotada
durante o GATT, de que um Membro da OMC possa impor
sanções unilaterais em matéria comercial, sem que a con-
trovérsia tenha sido previamente avaliada pela OMC;
f) finalmente, o ESC determina a exclusividade do sistema para
solucionar controvérsias envolvendo todos os acordos da
OMC, eliminando desta forma a proliferação de mecanis-
mos distintos, como ocorria à época do GATT-1947; foram
mantidas ainda algumas regras excepcionais, discutidas
abaixo, mas que não destoam fundamentalmente do proce-
dimento geral adotado.
16
As outras funções da OMC, segundo seu Acordo Constitutivo,
são de implementar os acordos,5 servir como foro de negociações6
e monitorar as políticas comerciais dos Membros. Estas funções
são desempenhadas pela Conferência Ministerial, órgão máximo,
e pelo Conselho Geral, que se reúne na qualidade de OSC ou de
Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais.
O conjunto normativo da OMC abrange uma estrutura ex-
tensa e complexa. Além dos três acordos fundamentais (GATT
1994, Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - GATS - e o
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio - TRIPS), há diversos acordos com-
plementares com implicações regulatórias para o comércio inter-
nacional. Observe-se que todos esses acordos são obrigatórios
para os Membros da OMC, com exceção dos denominados acor-
dos plurilaterais.7
Os princípios fundamentais da OMC são o da nação mais
favorecida (NMF) e do tratamento nacional (TN). Pelo princípio
NMF, qualquer vantagem concedida a um parceiro comercial
estende-se automaticamente a todos os demais Membros da OMC.
De acordo com o princípio TN, um Membro da OMC não pode
discriminar produtos importados originários dos territórios de
outros Membros, devendo lhes garantir o mesmo tratamento ju-
rídico concedido aos produtores nacionais.
17
Esses dois princípios fundamentais foram estendidos ao
longo dos cinqüenta anos de construção do sistema multilateral
do comércio. Fundamentalmente, esses princípios buscam
substanciar o ideário do livre comércio. As demais regras da OMC
são tentativas de aplicação destes princípios a novos tipos de
barreiras, sobretudo barreiras não tarifárias, ou exceções a esses
princípios, com fundamento em outros interesses relevantes dos
Membros ou da sociedade internacional.
De acordo com o ESC, o sistema de solução de controvér-
sias tem jurisdição para resolver quaisquer controvérsias entre os
Membros da OMC que derivem dos acordos firmados no âmbito
da OMC, inclusive de seu acordo constitutivo.8
Isto cria uma situação processual que visa garantir maior
previsibilidade para a solução das controvérsias. Isto porque além
do ESC abranger todos os acordos da OMC, ele também cria
uma jurisdição compulsória para os seus Membros, sem necessi-
dade de acordos adicionais, ficando os Membros obrigados a
“recorrer e acatar as normas e procedimentos do presente Enten-
dimento”.9
Ainda em termos processuais, é importante notar que o sis-
tema de solução de controvérsias da OMC baseia-se no direito de
um Membro reclamar da violação de regras específicas por outro
Membro, devendo tais regras violadoras serem identificadas es-
pecificamente pela parte reclamante.
Para ser mais exato, a evolução a partir do GATT permite
seis tipos de reclamação. Não há correspondência exata entre a
sistemática processual adotada na OMC e a teoria processual
brasileira. A terminologia utilizada neste artigo, portanto, é apro-
ximativa, objetivando expor de forma didática aquele sistema de
solução de controvérsias. Por isso, quando se menciona que há
seis tipos de reclamação na OMC, esta classificação não deriva
diretamente do tipo de procedimento aplicável a cada uma, como
8. ESC, 1:1.
9. ESC, 23:1.
18
é da tradição brasileira, e sim de três tipos de fundamento jurídi-
co que podem ser invocados para embasar o interesse de agir do
Membro reclamante da OMC. Assim, no caso do GATT, por
exemplo, a possibilidade jurídica da reclamação tem que estar
formulada a partir de (a) qualquer benefício decorrente do acor-
do estar sendo anulado ou prejudicado (nullification); ou (b) o
atingimento de qualquer objetivo do acordo estar sendo impedi-
do (impairment).
Ao mesmo tempo, o Membro reclamante deverá comprovar
que este fundamento jurídico decorre da:
19
benefícios acordados, sem que o Membro reclamante tenha que
comprovar efetivamente esses prejuízos.
Ainda sobre o procedimento adotado no sistema de solução de
controvérsias da OMC, duas observações gerais devem ser feitas,
antes do exame deste procedimento. Primeiro, que embora o sistema
criado pela Rodada Uruguai seja unificado e aplicável para todos os
acordos abrangidos pela OMC, existem ainda regras especiais, cons-
tantes nos acordos específicos, e que podem criar algumas particu-
laridades a depender da matéria objeto da controvérsia. Exemplos
neste sentido é o padrão de revisão específico do Acordo
Antidumping (AA),11 ou a existência de um órgão de supervisão, no
caso de têxteis, no Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV).12
Outra observação importante se refere aos diversos méto-
dos de solução de controvérsias previstos no âmbito do ESC, e
utilizáveis a depender de sua aplicabilidade ou do acordo entre
as partes envolvidas na controvérsia. Desta forma, o ESC prevê,
como instâncias obrigatórias, as consultas entre os Membros en-
volvidos na controvérsia e a decisão quase-judicial materializada
no relatório dos painéis. Mas poderá haver, ainda:
20
identificando claramente as questões conflitantes e concor-
dando em obedecer ao laudo arbitral;14 esta prerrogativa
raramente é utilizada pelos Membros da OMC.
21
ao efeito político das decisões ou ao poder econômico dos Mem-
bros envolvidos em cada controvérsia.17 Nenhum sistema de so-
lução de controvérsias é neutro, obviamente. No caso da OMC,
esta realidade é expressamente reconhecida, asseverando-se que
um acordo entre as partes poderá ser mais vantajoso do que o
litígio, e que o objetivo do ESC é, antes de tudo, conseguir eli-
minar a medida atentatória às regras do livre comércio, e não
garantir compensação por eventual responsabilidade internacio-
nal de seus Membros.
Este caráter oscilante entre legalismo e foro negocial susci-
ta muitas incompreensões entre os críticos da OMC, para quem
o reforço do caráter estritamente jurídico poderia garantir maior
justiça na solução das controvérsias internacionais. Entretanto,
há que se observar que a própria evolução do sistema de solução
de controvérsias no comércio internacional sempre foi matizada
por extremo pragmatismo, e foi isto provavelmente que garantiu
a evolução dos mecanismos utilizados e sua atual credibilidade,
sendo o mais utilizado entre os tribunais internacionais. Tivesse se
baseado somente em considerações estritas de legalidade, prova-
velmente houvesse menor percentual de cumprimento, pelos Mem-
bros, das decisões da OMC. Sob este prisma, o sistema de solução
de controvérsias criado na Rodada Uruguai não eliminou o caráter
realista das relações econômicas internacionais, mas domesticou
este realismo por meio de procedimentos que expõem as contro-
vérsias em curso, criando uma motivação para o acordo entre os
Membros ou para o cumprimento das decisões aprovadas pelo OSC.
3. AS PARTES NO OSC
22
OMC. Em regra, como as demais organizações internacionais de
caráter intergovernamental, a OMC é composta por Estados so-
beranos, que têm poder de intervenção e representatividade em
todos os atos decisórios da Organização.
Entretanto, a relevância da OMC e a particularidade do sis-
tema de solução de controvérsias criaram situações peculiares,
tanto no que se refere à representação dos Membros, quanto à
eventual manifestação de entidades não-governamentais com
interesse na solução da controvérsia. As páginas seguintes discu-
tem cada uma dessas particularidades.
23
partes do Acordo Geral.19 Outra situação particular foi criada na
Rodada Uruguai, quando se reconheceu às Comunidades Euro-
péias o caráter de Membro, representando os quinze Estados da
União Européia.
Formalmente, os Membros da OMC têm direitos iguais em
todos os órgãos componentes da organização. Obviamente, no
mundo real, os Membros com a maior participação no comércio
internacional - EUA, CE e Japão - têm atuação determinante no
processo decisório, e são atores relevantes e constantes no siste-
ma de solução de controvérsias. Além do que, foram criadas tam-
bém regras especiais, discutidas abaixo, para os países em desen-
volvimento.
24
desenvolvimento relativo, cuja participação no comércio inter-
nacional é ínfima.
No sistema de solução de controvérsias, tem sido impressio-
nante a crescente participação de países em desenvolvimento
principalmente como reclamados. Isto pode ser explicado pelo
aumento de competitividade no mercado internacional, o que leva
os competidores internacionais a terem menor tolerância com
instrumentos tradicionais de promoção comercial, muitas vezes
utilizados por países em desenvolvimento, mas que violam as
regras da OMC.20
No ESC, constam dispositivos que reconhecem a situação
particular dos países em desenvolvimento. O grande problema é
que a maioria dessas regras contém expressões vagas, que tra-
zem pouca ou nenhuma vantagem efetiva para a defesa dos inte-
resses dos países em desenvolvimento.
Desta forma, afirmar que “durante as consultas os Membros
deverão dar atenção especial aos problemas e interesses especí-
ficos dos países em desenvolvimento”;21 dispor que “nas ques-
tões que envolvam interesses de países em desenvolvimento, os
Membros deverão receber atenção especial no que tange às me-
didas que tenham sido objeto da solução de controvérsias”;22
prever que o “OSC deverá levar em consideração não apenas o
alcance comercial das medidas em discussão mas também seu
20. Com base em estatísticas de Park & Panizzon até março de 2002, do total
de 142 Membros àquela época, cerca de 92 (62%) eram considerados países
em desenvolvimento, 29 (20%) de menor desenvolvimento relativo, 25
(18%) países desenvolvidos. Tais porcentagens se alteram para 63%, 20%
e 17%, respectivamente, com a entrada de Armênia e Macedônia, em 2001,
e China e Taipé Chinesa em 2002. Dos 235 casos analisados entre 1995 e
2001, os países desenvolvidos participaram, em média, como reclamantes,
em cerca de 73% dos casos. Em 2000, a relação se equilibrou. Em 2001,
entretanto, dos 22 casos levados ao OSC, os países em desenvolvimento
atuaram como reclamantes em 82% dos casos. Veja-se Park & Panizzon,
2002, p. 221-227.
21. ESC, Art. 4:10.
22. ESC, Art. 21:2.
25
impacto na economia dos países em desenvolvimento”;23 e or-
denar que “as partes reclamantes deverão exercer a devida mo-
deração ao pleitear compensações ou solicitar autorização para
suspensão da aplicação de concessões [contra países de menor
desenvolvimento relativo]”;24 são expressões com pouca eficácia
para garantir tratamento processual diferenciado entre países com
níveis de desenvolvimento distintos.
Além de frases retóricas, outras regras do ESC aludem es-
pecificamente aos países em desenvolvimento. Desta forma, per-
mite-se que esses países ainda possam invocar a Decisão de 1966
do GATT.25 Esta decisão cria um procedimento alternativo que,
teoricamente, facilitaria as reclamações de países em desenvolvi-
mento. Na prática, este procedimento alternativo até agora não
foi invocado por qualquer dos países em desenvolvimento.
Outro dispositivo assevera que o painel deve garantir ao
país em desenvolvimento “tempo bastante” para apresentar sua
reclamação.26 Em um caso, o painel concedeu à Índia prazo adi-
cional de dez dias para apresentar sua argumentação.27
Uma questão interessante e crescentemente debatida pelos re-
presentantes dos países em desenvolvimento e na literatura especi-
alizada é a dificuldade desses países em manter profissionais
especializados que pudessem defender seus interesses diante de um
sistema complexo como é o da OMC.28 No ESC, há ainda dois ar-
tigos que buscam preencher esta necessidade. Um deles garante a
presença de um integrante originário de países em desenvolvimento
26
no painel.29 Isto evidentemente não gera nenhum tipo de garantia
adicional, uma vez que este integrante estará em menor número, e
de qualquer forma o relatório poderá ser revisto pelo OAp.
Outro dispositivo determina que o Secretariado da OMC
preste assistência jurídica adicional aos países em desenvolvi-
mento, mas resguardando sua imparcialidade.30 Novamente, não
houve efeitos práticos para este dispositivo. Passados oito anos
de vigência do ESC, não houve qualquer reclamação proposta
por países de menor desenvolvimento relativo. É importante lem-
brar que muitos desses países sequer têm representação perma-
nente em Genebra, quanto menos conseguiriam manter ou con-
tratar especialistas para a defesa de seus interesses comerciais no
sistema de solução de controvérsias.
Em razão disto, em 2001, consolidou-se a iniciativa para se
criar um centro consultivo, uma organização intergovernamental
independente da OMC destinada a fornecer consultoria e treina-
mento para os países em desenvolvimento (The Advisory Law
Centre on WTO Law – ACWL).31 Este Centro, criado com doa-
ções dos Membros da OMC, é uma iniciativa interessante no
sentido de garantia do “acesso à justiça internacional”. O curto
período de existência, entretanto, não permite uma avaliação mais
concreta quanto à eficácia desta iniciativa.
Ainda sobre os interesses dos países em desenvolvimento,
vale recordar uma questão bastante debatida há algum tempo,
mas que acabou sendo pacificada pelo entendimento do OAp.
No caso CE-Bananas III, Santa Lucia se fez representar por um
advogado privado, o que suscitou a imediata oposição da CE. O
painel, entretanto, manteve o representante indicado, o que foi
confirmado posteriormente pelo OAp.32 O OAp observou ainda
que “este tipo de representação, escolhida pelo próprio governo
27
[de um Membro] pode ser de particular significância, – especial-
mente para Membros em desenvolvimento – para que participem
integralmente nos procedimentos do sistema de solução de con-
trovérsias”.33 Consolidou-se, destarte, o entendimento de que pode
haver a participação de advogados privados no sistema de solu-
ção de controvérsias da OMC, desde que sejam indicados como
componentes da delegação oficial dos Membros envolvidos. Esta
situação suscita, evidentemente, novas questões sobre aspectos
éticos e de confidencialidade, que vêm inclusive sendo discuti-
dos na literatura.34
28
A intervenção de terceiros Membros, interessados na solução
da controvérsia, foi imaginada como um meio de dar maior trans-
parência à solução adotada, e também de impedir que soluções
negociadas pudessem ser alcançadas às custas dos interesses dos
demais Membros ou das regras multilaterais do comércio.37
A prática nesta matéria, entretanto, tem sido de que alguns
Membros - notadamente EUA e CE - intervêm como terceiros
interessados em praticamente todas as controvérsias, quaisquer
que sejam as matérias ou partes envolvidas. Neste caso, seria
difícil identificar o interesse concreto desses terceiros. Sua inter-
venção se explica pelo fato de que esses Membros querem influ-
enciar as interpretações adotadas pelos painéis, de forma a não
criar precedentes contrários a seus interesses gerais.
Cabe aqui uma observação sobre o caráter dos relatórios
dos painéis e do OAp. Na sistemática adotada pelo ESC, esses
relatórios não têm caráter vinculante para decisões futuras; ou
seja, não se adotou a doutrina do stare decisis, pela qual a criação
de um precedente limita, atendidos certos requisitos, a interpre-
tação de futuros casos envolvendo a mesma matéria.
Na prática, entretanto, os painéis e o OAp fazem constantes
remissões a relatórios passados, não apenas para a interpretação
de regras da OMC, mas inclusive aos painéis criados no âmbito
do GATT-1947. Estas remissões são invocadas, não como prece-
dente vinculante, mas como interpretação jurisprudencial.
Em razão disso, compreende-se porque países com ampla
gama de interesses comerciais acabam decidindo intervir como
terceiros interessados diante dos painéis, mesmo porque cada
Membro da OMC é que deve decidir se tem um interesse na
controvérsia em questão.
37. Por isso, o Art. 10:4 do ESC prevê que “se um terceiro considerar que uma
medida já tratada por um grupo especial anula ou prejudica benefícios a ele
advindos de qualquer acordo abrangido, o referido Membro poderá recor-
rer aos procedimentos normais de solução de controvérsias definidos no
presente Entendimento. Tal controvérsia deverá, onde possível, ser subme-
tida ao grupo especial que tenha inicialmente tratado do assunto”.
29
3.4 Partes não-governamentais
30
Uma questão interessante se refere à obrigatoriedade, para
os Membros da OMC, em seguir adiante com a reclamação for-
mulada por um setor de sua indústria nacional. Note-se que não
há norma de Direito Internacional Econômico que obrigue os
Estados a assumirem causas de seus nacionais perante tribunais
internacionais, o que se denomina proteção diplomática. Em regra,
portanto, os Membros da OMC exercerão sua discricionariedade
quanto a apresentar ou não a reclamação, seguindo seus próprios
critérios de conveniência política. Uma vez exercida, a reclama-
ção passa a ser do Estado. Em tese, havendo uma eventual inde-
nização, o que não acontece atualmente na OMC, esta seria dis-
tribuída pelo Estado segundo suas regras de direito interno, caso
existam.39
A possível exceção a esta ampla discricionariedade estará
na existência de regras nacionais, que estipulam condições dian-
te das quais os governos devem defender os interesses de sua
indústria nacional. Exemplos neste sentido podem ser encontra-
dos na legislação norte-americana40 e na legislação européia.41
31
De outro lado, países, como o Brasil, que têm pouca tradição de
transparência nesta matéria e cuja indústria nacional ainda não
atentou para as graves repercussões das decisões da OMC, cos-
tumam basear-se em avaliações integralmente políticas, quando
decidem apresentar ou não uma reclamação à OMC.
Um problema correlato se refere à intervenção de organiza-
ções não-governamentais no sistema de solução de controvérsias
da OMC. Obviamente, essas entidades não têm direito de ser
parte (locus standi) no procedimento, e seus interesses teriam
que ser apresentados aos respectivos governos. Por outro lado,
muitas dessas entidades representam interesses ou defendem
ideais justamente contrastantes aos de seus governos. E há que
se recordar que as fontes de financiamento dessas entidades
tampouco são totalmente transparentes, o que gera o temor de
que representem interesses econômicos não declarados.
Na OMC, uma questão processual concreta surgiu quando
uma entidade não-governamental apresentou um parecer não
solicitado, abordando o aspecto ambiental envolvido na con-
trovérsia. O OAp, ao examinar o caso, decidiu que os painéis
tinham autoridade para aceitar informações que julgassem relevan-
tes para solucionar a controvérsia.42 No caso EUA-Bismuto, o OAp
decidiu ter “autoridade ampla para adotar regras de procedimento
que não conflitem com quaisquer regras e procedimentos no
ESC”.43 Posteriormente, o OAp aceitou também um parecer apre-
sentado por um Membro (Marrocos) que não tinha solicitado sua
intervenção como terceiro interessado, mas observando que “a
recepção de qualquer relatório amicus curiae é uma questão de
discreção, em que devemos exercer caso a caso”.44 O OAp funda-
mentou sua decisão no ESC cujos artigos 12 e 13 concederiam
“autoridade ampla e extensa” ao painel, inclusive para aceitar
manifestações de “amigos do tribunal” (amicus curiae).
32
O debate sobre a apresentação de pareceres por organiza-
ções não-governamentais suscita a oposição dos países em de-
senvolvimento, temerosos de que entidades empresariais ou en-
tidades com interesses escusos possam intervir no procedimento
e mitigar o caráter diplomático inerente ao sistema. Neste senti-
do, em 2000, o Conselho Geral exortou o OAp a exercer extremo
cuidado na aceitação de pareceres de amicus curiae. O tema in-
clusive faz parte das propostas de reforma do sistema de solução
de controvérsias, sem que haja qualquer unanimidade entre os
Membros da OMC.45
Uma terceira possibilidade de intervenção de entes não-
governamentais no sistema de solução de controvérsias da OMC
refere-se aos casos envolvendo questões científicas. Nestas hipó-
teses, cujo número vem aumentando, pode ser necessária a opi-
nião de especialistas sobre a matéria objeto da controvérsia. O
ESC prevê que “os painéis poderão buscar informação em qual-
quer fonte relevante e poderão consultar peritos para obter sua
opinião sobre determinados aspectos de uma questão. Com rela-
ção a um aspecto concreto de uma questão de caráter científico
ou técnico trazido à controvérsia por uma parte, o painel poderá
requerer um relatório escrito a um grupo consultivo de peritos”.46
Este relatório, contudo, não obriga o painel. Além disso, os painéis
poderão “recorrer à informação e ao assessoramento técnico de
qualquer pessoa ou entidade que considere conveniente”,47 o que
ocorre freqüentemente em casos que envolvem coleta e análise
científica de dados.48
45. Barral & Prazeres, 2002, p. 42. Sobre uma discussão específica sobre o
tema vejam-se Marceau & Stilwelt, 2001, p. 155-187; Umbricht, 2001, p.
773-794.
46. ESC, Art. 13:2.
47. ESC, Art. 13:1.
48. Como nos casos CE-Hormônios (WT/DS48/AB/R) e CE-Asbestos (WT/
DS135/AB/R), por exemplo.
33
4. INSTITUIÇÕES PARA SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS NA OMC
34
concessões.52 Obviamente, é muito difícil conseguir este consen-
so reverso, pois pelo menos o Membro reclamante terá interesse
na implementação dos relatórios que o favoreça. Por isso, até
hoje nunca houve um caso concreto de consenso reverso no OSC.
Outras funções do OSC ainda podem ser mencionadas:
aprovar a lista indicativa de painelistas,53 receber comunicações
de terceiros interessados,54 nomear os integrantes do OAp,55 e
aprovar o prazo para a implementação da decisão pelo Membro
vencido.56 Ou seja, o OSC é o administrador do sistema de solu-
ção de controvérsias da OMC.
4.2 Painéis
35
acontece na maior parte das vezes.59 Os painelistas estão subme-
tidos ainda às regras de conduta, aprovadas em 1996, segundo as
quais devem atuar com independência e imparcialidade, tendo
ainda a obrigação de informar qualquer interesse no relaciona-
mento que tenham mantido com os Membros envolvidos na con-
trovérsia.
Conforme estipulado pelo ESC, a competência do painel é
“examinar a questão submetida e estabelecer conclusões que
auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir decisões”.60 É
importante notar que o painel está limitado por estes termos, e
pode-se dizer que sua competência quase-jurisdicional não o
autoriza a estender-se em nada além destes termos. Esta observa-
ção é tão mais importante quando se recorda que “as recomenda-
ções e decisões do OSC não poderão promover o aumento ou a
diminuição dos direitos e obrigações definidos nos acordos abran-
gidos”,61 e uma das atuais polêmicas na OMC é justamente a
acusação de que alguns painéis, e mesmo o OAp, vêm sendo
protagonistas de “ativismo judicial”, interpretando os acordos de
forma muito abrangente.
36
“estar disponíveis permanentemente e em breve espaço de tem-
po, e deverão manter-se a par das atividades de solução de con-
trovérsias e das demais atividades pertinentes da OMC”.63
O OAp recebe o recurso contra decisões dos painéis, e três
juízes do OAp atuam em cada caso. Na prática observada até ago-
ra, praticamente todos os relatórios dos painéis foram objeto de
recurso, que pode confirmar, modificar ou revogar as conclusões
do painel. Em muitos casos até agora, o OAp concorda com as
conclusões do painel, mas não com a fundamentação adotada. Este
é o caso de modificação do relatório, e tem sido extremamente
relevante para harmonizar a interpretação das normas da OMC.64
4.4 Secretariado
37
4.5 Procedimentos para solução de controvérsias
38
suscitar, posteriormente, diante do painel, questões que não te-
nham sido previamente examinadas na fase de consultas.70
Se as partes conseguirem alcançar uma solução para a con-
trovérsia, que seja compatível com os acordos da OMC, o proce-
dimento se encerrará, comunicando-se ao OSC a solução acorda-
da.71 Em tese, essa exigência possibilitaria a transparência na
solução de controvérsias, impedindo que os Membros envolvi-
dos pudessem alcançar uma solução em detrimento dos demais
Membros e das regras multilaterais do comércio. Na prática,
entretanto, nem todas as soluções alcançadas são comunicadas,
ou não são comunicadas integralmente.
Se, ao contrário, uma solução negociada não for alcançada
em 60 dias, o Membro reclamante poderá levar o pedido de pa-
inel ao OSC, indicando se foram realizadas consultas, identifi-
cando as medidas controversas e fornecendo uma exposição de
embasamento jurídico para reclamação.72 No OSC, a não ser que
haja um consenso reverso, o painel será estabelecido, podendo
os demais Membros notificar seu interesse em participar como
terceiros interessados.73
A fase seguinte, de extrema relevância, será estabelecer os
termos de referência para o painel. Genericamente, pode-se dizer
que o termo de referência, que deve ser estabelecido por acordo
entre as partes ou por adoção do texto padrão estabelecido no
ESC, equivale aos limites para a competência jurisdicional do
painel. Em termos didáticos, tem semelhança com o despacho
saneador no processo civil brasileiro, ato pelo qual “fixam-se os
pontos controvertidos”.74 Em seguida, dá-se início à ouvida das
partes envolvidas, dos terceiros interessados, e produção de pro-
39
vas, segundo o calendário estipulado pelo próprio painel, com
base em cronograma sugerido pelo ESC.75
Uma questão interessante, e muitas vezes debatida perante
os painéis, refere-se ao ônus da prova quanto aos fatos e argu-
mentos levantados perante os painéis. Embora não haja um dis-
positivo expresso no ESC a este respeito, o entendimento tem
sido no sentido de aplicar-se o princípio geral de direito proces-
sual, segundo o qual a parte que afirma o fato é que tem o ônus
de prová-lo.76
Ainda sobre a produção de provas, observa-se que o ESC
não traz dispositivos detalhados, além da possibilidade genérica,
para o painel, de buscar as informações que considerar conveni-
entes para a controvérsia. Além disso, determina o ESC que “O
Membro deverá dar resposta rápida e completa a toda solicitação
de informação que um painel considere necessária e pertinen-
te”.77 Entretanto, a falta de especificação desta obrigação, ou de
sanções processuais decorrentes, permite que as partes acabem
por omitir ou não entregar informação relevante solicitada pelos
painéis. O caso mais notório neste sentido foi Canadá-Aerona-
ves, em que o governo canadense recusou-se a entregar docu-
mentação solicitada, alegando questões de confidencialidade.78
Antes de concluir seu relatório, o painel ainda apresenta às
partes um esboço descritivo,79 e um relatório provisório, ainda
confidencial, que poderá ser objeto de comentários pelas partes
na controvérsia.80 Finalmente, o relatório do painel circula entre
75. Veja-se Art. 12, Apêndice 3 do ESC, com a proposta de cronograma para
os trabalhos do painel.
