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SOLUÇÃO DE

CONTROVÉRSIAS
OMC, União Européia
e Mercosul
SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
OMC, União Européia
e Mercosul
Adriana Dreyzin de Klor
Luiz Otávio Pimentel
Patricia Luíza Kegel
Welber Barral
EDITOR RESPONSÁVEL
Wilhelm Hofmeister

COORDENAÇÃO EDITORIAL
Eleonora Ceia

REVISÃO
Patricia Leite

CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Fernanda Abranches

S675
Solução de controvérsias: OMC, União Européia e Mercosul / Adriana
Dreyzin de Klor ... [et al.}. - Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung
2004,
240p.; 14 x 21 cm.

ISBN 85-7504-061-8

1. Países da União Européia – Relações econômicas exteriores – América


Latina. 2. América Latina – Relações econômicas exteriores – Países da União
Européia. 3. Jurisdição (Direito internacional público) 4. Direito internacional
público e direito interno. I. Klor, Adriana Dreyzin de. II. Konrad-Adenauer-
Stiftung.

CDD–341.4098

Todos os direitos desta edição reservados à


FUNDAÇÃO KONRAD ADENAUER
Centro de Estudos: Praça Floriano, 19 – 30º andar
CEP 20031-050 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Telefone: 0055-21-2220-5441
Telefax: 0055-21-2220-5448

Impresso no Brasil
Sumário

Apresentação
WILHELM HOFMEISTER ................................................................................7

Capítulo 1
Solução de Controvérsias na OMC
WELBER BARRAL ....................................................................................... 11

Capítulo 2
O Sistema de Solução de Controvérsias na União Européia
PATRICIA LUÍZA KEGEL ............................................................................. 69

Capítulo 3
O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul
LUIZ OTÁVIO PIMENTEL E ADRIANA DREYZIN DE KLOR ...........................141

Os autores ...................................................................................................... 235


Apresentação

A presente publicação é fruto de um projeto de pesquisa


promovido pela Fundação Konrad Adenauer, tendo por finali-
dade apresentar o sistema multilateral de solução de controvér-
sias no âmbito da OMC e de dois modelos distintos de integração
regional: o da União Européia e do Mercosul e suas eventuais
inter-relações. Nesta perspectiva, o objetivo precípuo deste tra-
balho é contribuir para a discussão sobre o tema “solução de
controvérsias” no futuro acordo comercial entre ambos os blo-
cos regionais.
O pressuposto condutor deste trabalho, baseia-se no fato de
que o comércio internacional tem passado por um processo gra-
dual, porém contínuo de institucionalização, inicialmente atra-
vés do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), de 1947
e posteriormente com a conclusão da Rodada Uruguai e a criação
da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1994. Este
aumento do grau de institucionalização representou também a
jurisdicionalização do comércio internacional, e neste sentido, o
aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias instau-
rado com a OMC, tornou-se fundamental para que fosse
estabelecida a necessária segurança jurídica na solução dos lití-
gios surgidos no âmbito global das relações comerciais interna-
cionais. Do mesmo modo, a formação de blocos econômicos
regionais, de variada intensidade em seus níveis de integração,
ocasionou o surgimento de diferentes sistemas de resolução de
litígios inicialmente circunscritos a seus Estados membros. Por
outro lado, a possibilidade de dois blocos regionais celebrarem

7
entre si um acordo de livre comércio, acentua a superposição de
distintos sistemas de solução de controvérsias, os quais podem
apresentar eventuais incompatibilidades, tanto formais (proces-
suais), quanto materiais (determinação da norma aplicável).
Para atingir seus objetivos, e mantendo a autonomia
conceitual e teórica de cada pesquisador, o trabalho foi estruturado
em três capítulos, cujo eixo temático é a apresentação da estrutu-
ra processual de cada um dos distintos sistemas de solução de
controvérsias, bem como de suas principais implicações positi-
vas e/ou negativas no inter-relacionamento com os demais atores
comerciais internacionais.
No caso da OMC, as modificações introduzidas pelo sistema
de solução de controvérsias após o final da Rodada Uruguai, gera-
ram a expectativa, tanto nos círculos acadêmicos quanto diplomá-
ticos, da estabilização e consolidação das relações comerciais in-
ternacionais em torno a uma ordem jurídica institucionalizada. Em
outros termos, esperava-se que as incertezas decorrentes do antigo
modelo do GATT/47 de solução de controvérsias, em especial
seu caráter diplomático e negociador, pudessem ser superadas
através do novo sistema, cuja ênfase se dá na explicitação dos
procedimentos adotados, visando conceder maior transparência
e previsibilidade ao sistema. Ocorre, entretanto, que quase dez
anos após o Tratado de Marrakech, a avaliação das mudanças
introduzidas permite identificar alguns problemas. Neste senti-
do, o artigo do professor Welber Barral apresenta o sistema de
solução de controvérsias da OMC, incluindo suas principais li-
mitações e perspectivas futuras, desde os problemas derivados
da implementação das decisões prolatadas até o relacionamento
com outros órgãos jurisdicionais internacionais e Tribunais na-
cionais.
Por seu lado, apesar de suas origens vinculadas a um pro-
cesso de integração inicialmente econômico-comercial, a União
Européia constituiu-se em um fenômeno político-jurídico inédi-
to na história do relacionamento entre Estados. Seu elemento mais
marcante e peculiar em relação às demais Organizações Inter-