76. Por outro lado, o OAp decidiu que “If that party adduces evidence sufficient
to raise a presumption that what is claimed is true, the burden then shifts
to the other party, who will fail unless it adduces sufficient evidence to
rebut the presumption”. WT/DS33/AB/R, EUA-Camisas e Blusas, Parte
IV.
77. ESC, Art. 13.
78. WT/DS70/AB/R, Canadá-Aeronaves, par. 47-48.
79. ESC, Art. 15:1.
80. ESC, Art. 15:2.
40
todos os Membros da OMC e é colocado à disposição no sítio
eletrônico.81
Submetido o relatório ao OSC, será ele aprovado, a não ser
que haja o consenso reverso ou que uma das partes da controvér-
sia recorra ao OAp, o que geralmente ocorre.82
Se as partes na controvérsia recorrerem, deverão fundamentar
este recurso numa questão de direito ou na interpretação eventu-
almente adotada pelo painel.83 Em outras palavras, questões de
fato previamente examinadas pelo painel não poderão ser objeto
de recurso. Distinguir questões de direito e questões de fato muitas
vezes pode levar a debates intermináveis, sobretudo quando a
caracterização do fato leva à aplicação de uma ou outra norma
jurídica. Até agora, o OAp tem adotado a postura de só examinar
matéria na qual a questão jurídica do problema esteja expressa-
mente manifesta.
Diante do OAp, as partes apresentam seus argumentos es-
critos e em audiência. As deliberações dos juízes do OAp são
confidenciais, e o relatório final aprovado - que confirma, modi-
fica ou revoga o relatório do painel - é remetido ao OSC, onde
será aprovado, a não ser que ocorra o consenso reverso.84
Com a aprovação pelo OSC do relatório do painel ou do
OAp, encerra-se a fase jurisdicional do sistema de solução de
controvérsias da OMC. O relatório final aprovado, se concluir
que a medida nacional reclamada é incompatível com os acordos
da OMC, deverá recomendar que o Membro torne a medida com-
patível com o acordo.85 O painel - ou, se houver recurso, o OAp
- poderão ainda sugerir a maneira pela qual a recomendação
poderá ser implementada. Na prática, o relatório final apresenta-
41
do ao OSC conclui afirmando, em seu último parágrafo, que a
medida “X” é incompatível, ou não é incompatível, com os acor-
dos “Y” ou “Z”, invocados pela parte reclamante. A partir de
sua aprovação pelo OSC, o relatório gera a responsabilidade
internacional do Membro da OMC, reconhecendo-se sua obri-
gação de revogar ou alterar a medida questionada, de forma a
impedir a continuidade do conflito com as normas multilaterais
do comércio.86
42
objeto da controvérsia, ou torná-lo compatível com os acordos
da OMC. Na prática, este período vem variando entre 3 a 15
meses.
Se a medida não for alterada, devem ser iniciadas consultas
entre os Membros reclamante e reclamado, buscando estabelecer
uma compensação aceitável. Se não alcançarem o acordo quanto
a esta compensação, o Membro reclamante poderá buscar a au-
torização do OSC para “suspender concessões”, ou seja, retirar
vantagens negociadas no âmbito da OMC, sobretudo vantagens
tarifárias, aplicáveis aos produtos oriundos do território do Mem-
bro reclamado.89
Diante deste pedido, e da não-implementação voluntária por
parte do Membro reclamado, o OSC concederá a autorização para
a suspensão de concessões. Se o reclamado objetar ao montante
das suspensões propostas pelo reclamante, a questão é submetida
à arbitragem para avaliar o valor devido da suspensão.90 A tarefa
do árbitro, que preferencialmente será um dos componentes do
painel original que decidiu a controvérsia, é decidir se o grau da
suspensão de concessões proposta é equivalente ao grau de anu-
lação ou prejuízo causado ao Membro reclamante pela medida
considerada ilegal.91
Esta retaliação autorizada pelo OSC não revoga eternamente
as obrigações do Membro reclamante em relação ao Membro re-
clamado; ou seja, “a suspensão de concessões ou outras obriga-
ções deverá ser temporária e vigorar até que a medida considerada
incompatível com um acordo abrangido tenha sido suprimida, ou
até que o Membro que deva implementar as recomendações e
decisões forneça uma solução para a anulação ou prejuízo dos
benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja
encontrada”.92 Da mesma forma, o Membro reclamado pode
43
ainda se oferecer para conceder compensações, normalmente pela
extensão de vantagens tarifárias aos produtos originários do
Membro reclamante. Esta compensação é voluntária, e deve ser
consistente com os demais acordos da OMC.93
Pode-se afirmar que a fase de implementação tem sido, na
experiência recente da OMC, o momento mais crítico para o
legalismo nas relações econômicas internacionais. Com efeito,
se o ESC foi um avanço fundamental em direção a um sistema
mais regido por normas (rule-oriented), este avanço é mais per-
ceptível na fase jurisdicional, ou seja, perante os painéis e OAp.
Ainda falta maior grau de legalismo na fase “de execução” do
ESC, diante dos vários problemas identificados na prática recen-
te, sobretudo:
44
ções adotadas pelo Membro reclamado não satisfazerem o
Membro reclamante. Como decorrência, uma controvérsia
pode acabar se prolongando muito além dos prazos inicial-
mente previstos pelo ESC;94
d) outro problema é relativo ao montante devido para a com-
pensação, que evidentemente quase nunca é oferecido no
nível que o Membro reclamante considera satisfatório. Isto
gera novas, e às vezes intermináveis, questões entre os
Membros na controvérsia;95
e) ainda, há que se observar que a compensação oferecida ou
a retaliação autorizada nem sempre beneficiam ou atingem
os mesmos setores econômicos que foram beneficiados pela
medida objeto da controvérsia. Embora o ESC determine
que “o princípio geral é o de que a parte reclamante deverá
procurar primeiramente suspender concessões ou outras
obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es) em que o pa-
inel ou Órgão de Apelação haja constatado uma infração ou
outra anulação ou prejuízo”96, isto nem sempre ocorre na
prática;97
f) por fim, em alguns casos, a autorização para suspender
concessões não tem qualquer efeito sobre o Membro recla-
94. “Put simply, a determined defendant can wring at least three years of delays
from the system before facing definitive legal condemnation, enough time
for “temporary measures”- “such as the March 2002 US steel safeguards”-
“to wreak sustained havoc without possibility for retroactive compensation”.
Busch & Heinhardt, 2002, p. 4.
95. Jackson, 1999, p. 7.
96. ESC, Art. 22.3(a).
97. Por isso, alguns autores vêm propondo que a compensação seja financeira,
e não tarifária: “retaliation does not help the complainant’s exporters who
have been and continue to be harmed, nor are the respondent’s industries
harmed by the retaliation the same ones that have been helped by the WTO-
inconsistent measure. Monetary compensation to the complainant from the
respondent may offer more scope for governments to target the transfers to
achieve a more-equitable outcome”. Anderson, 2002, p. 16.
45
mado, se o Membro reclamante não tiver poder de mercado
suficiente para afetar as exportações oriundas do território
do Membro reclamado. Isto evidentemente ocorre, sobretu-
do, com países em desenvolvimento, cuja participação no
comércio internacional é por vezes ínfima, e cujo poder
econômico para forçar uma potência a cumprir uma decisão
do OSC pode ser absolutamente negligenciado.
46
6.2 Interpretação pelos painéis
47
Artigo 32 - Meios Suplementares de Interpretação
48
mentar nem diminuir direitos e obrigações dos Membros da
OMC. 101
Em razão disto, Jackson observa que “recentes atitudes
constantes nos relatórios do OAp parecem reforçar a regra de
considerável deferência às tomadas de decisões dos governos,
possivelmente como um caso de ‘restrição jurídica’ de idéias, de
acordo com o exposto no ESC, Art. 3, e em outros casos expres-
sado por vários países que temem muita interferência em suas
soberanias”.102
Apesar desta preocupação, vêm sendo freqüentes as críticas
de alguns Membros - sobretudo dos EUA - quanto a um suposto
ativismo judicial por parte de painéis e do OAp. Segundo esta
crítica, a interpretação dada em alguns casos estaria sendo exten-
siva, e tendo como conseqüência o aumento das obrigações des-
ses Membros além do texto dos acordos multilaterais.
Esta crítica deve ser mitigada por duas constatações. A pri-
meira delas é que não há interpretação totalmente isenta, por maior
preferência que se dê ao texto literal adotado. Em segundo lugar,
deve-se observar que os painéis muitas vezes têm que lidar com
textos vagos, decorrentes da própria dinâmica das negociações
comerciais internacionais. Em outras palavras, muitas vezes, para
101. Destarte, o ESC determina que: “Os Membros reconhecem que esse siste-
ma é útil para preservar direitos e obrigações dos Membros dentro dos
parâmetros dos acordos abrangidos e para esclarecer as disposições vigen-
tes dos referidos acordos em conformidade com as normas correntes de
interpretação do direito internacional público. As recomendações e deci-
sões do OSC não poderão promover o aumento ou a diminuição dos direi-
tos e obrigações definidos nos acordos abrangidos” (Art. 3:2), e ainda que
“as conclusões e recomendações do painel e do Órgão de Apelação não
poderão ampliar ou diminuir os direitos e obrigações derivados dos acor-
dos abrangidos” (ESC, Art. 19:2).
102. “The emerging attitudes of the Appellate Body reports seem to reinforce a
policy of considerable deference to national government decision-making,
possibly as a matter of ‘judicial restraint’ ideas such as that quoted from
the DSU Article 3, and otherwise expressed by various countries who fear
too much intrusion on ‘sovereignty’”. Jackson, 1999, p. 11.
49
negociar um acordo, os Membros concordam em colocar um texto
que evita comprometimento definitivo em relação ao problema
então abordado. Esta estratégia negociadora já foi denominada
de “ambigüidade construtiva” no jargão da OMC. Entretanto, na
aplicação deste texto ambíguo ao caso concreto, os painéis aca-
bam tendo que adotar interpretação que não necessariamente seria
a preferível pela parte vencida na controvérsia.
Ainda sobre interpretação, há que se acrescentar duas difi-
culdades para o jurista formado na tradição do direito romano. A
primeira delas é lidar com o próprio texto dos tratados, normal-
mente negociados em inglês, e cuja tradução o mais das vezes
não é muito fiel. Além disso, o processo negociador, sobretudo
nos acordos originários da OMC, baseou-se em rascunhos (drafts)
geralmente propostos pelos EUA. Isto faz com que a técnica de
redação legislativa se assemelhe a da common law, com parágra-
fos extensos e uma lógica indutiva. Desta forma, juristas de tra-
dição românica tendem a uma interpretação teleológica e a uma
aplicação sistemática do conjunto normativo. A prática na OMC,
ao contrário, tem sido no sentido de limitar estritamente cada
uma das obrigações a seu âmbito de aplicação e adotar interpre-
tação mais próxima possível do sentido literal de cada palavra.
Quanto à operação mental de subsunção, o ESC determina que
os painéis deverão considerar todas as normas relevantes dos acor-
dos invocados pela parte na controvérsia.103 Ainda, orienta-se o painel
a fazer uma avaliação objetiva do assunto, o que deverá incluir uma
avaliação objetiva dos fatos, da aplicabilidade das normas invocadas,
e da compatibilidade entre a medida recorrida e os acordos pertinen-
tes.104 Ao final, o relatório do painel deverá expor as verificações de
fatos, a aplicabilidade de disposições pertinentes e o arrazoado em
que se baseiam suas decisões e recomendações.105 Nesta análise, o
50
painel abordará inicialmente se houve violação de alguma regra
específica dos acordos da OMC. Se a parte reclamante conseguir
demonstrar isto, presume-se que a medida recorrida constitua caso
de anulação ou diminuição de vantagens acordadas. É o que se de-
nomina presunção de violação.106
106. Isso significa que normalmente existe a presunção de que toda transgressão
das normas produz efeitos desfavoráveis para outros Membros que sejam
partes do acordo abrangido, e em tais casos a prova em contrário caberá ao
Membro contra o qual foi apresentada a reclamação. ESC, Art. 3:8.
51
vigência viola, de acordo com o Membro reclamante, uma deter-
minada obrigação constante nos acordos da OMC. Se esta medida
provém do legislativo, do executivo, ou do judiciário do Membro re-
clamado, este é um problema de direito constitucional, alheio às pos-
sibilidades de regulamentação do Direito Internacional Econômico.
Portanto, a obrigação dos painéis e do OAp será fazer uma
avaliação objetiva da aplicabilidade dos acordos invocados pelo
Membro reclamante e de sua compatibilidade com a medida adota-
da pelo Membro reclamante. Este é o do denominado “padrão de
revisão” (standard of review) que deve ser seguido pelos painéis e
pelo OAp. Ou seja, nem conceder total deferência à interpretação
dos acordos da OMC eventualmente dada pelas autoridades nacio-
nais, nem servir como instância recursal contra esta interpretação.107
A exceção mais importante a este padrão geral de revisão pre-
visto no ESC está no Acordo Antidumping (AA). Por pressão dos
EUA, no AA consta uma regra especial de interpretação que indu-
ziria os painéis a conceder maior deferência às autoridades nacio-
nais na interpretação do AA na imposição de direitos antidumping.108
107. Neste sentido, o OAp já decidiu que: “although panels are not entitled to
conduct a de novo review of the evidence, nor to substitute their own
conclusions for those of the competent [national] authorities, this does not
mean that panels must simply accept the conclusions of the competent
authorities (...) Thus, in making an ‘objective assessment’ of a claim under
Article 4.2(a), panels must be open to the possibility that the explanation
given by the competent authorities is not reasoned or adequate”. WT/
DS177/AB/R, EUA-Carne de Carneiro, par. 106.
108. AA, Art. 17:6. O painel, ao examinar a matéria objeto do parágrafo 5º: a)
ao avaliar os elementos de fato da matéria, determinará se as autoridades
terão estabelecido os fatos com propriedade e se sua avaliação dos mesmos
foi imparcial e objetiva. Se tal ocorreu, mesmo que o grupo especial tenha
eventualmente chegado a conclusão diversa, não se considerará inválida a
avaliação; b) interpretará as disposições pertinentes do Acordo segundo
regras consuetudinárias de interpretação do direito internacional público.
Sempre que o grupo especial conclua que uma disposição pertinente do
acordo admite mais de uma interpretação aceitável, declarará que as medi-
das das autoridades estão em conformidade com o acordo, se as mesmas
encontram respaldo em uma das interpretações possíveis. Sobre a história
e o impacto do Art. 17.6 do AA, veja-se Barral, 2000, p. 111-115.
52
Apesar desta regra, os EUA vêm constantemente sendo
vencidos em controvérsias sobre medidas antidumping, o que
vem gerando crescentes pressões para limitar mais ainda o pa-
drão de revisão a ser adotado pelos painéis.
O segundo problema mencionado se refere ao esgotamento
dos recursos internos. Esta regra, que constitui uma norma con-
suetudinária de direito internacional, exige que, antes de recorrer
a um tribunal internacional para defender interesses de seus na-
cionais, os Estados deverão verificar se esses nacionais esgota-
ram os recursos judiciais disponíveis na ordem jurídica do Esta-
do reclamado.109
Embora este seja um princípio bastante assentado de Direi-
to Internacional, a verdade é que em Direito Internacional Eco-
nômico não se exige normalmente o esgotamento dos recursos
internos como pressuposto para apresentação da reclamação
perante a OMC. Desta forma, e apesar de alguns trabalhos dou-
trinários em contrário, nenhum Membro da OMC jamais alegou
que o esgotamento de recursos internos seria pressuposto neces-
sário para a legitimidade da reclamação.110
Por fim, um problema interessante e ainda longe de ser
equacionado, relativo ao sistema de solução de controvérsias da
OMC, refere-se ao efeito dessas decisões nas ordens jurídicas
53
internas. Como regra geral, o próprio efeito direto das normas da
OMC dependerá da estrutura constitucional e do status concedi-
do aos tratados pela ordem jurídica de cada Membro. Ou seja,
em determinados Estados, os tratados em matéria comercial não
são auto-executáveis, pretendendo-se dizer com isso que um
particular não poderá invocar estes tratados como fundamento
para a defesa de um direito perante o judiciário desses países.
Esta é a situação, genericamente falando, nos EUA e na CE.111
Em outros países, como é o caso do Brasil, não há basicamente
questionamento sobre a matéria, e os tratados internacionais em
geral são invocáveis em litígios internos.
Entretanto, qualquer que seja a situação constitucional par-
ticular, não há qualquer regra no sistema de solução de contro-
vérsias da OMC que possa criar implicações futuras para os
judiciários nacionais, seja para obrigá-los a uma determinada
interpretação, seja para alcançar a execução de uma recomenda-
ção ou decisão do OSC. Estas possibilidades até existem em sis-
temas recentes de solução de controvérsias, como o caso do TJCE
ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).112 Na
OMC, entretanto, não há regras que gerem efeitos diretos, para a
esfera normativa nacional dos Membros, das decisões do OSC
ou das interpretações eventualmente adotadas pelos painéis e
pelo OAp.
54
6.4 O OSC e os tribunais internacionais
55
que uma determinada medida nacional pode ser considerada le-
gal, por um tribunal regional, e posteriormente ser considerada
incompatível com os acordos da OMC, pelo OSC.113
De outro lado, alguns acordos regionais vêm atentando para
este risco de sentenças díspares proferidas por tribunais interna-
cionais distintos. Para minimizar este risco, alguns acordos re-
centes incorporam uma regra processual que impede os Estados
envolvidos numa controvérsia de submetê-la a mais de um me-
canismo de solução de controvérsias. Neste sentido é a previsão
do North America Free Trade Agreement (NAFTA) segundo a
qual controvérsias surgidas em razão do acordo do NAFTA ou
do GATT podem ser solucionadas em qualquer dos foros, segun-
do escolha da parte reclamante.114
A mesma regra vem sendo adotada em acordos bilaterais
firmados pelos EUA, como no acordo com o Chile.115 Também
113. Esta foi, aliás, a situação ocorrida entre Argentina e Brasil, numa contro-
vérsia envolvendo a aplicação de medidas antidumping nas exportações
brasileiras de frango. Inicialmente, a medida foi considerada legal pelo
tribunal arbitral constituído no âmbito do Protocolo de Brasília. Veja-se
capítulos III e IV do laudo arbitral do Tribunal Ad Hoc do Mercosul, Apli-
cação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros,
provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Econo-
mia da República Argentina, de 21 de maio de 2001. Inconformado, o
Brasil apresentou nova reclamação à OMC cuja decisão foi pela incompa-
tibilidade entre a medida argentina e o acordo antidumping. WT/DS241/R,
Argentina-Frango, par. 8.1-8.7.
114. NAFTA, Article 2005.1: “[...] disputes regarding any matter arising under
both this Agreement and the General Agreement on Tariffs and Trade, any
agreement negotiated thereunder, or any successor agreement (GATT), may
be settled in either forum at the discretion of the complaining Party”.
115. US-Chile Free Trade Agreement, Article 22.3: “Choice of Forum. 1. Where
a dispute regarding any matter arises under this Agreement and under
another free trade agreement to which both Parties are party or the WTO
Agreement, the complaining Party may select the forum in which to settle
the dispute. 2. Once the complaining Party has requested a panel under an
agreement referred to in paragraph 1, the forum selected shall be used to
the exclusion of the others”. Disponível em: http://www.ustr.gov/new/fta/
Chile/final/22.dispute%20settlement.PDF. Acesso em: 14 ago. 2003.
56
a regulamentação proposta para a Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA) busca equacionar o problema, permitindo o
forum shopping segundo as conveniências do Estado reclaman-
te.116 Finalmente, no Mercosul, uma regra nova, inserida pelo
Protocolo de Olivos, estabelece a possibilidade de escolha entre
o sistema de solução de controvérsias do Mercosul e outro siste-
ma eventualmente competente para decidir a controvérsia. A re-
gra é que o Estado demandante possa escolher o foro, mas - uma
vez iniciado o procedimento - não se poderá recorrer a outro
foro.117 A regra ganha relevância, quando se observa que os
Estados-Partes do Mercosul participam individualmente de ou-
tros tratados multilaterais em matéria comercial com sistemas
próprios de solução de controvérsias.
Por outro lado, como a opção pelo foro será do Estado
demandante (a não ser que haja acordo), pode-se prever que o
foro internacional mais utilizado será aquele que apresentar, em
cada caso específico, a base jurídica mais sólida para sustentar a
reclamação.
Em tese, o Mercosul deveria apresentar regras mais avança-
das quanto à integração regional e ao processo de liberalização
comercial. Entretanto, em algumas matérias, como é o caso de
116. Segunda Minuta do Acordo da Área de Livre Comércio das Américas, Art.
6, Escolha do foro: “ Qualquer controvérsia que surgir entre as Partes com
relação ao disposto no Acordo da ALCA [que igualmente implicar uma
violação das obrigações assumidas conforme o] [e] Acordo sobre a OMC
[ou em outros acordos regionais de que as Partes da controvérsia forem
parte,] poderão ser resolvidos em qualquer dos foros, a critério da Parte
reclamante”. Consta ainda em nota de rodapé: “[À medida que avançarem
as negociações substantivas, surgirão outras questões relativas à eleição do
foro a serem discutidas. Por exemplo, quando se houver avançado mais nas
regras substantivas do Acordo da ALCA do que nas regras comparáveis
em outros foros, o acordo poderá expressar uma preferência pelo procedi-
mento de solução de controvérsias do Acordo da ALCA.]”. Disponível
em: http://www.ftaa-alca.org/FTAADraft02/Quito/draft_p9.doc. Acesso em:
14 ago. 2003.
117. Protocolo de Olivos, Art. 1.
57
medidas antidumping, o vazio jurídico do Mercosul poderá con-
duzir os litigantes ao OSC, cuja interpretação mais literal das
obrigações assumidas nos acordos multilaterais poderá fornecer
um maior fundamento a uma reclamação nacional.
7. CONCLUSÕES
58
no âmbito da OMC. Sobretudo as controvérsias que envolveram
matérias ambientais - como EUA-Golfinhos119 e EUA-Cama-
rões120 - tornaram-se rumorosas, em razão da suposta falta de
transparência do mecanismo de solução de controvérsias e de
sua preferência pelo comércio em detrimento do meio ambiente.
No sentido de resposta a essas críticas, as propostas de reformulação
do ESC destinadas a dar maior transparência e voz às entidades
da sociedade civil não criam maiores empecilhos para os interes-
ses brasileiros. Há, evidentemente, necessidade de estipulação
de regras que evitem a sobrecarga do sistema de solução de con-
trovérsias, bem como o pré-credenciamento de entidades que
pretendam se manifestar. Se estas medidas visando dar maior
transparência forem implementadas, podem gerar não só o efeito
de reduzir críticas à legitimidade da OMC, mas também de faci-
litar as informações - para o conjunto da sociedade civil. Em
países como o Brasil, a sociedade civil ainda é pouco organizada
e informada quanto aos interesses que são defendidos nos foros
internacionais e a razão pela qual foram escolhidos pelo Estado
para exercer proteção diplomática.
Nas demais propostas de reforma atualmente em discussão,
há ainda: profissionalização do quadro de painelistas e tratamen-
to diferenciado para países em desenvolvimento. A primeira pro-
posta talvez possa trazer maior eficácia ao funcionamento do
sistema. Para o Brasil, entretanto, é relevante que um eventual
quadro permanente de painelistas conte com representação bra-
sileira. Embora estes indivíduos não possam atuar em casos nos
quais o Brasil seja parte, poderão ter efeito multiplicador do
conhecimento acumulado, permitindo que o país possa inclusive
aprender com os próprios erros e aperfeiçoar a defesa de seus
interesses.
No que se refere ao tratamento especial e diferenciado para
os países em desenvolvimento, os interesses brasileiros estão
59
vinculados a propostas que possam dar maior eficácia ao atual
texto do ESC, que pode ser caracterizado como meramente
programático. Sobretudo no que se refere à implementação das
decisões do OSC, os interesses dos países em desenvolvimento
estariam melhor protegidos se houvesse regras claras que geras-
sem vantagens efetivas durante o procedimento para solução da
controvérsia. Neste sentido, a proposta de uma retaliação coleti-
va contra o Membro reclamado que não cumprir a decisão parece
interessante, embora seja pouco provável num mundo onde o
poder econômico está tão iniquamente dividido.
De qualquer forma, quaisquer que sejam as reformas apro-
vadas, não deve haver mudanças radicais nas principais caracte-
rísticas do sistema de solução de controvérsias da OMC. Este
sistema seguirá constituindo a materialização de uma “barganha
faustiana”,121 em que os atores mais poderosos concordam em
jogar de acordo com as regras multilaterais, desde que os demais
atores concordem em entregar sua alma ao livre comércio.
Por isso, há que se fazer uma avaliação realista sobre a crença
às vezes exagerada no caráter legalista do sistema. Em primeiro lugar,
porque tornar as regras procedimentais mais e mais complexas pode
ter efeito negativo para os próprios países em desenvolvimento, uma
vez que o mérito das controvérsias poderá não ser examinado em
razão de tecnicismos procedimentais. Em segundo lugar, porque num
mundo com atores dotados de diferente poder econômico, muitas
vezes as negociações poderão trazer um resultado mais positivo, e
mais célere, para o Membro reclamante, do que um longo e
desgastante litígio, cuja vitória não assegurará necessariamente que
a medida questionada seja integralmente revogada. Conforme de-
monstra Busch, uma parte considerável das controvérsias perante a
OMC ainda vem sendo resolvida por meio de negociações entre os
Membros, e estas soluções por vezes se mostram as mais eficazes
para atender a maior parte das reclamações apresentadas.122
60
Ao final, a avaliação do sistema de solução de controvérsias
da OMC permite concluir que este sistema trouxe um maior grau
de previsibilidade e estabilidade das relações econômicas inter-
nacionais. Prova disto é que o OSC é hoje o mecanismo interna-
cional que mais recebe reclamações, chegando a 301 casos entre
1995 e setembro de 2003. E isto mesmo reconhecendo-se que o
sistema não é perfeitamente justo - qual tribunal o é? - e que as
regras de discriminação positiva em favor dos países em desen-
volvimento são, acima de tudo, retóricas.
De qualquer forma, e quaisquer que sejam as mudanças
aprovadas, elas certamente não transformarão a alma desta bar-
ganha faustiana, que busca tornar o mundo mais previsível, acre-
ditando que a promoção do comércio possa ser uma alavanca
para o crescimento econômico.
61
8. REFERÊNCIAS
Obras
62
Trade_Workshop/jackson.pdf. Acesso em: 14 ago. 2003.
LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma
visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
MARCEAU, Gabrielle; STILWELT, Matthew. “Practical suggestions for ‘amicus
curiae’ briefs before WTO adjudicating bodies.” Journal of International
Economic Law. v.4, n.1, March 2001. p. 155-187.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público.
Volume I. 14. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PARK, Young Duk; PANIZZON, Marion. “WTO Dispute Settlement 1995-2001:
a statistical analysis.” Journal of International Economic Law. v.5, n.1, March
2002. p. 221-244.
PETERSMANN, Ernst-Ulrich. The GATT/WTO dispute settlement system:
international law, international organizations and dispute settlement.
London: Kluwer Law International, 1998. 348 p.
SANT’ANA, Janice Cláudia Freire. O Brasil e a execução de sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Mestrado em Direito). Centro de
Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
2001.
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System: a proactive developing country strategy. ASIL International
Economic Law Conference. Washington, 2002.
SUTHERLAND, Peter D. Avoiding stalemate in the Doha Round negotiations.
The Tacitus Lecture. London, Cordell Hull Institute, 15 April 2003. Dispo-
nível em: http://www.cordellhullinstitute.org/policy/sutherland.pdf. Acesso
em: 14 ago. 2003.
TANAKA, Áurea Christine. “A arbitragem do Centro Internacional para a Re-
solução de Controvérsias Relativas a Investimentos.” In: MERCADANTE,
Araminta de Azevedo; MAGALHÃES, José Carlos de (Coords.). Solução
e prevenção de litígios internacionais. São Paulo: Necin – Projeto Capes,
1998. p. 71-92.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O esgotamento de recursos internos
no direito internacional. 2.ed. Brasília: UnB, 1997.
UMBRICHT, Georg C. “An ‘amicus curiae brief’ on amicus curiae briefs at the
WTO.” Journal of International Economic Law. v.4, n.4, December 2001.
p. 773-794.
63
Lista de casos citados da OMC (ordem alfabética):
64
Referência Título original Cód. OMC Data
em inglês Relatório
EUA – United States – Measures WT/DS33/ 25 abr. 97
Camisas e Affecting Imports of Woven AB/R
Blusas Wool Shirts and Blouses
from India
65
Tratados internacionais e normas internacionais e
estrangeiras
Decisões internacionais
Sites institucionais
66
OMC. Members and observers. Disponível em: http://www.wto.org/english/
thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm. Acesso em: 14 ago. 2003.
The Advisory Law Centre on WTO Law. Disponível em: http://www.acwl.ch/.
Acesso em: 14 ago. 2003.
67
SIGLAS E ABREVIATURAS
Acordo Antidumping AA
Acordo de Têxteis e Vestuário ATV
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços GATS
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – 1947 GATT-1947
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade TRIPS
Intelectual Relacionados ao Comércio
Advisory Law Centre on WTO Law ACWL
Área de Livre Comércio das Américas ALCA
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BIRD
(Banco Mundial)
Comunidades Européias CE
Corte Interamericana de Direitos Humanos CIDH
Corte Internacional de Justiça CIJ
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos ESC
sobre Solução de Controvérsias
Fundo Monetário Internacional FMI
Nação mais favorecida NMF
North America Free Trade Agreement NAFTA
Organização das Nações Unidas para o Comércio e UNCTAD
Desenvolvimento
Organização Internacional do Comércio OIC
Organização Mundial do Comércio OMC
Órgão de Apelação OAp
Órgão de Solução de Controvérsias OSC
Tratamento nacional TN
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias TJCE
União Européia UE
68
Capítulo 2
O Sistema de Solução de Controvérsias
na União Européia
1. INTRODUÇÃO
69
Comunidade pertence. E, por fim, serão discutidas as formas como
o sistema de solução de controvérsias comunitário, através da
jurisprudência de seu Tribunal, co-determina a atuação internaci-
onal da Comunidade Européia.
2.1 A supranacionalidade
70
ção ao conceito de supranacionalidade, consiste em designá-lo
como uma qualidade exclusiva das relações intercomunitárias,
dado que as demais Organizações Internacionais são de natureza
intergovernamental, sendo regidas pelos princípios da igualdade
soberana dos Estados e não ingerência nos assuntos internos dos
Estados membros2.
Neste sentido, apesar de todas as Organizações Internacio-
nais possuírem como objetivo principal a cooperação internacio-
nal, as formas como esta cooperação se efetua podem variar de
um caso para outro. Dependendo dos níveis de intensidade e
aprofundamento da cooperação, estabelece-se uma distinção en-
tre Organizações de mera Cooperação Econômica e Organizações
de Integração, cujo maior exemplo são as Comunidades Euro-
péias. As Organizações Internacionais de Cooperação Econô-
mica possuem a finalidade de promover as relações econômicas
ou financeiras internacionais, com um grau maior ou menor de
aprofundamento, dependendo de seu objetivo final. Este pode
ser variado, incluindo desde a integração comercial e aduaneira
entre os Estados membros, o fortalecimento do sistema econômico
ou financeiro internacional, o estímulo à produção de determina-
dos produtos, até as Organizações que se dedicam ao desenvolvi-
mento econômico em geral e à redução das assimetrias entre os
Estados3.
71
No amplo conjunto que compõe as Organizações Internacio-
nais de Cooperação Econômica, incluem-se entre outros: a Asso-
ciação Européia de Livre Comércio (EFTA), o Mercado Comum
do Sul (Mercosul), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvol-
vimento (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Todas estas Organizações Internacionais procuram a cooperação
entre seus membros das mais variadas formas, o que afeta sua
estrutura e composição de seus órgãos, âmbito de competências
e sistema decisório. Sua característica comum é a utilização de
procedimentos intergovernamentais, os quais estão estruturados
em torno a três princípios básicos:
72
a) os integrantes dos órgãos decisórios não são representantes
dos governos de seus Estados de Origem e nem estão su-
bordinados às suas instruções. Ao contrário, atuam em nome
e no interesse da Comunidade Européia, usufruindo de total
independência no exercício de suas funções.
b) no sistema decisório utilizado, admite-se que determinadas
decisões (a maior parte), sejam tomadas pela maioria dos
membros, sem necessidade de unanimidade. Isto significa
que mesmo os Estados que votaram contra alguma decisão
sejam vinculados por ela.
c) a eficácia das decisões dos órgãos comunitários é imediata.
Ou seja, não necessitam ser internalizadas por qualquer ato
interno dos Estados para que produzam efeitos em sua or-
dem jurídica interna. Neste sentido, o efeito imediato das
normas comunitárias traduz a deliberação dos Estados mem-
bros de se submeterem a uma autoridade exterior.
73
determinados princípios da Comunidade Européia cristalizaram-
se nos Tratados Constitutivos, reforçando seu caráter supranacional.
Tais princípios podem ser descritos como sendo direitos da CE:
74
Contudo, estes são apenas os elementos de caráter institucional,
inseridos nos Tratados Constitutivos das Comunidades Européias.
Existem outros, de conteúdo mais político, e que não se encontram
de forma expressa nestes Tratados, tendo sido desenvolvidos de for-
ma eminentemente pretoriana. Em relação aos elementos jurispru-
denciais, é nas sentenças - “Van Gend en Loos” de 1963, e “Costa/
ENEL” de 1964 -, que situa-se o momento no qual o TJCE inicia o
desenvolvimento de determinadas características próprias do Direi-
to Comunitário, e que contribuirão para fixar a natureza supranacio-
nal8 das Comunidades Européias e de seu sistema jurídico. São eles:
75
c) a implantação de uma ordem jurídica própria, independente
dos sistemas jurídicos nacionais. Ressalte-se que as caracte-
rísticas de “autonomia e independência” do Direito Comuni-
tário em relação aos Direitos nacionais, não se encontram
expressas nos Tratados, resultando principalmente da inter-
pretação do TJCE a partir dos já citados casos “Van Gend
en Loos” e “Costa/ENEL”.
d) a aplicabilidade imediata do Direito Comunitário, através
da qual as disposições comunitárias entram em vigor em
todos os Estados membros no mesmo período de tempo,
significando a adoção da postura monista nas relações Di-
reito Comunitário e Direitos nacionais.
e) a primazia do Direito Comunitário, através da qual se possi-
bilita que este não seja revogado ou alterado por lei nacional
posterior, e em caso de antinomia entre norma comunitária e
norma nacional, a comunitária possui a precedência, mesmo
em se tratando de norma nacional de status constitucional10.
76
qual, “...a supranacionalidade determinará, (...) o nascimento de
um poder político superior aos Estados, resultante da transferên-
cia definitiva por estes da esfera dos seus poderes soberanos re-
lativos aos domínios abrangidos pela entidade supranacional, e
em que designadamente o poder legislativo (como poder de cria-
ção de Direito novo) é exercido em função do interesse comum
e não do interesse dos Estados”12. Na análise isolada dos compo-
nentes desta definição, temos que inicialmente, o sistema jurídi-
co e institucional supranacional é hierarquicamente superior aos
sistemas nacionais. Tal superioridade decorre, fundamentalmen-
te, da intenção dos fundadores da primeira comunidade européia,
expressa na “Declaração Schumann” e no art.9 do Tratado CECA.
A exegese posteriormente efetuada pela jurisprudência13 reitera
e dá continuidade ao entendimento de que a supranacionalidade
caracteriza e necessariamente implica na subordinação dos Esta-
dos a um poder político que lhes é externo e superior, substituin-
do, portanto, o tradicional princípio da coordenação entre Esta-
dos soberanos, utilizado em Direito Internacional.
Já o segundo componente da definição de supranacionalidade
em QUADROS remete à transferência de poderes soberanos a
favor da CE, considerada como definitiva na medida em que os
Estados membros renunciaram ao exercício destes poderes e não
dispõem de meios para recuperá-los de forma discricionária. Sua
expressão jurídica é o primado do Direito Comunitário sobre os
Direitos nacionais, sua aplicabilidade direta na ordem jurídica
interna dos Estados membros, a integração da ordem jurídica
comunitária nas ordens jurídicas nacionais – inclusive pelo me-
canismo do efeito direto – o princípio da uniformidade de inter-
pretação e aplicação do Direito Comunitário em todo o espaço
77
jurídico formado pelos Estados membros e a regra da maioria
como sistema de votação14.
Em terceiro lugar, encontra-se a autonomia do poder
supranacional em relação ao poder político dos Estados mem-
bros, expressa tanto na impossibilidade dos Estados extinguirem
unilateralmente o poder supranacional, quanto o fato de que este
poder supranacional existe por si, não se confundindo com o poder
político dos Estados, e nem ficando na sua exclusiva disponibili-
dade15. O quarto e último elemento, reside na independência do
poder supranacional em relação aos poderes nacionais. Este ele-
mento complementa o anterior (autonomia do poder supranacional),
mas não se confunde com ele. A independência se manifesta na
formação e manifestação da vontade comunitária (entendida aqui
como capacidade de criar Direito novo), predominantemente en-
tregue a órgãos próprios, que perseguem objetivos e interesses
comunitários, e não os interesses nacionais dos Estados mem-
bros, isolados ou em conjunto.
De um modo geral, portanto, podemos qualificar a suprana-
cionalidade como existindo apenas no âmbito da Comunidade
Européia, e designando um novo tipo de organização internacio-
nal, em que os Estados membros não se encontram mais em si-
tuação de absoluta igualdade, é permitida a ingerência em seus
assuntos internos, a relação entre a organização e os Estados deixa
de ser de coordenação e passa a ser de subordinação destes àque-
la, implicando assim numa transferência substancial de compe-
tências legislativas, executivas e judiciárias por parte dos Esta-
dos em favor da organização. O resultado é uma organização
internacional em que seus Estados membros concordam com uma
redução significativa de sua soberania. A supranacionalidade por-
tanto, além de ser um conceito jurídico utilizado, porém não
unanimamente definido, indica também uma situação política sui
generis, em que Estados soberanos aceitam a imposição de deci-
78
sões tomadas pela organização mesmo quando estas não
correspondam aos seus interesses particulares16.
79
Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comuni-
dades Européias, reiterada através de inúmeras decisões sempre
no mesmo sentido, o primado do Direito Comunitário sobre os
Direitos nacionais ocorre pela transferência, por parte dos Estados
membros, de certas parcelas de sua soberania em favor da Comu-
nidade Européia. O TJCE fundamenta a “originalidade” do Trata-
do de Roma, constitutivo da Comunidade Econômica Européia,
em relação aos demais Tratados Internacionais afirmando que18:
80
Segundo CAMPOS20, esta sentença contém toda uma teoria
das relações entre Direito Comunitário e Direito interno, sendo
que as justificativas que conduzem à primazia das normas comu-
nitárias sobre as nacionais, apesar de esclarecidas e desenvolvi-
das em sentenças posteriores, permaneceram idênticas na sua es-
sência.
Esta primazia do Direito Comunitário apresenta-se, consoan-
te jurisprudência do TJCE, em três níveis distintos21:
20. CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. Vol.1, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 290.
21. A respeito ver ARNDT, Hans-Wolfgang. Europarecht. Heidelberg:
C.F.Müller Verlag, 1992, p. 215 e ss., e SANTA MARIA, Paz Andrés Saénz
de/VEJA, Javier Gonzalez/PÉREZ, Bernardo Fernandez. Introdución al
Derecho de la Unión Europea. Madrid: Eurolex, 1996, p. 328 e ss.
22. Sentença TJCE, caso “Costa/ENEL”.
23. BLECKMANN, Albert. Europarecht. Das Recht der Europäischen
Gemeinschaft. 5., neubearbeitete Auflage. Köln-Berlin: Carl Heymanns
Verlag, 1995, p. 301. Na p. 312, cita decisão 170/1984 da Corte Constitu-
cional Italiana aceitando a primazia da norma comunitária mesmo em re-
lação a leis nacionais editadas posteriormente. Estas, portanto, tornam-se
inaplicáveis quando houver regra comunitária anterior.
81
medida legislativa, inclusive posterior, incompatível com
suas disposições”24.
82
Handelsgesellschaft o TJCE dirimiu quaisquer dúvidas a respei-
to. Neste caso em particular, havia certa resistência por parte da
jurisprudência alemã28 em aceitar a primazia de normas de Direito
Comunitário derivado, já que estas não haviam sido elaboradas
pelo órgão competente, assim determinado através da teoria clás-
sica da repartição de competências entre Executivo, Legislativo e
Judiciário. Contudo, é a Sentença Simmenthal que reafirma o pri-
mado do Direito Comunitário, em termos tais, que não apenas eli-
mina qualquer dúvida a seu respeito, mas que também vincula
completamente o juiz nacional à este princípio.
83
Os desdobramentos que a aceitação da primazia do Direito
Comunitário implica, podem ser observados nos seguintes aspec-
tos. Inicialmente instaura-se a dúvida, sobre se a primazia acarreta
a inaplicabilidade ou a invalidez da norma nacional contrária à
comunitária. Ou seja, em caso de conflito, permanece em aberto a
questão sobre se a primazia da norma comunitária possui efeito
derrogatório e conseqüentemente torna a norma nacional contrária
inválida, ou se simplesmente esta deixa de ser aplicada30 ao caso
em questão. Na sentença Simmenthal, o TJCE referiu-se a crité-
rios de validade como elemento articulador entre os ordenamentos
nacionais e o comunitário, ao afirmar que as normas comunitárias,
“...invalidam quaisquer medidas a adoptar pelas legislações na-
cionais, se estas forem incompatíveis com as provisões comu-
nitárias”31.
Contudo, a inaplicação por parte do juiz nacional da norma
interna contrária32 não dispensa os Estados membros da obrigação
de eliminar de seu ordenamento jurídico a disposição incompatí-
vel com o Direito comunitário, conforme art.5 do TCE. Também
a este respeito a jurisprudência do TJCE33. A segunda conseqüên-
cia da primazia implica na vinculação de todos os órgãos do Es-
tado (principalmente os órgãos jurisdicionais), à obrigação de
aplicar normas comunitárias e não nacionais em caso de conflito.
Contudo, esta inaplicabilidade das normas nacionais contrárias não
é inevitável, se estas puderem ser interpretadas conforme o Direi-
to Comunitário34. Por fim, a primazia implica na obrigação dos
84
Estados membros em indenizar os danos causados pelo não cum-
primento de uma norma comunitária. Estes danos são advindos da
incapacidade de invocar a norma comunitária não cumprida, para
resguardar os direitos que dela seriam decorrentes35. Podemos igual-
mente considerar que Direito comunitário e Direito nacional
interpenetram-se mutuamente, até tornarem-se dependentes um do
outro. Este tipo de relacionamento deu origem ao fenômeno da
“engrenagem”36 jurídica entre ambos os sistemas. Particularmente
visível através da necessidade do Direito Comunitário em ser execu-
tado/implementado pelos Direitos nacionais, e através dos limites
que o Direito comunitário coloca à capacidade legislativa nacio-
nal, quando tratar-se de matéria de competência comunitária.
85
regulamento comunitário diretamente pelos Poderes Instituídos
dos Estados membros, não podendo estes invocar razões de
Direito Constitucional para abster-se de fazê-lo e nem exigir meca-
nismos diferenciados de internalização da norma. Ao impor-se
ao Direito estatal, inclusive constitucional, por força e exigên-
cia de sua natureza, deve ser absolutamente comum a todos os
Estados, não podendo depender de fórmulas diferenciadas de
recepção. Observe-se, contudo, que não importa tanto o fato da
recepção ou reprodução do regulamento37. Muito mais graves
são as conseqüências relacionadas à quebra da uniformidade do
Direito Comunitário. Em primeiro lugar, corre-se o risco de
invocar e aplicar não o regulamento comunitário, mas a norma
interna de recepção, o que poderia acarretar confusão quanto ao
momento de sua entrada em vigor. Em segundo lugar, os Esta-
dos ao recepcionarem a norma comunitária, poderiam efetuar
alterações que modificassem seu sentido ou alcance. Porém o
risco maior apontado por GARCIA38, estaria na exclusão po-
tencial do TJCE para pronunciar-se sobre a interpretação e va-
lidade do regulamento comunitário, pois os juízes nacionais ao
verem-se confrontados com uma norma interna (de recepção do
regulamento), poderiam esquecer-se de que se trata de uma
norma comunitária, e aplicá-la de acordo com os parâmetros de
seu próprio sistema jurídico.
86
agentes econômicos. Este autor a define como sendo a capacidade
das pessoas privadas em invocar, perante as jurisdições nacionais,
as disposições dos Tratados e dos atos normativos das Institui-
ções Comunitárias e de fazer valer, nas suas relações recíprocas
e em face dos próprios Estados, os direitos que nesses textos
jurídicos pudessem fundar40. Deste modo, a invocabilidade da
norma comunitária significa o direito de toda pessoa em pedir ao
juiz nacional que aplique o conjunto do direito comunitário, sen-
do obrigação do juiz aplicar a legislação comunitária, indiferen-
temente de seu Estado ou legislação nacional41.
A importância da aplicabilidade direta da norma comunitá-
ria está vinculada às competências atribuídas ao TJCE. Como
veremos adiante, compete a este órgão julgar a legalidade dos
atos das Instituições Comunitárias, apreciar eventual violação
pelos Estados membros das obrigações decorrentes dos Tratados,
e garantir a uniformidade da interpretação do Direito Comunitá-
rio, pela via prejudicial. Contudo, o TJCE, não pode conhecer da
pretensão de qualquer particular, mesmo que o Direito por este
invocado seja decorrente dos Tratados ou dos atos normativos
emanados das Instituições Comunitárias. Deste modo, impedido
de dirigir-se ao TJCE e sem a aplicabilidade direta da norma
comunitária, este particular apenas poderia dirigir-se à Comissão
das Comunidades, expor-lhe suas razões e procurar convencê-
la, na sua qualidade de guardiã da legalidade comunitária42, a
iniciar uma ação por incumprimento do Tratado43, contra o Esta-
do membro responsável pela violação de seus direitos44. Assim,
a aplicabilidade direta ao gerar direitos e deveres aos Estados
membros, às Instituições Comunitárias e aos cidadãos, permite
que estes exijam dos Judiciários nacionais o reconhecimento e a
87
proteção de seus direitos. O que faz com que todo juiz nacional
de um Estado membro possa ser ao mesmo tempo um juiz comu-
nitário.
88
esta norma não requeira medidas executórias tanto dos Estados,
quanto dos Órgãos Comunitários48. É o caso de normas comunitá-
rias que não necessitam ser implantadas pelos Estados ou Órgãos
da Comunidade. Se todos os pressupostos que condicionam a
aplicabilidade direta encontram-se presentes, o TJCE tem decidi-
do que a norma comunitária gera efeitos jurídicos no relaciona-
mento dos indivíduos com seus Estados. Sendo assim, os pres-
supostos que regem a aplicabilidade direta das normas comunitárias
foram fixados pelo próprio TJCE, que vinculando-a a uma fór-
mula objetiva, retira-a do âmbito de apreciação individual de cada
Estado membro. Significa que estas disposições dos Tratados Ori-
ginários podem ser aplicadas diretamente aos particulares, uma
vez que são formuladas sem reservas, são auto-suficientes e juri-
dicamente perfeitas, e por estas razões não necessitam de qualquer
ação dos Estados membros ou da Comissão para sua execução.
89
sujeitos de direito público e privado contraem direito e obriga-
ções. Sem perder seu caráter de direito comunitário, os regulamen-
tos tornam-se parte integrante da ordem jurídica nacional, sendo
inúmeras as sentenças nas quais o TJCE reconheceu sua
aplicabilidade direta:
90
do TJCE51 têm reafirmado que sob determinados pressupostos as
diretivas são diretamente aplicáveis, ou seja, engendram um cor-
po de direitos que podem ser invocados pelas pessoas privadas
nas suas relações com o Estado. O raciocínio seguido parte da
concepção de que o “effet utile”52 das diretivas seria enfraqueci-
do, e a obrigação imposta aos Estados se esvaziaria, se os parti-
culares não pudessem invocar a norma comunitária perante os
órgãos jurisdicionais nacionais.
Ademais, a estrutura jurídica comunitária se ressentiria como
um todo, se fosse possível a cada Estado membro retardar o efei-
to de uma diretiva pela sua não conversão em norma nacional no
tempo hábil previsto. A possibilidade de iniciar-se, nestes casos,
uma ação por incumprimento segundo o art. 226 TCE, não seria
suficiente para a segurança e consolidação do sistema jurídico
comunitário. Em primeiro lugar porque não teria a capacidade de
impedir a demora na conversão da diretiva em norma nacional, e
em segundo porque a conseqüência de tal ação seria somente
uma sentença declaratória. Neste sentido, outra razão para a juris-
prudência do TJCE afirmando a aplicabilidade direta das diretivas,
seria seu caráter de sanção, através do qual não deveria ser possí-
vel aos Estados negar, ou opor-se, aos direitos assegurados pelas
diretivas aos seus cidadãos. A evolução da jurisprudência do TJCE53
51. Ver as seguintes sentenças do TJCE: 6 de outubro de 1970, Caso “Grad contra
Finanzamt Trautstein”; 17 de dezembro de 1970, Caso “SACE /Administrazione
italiana delle Finanze”; 4 de dezembro de 1974, Caso “Van Duyn”.
52. O princípio do “efeito útil” – “effet utile” está diretamente vinculado aos
métodos de interpretação do Direito Comunitário utilizados pelo TJCE, em
especial ao método teleológico. O princípio do efeito útil dispõe que cada
norma de Direito Comunitário (em especial as diretivas) deva ser interpreta-
da de acordo com o resultado pretendido pelo legislador comunitário.Ver
PIEPER, Stefan Ulrich / SCHOLLMEIER, Andres. Europarecht – Ein
Casebook. Berlin-Bonn: Carl Heymanns Verlag, 1997, p. 42.
53. Ver as seguintes sentenças do TJCE: 5 de abril de 1979, caso “Ministério
Público contra Ratti”; 19 de janeiro de 1982, caso “Becker contra
Finanzamt Münster-Innenstadt”; 26 de fevereiro de 1986, caso “Marshall
contra Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority”.
91
tem apontado dois pressupostos absolutamente necessários para
que uma diretiva possa ser invocada diretamente pelos particula-
res perante suas jurisdições nacionais: primeiro ela deve possuir
um caráter “self-executing” (formulada em termos claros, não
necessitando de qualquer ato executório da Comunidade ou dos
Estados), em segundo, que o prazo para a transposição da diretiva
tenha se esgotado ou que a transposição tenha sido efetuada de
modo incorreto.
As decisões são o terceiro tipo de ato normativo vinculante
que os órgãos decisórios da Comunidade podem editar. Quando
a decisão é dirigida aos Estados membros, aplica-se o mesmo
raciocínio desenvolvido para fundamentar a aplicabilidade direta
das diretivas. Ou seja, é necessário coibir uma possível intenção
protelatória por parte dos Estados em retardar a entrada em vigor
dos efeitos de uma decisão, quando esta preencher as condições
de aplicabilidade direta já mencionadas54. Em especial a decisão
não deve exigir a execução de determinadas medidas nacionais
para que possa ser completamente implementada. As decisões
dirigidas a particulares possuem igualmente aplicabilidade dire-
ta, pois geram diretamente direitos e obrigações a seu favor ou às
custas de seus destinatários. É o caso de decisões individuais que
impõem a pessoas privadas uma obrigação pecuniária (por exem-
plo, o pagamento de uma multa que torna-se então título execu-
tivo), ou a adoção de determinado comportamento (dissolução
de um cartel proibido pelo art. 81 TCE). As decisões individuais
também podem gerar por si próprias direitos em favor de tercei-
ros, na hipótese, por explo., de uma determinada decisão consi-
derar abusiva a atuação de um cartel, com isso habilitando suas
eventuais vítimas a requerer perante os órgãos jurisdicionais na-
cionais, indenização por danos sofridos55.
92
2.4 O sistema decisório-institucional
93
exerce sobre a Comissão através do procedimento de investidura,
das perguntas efetuadas à Comissão, do poder consultivo e da
participação no processo de co-decisão através das modalidades
previstas no Tratado.
Por último, o Tribunal de Justiça das Comunidades Euro-
péias57, que tem por função a interpretação do Direito Comuni-
tário como um todo, e através desta prerrogativa, soluciona o
conjunto das disputas surgidas entre as diversas instituições co-
munitárias entre si, entre os Estados membros, entre os Estados
membros e as instituições comunitárias, e finalmente, entre as
pessoas privadas e os Estados e as instituições comunitárias.
57. Neste artigo, não trataremos do Tribunal de Contas das Comunidade Européias,
visto que não exerce funções significativas no processo decisório da UE.
58. GARCIA, op.cit., p. 322 e ss.
94
Constitucional ao ser o intérprete último sobre a adequação de
normas comunitárias e nacionais ao Tratado da Comunidade
Européia, este último elevado à categoria de “Constituição Co-
munitária”59. Mas, ao contrário das jurisdições exclusivamente
constitucionais, cujo parâmetro de controle é o texto constitucio-
nal em si, o TJCE também controla a observância a todo o
ordenamento jurídico comunitário, inclusive o Direito derivado.
Neste sentido, o TJCE exerce “funções revisoras típicas tanto de
juiz constitucional como de juiz contencioso-administrativo” 60.
Segundo BORCHARDT61 as funções do TJCE podem ser
agrupadas em três grandes esferas:
95
Tribunal Administrativo, examina os atos administrativos ema-
nados dos órgãos comunitários e dos órgãos nacionais, quando
da execução de Direito Comunitário. Como Tribunal Trabalhis-
ta, decide sobre questões relacionadas à livre circulação de tra-
balhadores, segurança social e igualdade de tratamento entre
homens e mulheres. Como Tribunal Fiscal, aprecia a validade e
interpretação das diretivas relacionadas aos impostos e direitos
aduaneiros. Como Tribunal Penal controla as multas adminis-
trativas impostas pela Comissão, e finalmente, como Tribunal
Civil, interpreta a Convenção de Bruxelas sobre reconhecimen-
to e execução de sentenças nas áreas civil e comercial.
Neste conjunto bastante distinto de atribuições, cabe obser-
var que o TJCE utiliza-se de métodos clássicos de interpretação
jurídica, nomeadamente a literal, sistemática e teleológica. Para-
lelamente, ocorre o recurso a textos do Direito primário, em es-
pecial aos Preâmbulos do TCE e do TUE, que possuem como
objetivo o contínuo aprofundamento da integração européia, ha-
vendo portanto, por parte do Tribunal, o privilegiamento dos
métodos sistemático e principalmente teleológico. Neste sentido,
a interpretação dominante, é aquela que propicia a concretização
dos objetivos do TCE e assegura a capacidade de ação dos ór-
gãos comunitários. Exemplos concretos da hermenêutica do
TJCE, são a fundamentação do primado do Direito Comunitário
sobre o Direito nacional, o efeito direto das diretivas em virtude
do “effet utile” e a competência das Comunidades Européias para
celebrar Acordos com Estados terceiros e Organizações Interna-
cionais. Por outro lado, a interpretação do Direito derivado é
realizada de modo “conforme” ao Direito primário, do mesmo modo
como o Direito nacional é interpretado de modo “conforme” à
Constituição, assegurando, neste sentido, a unidade sistêmica do
ordenamento jurídico comunitário63.
96
3.2 A estrutura jurisdicional
97
Apesar do mandato ser de seis anos, de três em três anos
será efetuada uma substituição parcial dos juízes e dos advoga-
dos-gerais, de acordo com as condições previstas no Estatuto do
Tribunal de Justiça.
98
4. O SISTEMA RECURSAL COMUNITÁRIO E AS
FUNÇÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
99
um Estado membro não cumpre com qualquer obrigação decor-
rente do Tratado CE.
O art. 226 não explicita o trâmite a ser seguido, porém, a
seqüência processual ocorre da seguinte maneira. Inicialmente a
Comissão comunica oficialmente, através de uma carta de infra-
ção, a um Estado membro, que em sua opinião, o referido Estado
não cumpriu com suas obrigações, como por exemplo, a incor-
poração de diretivas. Nesta mesma carta de infração, a Comissão
oferece ao Estado infrator a possibilidade de apresentar suas ob-
servações, o qual pode ou não fazê-lo. Na hipótese do Estado
oferecer contra razões à carta da Comissão, poderá ou reconhe-
cer a infração alegada e comprometer-se a remediá-la, ou então
negar a existência da infração. Se o Estado infrator não contesta
a carta de infração, ou se suas contra razões não são convincen-
tes, a Comissão emitirá um parecer fundamentado, no qual volta
a recomendar ao Estado que cesse a presumível infração, dentro
do prazo estabelecido no parecer. Se por sua vez, o Estado não
tomou as medidas necessárias para cessar a infração dentro do
prazo, a Comissão poderá iniciar a fase contenciosa propriamen-
te dita, ao recorrer ao Tribunal. Observe-se, contudo, que não
existe obrigatoriedade da Comissão em recorrer. Esta pode, por
diversas razões, decidir não recorrer do não incumprimento por
parte do Estado, do parecer fundamentado. No caso da Comissão
decidir-se pelo recurso ao Tribunal, a execução da sentença será
regulada pelo disposto no art. 228 TCE, que prevê a possibilida-
de de condenação do Estado infrator, caso este não tome as medi-
das necessárias para a execução da sentença do Tribunal, dentro
do prazo estabelecido. A condenação imposta ao Estado inclui
uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção
pecuniária. Tais multas podem ocorrer através da compensação
dos recursos enviados pela Comissão aos Estados, a título de
ajuda ou transferência dos Fundos Comunitários.
100
4.1.2 Recurso de incumprimento por iniciativa de um Estado
membro
67. Art 227 TCE. “Qualquer Estado-membro pode recorrer ao Tribunal de Jus-
tiça se considerar que outro Estado-membro não cumpriu qualquer das obri-
gações que lhe incumbem por força do presente Tratado. Antes de qualquer
Estado-membro introduzir recurso contra outro Estado-membro, com funda-
mento em pretenso incumprimento das obrigações que a este incumbem por
força do presente Tratado, deve submeter o assunto à apreciação da Comis-
são. A Comissão formulará um parecer fundamentado, depois de os Estados
interessados terem tido oportunidade de apresentar, em processo contraditó-
rio, as suas observações, escritas e orais. Se a Comissão não tiver formulado
parecer no prazo de três meses, a contar da data do pedido, a falta de parecer
não impede o recurso ao Tribunal de Justiça”.
101
4.2 Recursos por ilegalidade
68. Art. 230 TCE. “O Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos
adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos
atos do Conselho, da Comissão e do BCE, que não sejam recomendações
ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu destinados a produzir
efeitos jurídicos em relação a terceiros. Para o efeito, o Tribunal de Justiça
é competente para conhecer dos recursos com fundamentação em incom-
petência, violação de formalidades essenciais, violação ao presente Trata-
do ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de
poder, interpostos por um Estado-membro, pelo Conselho ou pela Comis-
são. O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas condições, para co-
nhecer dos recursos interpostos pelo Parlamento Europeu, pelo Tribunal de
Contas e pelo Banco Central Europeu com o objetivo de salvaguardar as
respectivas prerrogativas. Qualquer pessoa singular ou coletiva pode inter-
por, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária
e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de
decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam direta e individualmente respei-
to. Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo
de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua
notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente
tenha tomado conhecimento do ato”.
102
do TPI ao Tribunal de Justiça é limitado às questões de Direito e
nas condições e limites previstos no Estatuto.
A legitimidade ativa é concebida em termos bastante amplos.
Institucionalmente, tanto os Estados membros, quanto a Comissão,
o Conselho, o Parlamento, o Banco Central e o Tribunal de Contas
possuem legitimidade para interpor recursos sobre a legalidade dos
atos comunitários. Para os particulares, admite-se tanto o critério do
interesse direto (destinatário do ato) quanto o do interesse indireto
(afetado pelo ato). No entanto, aos particulares cabe somente a legi-
timidade para recorrer de atos administrativos stricto-sensu, e não
de disposições gerais, para as quais apenas as instituições comuni-
tárias e os Estados membros possuem legitimidade. Já a legitimida-
de passiva estende-se a todas as instituições autoras, ou seja, os atos
adotados em conjunto pelo Parlamento e pelo Conselho, os atos do
Conselho, da Comissão, e do Banco Central. Objeto do recurso são
os atos argüiídos como ilegais das instituições comunitárias.
Os motivos que geram o recurso estão descritos de forma tão
ampla, que na prática, englobam todas as possibilidades de ilega-
lidade ou violação do Tratado. A incompetência pode ser tanto
externa, quanto interna. A incompetência externa refere-se à com-
petência da Comunidade como um todo para tomar determinada
decisão ou intervir em determinada matéria. Ela decorre da nebu-
losidade das competências atribuídas à Comunidade perante as
competências restantes dos Estados membros69. Já a incompe-
tência interna refere-se aos atos adotados por uma instituição dentro
do seu âmbito de competências comunitárias, cuja adoção, no en-
tanto, corresponde a uma outra instituição. Na maior parte dos casos,
é relacionada ao exercício, por parte da Comissão, de suas atribui-
ções para adotar medidas de execução dos atos do Conselho.
A violação de formalidades essenciais, refere-se basicamente à
não observância dos trâmites de procedimento, em especial à falta
103
de informes, consultas, suficiente motivação, infração das normas
de regulamentos internos, ausência de audiência ou alegações do
interessado e defeitos de publicação ou notificação dos atos.
A violação do Tratado ou de qualquer norma jurídica rela-
tiva à sua aplicação refere-se à não observância material das
normas de direito comunitário. Neste caso, a violação ocorre
quando existe afronta ao conteúdo de um ato normativo ou aos
princípios do direito comunitário.
O desvio de poder ocorre quando uma instituição comuni-
tária utiliza-se de um poder do qual é titular, originariamente ou
por delegação, para um fim distinto do previsto no ordenamento
jurídico. Ou seja, é o uso da capacidade institucional de um de-
terminado órgão, para fins distintos daqueles previstos no
ordenamento jurídico. Ocorre normalmente quando a escolha da
base jurídica é distinta daquela que deveria ser adotada para re-
ger a adoção da norma em questão, evitando por exemplo, con-
sultas a outras instituições ou órgãos, ou então alterando o siste-
ma de votação no interior do Conselho70.
O procedimento para interposição do recurso não é explici-
tado no art. 230, mas apenas o prazo, que é de dois meses a partir
da publicação ou conhecimento do ato. A eficácia da sentença é
regulada no art. 231 TCE71, e na hipótese de anulação do ato
impugnado pelo TJ, a sentença passa a ter valor erga omnes.
Além disso, o art. 233 TCE72, determina que a Instituição da qual
emane o ato anulado seja obrigada a adotar as medidas necessá-
rias para a execução da sentença do Tribunal de Justiça.
104
4.2.2 O recurso por omissão
73. Art. 232 TCE. “Se, em violação do presente Tratado, o Parlamento Europeu,
o Conselho ou a Comissão se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-mem-
bros e as outras Instituições da Comunidade podem recorrer ao Tribunal de
Justiça para que declare verificada essa violação. Este recurso só é admissível
se a Instituição em causa tiver sido previamente convidada a agir. Se, decor-
rido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a Instituição não
tiver tomado posição, o recurso pode ser introduzido dentro de um novo
prazo de dois meses. Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao
Tribunal de Justiça, nos termos dos parágrafos anteriores, para acusar uma
das Instituições da Comunidade de não lhe ter dirigido um ato que não seja
recomendação ou parecer. O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas
condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo BCE no domínio das
suas atribuições, ou das ações contras estes intentadas”.
74. GARCIA, p. 417.
105
Por outro lado, a analogia da legitimidade ativa de particulares
entre os artigos 230 e 232 TCE, leva à exigência de interesse direto
e individual ou potencialmente afetado pela omissão normativa-
institucional75. Estão passivamente legitimados a Comissão, o
Conselho e o Parlamento Europeu, que se abstiveram de pronun-
ciar-se, as instituições comunitárias que não dirigiram a particula-
res atos distintos de recomendações ou pareceres e o Banco Cen-
tral Europeu em relação aos recursos destinados contra si próprio.
Observe-se que o início da fase judicial ocorre apenas após
um duplo prazo. Inicialmente, de dois meses a contar da data na
qual a instituição foi convidada a agir, e posteriormente, verificada
a omissão, o prazo adicional de dois meses para a interposição do
recurso. Na hipótese do recurso ser julgado procedente, a sentença
determina à instituição comunitária o dever de pronunciar-se sobre
determinada questão, ou emitir o ato, cuja omissão caracteriza a
violação ao direito comunitário. Por sua vez, a eficácia da sentença
também remete ao art. 233 TCE. Neste sentido, se durante o trâmi-
te do processo a instituição atua, finalizando a omissão, o Tribunal
de Justiça entende que o processo se extingue pela perda de objeto,
inclusive perante a impossibilidade de obrigar a instituição omissa
a adotar as medidas necessárias para a execução da sentença76.
106
processo principal78, no qual se solicita ao Tribunal que se ma-
nifeste sobre a ilegalidade de determinada norma comunitária,
necessária para a solução do recurso. Ou seja, não se constitui
em um direito de ação autônomo e apenas pode ser exercida a
título incidental, pondo-se em causa a validade do regulamen-
to, pelo fato de este constituir a base jurídica dos atos de apli-
cação impugnados79. Neste sentido, o objetivo da exceção de
ilegalidade é assegurar proteção contra um regulamento ilegal.
O que se contesta é o ato individual baseado no regulamento
tido por ilegal.
Segundo MORENO, a exceção de ilegalidade possui uma
finalidade tanto objetiva, quanto subjetiva. Objetivamente, per-
mite extrair do ordenamento comunitário o regulamento eivado
de ilegalidade. Subjetivamente, permite que partes não legitima-
das possam recorrer de disposições gerais, como é o caso de
particulares.
A competência para conhecer a exceção de ilegalidade será
tanto do Tribunal de Justiça, quanto do TPI, dependendo de a
quem compete conhecer da ação principal. A legitimidade ativa
pertence a qualquer das partes do litígio anterior, no momento
da contestação do ato de aplicação do regulamento e a legitimi-
dade passiva é da instituição autora do regulamento impugna-
do. O objeto do recurso é a declaração de ilegalidade do regu-
lamento questionado. Observe-se que apenas os regulamentos
(ou atos análogos) podem ser objeto do recurso, excluindo-se
da apreciação jurisdicional os atos de alcance individual, o que
poderia levar a que a legalidade dos atos administrativos pu-
desse ser indefinidamente questionada. A motivação para a
exceção de ilegalidade é a mesma prevista no segundo parágra-
fo do art. 230 e os efeitos da sentença podem ser erga-omnes,
ou inter-partes.
107
4.3 O recurso por responsabilidade extracontratual da
Comunidade
80. Art. 235 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos
litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do
art. 288”.
81. Sentença TJCE de 14 de julho de 1967. Caso “Kampfmeyer contra Comis-
são”.
108
4.4 O recurso de pessoal
82. Art. 236 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre todo
e qualquer litígio entre a Comunidade e os seus agentes, dentro dos limites
e condições estabelecidas no estatuto ou decorrentes do regime que a estes
é aplicável”.
83. Art. 238 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir com funda-
mento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito pú-
blico ou de direito privado, celebrado pela Comunidade ou por sua conta”.
Art. 239 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre qual-
quer diferendo entre os Estados-membros, relacionado com o objeto do pre-
sente Tratado, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso”.
109
4.6 A interpretação uniforme do Direito Comunitário
84. Art. 234 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título
prejudicial: a) Sobre a interpretação do presente Tratado; b) Sobre a vali-
dade e interpretação dos atos adotados pelas Instituições da Comunidade e
pelo BCE; c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados
por ato do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam. Sempre que
uma questão dessa natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar
que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa,
pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma
questão dessa natureza seja suscitada em processo pendente perante um
órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam suscetíveis de re-
curso prejudicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a sub-
meter a questão ao Tribunal de Justiça”.
85. GARCIA, op.cit., p. 325.
110
passa a ser competente para conhecer das questões prejudiciais
nas matérias especificadas no Estatuto. O recurso ao Tribunal
ocorre apenas se existe risco de lesão da unidade ou coerência do
direito comunitário.
Ao considerar que o juiz comunitário é de fato o juiz nacio-
nal de direito comum86, BERGERÈS87 analisa que o objetivo do
art. 234 TCE está relacionado com a necessidade de estabelecer
uma fórmula de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacio-
nais e o TJCE. Assim, ao prever um pedido de decisão a título
prejudicial para interpretação e um pedido de decisão a título
prejudicial para apreciação de validade, instaurou-se uma técni-
ca de cooperação jurisdicional que possibilitou eliminar quase
que inteiramente o risco de fragmentação do direito comunitário
na sua aplicação efetiva. Segundo o art. 234, podem ser apresen-
tadas ao TJCE questões sobre interpretação e validade do Direito
Comunitário. As questões relacionadas à interpretação podem
incluir todas as fontes de Direito Comunitário, ou seja Direito
Primário e Direito Secundário. Ou seja, não existem atos comu-
nitários que não possam ser apreciados pelo Tribunal. Restrita ao
Direito Secundário está a validade, cujo padrão de avaliação se-
gue sendo o Direito Primário. Não sujeitas à decisão prejudicial
do TJCE, estão as questões relacionadas à interpretação do Di-
reito nacional, em especial uma eventual incompatibilidade des-
te (normalmente constitucional) com o Direito Comunitário88.
Por estar restrito a questões de direito, o Tribunal não se manifesta
86. Por diversas ocasiões o Tribunal reafirmou esta situação, relembrando que
eventuais litigantes não deveriam recorrer a si, mas aos órgãos jurisdicionais
dos Estados Membros, na sua qualidade de juízes comunitários. Ver a res-
peito Sentença TJCE de 21 de janeiro de 1976. “Importazione bresciami
carni contra Comissão”.
87. BERGERÈS, Maurice-Christian. Contencioso Comunitário. Vol.I. Tradu-
ção de Evaristo Santos. Porto: Rés-Editora, 1995, p. 6.
88. Ver KLINKE, Ulrich. Der Gerichtshof der Europäischen Gemeinschaften.
Aufbau und Arbeitsweise. Baden-Baden: Nomos, 1997., STREINZ, op. cit.,
p. 185.
111
sobre os aspectos materiais da causa em questão, ou seja, a deci-
são sobre o mérito propriamente pertence aos órgãos jurisdicionais
nacionais. A menção à validade, por outro lado, destina-se a ve-
rificar a legalidade dos atos comunitários, nos mesmos parâmetros
do recurso de anulação.
A autorização para apresentar a questão prejudicial perten-
ce a qualquer órgão jurisdicional de um Estado membro89, não
devendo esta autorização ser excluída ou dificultada por normas
nacionais90. A obrigação de apresentar a questão prejudicial é
atribuída aos órgãos jurisdicionais de cuja sentença não couber
mais recurso.
Há uma certa lacuna do texto legal sobre a definição de
quais órgãos são esses. Ou seja, se são apenas os Tribunais Su-
periores, ou qualquer órgão jurisdicional que possua a compe-
tência processual para se pronunciar definitivamente. Como o
objetivo do art. 234 é assegurar a unidade na interpretação e
aplicação do Direito Comunitário em todos os Países membros,
pressupõe-se portanto, a obrigação de interpor a questão prejudi-
cial a qualquer órgão jurisdicional de cuja sentença não caiba
mais recurso91. Outro aspecto importante, relaciona-se à possi-
bilidade de inovar a jurisprudência do TJCE a respeito de algum
assunto, apresentado-lhe uma questão prejudicial. Deste modo,
se um Tribunal nacional pretende desviar-se da interpretação
dominante do TJCE, apresenta nova questão.
112
Na Alemanha o Tribunal Federal de Finanças (Bundesfi-
nanzhof), e na França o “Conseil d´Etat”, defenderam durante
algum tempo a chamada teoria “Acte-clair”, segundo a qual a
obrigatoriedade de interposição da questão prejudicial estaria
vinculada à existência de uma dúvida “razoável” sobre a validade
ou interpretação da norma comunitária questionada. Contudo, uma
exceção à irrestrita obrigação de apresentar a questão prejudicial
somente se apresenta quando o TJCE já manifestou-se em algum
processo semelhante, quando já existe jurisprudência firmada a
respeito ou quando a utilização correta do Direito Comunitário
está tão evidente, que já não sobra nenhuma dúvida razoável. A
jurisprudência do TJCE tem-se manifestado restritivamente sobre
a matéria 92.
113
respeitantes à competência, ao procedimento, ou à organização
institucional da Comunidade”94.
Também segundo o TJCE95, o principal objetivo deste tipo
de controle preventivo é evitar as complicações que poderiam
decorrer de impugnações relacionadas à incompatibilidade de um
acordo internacional com o Tratado CE, o que não elide o reco-
nhecimento por parte do Tribunal das eventuais dificuldades que
uma declaração a posteriori sobre a inconstitucionalidade de um
acordo internacional provocaria96. Quanto à sua eficácia, um
parecer negativo do TJCE possui um caráter vinculante, no sen-
tido de que o acordo internacional para ser efetivado necessita,
segundo o artigo 300.6 TCE, de prévia revisão do Tratado comu-
nitário. Foi neste sentido, o Parecer 1/76, sobre o Fundo Europeu
de Navegação Interior97. As dúvidas estavam relacionadas à com-
patibilidade de certas disposições do acordo com o TCE, pois o
projeto implicava em uma certa delegação de competências
decisórias e jurisdicionais em favor de órgãos independentes das
instituições comunitárias. A manifestação do Tribunal a respeito
foi fulminante:
114
No mesmo sentido, foi o Parecer 1/91 TJCE de 15 de de-
zembro de 1991, sobre os sistemas de solução de controvérsias
no projeto de Acordo para a criação do Espaço Econômico Eu-
ropeu. O Parecer foi desfavorável por condicionar a interpreta-
ção das normas comunitárias ao mecanismo jurisdicional previs-
to no acordo98.
Na hipótese do parecer ser positivo o acordo é declarado
compatível com o Tratado, ou seja, constitucional. A cautela
comunitária recomenda contudo, uma eventual obtenção de novo
parecer, após encerradas as negociações, sobre os aspectos não
abordados pelo Tribunal em seu parecer anterior99.
115
ria) 101 a serem celebrados pela CE podem subdividir-se em duas
fórmulas de atuação diferentes. A primeira em relação aos acor-
dos celebrados exclusivamente pela Comunidade e neste caso
apenas ela atua internacionalmente porque possui competência
para tanto. A segunda, se sua competência em determinada ma-
téria não for suficiente, necessitando da co-participação interna-
cional dos Estados membros dentro dos limites estipulados pelo
quadro geral de repartição de competências102. Os pressupostos
estabelecidos no art. 300, 1 a 7 TCE, determinam o procedimen-
to a ser seguido sempre que a Comunidade Européia celebra
Tratados internacionais com Estados terceiros. Nos acordos ex-
clusivos, os Estados membros não são partes contratantes, sendo
total e completamente representados pela CE; nos acordos mis-
tos, a Comunidade e os Estados membros são co-celebrantes em
conjunto com outros Estados terceiros. Em ambos os casos, o
procedimento a ser seguido pela Comunidade é sempre o do art.
300 TCE, que estipula um procedimento geral para a celebração
de todos os Tratados internacionais pela Comunidade, o qual pode
ser descrito em três grandes fases:
116
5.1 Nos acordos celebrados exclusivamente pela CE
117
Se as negociações chegarem a um termo positivo para to-
das as partes, e o parecer do Parlamento Europeu for favorável
quando tal seja necessário, cabe então ao Conselho, exclusiva-
mente, manifestar o consentimento em nome da Comunidade
Européia ao acordo internacional a ser celebrado. Para tanto, o
Conselho adota a decisão por maioria qualificada, salvo nos
casos que expressamente requerem unanimidade: - os acordos
de associação do art. 310, dada a sua importância política e
econômica, - e em virtude do princípio do paralelismo das com-
petências internas e externas, sempre que em determinada ma-
téria se requeira a unanimidade no âmbito intracomunitário, ela
também será necessária para celebrar os acordos internacionais.
Na última fase, não obrigatória, o Parlamento Europeu, a Co-
missão, o Conselho ou qualquer Estado membro poderá solici-
tar ao TJCE um parecer prévio sobre a compatibilidade com o
Direito Originário do acordo a ser celebrado pela Comunidade.
Se o parecer do Tribunal for negativo, poderão ocorrer três hi-
póteses: a Comunidade deixa de celebrar o acordo; retomam-se
as negociações e o acordo é reformulado; ou então se procede
a uma alteração do Tratado CE, segundo o disposto no art. 48
do Tratado da União Européia.
118
demais Estados membros, torna-se inviável. Ou seja, nenhum
acordo misto produzirá efeitos na ordem jurídica comunitária, sem
antes entrar em vigor nas diversas ordens jurídicas nacionais.
119
convencional internacional103. Deste modo, a antinomia surgida
é solucionada adotando-se o princípio hierárquico (lex superior
derogat legi inferiori) e não o cronológico (lex posterior derogat
legi priori).
120
QUADROS105 em sua análise do caso “Haegeman II”, o Tribu-
nal não possui competência interpretativa direta em relação aos
acordos internacionais celebrados pela Comunidade. A falta de
um dispositivo expresso não impediu contudo, que o TJCE afir-
masse a sua competência para interpretar prejudicialmente um
acordo internacional. Sua argumentação baseia-se no fato do
acordo ter sido concluído pelo Conselho, e neste sentido consti-
tuir-se em um ato “adoptado pelas Instituições da Comunidade”
para todos os efeitos da alínea b) do art. 234 TCE. Em que pese
a opinião do brilhante internacionalista português acima referi-
do, não concordamos com sua posição segundo a qual a jurispru-
dência do TJCE nos casos “Haegeaman” e “International Fruit”
abandonou os sistemas clássicos de recepção ou transformação
dos Tratados internacionais (à margem portanto da dicotomia
monismo/dualismo), para admitir que “o Tratado é imediatamen-
te aplicável na ordem jurídica comunitária, logo após a sua entra-
da em vigor na ordem internacional” 106. A nosso ver, a única
fundamentação jurídica possível para que o TJCE exerça o con-
trole posterior sobre os acordos internacionais, baseia-se exata-
mente no princípio da recepção da norma internacional efetuada
pelos órgãos constitucionalmente competentes. Ao afirmar que o
acordo celebrado pelo Conselho constitui-se em ato praticado
pelos órgãos da Comunidade sendo assim um ato normativo in-
terno, o TJCE simplesmente reproduz a posição dos Tribunais
Constitucionais nacionais a respeito. Ou seja, a qualificação do
direito internacional como direito comunitário é efetuada, princi-
palmente, para fundamentar a competência do TJCE para inter-
pretar e aplicar as regras dos acordos internacionais.
105. Ver QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito
Internacional Público. Coimbra: Almedina, 1991, p. 465 e ss., em que
discute criticamente a posição adotada pelo TJCE quanto aos acordos in-
ternacionais celebrados pela Comunidade.
106. QUADROS, op.cit., p. 466.
121
6.2 Início da produção de efeitos do acordo no âmbito
intracomunitário
122
abstraindo-se a origem internacional destas disposições...de acordo
com os princípios de Direito Internacional, as Instituições comu-
nitárias que são competentes para negociar e celebrar um acordo
com um País terceiro, são livres para decidir com ele os efeitos
que as disposições do acordo devem produzir no ordenamento
interno das partes contratantes. Apenas no caso de que esta ques-
tão não tenha sido regulada pelo Acordo, incumbe às jurisdições
competentes e em particular ao Tribunal de Justiça, no marco da
competência que o Tratado comunitário lhe atribui, proporcionar
uma resposta igual que a qualquer outra questão relativa à apli-
cação do Acordo na Comunidade”108.
123
c) no caso “Anastasiou”, em relação ao acordo de associação
com Chipre, o Tribunal de Justiça repete textualmente o
disposto sobre o tema na sentença “Demirel”111.
124
jurídica e os efeitos das diretivas estão regulamentados direta-
mente pelo TCE (do modo como o Tribunal o interpreta). Tal
natureza e seus efeitos impõem-se ao legislador comunitário, que
não pode modificá-los a seu dispor. Ao contrário, cada acordo
internacional resulta do livre consentimento das partes contra-
tantes, as quais podem definir os limites e os alcances dos com-
promissos que aceitam no marco do acordo. Ou seja, os acordos
internacionais possuem os efeitos que as partes lhe concedem,
sendo o efeito direto do acordo resultante do compromisso inter-
nacional. Se esta questão não foi regulada pelo próprio acordo,
só então caberá ao Tribunal de Justiça manifestar-se a respeito.
125
“Chiquita”118 e “Dior”119reafirmam a posição do Tribunal de que
o GATT não contém qualquer dispositivo que conceda a particu-
lares o direito de propor em juízo ação contra órgãos comunitá-
rios ou nacionais, pela aplicação de normas supostamente con-
trárias ao Acordo Geral.
Quando da celebração dos acordos resultantes da Rodada
Uruguai, e da criação da Organização Mundial do Comércio, a
decisão final proposta pelo Conselho e que obteve parecer favo-
rável do Parlamento Europeu, incluiu no seu preâmbulo uma
consideração segundo a qual, “pela sua natureza, o Acordo que
institui a Organização Mundial do Comércio e seus anexos não
pode ser invocado diretamente nos tribunais da Comunidade e
dos Estados-membros”120. Mesmo com tal restrição, o TJCE foi
obrigado em uma série de ocasiões a reportar-se a este respeito.
Confirmando sua jurisprudência anterior, o Tribunal mantém o
entendimento de que o acordo que instituiu a OMC, incluindo
seus anexos, “continua a basear-se, tal como o GATT de 1947,
no princípio das negociações realizadas numa base de reciproci-
dade e de vantagens mútuas, distinguindo-se assim, no que se
refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com paí-
ses terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações
ou criam relações especiais de integração na Comunidade”121.
Neste sentido, a posição do Tribunal é de que os acordos OMC
não visam criar direitos para particulares, mas limitam-se a regular
as relações entre Estados e organizações econômicas regionais com
base em negociações que assentam no princípio da reciprocidade.
No caso Portugal contra Conselho, cujo objeto é a anulação
da Decisão 96/386/CE relativa à celebração de memorandos de
acordo entre a CE e Paquistão e entre a CE e a Índia, o Tribunal
volta a reafirmar que tendo em conta a sua natureza e a sua eco-
126
nomia, o acordo OMC e os seus anexos não figuram, em princípio,
entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para
fiscalizar a legalidade dos atos e instituições comunitárias. Em
relação a este último aspecto, a reciprocidade, o próprio Tribunal
argumenta que as outras partes contratantes dos acordos OMC,
concluíram, à luz do objeto e da finalidade de tais acordos, que
estes não fazem parte das normas à luz das quais os respectivos
órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das normas jurídicas
internas122. No entanto, acrescenta que cabe fiscalização da lega-
lidade dos atos comunitários à luz das disposições da OMC quan-
do três condições cumulativas estivessem preenchidas:
“em primeiro lugar, uma violação das referidas regras fosse reco-
nhecida pelos órgãos da OMC; em segundo lugar, a Comunidade
se tivesse comprometido a executar as recomendações e decisões
provenientes do Órgão de Resolução de Litígios (...); em terceiro
lugar, a Comunidade não tivesse tomado as medidas para dar
cumprimento às referidas recomendações e decisões no prazo pre-
visto”123.
122. Id.ibid.
123. Id.ibid.
124. Sentença TPI de 12 de julho de 2001. Caso “T.Port contra Conselho”.
127
novos argumentos sustentados na referida sentença Portugal contra
Conselho, os quais já eram de seu conhecimento no momento da
interposição da ação. Por este motivo, o Tribunal considera tal
argumentação injustificada.
A segunda razão baseia-se na inadmissibilidade do argu-
mento da demandante, de que teria ocorrido lesão ao art. 307,
primeiro parágrafo TCE125. Segundo T. Port, o Conselho ignorou
a regra de delimitação de competências entre a Comunidade e
seus Estados membros ao adotar o Regulamento 404/93, no seu
capítulo IV126, pois determinados dispositivos deste regulamento
eram contrários às obrigações assumidas pela República Federal
da Alemanha em 1952, data em que aderiu ao GATT de 1947.
Segundo entendimento do Tribunal, o parágrafo primeiro do art.
307 TCE, tem por objetivo garantir o respeito às convenções inter-
nacionais celebradas pelos Estados membros antes de sua adesão
à CE. Por conseguinte, “para determinar se uma norma comunitá-
ria pode ser tornada inoperante por uma convenção internacional
anterior, importa examinar se esta se impõe ao Estado-membro em
causa, obrigações cujo cumprimento pode ainda ser exigido pelos
países-terceiros que são parte na convenção”127. Duas ordens de
125. Art. 307, primeiro Parágrafo TCE. “As disposições do presente Tratado
não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções con-
cluídas antes de 1. de janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados aderen-
tes, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados-
membros, por um lado, e um ou mais Estados-terceiros, por outro”.
126. Este regulamento, de 13 de fevereiro de 1993, substituiu os regimes nacio-
nais de importação de bananas, estabelecendo a organização comum de
mercado do setor de bananas. Este regime de importação foi objeto de um
processo de resolução de litígios no âmbito da OMC, como conseqüência
de queixas apresentadas por alguns Estados. O Órgão de Resolução de
Litígios da OMC declarou, em 25 de setembro de 1997, que vários aspec-
tos do sistema comunitário de importação de bananas são incompatíveis
com as regras da OMC. Apesar do Conselho ter adotado um novo Regu-
lamento 163/98, de 20 de julho de 1998, este também teve dispositivos
considerados incompatíveis com a OMC.
127. Sentença TPI de 12 de julho de 2001. Caso “T.Port contra Conselho”.
128
questão se colocam. A primeira, de que o GATT de 1994, é juri-
dicamente distinto do GATT de 1947128. Segundo, somente a
Comunidade, por força do disposto no art. 133 TCE (política
comercial comum) era competente para celebrar o acordo GATT/
94129, e por conseqüência, as obrigações resultantes vinculam
apenas a Comunidade e não os Estados membros.
Resulta da jurisprudência plasmada nesta sentença, que o
Tribunal, mesmo admitindo determinados pressupostos para que
a legalidade da norma comunitária possa ser avaliada pelas nor-
mas da OMC, tal postura não se reflete nas ações concretas de
indenização por responsabilidade extracontratual. Ao não reco-
nhecer um efeito direto às normas da OMC, a jurisprudência
comunitária eximiu-se também da responsabilidade de verificar
a legalidade dos atos comunitários à luz das disposições da OMC.
129
Diretiva 96/22/CE, relativa à proibição de utilização de certas
substâncias com efeitos hormonais ou tireoestáticos e de subs-
tâncias beta-agonísticas em produção animal, mantendo a proibi-
ção anterior de importação de tal produto. Em fevereiro de 1998,
o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC (OSC) declarou o
regime comunitário incompatível com o acordo SFS, conceden-
do à Comunidade um prazo até 13 de maio de 1999 para executar
as recomendações do OSC. Em 28 de junho de 2000, a Biret
International S.A., cujo objeto social é a comercialização de pro-
dutos alimentares, entrou com uma ação contra o Conselho, nos
termos dos artigos 235 TCE conjugado com o segundo parágrafo
do artigo 288 TCE, com o objetivo de obter o ressarcimento do
prejuízo causado pela manutenção da diretiva 96/22 e conseqüente
proibição de importação de carnes e derivados tratados a base de
certos hormônios dos Estados Unidos.
O acórdão do Tribunal de Primeira Instância reitera a juris-
prudência anterior de que, tendo em atenção a sua natureza e a
sua economia, o acordo OMC e seus anexos, não constam entre
as normas levadas em consideração pelo Tribunal de Justiça para
fiscalizar a legalidade dos atos das instituições comunitárias. Da
mesma forma, tais acordos também não criam direitos em favor
dos particulares que estes possam invocar em juízo e sua eventual
violação também não é, portanto, capaz de desencadear a res-
ponsabilidade extracontratual da Comunidade. Como já referido
na sentença Portugal contra Conselho, os acordos OMC têm por
objeto a regulamentação e a gestão das relações entre Estados ou
organizações regionais de integração econômica, e não a prote-
ção de particulares. O TPI enfatiza o entendimento de que estes
acordos baseiam-se no princípio das negociações realizadas com
base na reciprocidade e de vantagens mútuas, reafirmando que
“só no caso de a Comunidade ter decidido dar execução a uma
obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou de o ato
comunitário remeter, de modo expresso, para disposições preci-
sas dos acordos OMC, é que compete ao juiz comunitário fisca-
lizar a legalidade do ato comunitário em causa à luz das regras da
130
OMC”131. A decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC, de 13 de fevereiro de 1998, segundo entendimento do TPI,
não põe em causa esta apreciação. “Com efeito, esta decisão está
necessária e diretamente ligada ao fundamento da violação do
acordo SFS, e só pode ser tomada em consideração na hipóte-
se de o efeito direto deste acordo ter sido constatado pelo juiz
comunitário no âmbito de um fundamento baseado na invalidade
das diretivas em causa”132 (negrito nosso).
Conseqüentemente, o TPI julgou improcedente a ação de
indenização proposta pela Biret, por não reconhecer, basicamen-
te, que uma decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC fosse um parâmetro válido para verificar a legalidade dos
atos comunitários. Neste caso, por incrível que pareça, o TPI não
considerou a decisão do OSC, que declarou a ilegalidade do re-
gime comunitário de importação de carnes, e fez depender o efeito
direto desta decisão do efeito direto do próprio acordo SFS.
No recurso apresentado da sentença do TPI ao TJCE, a Biret
argumenta que de acordo com o artigo 300, n. 7 TCE os acordos
da OMC são parte integrante do Direito Comunitário e portanto,
seria contraditório não reconhecê-los como critério de aprecia-
ção dos atos comunitários de direito derivado. Em especial, a
sentença recorrida não acolhe o argumento de que, ao aderir ao
sistema de solução de controvérsias da OMC, a Comunidade
vinculou-se a reconhecer as decisões de arbitragem do Órgão
de Solução de Controvérsias. Neste sentido, entende que, por
força da referida decisão do OSC, estão preenchidas as condi-
ções para as exceções admitidas pelo TJCE, ao princípio da não
aplicabilidade direta das normas da OMC. Em suas observações,
o Advogado Geral detém-se sobre a aplicabilidade direta das nor-
mas da OMC, por força das recomendações do OSC, chegando à
conclusão de que o “direito da OMC é diretamente aplicável,
131. Sentença TJCE, caso “Portugal contra Conselho”, citada na presente sen-
tença do TPI.
132. Sentença TPI de 11 de janeiro de 2002, caso “Biret”.
131
quando as recomendações ou decisões do OSC declaram a in-
compatibilidade de uma medida comunitária com o direito da
OMC e a Comunidade não executou as recomendações ou deci-
sões dentro do prazo razoável concedido”133.
A manifestação do TJCE é contrária às conclusões do Advo-
gado Geral e particularmente intrigante. Concorda com o TPI e
pergunta-se onde e quando a Comunidade assumiu o compromis-
so de dar execução a todas as obrigações decorrentes de uma de-
cisão do OSC, o que seria contrário à filosofia geral dos acordos da
OMC. Apesar de considerar a insuficiente fundamentação jurídica
que o TPI apresentou para justificar a sentença recorrida, o TJCE
considerou-a legítima ao concluir que o fundamento da responsa-
bilidade extracontratual da Comunidade na violação do acordo SFS,
não era procedente, com os seguintes termos: “Nestas condições,
e sem que se tenha de questionar sobre as eventuais conse-
qüências indenizatórias para os particulares da inexecução
pela Comunidade de uma decisão do OSC que declara a in-
compatibilidade de um ato comunitário com as regras da OMC,
importa declarar que, no caso vertente, na ausência de dano alega-
do após 13 de maio de 1999, não existe, de qualquer forma, res-
ponsabilidade da Comunidade”134 (negrito nosso).
Tal manifestação do TJCE leva à conclusão de que o Tribu-
nal vem aceitando os argumentos da Comissão e do Conselho,
segundo os quais, tanto os acordos da OMC, quanto as decisões
do OSC, são baseados em negociações que assentam no princí-
pio da reciprocidade. Ou seja, a não execução de uma decisão do
OSC é considerada como sendo uma opção de política comercial
e não como opção jurídica. Neste sentido, a manifestação do
Advogado Geral neste caso é particularmente procedente, pois
em sua análise sobre o memorando de entendimento do OSC,
afirma que em relação às regras e processos que regem a resolução
de litígios, os órgãos legislativos e executivos já não dispõem de
132
qualquer margem de manobra, suscetível de ser limitada pelo re-
conhecimento da aplicabilidade direta do direito da OMC. Deste
modo, a ambigüidade da posição do Tribunal pode vir a ferir o
princípio da legalidade, pois as decisões irrecorríveis do OSC, a
cujo sistema a Comunidade pertence, podem não produzir efeitos
jurídicos intracomunitários e, portanto, não fundamentar pedidos
de indenização pela violação de normas da OMC, além de colocar
em causa o funcionamento do sistema multilateral de comércio.
133
é competente para decidir sobre a interpretação das decisões
provenientes do Acordo e sua execução pelos órgãos respon-
sáveis”136 (negrito nosso).
Os recursos passíveis de serem adotados em relação às de-
cisões dos órgãos conjuntos abrangem as principais figuras pro-
cessuais, em especial os recursos por ilegalidade e o reenvio preju-
dicial. Esta postura do TJCE implica na sua virtual competência
para manifestar-se sobre qualquer aspecto, tanto do acordo em
si, mas também sobre os atos de implementação e execução
adotados em conjunto. Ou seja, as decisões dos órgãos conjun-
tos, destinadas a criar ou modificar obrigações desde sua adoção,
integram de modo efetivo o ordenamento jurídico comunitário e
portanto são passíveis de serem controlados pelo Tribunal como
qualquer outro ato comunitário.
134
“Quando um acordo internacional preveja um sistema jurisdicional
próprio que compreende um órgão jurisdicional competente para
resolver as controvérsias entre as partes contratantes do acordo,
e por conseguinte, para interpretar suas disposições, as resoluções
deste órgão jurisdicional vinculam as Instituições da Comunidade,
incluindo este Tribunal de Justiça. Tais resoluções impõem-se mes-
mo quando este Tribunal deva pronunciar-se, com caráter preju-
dicial ou no marco de um recurso direto, sobre a interpretação do
acordo internacional, em virtude de que este último forma parte
integrante do sistema jurídico comunitário. (...)
Quando se lhe submeta um litígio relativo a interpretação ou a
aplicação de uma ou várias disposições do Acordo, é possível que
o Tribunal EEE deva interpretar o conceito de “parte contratan-
te” ... com a finalidade de determinar se, conforme a disposição
objeto do litígio, os termos “parte contratante” se referem à Co-
munidade, à Comunidade e seus Estados-membros, ou únicamente
aos Estados-membros. O Tribunal EEE deverá, pois, pronunciar-
se sobre as competências respectivas da Comunidade e de seus
Estados-membros nas matérias regidas pelas disposições do Acor-
do. Do acima exposto, deduz-se que a competência atribuída ao
Tribunal EEE....pode vulnerar a ordem de competências definida
nos Tratados e, portanto, a autonomia do sistema jurídico comu-
nitário, cujo respeito é garantido pelo Tribunal de Justiça, con-
forme o art. 164 TCEE.
A atribuição desta competência ao Tribunal EEE é, portanto, in-
compatível com o Direito Comunitário”138.
138. Parecer TJCE 1/91 referente ao projeto de Acordo sobre o Espaço Econô-
mico Europeu.
135
conjuntos, integram o sistema jurídico comunitário, e cabe ao
Tribunal verificar sua legalidade, de acordo com o Direito Co-
munitário vigente. Ora, na hipótese de um órgão jurisdicional
proveniente de um acordo internacional possuir a mesma compe-
tência para posicionar-se sobre os atos emanados em conjunto,
na percepção do Tribunal, a conseqüência seria um possível con-
flito de jurisdições. O resultado da posição do Tribunal foi de
que em todos os acordos dos quais a Comunidade é parte, não
existe um mecanismo jurisdicional próprio. A participação co-
munitária nos sistemas de solução de controvérsias destes acor-
dos é através de mecanismos de arbitragem, seja no marco mul-
tilateral, no caso da OMC, seja no marco bi-ou-plurilateral, caso
dos acordos com Países individuais, México, Chile, África do
Sul, ou dos acordos Euro-Mediterrâneos, ACP ou de Partenariado.
No Acordo com o México139, por exemplo, é instituído
um procedimento arbitral padrão. O que realmente foge do usual
é a possibilidade de interpor a mesma ação perante o Órgão de
Resolução de Controvérsias da OMC140. Esse dispositivo fere
136
inicialmente o princípio do non bis in idem, segundo o qual uma
mesma disputa não pode ser objeto de duas ações distintas, inter-
postas em órgãos jurisdicionais diversos. No entanto, seu grande
problema é um eventual conflito entre o laudo emanado do sis-
tema bilateral com aquele proferido pela OMC. Nesta hipótese,
se a parte que perdeu a disputa recorre à OMC, o laudo emitido
nesta organização equivaleria ao recurso a uma jurisdição supe-
rior ou apenas como uma recomendação às partes? Ou então,
poderiam haver intervenientes de Países terceiros em uma dispu-
ta que é originária de um acordo bilateral? Na hipótese contrária,
o laudo emitido pelo sistema bilateral poderia sobrepor-se ao da
OMC, e com quais conseqüências caso Países terceiros fossem
intervenientes? Em qualquer das hipóteses, estaria criada uma si-
tuação de confusão jurídica que acabaria afetando a previsibilidade
dos operadores econômicos no sistema bilateral de solução de
controvérsias.
Já no Acordo Chile-União Européia, instituiu-se um siste-
ma arbitral no qual a influência do Órgão de Solução de Contro-
vérsias da OMC é bastante nítida, inclusive em relação ao cum-
primento da decisão proferida e a possibilidade de aplicação de
retaliações141. Outro aspecto importante, segundo LOUREIRO142,
é o estabelecimento de competências entre o Sistema de Solução
de Controvérsias da OMC e o do sistema bilateral, o qual é des-
crito no item n.4 do artigo 189 do Acordo143, podendo ser resu-
mido nos seguintes termos: disputas que tenham por base nor-
mas da OMC, deverão ser submetidas ao Órgão de Solução de
Controvérsias, cujas decisões serão aplicáveis independentemente
das disposições do acordo bilateral; se a origem da disputa for
137
uma norma do acordo bilateral, aplica-se o sistema de solução de
controvérsias do próprio acordo; e finalmente, salvo entendimento
entre as partes, caso a disputa ocorra em virtude de dispositivos
semelhantes tanto no acordo bilateral, quanto na OMC, deverá
recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Este
sistema permite maior segurança jurídica.
7. CONCLUSÕES
138
SIGLAS E ABREVIATURAS
Comunidades Européias CE
Órgão de Solução de Controvérsias OSC
Tratado da Comunidade Européia TCE
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias TJCE
Tribunal de Primeira Instância TPI
União Européia UE
139
Capítulo 3
O Sistema de Solução de Controvérsias
do Mercosul
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
141
O projeto de associação intercontinental entre dois blocos
assimétricos, como assimétricos são os Estados-Partes e Esta-
dos-Membros de ambos, requer um conhecimento profundo dos
seus sistemas e ordenamentos jurídicos e dos mecanismos de
solução de controvérsias.
Nosso propósito é tratar do sistema de solução de controvér-
sias do MERCOSUL, focalizando as normas contidas no Protoco-
lo de Olivos com relação ao sistema vigente no bloco. Recordare-
mos os motivos que influenciaram para modificar o Protocolo de
Brasília, efetuando uma breve referência às etapas pelas quais
passou a reforma e assinalando os pontos que suscitaram maior
interesse durante a etapa das negociações que culminaram com a
aprovação do texto de Olivos. Concluindo com reflexões sobre o
mecanismo existente.
Esclarecendo que se entende por “sistema” a combinação
de procedimentos políticos e jurídicos, coordenados entre si, que
concorrem para um resultado, aqui a solução de uma controvér-
sia; forma, assim, um conjunto de meios (um mecanismo) para
regular o funcionamento da solução de controvérsias num pro-
cesso de integração.
Acrescentamos que o conteúdo do presente texto foi objeto
de debate nos módulos referentes ao MERCOSUL da disciplina
“Mecanismos de solução de controvérsias: Organização Mundial
do Comércio, União Européia e MERCOSUL”, oferecida em
conjunto nos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito,
Área de Relações Internacionais, da Universidade Federal de Santa
Catarina, no último trimestre de 2003, pelos Professores Welber
Barral, Patricia Luíza Kegel, Luiz Otávio Pimentel, Adriana
Dreyzin de Klor e Elizabeth Accioly.
142
2. OS SUCESSIVOS INSTRUMENTOS DE SOLUÇÃO
DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL
143
a aprovação do Tratado de Assunção foi um debate constante
entre os operadores, acadêmicos e especialistas1.
Começou a tomar corpo quando no marco do “relançamento
do MERCOSUL”, as delegações dos Estados-Partes apresenta-
ram na Reunião de Coordenadores uma série de propostas.
144
Os aspectos pontuais sobre os quais tiveram consenso as
delegações para iniciar a análise da problemática foram o contro-
le de cumprimento dos laudos, as eventuais sanções por não cum-
primento dos mesmos, a composição da lista de árbitros e o côm-
puto dos prazos estabelecidos no Protocolo de Brasília.
A delegação argentina manifestou-se sobre a conveniência
de estudar a criação de uma instância jurídica que definisse com
caráter geral e vinculante a interpretação da normativa e a con-
formação de um mecanismo de revisão dos laudos.
A delegação brasileira propôs que a intervenção do Grupo
Mercado Comum prevista no Protocolo de Brasília deveria ser
optativa; que se estudasse introduzir alguns procedimentos sim-
plificados para os conflitos originados em temas específicos, como
eram o regime de origem e o dumping; que o Conselho do Mer-
cado Comum fosse o órgão encarregado de esclarecer o conteú-
do e o alcance dos laudos arbitrais.
Pouco tempo depois de serem aventadas estas questões foi
aprovada a Decisão n° 25/2000 sobre o “Aperfeiçoamento do
Sistema de Solução de Controvérsias do Protocolo de Brasília”.2
Instrumento pelo qual foi incumbido o Grupo Ad Hoc sobre
Aspectos Institucionais do MERCOSUL de efetuar a análise
necessária para propor uma reforma, estabelecendo como prazo
o dia 10 de dezembro de 2000.
Foram enumerados os itens que deveriam receber tratamen-
to, ainda que de modo não taxativo, alguns dos quais coincidiam
com assuntos que já eram objeto de discussão no seio do Grupo
de Trabalho; entre estes o referido ao aperfeiçoamento da etapa
posterior ao laudo arbitral, particularmente os aspectos referen-
tes ao seu cumprimento e o alcance das medidas compensatórias;
as alternativas para uma interpretação uniforme da normativa; a
agilização dos procedimentos existentes e a implementação de
procedimentos sumários para casos determinados.
145
Além desses, a listagem incluiu: os critérios a seguir para a
conformação das listas de especialistas e de árbitros, o procedi-
mento para suas designações em cada caso e a maior estabilidade
que deveriam ter os árbitros.
146
e) incluir um órgão de apelação, revisor da aplicação do direi-
to, semelhante ao da Organização Mundial do Comércio.
f) o tribunal arbitral que proferisse o laudo seria o encarrega-
do de determinar se o Estado-Parte obrigado ao cumprimento
implementou as medidas necessárias para cumprir com o
mesmo.
g) no que tange às sanções, como no caso das retaliações co-
merciais, se analisaria a possibilidade de alcançar outro setor,
além daquele da controvérsia, e o montante que deveriam
ter as mesmas.
147
Estados basada en el principio de la desigualdad económica y la
igualdad jurídica”5.
148
Mercado Comum, foi aprovada mediante Decisão para o Fortale-
cimento Institucional, pela qual se instruía o Grupo Mercado Co-
mum para que iniciasse o processo necessário para a transformação
da Secretaria Administrativa do MERCOSUL em uma secretaria
técnica.7 Neste estágio, o Uruguai entregou a sua proposta.
Sendo as diferenças inconciliáveis, naquele momento, deci-
diu-se encaminhar o projeto de decisão aos coordenadores do
Grupo Mercado Comum com as alternativas apresentadas pelo
Uruguai e as propostas dos demais Estados-Partes.8
Os temas mais importantes que se consignaram no projeto
foram:
149
f) criar uma instância revisora do direito, através de um órgão
estável integrado por cinco juristas (um de cada Estado-Parte
e o quinto a definir). Esta base não foi aceita pelo Uruguai
que entendia que os laudos deveriam ser inapeláveis.
g) disciplinar a possibilidade de aplicar medidas compensató-
rias, aditando uma redação similar à prevista no Entendimen-
to sobre Solução de Controvérsias da Organização Mundial
do Comércio.
h) prever a possibilidade de que fosse o tribunal que emitiu o
laudo quem se pronunciaria sobre a efetividade das medi-
das implementadas pelo Estado-Parte obrigado, para dar-
lhe cumprimento.
150
o funcionamento dos tribunais arbitrais10. Alcançando-se con-
senso entre a Argentina, Brasil e Paraguai, enquanto o Uruguai,
dado que a relação entre este tema e a modificação do Protocolo
de Brasília era óbvia, ao não consensuar com esta, também não
podia pronunciar-se sobre o regulamento.
As sugestões oferecidas pelo Uruguai, em dezembro de 2000,
mostravam similitudes e diferenças com o documento elaborado
pelos outros Estados:
151
reserva da instância de execução do laudo como efeito de
coisa julgada; a proposta triparte nada disse a respeito;
e) as bases elaboradas pelo Uruguai reconheciam ao acervo
derivado das consultas um conteúdo e estabilidade substan-
cial e processual quando da decisão de uma controvérsia
através da submissão das partes ao tribunal arbitral; a pro-
posta dos demais Estados-Partes não se pronunciava sobre
este ponto.
152
da etapa pós-laudo, continuando-se com as negociações das di-
versas posições, que resultaram finalmente no projeto que prece-
deu a aprovação do sistema de solução de controvérsias na Reu-
nião de Cúpula de Olivos, em fevereiro de 2002.
12. ESTOUP; FERNÁNDEZ REYES (Directores), Los diez años del Mercosur:
Agenda Externa, 2001, p. 70.
13. Presidentes dos Estados-Partes, Comunicado Conjunto, XXII Reunião do
CMC, Buenos Aires, l 5/7/02. Reafirmaram seus compromissos de avan-
çar no cumprimento dos objetivos do Tratado de Assunção a fim de logra-
rem o progresso econômico e o bem-estar social dos povos da região.
153
com o intuito de fortalecer o bloco afetado pela deterioração das
relações entre os sócios. Ante o marcado sentimento de pessi-
mismo que imperava na zona, que levou inclusive a duvidar-se
sobre a sobrevivência do processo e das benesses da integração14,
injetar certa dose de otimismo aparecia como uma necessidade
vital. Para seu tratamento na nova etapa, o Conselho do Mercado
Comum estabeleceu uma série de prioridades temáticas que se
sintetizaram num pacote de decisões15 entre as quais se inclui a
revisão do sistema de solução de controvérsias.
A iniciativa, no que toca à matéria que nos ocupa, foi suma-
mente oportuna; não é novidade assinalar que um dos fatores
chave para o desenvolvimento com êxito de um processo de
integração é adotar um mecanismo de solução de conflitos eficien-
te que assegure o império do ordenamento normativo e, em con-
seqüência, garanta a segurança jurídica e os direitos dos par-
ticulares que operam no mercado.
Os particulares que contratam e praticam o comércio
intrazona, não estão devidamente amparados para o exercício de
seus direitos, já que a falta de mecanismos de controle jurídico
154
lhes afeta diretamente. Isto se reflete na impossibilidade de nego-
ciar com certeza e previsibilidade, restando desse modo afetada a
credibilidade e a segurança jurídica do esquema. Seria importante
que estes valores fossem considerados inerentes ao processo. Mais
que necessários, resultam ser imprescindíveis para o seu desenvol-
vimento.16
A inexistência de controles jurisdicionais atenta contra este
princípio e prejudica a confiabilidade e o exercício dos direitos
dos cidadãos. Bem se afirma que não há direitos sem instituições
adequadas e controles eficazes17, daí que a reformulação do sis-
tema atual era uma tarefa que aparecia cada vez com maior insis-
tência, como parte da lista de temas pendentes.
A importância de contar com um órgão supranacional per-
manente, que exerça o controle de legalidade, que se revista de
faculdades para unificar a interpretação de suas fontes jurídicas
e atue como órgão jurisdicional com as competências necessárias
para dotar o processo de garantias reais de justiça foi posto em
destaque em inúmeras oportunidades. Desde os primeiros anos
da integração se apresentaram inclusive, projetos de modificação
que foram apresentados aos órgãos pertinentes, sem que obtives-
sem o beneplácito das autoridades do bloco18.
Geralmente, o fundamento das propostas indicadas centrava-
se entre dois tipos de argumentações; enquanto por uma parte,
sustentava-se a necessidade de institucionalizar o processo como
um desafio para superar o déficit democrático que o afeta.
155
Nesta linha, se afirmou que o desafio para os países que
integram o MERCOSUL era duplo:
156
No que toca a esta última consideração, não são poucas as
vozes que se pronunciaram sustentando que ao tratar-se de tipos
de associação diferentes, desenvolvidos em distintos contextos
históricos, sociológicos, econômicos, políticos e jurídicos, não
era possível efetuar uma transposição das instituições. Conquan-
to os organismos europeus podem ter proporcionado excelentes
resultados nesse esquema, sua adoção sem mais, em outros pro-
cessos de integração que não respondem às mesmas característi-
cas, não projetaria iguais resultados.
Opertti Badán manifestou que não acreditava ser necessário
que o MERCOSUL tomasse a União Européia como “una especie
de émulo”, ao qual haveríamos forçosamente de chegar, pois não
sempre são coincidentes os modelos de cada grupo de países, já
que estes respondem a culturas e a formas de relacionamento
diversos, a unidades geográficas distintas, o que conduz a que
não se possa produzir uma espécie de cópia desse esquema
paradigmático de integração. Em todo caso, haverá que se ter
presente os bons exemplos que oferece o Tribunal de Justiça das
Comunidades Européias, como suas competências, contenciosa
e consultiva, e particularmente o mecanismo da prejudicialidade.
Acrescenta Opertti que a União Européia é um modelo avança-
do, diferente do MERCOSUL que recém nasceu em 1991, e
portanto não devemos sofrer de prematurismo que “es una de las
enfermedades de la que América Latina en lo institucional ha
padecido con frecuencia”.22
Outra postura mediante a qual costumava justificar-se a
continuidade do mecanismo vigente girava em torno da caute-
la que deve presidir um processo de integração, entendendo-
se que o MERCOSUL se encontra ainda numa fase embrioná-
ria e se desenvolve num contexto geográfico e político no qual
157
estão, todavia, presentes os fracassados intentos de integração
econômica23 .
O caráter intergovernamental do MERCOSUL, cujo de-
senvolvimento e aprofundamento depende da vontade política dos
governos dos Estados-Partes, obra como uma barreira para a cria-
ção de um supremo tribunal de justiça supranacional.24 Introdu-
zir modificações nessa direção implica uma transformação subs-
tancial, que por uma parte, não contou com o aval suficiente no
seio do Conselho do Mercado Comum, e que por outra, requer
mudanças constitucionais no Brasil e no Uruguai. Referimos este
fato, pois em não poucos âmbitos se criaram expectativas sobre
uma institucionalização da justiça num grau bastante mais pro-
fundo do que aquele finalmente resultante do instrumento apro-
vado em Olivos.
A idéia que primou, uma solução de compromisso25, foi
melhorar o sistema existente como recurso necessário e transi-
tório para a instauração de um mecanismo semelhante ao que
se opera em processos mais avançados de integração, na con-
vicção que deste modo se contribuía a aprofundar o desenvol-
vimento do bloco e a oferecer maiores garantias aos operadores
da integração26.
158
2.3 Considerações gerais sobre o Protocolo de Olivos
159
levar a cabo negociações diretas entre as partes (etapa diplomá-
tica)30 e a instância jurisdicional, ainda que de modo incipiente,
ao estabelecer tribunais arbitrais ad hoc, dando lugar a que se
afirme a existência de um germe de supranacionalidade31.
Respeita-se em linhas gerais o procedimento arbitral insti-
tuído e os prazos fixados no Protocolo de Brasília. Lamentavel-
mente, não se modificou a via contemplada para a reclamação
dos particulares, pese a que, como se disse, o Uruguai tenha in-
sistido ferreamente neste ponto que, pelo demais, era um recla-
mo majoritário de todos os setores.
Não houve mudanças significativas quanto à admissão do
recurso de esclarecimento.
Em relação aos custos que devem suportar as partes pelas
atividades dos árbitros, conquanto não haja divergências essen-
ciais com as disposições de Brasília e seu Regulamento, cabe
destacar como novidade a possibilidade de que os gastos e hono-
rários da atividade dos árbitros de primeira instância e do tribu-
nal de revisão provenham de um fundo especial. O fundo que
poderá ser criado para este fim será administrado pela Secretaria
Administrativa do MERCOSUL32.
Observaremos a seguir a estrutura disponível para levar a
cabo a solução das possíveis controvérsias no MERCOSUL.
160
3. ESTRUTURA FUNCIONAL DO SISTEMA DE
SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL
3.1 Estados-Partes
161
A controvérsia também poderá ser levada à consideração
do Grupo Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte
na controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao
término das negociações diretas. Neste caso, o Grupo poderá for-
mular comentários ou recomendações a respeito do caso.
O Grupo Mercado Comum deve ser notificado do início
do procedimento arbitral ad hoc37 e informado do recurso de
revisão38.
O Grupo Mercado Comum será informado pelo Estado-Parte
obrigado a cumprir o laudo, por intermédio da Secretaria Admi-
nistrativa do MERCOSUL, sobre as medidas que adotará para
cumpri-lo.39
O Grupo Mercado Comum determinará os honorários, gastos
de transporte, hospedagem, diárias e outras despesas dos árbitros
do Tribunal Ad Hoc e do Tribunal de Revisão Permanente.40
O Grupo Mercado Comum avaliará as reclamações dos
particulares com os elementos por eles fornecidos41, caso admi-
tidas convocará o grupo de especialistas que deverá emitir pare-
cer sobre a sua procedência42.
162
realizarão dentre os integrantes de uma lista de vinte e quatro
especialistas.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL comunicará
ao Grupo Mercado Comum o nome do especialista ou dos espe-
cialistas que tiverem recebido o maior número de votos. Neste
último caso, e salvo se o Grupo decidir de outra maneira, um dos
especialistas designados não poderá ser nacional do Estado con-
tra o qual foi formulada a reclamação, nem do Estado no qual o
particular formalizou sua reclamação.
Com o fim de constituir a lista dos especialistas, cada um dos
Estados-Partes designará seis pessoas de reconhecida competên-
cia nas questões que possam ser objeto de reclamação. Esta lista
ficará registrada na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.
Os gastos derivados da atuação do grupo de especialistas
serão custeados na proporção que determinar o Grupo Mercado
Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais pelas partes
diretamente envolvidas na reclamação.
O grupo de especialistas submeterá seu parecer à considera-
ção do Grupo Mercado Comum.
163
árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de inca-
pacidade ou excusa deste em qualquer etapa do procedimento
arbitral. Se um dos Estados-Partes na controvérsia não tiver no-
meado seus árbitros no prazo indicado, eles serão designados por
sorteio pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL em um
prazo de dois dias, contado a partir do vencimento daquele pra-
zo, dentre os árbitros desse Estado da lista45.
O árbitro presidente46 do Tribunal Arbitral Ad Hoc será
designado de comum acordo pelos Estados-Partes na controvér-
sia, como o terceiro árbitro, escolhido entre os nomes da lista47.
O prazo para a designação será de quinze dias, contado a partir
da data em que a Secretaria Administrativa do MERCOSUL te-
nha comunicado aos Estados-Partes na controvérsia a decisão de
um deles de recorrer à arbitragem.
Simultaneamente, designarão da mesma lista, um árbitro
suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade
ou excusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral.
O presidente e seu suplente não poderão ser nacionais dos
Estados-Partes na controvérsia.
Se não houver acordo entre os Estados-Partes na controvér-
sia para escolher o terceiro árbitro dentro do prazo indicado, a
Secretaria Administrativa do MERCOSUL, a pedido de qualquer
um deles, procederá a sua designação por sorteio da lista, excluin-
do do mesmo os nacionais dos Estados-Partes na controvérsia.
Os designados para atuar como terceiros árbitros deverão
responder, em um prazo máximo de três dias, contado a partir da
notificação de sua designação, sobre sua aceitação para atuar em
uma controvérsia.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL notificará os
árbitros de sua designação.48
164
3.3.2 Listas de árbitros
165
A lista consolidada de terceiros árbitros, bem como suas
sucessivas modificações, acompanhadas do curriculum vitae dos
árbitros será comunicada pela Presidência Pro Tempore à Secre-
taria Administrativa do MERCOSUL, que a registrará e notifica-
rá aos Estados-Partes.
166
Pode ser questionada a falta de precisão sobre os aspectos da
pessoa do árbitro que podem dar lugar ao pedido de esclareci-
mentos e o prazo para respondê-las. Ante o suposto de que se
formule objeção quanto ao árbitro indicado por um Estado, não
resulta muito claro determinar o momento em que pode conside-
rar-se que a lista ficou consolidada54.
As previsões estão motivadas na pretensão de que a lista se
integre com pessoas de reconhecida competência nas matérias
que possam ser objeto das controvérsias e ter conhecimento do
conjunto normativo do MERCOSUL, além de observar-se a ne-
cessária imparcialidade e independência funcional da Adminis-
tração Pública Central ou direta do Estado-Parte e não ter inte-
resses de índole alguma na controvérsia.55
No entanto, a falta de regulamentação leva a questionar que
a faculdade que se lhes outorga aos Estados-Partes de solicitar
esclarecimentos sobre os candidatos designados pelos outros Es-
tados não respeita a exclusividade no juízo sobre as aptidões das
pessoas que cada parte propõe e sua responsabilidade a este res-
peito.
Uma regulamentação similar à adotada para os candidatos a
integrar o tribunal, se recepcionou na composição da lista de ter-
ceiros árbitros, ainda que neste caso acrescentou-se a possibili-
dade de apresentar objeções justificadas quando se questionem
as qualidades mencionadas supra.
A pergunta que nos fazemos é como se resolverá o mal-
estar que poderá surgir pelo exercício desta faculdade reconheci-
da aos Estados-Partes?
E a resposta lógica, do instrumento jurídico de Olivos, é a
de que em caso de não haver acordo prevalecerá a objeção.
Outras indagações que nos fizemos: tratar-se-ia, talvez, de
um verdadeiro direito de veto que vulnera o princípio de confiança
167
mútua que se devem os Estados-Partes56? Ou se as exigências
estabelecidas sobre a qualificação dos árbitros correspondem aos
valores que se pretendem resguardar e, em conseqüência, tería-
mos que aceitar de bom grado esta disposição?
A delegação do Brasil incluiu o tema no documento apre-
sentado nas etapas prévias de negociações e foi uma preocupa-
ção também do Conselho do Mercado Comum ao enumerar o
ponto na Decisão N° 25/2000, quando estabeleceu como objeto
de análise os critérios para a elaboração das listas de árbitros e a
respectiva designação em cada caso.
O tema não constitui uma questão insignificante, sendo
ilustrativo uma alusão ao modo pelo qual a União Européia regu-
la a designação dos juízes e advogados-gerais que integram o
Tribunal de Justiça. Seus membros são designados de comum
acordo pelos governos dos Estados-Membros, por seis anos, en-
tre personalidades que ofereçam absolutas garantias de indepen-
dência e que reúnam as condições requeridas para o exercício em
seus respectivos países das mais altas funções jurisdicionais, ou
que sejam jurisconsultos de reconhecida competência57.
Sendo uma designação de comum acordo pelos governos
dos Estados-Membros da União Européia, cada governo se limi-
ta a propor seu candidato, que tem de obter o respaldo dos de-
mais58.
É importante também a previsão de renovação parcial dos
juízes e advogados-gerais, realizada a cada três anos, para manter
um grupo de magistrados experientes atuando continuamente.59
Cabe observar o informe do Grupo de Reflexão sobre o fu-
turo do sistema judicial das Comunidades Européias para a Co-
168
missão. A Comissão o utilizou como base para elaborar a sua Con-
tribuição Complementar à Conferência Intergovernamental sobre
as Reformas Institucionais - Reformas do Sistema Jurisdicional
Comunitário, em março de 2000. E inclusive a Contribuição do
Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância à Confe-
rência Intergovernamental de fevereiro de 2000.60
No informe foi sugerido que a designação dos juízes, de
comum acordo entre os Estados-Membros, se realizasse a partir
do exame de um dossiê completo apresentado por cada Estado-
Membro a cujo efeito, seria útil, dispor de um comitê consultivo
composto de juristas altamente qualificados e independentes, que
estivessem em condições de averiguar a competência jurídica dos
candidatos apresentados. Esta proposta, e aquela apresentada pela
Comissão no sentido de que a designação dos juízes fosse efetua-
da por maioria qualificada do Conselho, foram descartadas na
Reunião de Cúpula de Nice.61
Estimamos que o dispositivo previsto no Protocolo de Olivos
difere em seu contexto das previsões em torno da designação de
juízes que se estabeleceram para a composição do Tribunal de
Justiça da União Européia. O tribunal arbitral do MERCOSUL
dista muito de parecer-se a uma Corte de tais características. No
entanto, os árbitros devem ser juristas bem qualificados de cada
um dos Estados-Partes e a lista que os Estados devem apresentar
está sujeita à eleição ponderada de cada país. De qualquer forma,
e não obstante as profundas diferenças entre um e outro sistema
jurisdicional, cumprindo-se os requisitos exigidos devem-se re-
gular claramente os aspectos que geram os questionamentos for-
mulados e que de acordo com o texto aprovado ficaram sem re-
ceber uma resposta satisfatória. Isso, a fim de evitar todo tipo de
subjetividade e de não deixar espaços que derivem em atitudes
discricionárias.
169
3.3.4 Representantes, assessores62 e unificação de
representação63
170
Não havendo unanimidade, a designação se fará por sorteio
que realizará a Secretaria Administrativa do MERCOSUL, den-
tre os integrantes dessa lista, dentro dos dois dias seguintes ao
vencimento do referido prazo.
A lista para a designação do quinto árbitro conformar-se-á
com oito integrantes. Cada Estado-Parte proporá dois integrantes
que deverão ser nacionais dos países do MERCOSUL.
Os Estados-Partes, de comum acordo, poderão definir ou-
tros critérios para a designação do quinto árbitro.67
Pelo menos três meses antes do término do mandato dos
árbitros, os Estados-Partes deverão manifestar-se a respeito de
sua renovação ou propor novos candidatos.
Caso expire o mandato de um árbitro que esteja atuando em
uma controvérsia, este deverá permanecer em função até a con-
clusão da demanda.
171
interposição do recurso de revisão, data a partir da qual estará
constituído o Tribunal para todos os efeitos.
Quando a controvérsia envolver mais de dois Estados-Par-
tes, o Tribunal Permanente de Revisão estará integrado pelos cinco
árbitros.
Os Estados-Partes, de comum acordo, poderão definir ou-
tros critérios para o funcionamento do Tribunal.
A seguir trataremos das nossas observações sobre o proce-
dimento para a solução de controvérsias no MERCOSUL.
172
4.1 Âmbito de aplicação
173
4.1.1 Eleição de foro
174
574/2000 ME, segundo a qual se fixaram direitos antidumping
às importações de frangos eviscerados82.
Tendo entendido o Tribunal Arbitral Ad Hoc que não lhe
correspondia anuir ao petitório do Brasil, este país foi pela mes-
ma questão ante a Organização Mundial do Comércio, o que não
seria possível sob a vigência do Protocolo de Olivos83.
Indagamos-nos, quais as razões que avalizam esta possibi-
lidade de recorrer ao mecanismo da Organização Mundial do
Comércio ao invés de promover a demanda pelo sistema adotado
no MERCOSUL?
Indiscutivelmente que o prestígio de que goza a Organiza-
ção Mundial do Comércio exerce uma força de atração para o
175
seu sistema84. O entendimento relativo às normas e procedimen-
tos pelos que se rege a solução de diferenças tende a fortalecer o
mecanismo de solução de conflitos da Organização, com o efeito
de reduzir a arbitrariedade e evitar a adoção de medidas unilate-
rais em caso de não cumprimento dos compromissos comerciais85.
Trata-se de um procedimento bastante expeditivo fortalecido pela
prática e pelos resultados que reflete o seu acionamento86.
Segundo o informe Steger–Hainsworth, em relação à eficá-
cia dos informes dos grupos especiais, se recorda a afirmação do
Órgão de Apelação ao sustentar:
176
propósito de reduzir o unilateralismo nas relações comerciais in-
ternacionais e também na tendência para uma maior judicialização
e automatismo. A isso se soma a importância que se reconhece aos
relatórios e recomendações que geralmente se cumprem87, existin-
do ademais, um mecanismo específico para supervisionar dito
cumprimento.88
No caso em que os membros de um esquema de integração
(vg. MERCOSUL) decidam levar a disputa à Organização Mun-
dial do Comércio, ao invés de resolvê-la de acordo com o siste-
ma de solução de controvérsias do seu esquema, o Grupo Espe-
cial e o Órgão de Apelação só se pronunciarão sobre a legalidade
ou não de uma medida a respeito das normas multilaterais da
Organização no âmbito do conflito89. A Organização não se
manifestará sobre a legalidade ou ilegalidade de ato de Membro
a respeito das normas vigentes no seu esquema de integração90.
As desvantagens de possibilitar a eleição de foro residem no
debilitamento que pode ser produzido no sistema de integração91;
ademais pode dar lugar ao “forum shopping” o que se compreen-
deria perfeitamente num modelo de zona de livre comércio, mas
parece difícil de ser admitido num processo pelo qual se tenta
avançar para um grau maior de integração com órgãos que geram
normas de forma duradoura.
Assim, que controvérsias podem ser levadas à Organização
Mundial do Comércio?
Podem ser levadas à Organização todas as controvérsias que
se suscitem a respeito de questões que fiquem atraídas pelo âmbito
177
de aplicação de suas normas e que possam ser julgadas conforme
às mesmas92.
O dado surge do próprio Protocolo de Olivos quando assinala
que a opção alcança as controvérsias compreendidas em seu âm-
bito de aplicação que possam também ser submetidas ao sistema
de solução de conflitos da Organização Mundial do Comércio.
No Projeto apresentado pelo Grupo de Alto Nível, ao prever
a possibilidade de eleição de foro, estabelecia-se que unicamente
poderia exercer-se com relação a uma norma da Organização
Mundial do Comércio que tivesse sido incorporada à normativa.
Estimamos que foi acertado afastar-se do teor literal origi-
nal. Adotar textualmente alguns dos acordos da Organização
Mundial do Comércio pelo MERCOSUL não agrega nem desa-
grega nada, sendo evidente que ao se incorporar normas da Or-
ganização Mundial do Comércio ao bloco, estas têm que ser in-
terpretadas à luz do Tratado de Assunção93.
No que tange a esta problemática, tenha-se presente o lau-
do proferido no conflito ocorrido entre Brasil (reclamante) e
Argentina (reclamada) sobre a aplicação de medidas de salva-
guarda sobre produtos têxteis do Ministério de Economia e Obras
e Serviços Públicos da reclamada.
178
A Argentina alegou que os Estados-Partes do MERCOSUL
estão também submetidos à observância do regulamento da Or-
ganização Mundial do Comércio. As regras do MERCOSUL não
excluem as disposições multilaterais. Se um tema foi objeto de
regulação entre os países do MERCOSUL com regras que
aprofundam os compromissos da Organização Mundial do Co-
mércio, elas obrigam aos sócios e prevalecem sobre as regras
multilaterais. No entanto, se uma matéria não foi regulada no
MERCOSUL, os Estados-Partes têm o direito a aplicar os instru-
mentos previstos no ordenamento da Organização Mundial do
Comércio. De 1991 até 1994 as salvaguardas intrazona estiveram
reguladas no MERCOSUL pelo Anexo IV do Tratado de Assun-
ção. Em 1995, os Acordos de Marrakech entraram em vigor, inclu-
indo o Acordo da OMC sobre os Têxteis e Vestuários. Em razão da
inexistência de normas específicas sobre salvaguardas de têxteis
no MERCOSUL, as regras da Organização podem ser aplicadas.
A opção prevista no Protocolo de Olivos sobre a eleição de
foro se relaciona também com a questão do cumprimento do lau-
do. Dada a força multilateral da Organização Mundial do Co-
mércio é mais provável - ainda que não seja o desejável, fato que
requererá tempo e acomodamento - que os Estados-Partes do
MERCOSUL cumpram o prescrito por um painel da Organiza-
ção Mundial do Comércio, que conseguir igual resultado bilate-
ralmente dentro do bloco.
Quanto à personalidade jurídica requerida para aceder a cada
um destes sistemas, verifica-se uma equivalência, pois nem em
um e nem em outro mecanismo, foi contemplado que o particular
possa acioná-los diretamente.
179
para conhecer e resolver as controvérsias, bem como a jurisdição
do Tribunal Permanente de Revisão para conhecer e resolver as
controvérsias conforme as competências que lhes confere o Pro-
tocolo de Olivos.94
180
o Brasil defendeu a necessidade de introduzir alguns procedi-
mentos simplificados para conflitos que se originem em temas
pontuais como é o caso do regime de origem98.
Conquanto a introdução de procedimentos expeditos possa
dar lugar a resultados eficazes, tal como foi recolhido no Proto-
colo de Olivos aparece como uma medida incerta; mais ainda ao
deixar ao arbítrio do Conselho do Mercado Comum a determina-
ção de quando será necessário implementar estes mecanismos,
bem como definir e aprovar as regras de funcionamento, o alcan-
ce dos procedimentos e a natureza dos pronunciamentos que se
emitam. Estimamos que fosse conveniente regular esta matéria
com maior precisão ao invés de propor seu tratamento sem ofe-
recer maiores detalhes.
181
O Conselho do Mercado Comum poderá estabelecer proce-
dimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência
que possam ocasionar danos irreparáveis às partes.102
182
posições, requerendo, quando considere necessário, o assesso-
ramento de especialistas.107
Os gastos relativos ao assessoramento de especialistas serão
custeados em montantes iguais pelos Estados-Partes na controvér-
sia ou na proporção que determine o Grupo Mercado Comum.108
A controvérsia também poderá ser levada à consideração do
Grupo Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte na
controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao tér-
mino das negociações diretas. Nesse caso, o procedimento arbitral
que se tenha iniciado pelo Estado-Parte demandante não será in-
terrompido, salvo acordo entre os Estados-Partes na controvérsia.109
Se a controvérsia for submetida ao Grupo Mercado Comum
pelos Estados-Partes na controvérsia, o Grupo formulará reco-
mendações que, se possível, deverão ser expressas e detalhadas,
visando à solução da divergência.110
Se a controvérsia for levada à consideração do Grupo Mer-
cado Comum a pedido de um Estado que dela não é parte, o
Grupo Mercado Comum poderá formular comentários ou reco-
mendações a respeito.111
O procedimento opcional ante o Grupo Mercado Comum
não poderá estender-se por um prazo superior a trinta dias a par-
tir da data da reunião em que a controvérsia foi submetida à sua
consideração.112
A intervenção do Grupo Mercado Comum deixou de ser
uma fase obrigatória para converter-se num estágio optativo, de-
pendendo do acordo das partes113.
Esta formulação que aparece desde os primeiros esboços da
reforma do mecanismo de solução de controvérsias, esteve presen-
107. PO, art. 6.2(i). Especialistas selecionados da lista referida no art. 43 do PO.
108. PO, art. 6.2(ii).
109. PO, art. 6.3.
110. PO, art. 7.1.
111. PO, art. 7.2.
112. PO, art. 8.
113. PO, art. 6.
183
te da pauta do Conselho do Mercado Comum à hora de aprovar
a Decisão N° 25/2000. Com efeito, a proposta de agilizar os pro-
cessos existentes se ajusta com a solução adotada.
No transcurso da existência do MERCOSUL, esta fase co-
nhecida como a etapa institucional114, não se caracterizou por
desempenhar um papel importante na solução das controvérsias.
O Uruguai pode ter avaliado esta falta de operatividade, que
só suscitava um maior desgaste às partes na medida em que de-
moravam as atuações, pois foi mais longe ainda do que seus sócios
e na sua proposta suprimiu a intervenção do Grupo Mercado
Comum do mecanismo de solução de conflitos.
Do sistema vigente antes do Protocolo de Olivos é importan-
te mencionar a Comissão de Comércio do MERCOSUL. Este ór-
gão participa, segundo o disposto no Anexo ao Protocolo de Ouro
Preto, que trata do procedimento geral para reclamações ante a
Comissão de Comércio do MERCOSUL, nas regulamentações di-
tadas por força de sua intervenção como alternativa para encami-
nhar as reclamações dos Estados-Partes ou de particulares, efetuadas
ante a Seção Nacional da Comissão de Comércio do MERCOSUL.
A Comissão de Comércio vinha desenvolvendo uma tarefa impor-
tante em sua atividade de articuladora de consultas e centralizava
as mesmas num número muito mais significativo do que o Grupo
Mercado Comum; no entanto, quanto às soluções alcançadas, cabe
reiterar o mencionado sobre o Grupo Mercado Comum no que
tange aos exíguos ganhos obtidos.
Observa-se que a composição de ambos os órgãos, Grupo
Mercado Comum e Comissão de Comércio do MERCOSUL,
responde ao modelo intergovernamental. Bem assinalado o seu
caráter técnico nas discussões que operavam no âmbito da Co-
missão de Comércio do MERCOSUL, sugerindo que o diálogo
em seu seio era menos politizado do que aquele que tinha lugar
no âmbito do Grupo Mercado Comum.
184
A observação sobre a estrutura, permite inferir também que
o Grupo Mercado Comum pode ser considerado um órgão não só
superior à Comissão de Comércio do MERCOSUL, senão tam-
bém com um caráter governamental mais notório115.
O fato de não interferir na solução do conflito foi destacado
como um modo de despolitização das controvérsias entre os Es-
tados-Partes, na medida em que se entendia oferecer-lhes maior
possibilidade de predizer institucionalmente os resultados, faci-
litando um avanço para uma interpretação uniforme do conjunto
normativo do MERCOSUL e para a criação de uma jurisprudência
comum116.
O Protocolo de Olivos resgata a experiência institucional
do bloco já que mantém vigente o procedimento ante a Comissão
de Comércio do MERCOSUL, ainda que derrogando o Protoco-
lo de Brasília e seu Regulamento.
A faculdade de não submeter uma controvérsia ao Grupo
Mercado Comum deve ser avaliada, desde uma perspectiva
operativa, no sentido de reconhecer que conquanto é uma inova-
ção, não muda radicalmente a estrutura do sistema anterior de
solução de diferenças. Sendo que as decisões do Grupo Mercado
Comum são tomadas por consenso, sob o guarda-chuva do siste-
ma vigente, é suficiente que o Estado-Parte que decide levar a
controvérsia ao Tribunal Arbitral vote contra a recomendação do
Grupo Mercado Comum para conseguir seu propósito. Segundo
esta ótica, a alteração incorporada por Olivos é só uma maneira
de não procrastinar a solução da controvérsia117.
185
4.5.3 Procedimento ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc
186
4.5.3.1 Objeto da controvérsia
187
tribunal têm de ajustar-se a essa regra. Se o objeto da controvérsia
foi fixado na etapa de negociações diplomáticas, a partir de então
já não pode ter modificação do objeto da controvérsia pelas par-
tes envolvidas. Se fossem admitidas na fase arbitral reclamações
não alegadas na fase anterior, se estaria aceitando que se pode
obviar a fase diplomática para ir diretamente à fase arbitral, o
que viola o conteúdo e o espírito do procedimento de solução de
controvérsias do MERCOSUL.130
Enquanto a outra posição se baseava em que a matéria do
conflito é a que surge dos documentos da reclamação e da resposta
apresentados pelas partes ante o tribunal arbitral, ainda quando
estes contenham imputações não alegadas com anterioridade131.
Nesta linha o terceiro Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL
sustentou que interpretava o art. 28 do Protocolo de Brasília no
sentido de que o reclamante e/ou reclamado podem definir o obje-
to da controvérsia até a apresentação dos textos de reclamação e/
ou de resposta, de modo que as partes estabeleceriam o objeto da
disputa nesses textos. O dispositivo referido exige ao tribunal o
exame do conteúdo completo das duas apresentações, inclusive o
petitório.
As diferenças apontadas conduziram a adotar soluções di-
vergentes, situação que deixa uma vez mais descoberta a neces-
sidade de avançar para uma interpretação uniforme do direito do
MERCOSUL.
Em relação ao objeto da controvérsia e o tratamento que
recebeu dos tribunais ad hoc, dois aspectos merecem esclareci-
mento.
Primeiro interessa determinar se é necessário que se obser-
vem em forma sucessiva os mecanismos de solução de contro-
vérsias previstos nos Protocolos de Brasília e Ouro Preto. Logo,
esclarecer se no procedimento arbitral se pode introduzir ou não,
188
alegações não formuladas nas etapas anteriores132. Ainda que o
problema se torne abstrato sob o mecanismo de Olivos que ex-
pressamente se pronuncia sobre ambas as questões, é oportuno
um breve comentário.
Quanto à primeira questão, os tribunais arbitrais reconhece-
ram a necessidade de respeitar as etapas previstas nos meios con-
sagrados nos instrumentos jurídicos do MERCOSUL. Assim se
observa das opiniões vertidas pelos árbitros dos laudos citados
quando se examinou se foram cumpridas as etapas prévias à ar-
bitragem.
O outro tema, que se refere a introduzirem-se novas impu-
tações na fase arbitral, gera diferenças entre o disposto por um
lado, no primeiro e no segundo laudo arbitral, e por outro, no
terceiro laudo. Neste último caso, ao considerar o tribunal a ale-
gação da Argentina, não obstante concluir que as questões
alegadas pelo Brasil na reclamação apresentada na instância
arbitral eram mais extensas do que aquelas formuladas nas eta-
pas anteriores de solução de controvérsias, admitiu que integras-
sem a reclamação.
A argumentação é a seguinte:
189
que eram mais extensas do que o país especificou nas primeiras
etapas para a resolução da controvérsia.
Como deveria interpretar-se, em nosso juízo, o art. 28 do
Protocolo de Brasília?
Uma interpretação literal da norma permitiria aceitar-se a
decisão do terceiro laudo arbitral, no entanto uma hermenêutica
aplicada na perspectiva teleológica e atendendo ao mecanismo
considerado em sua integridade, a interpretação conforme as ar-
gumentações contidas no terceiro laudo arbitral, conduzem a um
efeito refratário ao desejado.
Admitir a possibilidade de que se valorizem formulações
das partes na instância arbitral, quando não foram sustentadas
nas etapas prévias, violenta o texto e o espírito que primou ao
projetar-se o sistema de Brasília, e mais ainda, é contrário aos
elementares princípios de justiça e à prática nos mecanismos
internacionais de solução de controvérsias.
190
Os laudos dos Tribunais Ad Hoc emitidos com base no
“princípio ex aequo et bono” não serão suscetíveis de recurso
de revisão.137
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL estará encar-
regada das gestões administrativas que lhe sejam requeridas para
o trâmite dos procedimentos e manterá informados os Estados-
Partes na controvérsia e o Grupo Mercado Comum.138
A outra parte na controvérsia terá direito a contestar o re-
curso de revisão interposto, dentro do prazo de quinze dias de
notificada à apresentação de tal recurso.139
O Tribunal Permanente de Revisão pronunciar-se-á sobre o
recurso em um prazo máximo de trinta dias, contado a partir da
apresentação da contestação referida no item anterior ou do ven-
cimento do prazo para a referida apresentação, conforme o caso.
Por decisão do tribunal de revisão, o prazo de trinta dias poderá
ser prorrogado por mais quinze dias.140
O Tribunal Permanente de Revisão poderá confirmar, mo-
dificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tri-
bunal Arbitral Ad Hoc.141
O laudo do Tribunal Permanente de Revisão será definitivo
e prevalecerá sobre o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc.142
Obviamente, a inovação mais importante que foi introduzida
pelo texto de Olivos reside na criação de um Tribunal Permanen-
te de Revisão, ao que se lhe atribui o caráter de permanente143.
Mais do que um órgão permanente é um tribunal disponível que
difere em muito, do caráter permanente que têm tribunais de outros
modelos de integração.
191
São variadas as razões que impediram a criação de um Tri-
bunal permanente no sentido cabal do termo, isto é, caracteriza-
do pela dedicação total de seus membros às funções atribuídas.
Descartamos uma análise ao motivo principal pelo qual não é
possível um tribunal supranacional, pois é sabido que o obstácu-
lo é de neto conteúdo constitucional, pela falta de delegação de
competências para órgãos legiferantes e jurisdicionais. A razão,
que em nosso juízo, impediu criar um tribunal arbitral permanen-
te se deve à onerosidade que isso acarretaria. Não só pelo que
implica o tribunal em si, senão por todo o aparelho burocrático
que se requer para seu funcionamento com caráter estável.
Quanto à designação do quinto árbitro se reconhece aos
Estados-Partes uma ampla margem para fixar os critérios que
estimem mais convenientes, sempre que exista acordo entre eles.
Quais são os pontos que podem afastar-se deste disposto?
Entendemos que não é sobre a duração do mandato (3 anos),
senão sobre a possibilidade de renová-lo.
Também poderão acordar que o candidato seja extrazona.
Podem estabelecer outro sistema para a eleição do quinto
árbitro quando não existe unanimidade, descartando o sorteio na
Secretaria Administrativa do MERCOSUL?
Parece que isso é possível em virtude do disposto no artigo
18.4 do Protocolo de Olivos, quando deixa facultado ao acordo
conjunto dos Estados-Partes fixar os critérios de sua designação.
Não acreditamos possível que possa adotar-se uma alternativa
distinta ao proposto quanto à exigência da unanimidade, pese a que
a norma exprime que os “Estados-Partes, de comum acordo, pode-
rão definir outros critérios para a designação do quinto árbitro”144.
Também podem definir o modo de funcionamento do Tri-
bunal segundo o número dos Estados-Partes da controvérsia.
O Protocolo distingue quando o conflito envolva a dois Esta-
dos-Partes e quando a controvérsia envolva a mais de dois Esta-
dos-Partes.
192
No primeiro caso, o Tribunal Permanente de Revisão estará
integrado por um árbitro de cada um de ditos Estados e o presi-
dente será eleito mediante sorteio realizado pelo diretor da Se-
cretaria Administrativa do MERCOSUL entre os membros não
nacionais dos Estados-Partes na controvérsia. Enquanto na outra
hipótese o tribunal atua em seu conjunto ou pleno145.
Para avançar na interpretação uniforme do direito do
MERCOSUL, teria sido mais conveniente que em todos os casos
o tribunal funcionasse integrado por todos os membros. Será di-
fícil conseguir o objetivo de interpretação uniforme mediante o
regime preceituado, pois a experiência nos conflitos levados ante
os tribunais arbitrais ad hoc demonstra que as controvérsias se
vieram apresentando entre dois Estados, conseqüentemente, a
composição por três de seus membros, que serão diferentes se-
gundo as partes na disputa, suscitará eventualmente distintas in-
terpretações146.
Em função do reenvio ao artigo que regulamenta as listas de
árbitros para integrar o Tribunal Ad Hoc, a designação deve acom-
panhar-se com o curriculum vitae de cada candidato, admitindo-se
o pedido de esclarecimentos a respeito das pessoas propostas e as
objeções justificadas a respeito dos candidatos dos outros países.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL tem a seu car-
go todas as gestões administrativas para desenvolver os procedi-
mentos necessários, bem como realizar as gestões tendentes a
manter informados aos Estados-Partes na disputa e ao Grupo
Mercado Comum.
As partes poderão apresentar um recurso de revisão ante
esse tribunal contra o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc respei-
tando os prazos estabelecidos. O recurso se limitará às questões
de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas
desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc que atua
193
como órgão de primeira instância, ficando excluídas deste modo
todas as questões de fato147.
Quando os laudos forem proferidos com base no princípio
ex aequo et bono não poderá interpor-se recurso contra essa
decisão.
O Tribunal Permanente de Revisão tem competência para
confirmar, modificar ou revogar os fundamentos jurídicos e os
laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc. Contra seus pronunciamen-
tos só é possível um recurso de esclarecimento com respeito à
forma de cumprimento do laudo148; todavia o pronunciamento
emanado do tribunal de revisão é definitivo e prevalece sobre o
laudo proferido pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Também assume competência per saltum, ou seja, que ad-
mite o acesso direto das partes uma vez que fracassaram as nego-
ciações diretas. As vantagens desta opção radicam em evitar
dilações e diminuir os gastos que implicam submeter-se ao Tri-
bunal Arbitral Ad Hoc como uma primeira instância jurisdicional.
O inconveniente é o alcance da decisão no sentido de que esta
não ficará sujeita a nenhum recurso de revisão e terá força de
coisa julgada para as partes.
Ademais, o Tribunal Permanente de Revisão tem compe-
tência para responder às opiniões consultivas que lhe sejam formu-
ladas, ainda que este ponto dependa de regulamentação que ela-
bore o Conselho do Mercado Comum para se conhecer como
será efetivado o procedimento.
Deverá conhecer assim mesmo, o tribunal de revisão, sobre
as medidas provisionais que se tenham mantido quando o laudo
foi objeto de recurso de revisão, devendo decidir na primeira
reunião que efetue, uma vez interposto o recurso, sobre a conti-
nuidade ou cessação das mesmas.
No suposto de que o Estado-Parte beneficiado pelo laudo
considere que as medidas adotadas pelo obrigado não respondem
194
ao cumprimento da decisão proferida, assumirá competência o
Tribunal de Revisão no caso em que tenha intervindo, a fim de
verificar o cumprimento. Também pode ocorrer que corresponda
ao Tribunal Arbitral Ad Hoc entender do cumprimento do laudo se
foi esse que o proferiu.
Opiniões consultivas
149. PO, art. 23.1. Aplicando-se, no que corresponda os arts. 9, 12, 13, 14, 15
e 16 do PO.
150. PO, art. 23.2.
195
não surpreende que o Conselho do Mercado Comum tenha in-
cluído a questão entre os temas enumerados para receber análi-
ses à hora de modificar o sistema de solução de conflitos do
Protocolo de Brasília.
A tal ponto se constituiu numa prioridade que se destacou
que o legislador do MERCOSUL151 decidia modificar o sistema
vigente frente à necessidade de garantir a correta interpretação,
aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do pro-
cesso de integração e do conjunto normativo do MERCOSUL,
de forma consistente e sistemática com o fim de consolidar a
segurança jurídica no bloco.
Indagamos-nos, também, se é possível cumprir com esta
finalidade através da norma que se sanciona? Trata-se de um
propósito sumamente ambicioso que parte da premissa da exis-
tência de segurança jurídica no bloco – que focalizaremos mais
adiante.
196
Os laudos do Tribunal Permanente de Revisão são inapeláveis,
obrigatórios para os Estados-Partes na controvérsia a partir de sua
notificação e terão, com relação a eles, força de coisa julgada.154
Os laudos deverão ser cumpridos na forma e com o alcance
com que foram emitidos. A adoção de medidas compensatórias
nos termos deste Protocolo não exime o Estado-Parte de sua
obrigação de cumprir o laudo.155
Os laudos do Tribunal Ad Hoc ou os laudos do Tribunal
Permanente de Revisão, conforme o caso, deverão ser cumpridos
no prazo que os respectivos Tribunais estabelecerem. Se não for
estabelecido um prazo, os laudos deverão ser cumpridos no pra-
zo de trinta dias seguintes à data de sua notificação.156
O Estado-Parte obrigado a cumprir o laudo informará à outra
parte na controvérsia, assim como ao Grupo Mercado Comum,
por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL,
sobre as medidas que adotará para cumprir o laudo, dentro dos
quinze dias contados desde sua notificação.157
Caso o Estado beneficiado pelo laudo entenda que as medi-
das adotadas não dão cumprimento ao mesmo, terá um prazo de
trinta dias, a partir da adoção das mesmas, para levar a situação
à consideração do Tribunal Arbitral Ad Hoc ou do Tribunal Per-
manente de Revisão, conforme o caso.158
O Tribunal respectivo terá um prazo de trinta dias a partir
da data que tomou conhecimento da situação para dirimir as ques-
tões referidas no item anterior.159
Caso não seja possível a convocação do Tribunal Arbitral
Ad Hoc que conheceu do caso, outro será conformado com os
suplentes necessários.160
197
4.6.1 Recurso de esclarecimento
4.8 Confidencialidade
198
modalidade de divulgação dos textos e apresentações relativos a
controvérsias já concluídas.165
A critério da Seção Nacional do Grupo Mercado Comum
de cada Estado-Parte do MERCOSUL e quando isso seja neces-
sário para a elaboração das posições a serem apresentadas ante o
Tribunal, esses documentos poderão ser dados a conhecer, exclu-
sivamente, aos setores com interesse na questão.166
199
5. DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL
200
5.1.2 Princípio da especificidade
201
5.1.5 O princípio de segurança jurídica
202
e jurídicas do modelo de integração estabelecido nas fontes ori-
ginárias - em relação à solução de conflitos - levaram a optar
pelos chamados métodos alternativos, a saber: as negociações
diretas, a mediação e a arbitragem.
A experiência acumulada durante a vigência desse mecanis-
mo de solução de controvérsias denota que não resultou o mais
adequado para outorgar previsibilidade e possibilidade de predizer
as normas e também não se incorporaram métodos que permitam
afirmar até que ponto o sistema contribui para a interpretação
uniforme do direito erigido em seu âmbito. Isso, sem prejuízo de
reconhecer que os tribunais arbitrais têm recorrido em numerosas
oportunidades aos precedentes formados pelos laudos anteriores
para basear suas argumentações e decisões. Entretanto, também se
afastaram em vários casos dos precedentes, através de uma
hermenêutica que suscita divergentes resultados em supostos equi-
valentes179.
Outro fator a destacar é que estamos nos referindo à atuação
nos tribunais arbitrais ad hoc sem fazer menção alguma às juris-
dições nacionais; focalizamos o tema na perspectiva plasmada
no Protocolo de Brasília. Quando são os tribunais nacionais os
que interpretam e aplicam o direito do MERCOSUL, eventual-
mente com parâmetros distintos ao tribunal arbitral em casos equi-
valentes180, não há senão que acudir às respectivas legislações
nacionais e aos princípios de hierarquia que se reconhecem entre
o ordenamento nacional e o internacional.
203
A assertiva efetuada conduz diretamente a observar de que
modo a União Européia encarou a matéria. O princípio de segu-
rança jurídica naquele modelo de integração foi relacionado com
vários aspectos cujo ponto de convergência é a primazia do direi-
to comunitário sobre o direito interno, entre eles: a segurança
jurídica na integração do direito comunitário; a segurança jurídica
e a incompatibilidade entre direito comunitário e direito interno; a
segurança jurídica e a forma de execução do direito comunitá-
rio181. Sobre cada uma destas questões se pronunciou o Tribunal
de Justiça da União Européia eliminando a incerteza nas situa-
ções conflitantes e estabelecendo axiomas que se erigem como
garantias sobre as quais se constrói a integração européia182.
A relevância de avançar para uma interpretação uniforme
do direito do MERCOSUL articulando os meios idôneos é o
núcleo central em torno do qual deve girar o mecanismo de so-
lução de conflitos. Conquanto todas as inovações acordadas no
novo texto se concentram na idéia de afiançar e consolidar a se-
gurança jurídica no bloco, entendemos que na medida em que
não se estabeleçam os métodos necessários para confluir na ado-
ção deste mecanismo, os direitos dos cidadãos não estarão devi-
damente resguardados.
204
ordenamento183. Conquanto seu cumprimento e aplicação se pro-
duzam em Estados-nacionais distintos, sob autoridades nacionais
com critérios interpretativos divergentes fruto de idiossincrasias,
histórias e realidades jurídicas heterogêneas, a falta de uniformi-
dade interpretativa permite violentar princípios sustentadores do
processo, particularmente a igualdade dos Estados-Partes184.
Os países envolvidos são os destinatários desse acervo jurí-
dico, ou seja, os governos e os particulares – pessoas físicas e
jurídicas – que negociam no marco da lei vigente, pelo que essa
diversidade interpretativa dos juízes nacionais ou dos árbitros
designados para solucionar o conflito, põe em perigo a unidade
do ordenamento da integração.
Neste ponto resulta inevitável acudir novamente ao modelo
da União Européia que reflete a importância que teve a interpre-
tação uniforme do ordenamento comunitário realizada pelo Tri-
bunal de Justiça das Comunidades Européias no desenvolvimen-
to desse processo.
Lembremos que a missão específica desse tribunal, defini-
da nos Tratados fundacionais, é garantir o respeito do Direito na
interpretação e aplicação dos Tratados185.
Entre as vias pelas quais se tem acesso ao Tribunal de Justi-
ça da União Européia, nos interessa referir à questão prejudicial,
já que atendo-nos às declarações efetuadas por funcionários go-
vernamentais, parece que o Protocolo de Olivos através do me-
canismo de consultas que prescreve aspira a conseguir uma in-
205
terpretação uniforme do direito do bloco, cujos parâmetros se
achariam no modelo europeu186.
Um importante número dos julgados transcendentais profe-
ridos pelo tribunal comunitário o foram por este procedimento
considerado “o instrumento, por excelência da integração jurídi-
ca comunitária”187.
Nessa linha bem se afirma que “a pedra angular da Comuni-
dade não é só uma mesma norma comum, senão dita norma inter-
pretada e aplicada da mesma maneira em toda a extensão de um
mesmo território pelos Tribunais de todos os Estados-Membros”188.
Mediante o recurso prejudicial, cuja finalidade é justamente
procurar uma interpretação uniforme do direito comunitário e a
garantia da sua correta exegese, o tribunal deve pronunciar-se
quando se lhe requer sobre o direito originário e sobre sua validez,
interpretação dos atos adotados pelas instituições da Comunida-
de e sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados
por um ato do Conselho. Em conseqüência não se inclui o pro-
nunciamento sobre aspectos litigiosos de natureza fática189.
É fundamental assinalar que são os magistrados nacionais
que conhecem de um conflito, que tramita sob suas jurisdições,
quem pode ou deve, ao ter dúvidas sobre a interpretação ou a validez
do ordenamento aplicável190, consultar o órgão supranacional a
fim de que este se pronuncie a respeito com caráter prévio191.
186. REDRADO, 2002: “avanzar hacia una interpretación uniforme del conjun-
to normativo del Mercosur y hacia la creación de una jurisprudencia común”.
187. Ver KEMELMAJER DE CARLUCCI, El juez frente al derecho comuni-
tario.
188. R. LECOURT, apud ALONSO GARCÍA, Derecho comunitario: sistema cons-
titucional y administrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1995, p. 325.
189. TCE, art. 177; versão compilada do Tratado que institui a Comunidade
Européia, art. 234.
190. Não deve tratar-se de um “ato claro”, ver MOLINA DEL POZO, La teoría
del acto claro, Santa Fe, 1999, p. 527-567.
191. O tribunal supranacional deve pronunciar-se sobre o direito e não sobre
os fatos, é por isso que se diz que se faz de uma maneira “abstrata”.
FUENTELAJA PASTOR, El proceso judicial comunitario, 1996, p. 225.
206
Essa consulta que realiza o juiz nacional, conhecida também
como reenvio prejudicial192, gera entre o tribunal supranacional e
os juízes dos países membros um duplo vínculo.
Por um lado, estabelece um procedimento de cooperação
para uniformizar a interpretação e a aplicação do direito comuni-
tário, no sentido de que, enquanto o juiz nacional é quem resolve
o litígio – que se suspende até tanto se pronuncie o tribunal
supranacional – este órgão se avoca às questões de interpretação
e de validez sem que nenhum deles interfira na tarefa do outro193.
O Tribunal de Justiça na União Européia é o órgão encarregado
de marcar as pautas comuns que guiam aos tribunais nacionais
no momento de velar pela aplicação correta do direito comunitá-
rio; de sorte tal que se produz uma extensão da comunidade des-
de a fase de produção normativa à instância aplicativa através da
interpretação uniforme das normas194.
Por outro lado, as sentenças que provêm do órgão supranacio-
nal, ao serem vinculantes, geram um laço de subordinação que
nada tem que ver com uma relação de hierarquia, já que não se
trata de um recurso direto, que faz às vezes de uma cassação co-
munitária após esgotadas as instâncias ante os tribunais nacionais195.
Além desta breve referência, podemos anotar como caracteres
próprios da questão prejudicial, os seguintes:
192. Tanto a Comunidade Européia desde seu início, como a Comunidade Andina
desde a criação do Tribunal de Justiça do Acordo de Cartagena (Tratado de
1979, vigente desde 1983), estabelecem a questão de interpretação prejudi-
cial com numerosas semelhanças e algumas diferenças, a caracterização de
cada uma delas pode ver-se em: CZAR DE ZALDUENDO, La integración
económica y la interpretación uniforme del derecho.
193. KEMELMAJER DE CARLUCCI, El juez frente al derecho comunitario.
194. ALONSO GARCÍA, Derecho comunitario: sistema constitucional y ad-
ministrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1995, p. 326.
195. CZAR DE ZALDUENDO, La integración económica y la interpretación
uniforme del derecho, p. 1044, diz: “en la CE no se pretendió instaurar
una relación de jerarquía del tribunal europeo sobre los jueces y cortes
nacionales pues esto era algo que los Estados no estaban dispuestos a
aceptar pacíficamente”.
207
a) se propõe quando exista um litígio em curso perante tribunais
nacionais, ou seja, no marco de uma controvérsia real e efe-
tiva;
b) o juiz nacional deve ter uma dúvida razoável sobre a norma
comunitária que deve aplicar, ou seja, que não deve tratar-se
de um ato claro;
c) a matéria objeto de consulta pode ser de interpretação ou de
validez;
d) a questão proposta não deve ter sido objeto de uma decisão a
título prejudicial com anterioridade, isto é, não deve tratar-se
de um ato esclarecido;
e) o Tribunal de Justiça da União Européia se pronuncia sobre
o direito e não sobre os fatos em conflito, por isso se diz que
o faz de maneira abstrata;
f) as partes no conflito não o são na questão prejudicial, con-
quanto se lhes permite comparecer ante o tribunal comuni-
tário para apresentarem observações escritas ou orais;
g) ainda que a consulta proposta pelo tribunal nacional seja
facultativa, quando se trata de um órgão judicial de última
instância passa a ser obrigatória;
h) o acórdão do tribunal comunitário é vinculante para o juiz que
o solicitou, que deverá resolver o caso conforme essa interpre-
tação196. Seu caráter vinculante se estende a todas as institui-
ções comunitárias e autoridades nacionais, incluindo os órgãos
jurisdicionais à hora de aplicar o direito comunitário.
208
consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão, prescrevendo
que o Conselho do Mercado Comum é o órgão encarregado de
definir o alcance e os procedimentos de tais mecanismos197.
Interrogamos-nos se se trataria da semente de uma interpre-
tação uniforme do acervo jurídico do MERCOSUL?
Pode-se admitir que a realização de consultas constitua um
instrumento no processo que implica para as partes contar com
maiores possibilidades de predição, tentando desta maneira evitar
a promoção de contendas. A natureza preventiva da consulta po-
deria contribuir para criar um clima de observância do ordenamento
do MERCOSUL198. A delegação do Uruguai sustentou que possi-
bilitar as consultas sobre o ordenamento jurídico brindaria às par-
tes maior certeza sobre seus direitos e obrigações.
O Grupo de Alto Nível incorporou essa temática propondo
duas alternativas.
Numa alternativa, os Estados-Partes poderiam solicitar es-
sas opiniões consultivas de modo conjunto ao Tribunal Perma-
nente de Revisão sobre a interpretação e aplicação do ordenamento
originário e derivado. Como fundamento se argumentou: “pro-
curar prevenir uma eventual controvérsia, como requerer uma
expressão de opinião não vinculada a uma eventual controvérsia
específica”.
A outra alternativa – que foi a adotada pelo Protocolo de
Olivos de forma quase textual – não inclui a parte final da propos-
ta do Grupo de Alto Nível quando estabelecia expressamente que
tais opiniões consultivas não teriam caráter obrigatório199.
Primeiramente, como afirma Rei Caro, teria sido mais ade-
quado regular diretamente a questão no Protocolo e determinar
de forma expressa o caráter ou valor das opiniões solicitadas ao
Tribunal Permanente de Revisão ao invés de deixar liberada a
209
regulamentação à discricionariedade do Conselho do Mercado
Comum, órgão que segundo se estabelece poderá ou não regular
a matéria200.
Em segundo lugar, comparar este mecanismo de opiniões
consultivas - sobre o qual nada se disse - com o que implica inter-
pretar de maneira uniforme o direito do MERCOSUL resulta pou-
co alcançável, tal como observamos nas breves considerações
sobre o reenvio prejudicial, seu alcance e condicionamentos, ao
menos não parece ter-se cumprido o mandato da Decisão N° 25/
2000. Consideramos que a disposição incorporada no Protocolo
de Olivos não é um meio idôneo para atingir o propósito que não
se estabeleceu na disposição referida, que era uma preocupação
ao longo de todas as negociações preliminares.
Um terceiro argumento, que se desprende de um fator enla-
çado com a formulação anterior, que não se pode deixar de men-
cionar, é que a prejudicialidade requer que sejam os próprios juízes
nacionais quem a pleiteiem. No instrumento aprovado não se lhes
reconhece aos tribunais dos Estados-Partes legitimação alguma
para propor a consulta ao Tribunal Permanente de Revisão. O
Protocolo de Olivos não faz referência a quem tem legitimidade
para efetuar a consulta, seria importante habilitar os juízes nacio-
nais a tal efeito, o que logicamente necessitaria inexoravelmente
de uma modificação muito mais profunda.
Um grave obstáculo para avançar por este caminho esbarra
nas diferenças substanciais que se apresentam a partir do dispos-
to nas Constituições dos Estados-Partes.
As Cartas da Argentina e do Paraguai adotaram fórmulas pelas
quais se reconhecem a prevalência normativa do ordenamento da
integração sobre o interno. No entanto, as Constituições do Brasil
e do Uruguai não foram modificadas para acompanhar o processo.
Além disso, o Brasil estabelece a aplicabilidade da lei local poste-
rior sobre o ordenamento internacional, ficando prejudicado neste
210
último o direito da integração. A jurisprudência brasileira reflete
uma obediência literal a esta regra. Portanto, nos casos de confli-
to entre o ordenamento jurídico do MERCOSUL e as normas de
direito interno, primam as regras de fonte interna com a conse-
qüente falta de segurança jurídica e de previsibilidade para os
operadores da região.
A função consultiva do tribunal de revisão, cujos alcances
se encontram pendentes de definição, pode chegar a representar
no futuro uma fórmula dinâmica e prometedora para conseguir
relacionar a justiça do MERCOSUL com os tribunais locais dos
Estados-Partes201. Entretanto, no momento atual, a reforma pro-
duzida não implica mais do que um efêmero avanço sobre o
mecanismo vigente. Em todo caso, terá que aguardar a regula-
mentação para verificar-se a sua operatividade.
6. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
201. Ver ESTOUP, Algunas reflexiones sobre la competencia del nuevo Tribu-
nal Permanente de Revisión del Mercosur, 2002.
202. PO, art. 29.1.
203. PO, art. 30.
211
de concessões ou outras obrigações equivalentes, com vistas a
obter o cumprimento do laudo.204
O Estado-Parte beneficiado pelo laudo procurará, em pri-
meiro lugar, suspender as concessões ou obrigações equivalentes
no mesmo setor ou setores afetados. Caso considere impraticável
ou ineficaz a suspensão no mesmo setor, poderá suspender con-
cessões ou obrigações em outro setor, devendo indicar as razões
que fundamentam essa decisão.205
As medidas compensatórias a serem tomadas deverão ser
informadas expressamente pelo Estado-Parte que as aplicará, com
uma antecedência mínima de quinze dias, ao Estado-Parte que
deva cumprir o laudo.206
212
se pronuncie a respeito, em um prazo não superior a trinta dias,
contado a partir da sua constituição.209
O tribunal pronunciar-se-á sobre as medidas compensatórias
adotadas. Avaliará, conforme o caso, a fundamentação apresen-
tada para aplicá-las em um setor distinto daquele afetado, assim
como sua proporcionalidade com relação às conseqüências deri-
vadas do não cumprimento do laudo.210
Ao analisar a proporcionalidade, o tribunal deverá levar em
consideração, entre outros elementos, o volume e/ou o valor de
comércio no setor afetado, bem como qualquer outro prejuízo ou
fator que tenha incidido na determinação do nível ou montante
das medidas compensatórias.211
O Estado-Parte que aplicou as medidas deverá adequá-las à
decisão do tribunal em um prazo máximo de dez dias, salvo se o
tribunal estabelecer outro prazo.212
Uma vez proferido o laudo o Estado-Parte obrigado na con-
trovérsia deve cumpri-lo, sem prejuízo das medidas compensató-
rias que se adotem213. Estas podem consistir na suspensão de
concessões ou outras equivalentes, procurando em primeiro ter-
mo, que recaiam no mesmo setor ou setores afetados, e só quan-
do não seja possível se atinja a outro setor. Nesta hipótese, o
Estado-Parte que adote as medidas deverá justificar as razões
que fundamentam sua decisão. Não se prevêem compensações
pecuniárias.
Quando o Estado beneficiado aplique medidas compensa-
tórias por entender insuficiente seu ressarcimento mediante o
cumprimento do laudo, enquanto o Estado obrigado a reparar
sustente o contrário, a diferença se elucidará ante o tribunal que
tiver proferido a sentença.
213
Interrogamos-nos sobre o que sucederia na hipótese contrá-
ria, isto é, quando as medidas compensatórias adotadas resultas-
sem excessivas? Ainda que o Protocolo de Olivos não diga nada
ao respeito, estimamos que assista ao prejudicado o direito de ir
ante o tribunal que interveio na solução da controvérsia.
7. RECLAMAÇÕES DE PARTICULARES
214
originário do MERCOSUL (Tratado de Assunção, Protocolo de
Ouro Preto, protocolos e acordos celebrados no marco do Trata-
do de Assunção) e do seu direito derivado (Decisões do Conse-
lho do Mercado Comum, Resoluções do Grupo Mercado Co-
mum e Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL).214
215
concluídas automaticamente e sem mais trâmites se a questão
não tiver sido resolvida em um prazo de quinze dias contado a
partir da comunicação da reclamação ao Estado-Parte a que se
atribui a violação, salvo se as partes decidirem outro prazo.219
Finalizadas as consultas, sem que se tenha alcançado uma
solução, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum elevará a
reclamação sem mais trâmite ao Grupo Mercado Comum.220
216
7.5 Grupo de especialistas para dar parecer sobre
procedência da reclamação de particulares
217
prosperar num prazo de quinze dias, o Estado-Parte que o efe-
tuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral.229
Recebido um parecer que considere improcedente a recla-
mação por unanimidade, o Grupo Mercado Comum imediata-
mente dará por concluída a mesma no âmbito da reclamação de
particulares.230
Caso o grupo de especialistas não alcance unanimidade para
emitir um parecer, elevará suas distintas conclusões ao Grupo
Mercado Comum que, imediatamente, dará por concluída a re-
clamação no mesmo âmbito.231
A conclusão da reclamação por parte do Grupo Mercado
Comum, nos casos de improcedência da reclamação por parecer
unânime dos especialistas ou falta de unanimidade, não impedirá
que o Estado-Parte reclamante dê início aos procedimentos de
negociação direta, intervenção do Grupo Mercado Comum ou
procedimento arbitral ad hoc.232
229. PO, art. 44.1(i). Procedimento arbitral previsto no PO, Cap. VI.
230. PO, art. 44.1(ii).
231. PO, art. 44.1(iii).
232. PO, art. 44.2.
233. XXV Reunião do CMC, Montevidéu, 15/12/2003.
234. MERCOSUL/CMC/DEC. N° 37/03.
218
O Protocolo de Olivos dispunha que o Conselho do Merca-
do Comum deveria aprovar a regulamentação do instrumento de
solução de controvérsias235, o que se tornava necessário uma vez
em vigência o Protocolo para efeitos de assegurar a efetividade
de seus mecanismos e a maior segurança jurídica do processo de
integração.
Primeiramente, no que se refere ao regulamento dos proce-
dimentos nas controvérsias entre os Estados-Partes, estabelece
as regras sobre a eleição de foro, que deve ser expressa antes do
início do procedimento236. A eleição se refere ao sistema do
MERCOSUL e da Organização Mundial do Comércio. Ficou
pendente a regulamentação relacionada a sistemas de solução de
controvérsias de outros esquemas preferenciais de comércio237.
Regula as opiniões consultivas perante o Tribunal Perma-
nente de Revisão, estabelece a legitimação para solicitá-las; os
requisitos quanto à tramitação da solicitação dos Estados-Partes,
dos órgãos do MERCOSUL e dos Tribunais Superiores de Justi-
ça dos Estados-Partes; as formalidades da apresentação da soli-
citação; para emitir a opinião, como será integrado o Tribunal, a
convocação e o seu funcionamento; as atuações do Tribunal; o
conteúdo, a conclusão do procedimento e os efeitos das opiniões
consultivas; os impedimentos para o Tribunal manifestar-se; e, a
publicação das opiniões consultivas.
A solicitação de opinião consultiva por parte dos Tribunais
Superiores de Justiça dos Estados-Partes do MERCOSUL é uma
circunstância que, sem dúvida, envolve uma problemática que
gerará não poucos debates, além de poder considerar-se uma
novidade transcendental no sistema. Os limites que surgem da
disposição ficam sujeitos a duas observações. Por um lado, o
âmbito material, já que as opiniões consultivas poderão versar
sobre a interpretação jurídica da normativa do MERCOSUL,
sempre que se vinculem com causas que estejam em tramitação
219
no Poder Judiciário do Estado-Parte solicitante. Por outro, o âmbi-
to funcional cuja regulamentação dependerá de consulta aos Tri-
bunais Superiores de Justiça dos Estados-Partes.238
Quanto à implementação das opiniões consultivas, estas se
apresentarão por escrito e aos efeitos de proferir a opinião do
tribunal permanente, exige-se a integração do órgão por todos
seus membros.
Uma especial referência nos interessa acerca dos efeitos
destas opiniões, emitidas pelo Tribunal Permanente de Revisão,
pois não serão vinculantes nem obrigatórias.239
As disposições incluem a regulamentação das diferentes
etapas da solução de controvérsias, isto é, as negociações diretas,
a intervenção do Grupo Mercado Comum, o procedimento arbitral
ad hoc e o procedimento de revisão.
No regulamento das negociações diretas, estabelece que elas
serão conduzidas pelos coordenadores nacionais do Grupo Merca-
do Comum dos Estados-Partes na controvérsia ou pelos represen-
tantes que eles designarem; registrando em atas o resultado das
negociações, que uma vez concluídas, serão dadas a conhecer ao
Grupo, através da Secretaria Administrativa do MERCOSUL.
Regula a intervenção do Grupo Mercado Comum para a
solução de controvérsia e a intervenção a pedido de um Estado
que não seja parte na mesma; sendo importante observar que as
recomendações e comentários do Grupo ficam vinculados às
propostas para solucionar a divergência e requerem a cooperação
dos Estados-Partes em sua elaboração.
No que se refere ao procedimento arbitral ad hoc, regula o
início da etapa arbitral; os impedimentos para a designação do
árbitro; o sorteio de árbitros; os termos da declaração a ser assina-
da pelos árbitros designados; sobre a lista de árbitros trata da so-
licitação de esclarecimentos a respeito dos árbitros propostos, das
objeções aos candidatos para integrar a lista de terceiros árbitros e
220
da modificação das listas; da designação dos representantes e as-
sessores das partes e da unificação de representação; do objeto da
controvérsia; dos descumprimentos processuais; das medidas pro-
visórias; e da prorrogação do prazo para emitir o laudo arbitral.
Cabe uma referência especial à revelia da parte demandada,
que se caracteriza pela não concorrência às audiências fixadas ou
não dar cumprimento a qualquer outro ato processual a que este-
ja obrigada. O efeito da revelia consiste na tramitação dos proce-
dimentos sem a participação do demandado, que todavia deve
ser notificado de todos os atos que correspondam.240
No procedimento de revisão ante o Tribunal Permanente de
Revisão são regulamentadas: a composição do Tribunal; os ter-
mos da declaração dos integrantes; o funcionamento com três
árbitros e com cinco árbitros; a secretaria do Tribunal; o recurso
de revisão, especialmente aspectos da interposição, apresenta-
ção, admissibilidade e translado; a contestação e a tramitação do
recurso de revisão; a prorrogação do prazo para emitir o laudo;
bem como o acesso direto ao Tribunal.
No que se refere aos laudos arbitrais, dispõe sobre o conteú-
do, a notificação e a publicação; o recurso de esclarecimento; e,
a divergência sobre o cumprimento. Distinguindo-se entre os que
emanam do Tribunal Arbitral Ad Hoc e os que provêm do Tribu-
nal Permanente de Revisão. O pedido de recurso de esclareci-
mento, segundo prevê, especificará detalhadamente os pontos do
laudo sobre os quais se solicita esclarecimento, podendo solici-
tar-se indicações sobre a forma de cumpri-lo.241
Sobre as medidas compensatórias e a proporcionalidade, é
importante destacar que o Estado que alegue que as medidas com-
pensatórias aplicadas são excessivas deve apresentar perante o
Tribunal que corresponda a justificativa de sua posição. Neste
caso, para facilitar a tarefa do Tribunal, que deverá pronunciar-
se sobre a proporcionalidade das medidas compensatórias adotadas,
221
o Estado parte na controvérsia que as aplica proporcionará infor-
mação detalhada referente, entre outros elementos, ao volume e/
ou valor do comércio no setor afetado, assim como todo outro
prejuízo ou fator que haja incidido na determinação do nível ou
montante das medidas compensatórias.242
A Sede do Tribunal Permanente de Revisão será a cidade de
Assunção, e a República do Paraguai determinará o local de seu
funcionamento.243
Sobre a reclamação de particulares, dispõe sobre o início do
trâmite; as consultas entre Estados; a elevação da reclamação ao
Grupo Mercado Comum; o grupo de especialistas; a modificação
da lista de especialistas; o modelo de declaração a ser assinada
pelos especialistas convocados; o procedimento do grupo de es-
pecialistas; os gastos dos especialistas; o parecer do grupo de
especialistas; e as regras de procedimento.
No que se refere às listas de especialistas, destacamos que
cada Estado-Parte poderá modificar a qualquer momento os can-
didatos por ele designados, que a partir do momento em que
uma controvérsia ou reclamação seja submetida ao Grupo Mer-
cado Comum, os Estados-Partes não poderão modificar, para
esse caso, a lista registrada na Secretaria Administrativa do
MERCOSUL.
222
acerca do resultado que a vigência do instrumento significará
para o bloco.
Assim, com base na idéia que primou na hora de planificar
as mudanças e os temas incluídos na decisão do MERCOSUL
pela qual se estabeleceram os pontos a serem objeto de análise
especial, estimamos que o mandato não se cumpriu, ao menos,
na dimensão esperada.
Ao longo deste trabalho fomos apontando as reflexões que
nos suscitaram as mudanças ocorridas; indubitavelmente a mais
importante é aquela que torna possível um recurso de revisão
ante um tribunal arbitral “disponível”.
No que se relaciona ao tribunal ad hoc, este continuará atuan-
do em tal caráter e com a natureza inter partes de seus pronunci-
amentos, o que dificulta, ainda que não exclui - como se adverte
nos laudos arbitrais proferidos em seu marco - a conformação de
uma jurisprudência própria que gere precedentes que possibili-
tem avançar para uma interpretação uniforme do acervo normativo
do MERCOSUL. É certo que os princípios em que se fundaram
os laudos arbitrais foram recepcionados nos sucessivos pronun-
ciamentos. No entanto, tão certo como esta afirmação, é que em
outras tantas oportunidades, os árbitros se afastaram efetuando
interpretações divergentes. Em um e outro caso, estaríamos fren-
te a parâmetros para os laudos que eventualmente se ditem no
processo por futuros tribunais arbitrais.
Assim mesmo, caberia destacar a importância que os decisórios
dos tribunais do MERCOSUL deveriam assumir como fonte de
fundamento de sentenças dos tribunais nacionais; com efeito, ao
interpretar e aplicar o direito interno emanado na execução das obri-
gações derivadas do MERCOSUL, os órgãos jurisdicionais dos
Estados teriam que iluminar-se por esse ordenamento. Mas essa não
é a orientação que parece primar na atual conjuntura; negar-nos a
reconhecer a realidade só por compartirmos uma visão netamente
favorável ao novo ordenamento, importaria não diferenciar “o ser”
do “dever ser”, atitude refratária ao propósito que nos guia.
223
O fato de que existam tribunais arbitrais, inclusive um tri-
bunal permanente, não conduz a reconhecer a existência de
supranacionalidade. A conformação de tribunais arbitrais é total-
mente conforme com o desenvolvimento do direito internacional
público e não, por isso, pode sustentar-se que se trate de órgãos
supranacionais244.
Quanto ao caráter obrigatório dos laudos, dita qualidade res-
ponde a um compromisso de jurisdição obrigatória entre os Es-
tados-Partes do MERCOSUL245. Por outro lado, ainda que não
tivesse jurisdição obrigatória, na medida que as partes decidem
levar sua controvérsia ante um tribunal arbitral, comprometem-
se a aceitar seu resultado.
Qual é então a situação com a qual nos defrontamos?
Integramos um esquema que pretende ser um mercado co-
mum, mas não o é; que aspira a atingir as quatro liberdades
fundamentais (fato que se ratifica com a possível livre circula-
ção de pessoas), mas não conhecemos a ciência certa como se
implementará; não em poucas oportunidades nos comparamos
com a Comunidade Européia e nos valemos de seus axiomas,
quando somos o MERCOSUL e as diferenças com respeito a
dito processo são notórias em numerosas ordens.
As vantagens que oferece um tribunal supranacional ao dotar
a um modelo de integração de legalidade, legitimidade e de prin-
cípios em muitos casos, sentados a partir da interpretação unifor-
me que realiza um órgão permanente dotado de competência a tal
efeito, não é compatível com os sistemas legais dos Estados-Partes
do MERCOSUL. Mais ainda, não se pressente vocação política
para que num futuro próximo se revertam estas condições.
Nos interrogamos se ante esta realidade, em função do que
é o MERCOSUL, o Protocolo de Olivos significaria um avanço
no caminho de sua institucionalização?
224
Os particulares continuam dependendo da vontade dos Es-
tados-Partes. É inegável que um passo para adiante foi dado. En-
tretanto, afirmar que a interpretação uniforme do direito do bloco
será um fato a partir da previsão de recepcionar opiniões consul-
tivas, ou que se consolidará a segurança jurídica através das mu-
danças que apenas matizam a imprevisibilidade e algumas incer-
tezas reinantes no campo jurídico, é pecar de um otimismo que
mais do que exagerado, é irreal.
A aprovação do Protocolo de Olivos pelo Conselho do Mer-
cado Comum é um fato positivo, mas não podemos sucumbir à
ilusão de crer que estamos ante um MERCOSUL legitimado. Em
todo caso, agora que parecem soprar novos ventos em nossos
países, sejamos partícipes ativos fazendo valer nossa aspiração
de justiça, desde o protagonismo que nos incumbe. O ano de
2006, que é a época prevista para adotar um mecanismo defini-
tivo, está muito próximo. Afirma-se de maneira constante que
tudo depende da vontade política; e que por acaso não é este o
fiel reflexo da vontade dos habitantes do MERCOSUL? O an-
seio é a justiça, a aspiração é instalar um sistema sólido que res-
peite a separação e independência de poderes.
A Fundação Konrad Adenauer nos brinda a oportunidade
de dar a conhecer nossas idéias através desta publicação, tratan-
do-se de um âmbito importante para manifestarmo-nos, sendo
também, os permanentes encontros que se realizam com a fina-
lidade de debater e formular propostas aos órgãos decisórios sobre
matérias que influenciam no desenvolvimento sustentável da re-
gião e conseqüentemente com o melhoramento da qualidade de
vida dos cidadãos. Este é um dos caminhos que temos para fazer
chegar nossas reflexões a modo de sugestões.
Coloquemos, como diz Adriana, o acento nas potencialidades
sem esquecer as limitações, motivados pela idéia de que a me-
lhor maneira de resolver as dificuldades é não tratando de deixá-
las de lado.
225
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233
Os Autores
235
da Universidade Regional de Blumenau. Vice-presidente da Euro-
pean Studies Association do Brasil. Membro da lista de árbitros
brasileiros do Mercosul.
Welber Barral
Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Pau-
lo. Professor de Direito Internacional Econômico e Elementos de
Direito Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direi-
to, área de Relações Internacionais, e co-Diretor do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina.
Membro da European Community Studies Association da Amé-
rica Latina. Membro da lista de árbitros brasileiros do Mercosul
e da Organização Mundial do Comércio.
236
EUROPA AMÉRICA LATINA:
Análise e Informações é uma série
de publicações editada pelo Centro
de Estudos da Fundação Konrad
Adenauer. O objetivo principal des-
ta série é promover e fortalecer as re-
lações entre Europa e América Lati-
na através de análises e informações
concisas e equilibradas sobre assun-
tos de interesse atual para as relações
entre ambas regiões.
237
Anuário Brasil-Europa 2002
238
ACORDO MERCOSUL – UNIÃO
EUROPÉIA
Além da Agricultura
239
Foro Empresarial MERCOSUR
UNIÓN EUROPEA
Recomendaciones para un Acuerdo
de Libre Comercio
Documentos de la IV Conferencia en
Brasília Octubre – 2003
240