8
nacionais de Cooperação Econômica, é seu caráter supranacional,
do qual deriva a especificidade da ordem jurídica comunitária, e
em especial, de seu sistema de solução de controvérsias. A profes-
sora Patricia Luíza Kegel analisa a estrutura jurisdicional e recursal
comunitária a partir da perspectiva supranacional, inclusive quan-
to à co-determinação do relacionamento externo da União Euro-
péia com seus parceiros comerciais. Nesta ótica, são estudados
os sistemas de solução de controvérsias nos acordos comerciais
bilaterais já celebrados pela União Européia, bem como seu po-
sicionamento em relação ao sistema multilateral da OMC.
Sendo um processo mais recente de integração regional, o
Mercosul encontra-se, ainda, em fase de consolidação plena de
sua estrutura jurídica e institucional. Os autores Luiz Otávio
Pimentel e Adriana Dreyzin de Klor expõem o mecanismo de
solução de controvérsias adotado pelo Protocolo de Olivos, re-
cordando inclusive, as razões que levaram à modificação do Pro-
tocolo de Brasília. Igualmente é analisada, de forma crítica, a
situação dos particulares no novo sistema de Olivos, bem como
a incompatibilidade com o ordenamento jurídico dos Estados-
Partes do Mercosul a criação de um Tribunal supranacional ao
estilo comunitário.
O projeto do acordo birregional Mercosul – União Européia
é indissociável do marco mínimo fornecido pelas regras da Orga-
nização Mundial do Comércio, inclusive no que respeita aos sis-
temas de solução de controvérsias. Por outro lado, é também um
acordo amplo o suficiente para necessitar normas claras que pro-
movam a previsibilidade e segurança jurídica aos atores comer-
ciais. A Fundação Adenauer e os autores esperam que este trabalho
possa contribuir para a ampliação e aprofundamento do debate.

Wilhelm Hofmeister
Diretor do Centro de Estudos da
Fundação Konrad Adenauer no Rio de Janeiro

9
Capítulo 1
Solução de Controvérsias na OMC*

WELBER BARRAL

1. INTRODUÇÃO

Com a criação da Organização Mundial do Comércio


(OMC), supunha-se que uma nova fase estaria sendo inaugurada
nas relações internacionais contemporâneas. No conjunto
normativo da OMC, uma inovação bastante comemorada foi a
criação de uma nova sistemática para a solução de controvérsias.
Muito comentado no meio acadêmico, o sistema de solução de
controvérsias materializado após a Rodada Uruguai prometia ser
um fato marcante na tentativa de consolidar uma ordem jurídica
internacional mais segura e previsível.
Oito anos depois do histórico encontro em Marrakech, pode-
se fazer uma avaliação sobre as expectativas criadas com a OMC.
Ao mesmo tempo, pode-se vislumbrar alguns problemas, decor-
rentes, sobretudo, da implementação das decisões e de vazios pro-
cessuais não imaginados quando do fim da Rodada Uruguai.
O presente artigo dedica-se a apresentar o sistema de solu-
ção de controvérsias da OMC, avaliando a prática acumulada
neste primeiro período. Para tanto, o capítulo seguinte apresenta-

* O presente texto foi revisado por Gustavo Ferreira Ribeiro, Mestrando do


curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina.

11
rá a evolução do sistema, e seus traços característicos materiali-
zados pela Rodada Uruguai. O terceiro capítulo informa quem
são as partes envolvidas no procedimento, qual é a capacidade
processual e os limites de atuação de cada uma. O capítulo se-
guinte detalhará as várias fases do procedimento, comparando-as
com a jurisprudência acumulada até agora. A quinta parte dedi-
ca-se à matéria atualmente mais complexa no âmbito da OMC: a
fase da implementação da decisão; conforme se demonstrará, é
nesta fase que se concentram os grandes problemas atuais para
dar maior previsibilidade às soluções de controvérsias na OMC.
A penúltima parte aborda um problema recente, e crescentemente
relevante: a relação entre o sistema de solução de controvérsias
da OMC e, de um lado, os demais tribunais internacionais, e de
outro, os tribunais nacionais. Por fim, uma parte conclusiva deli-
neia os principais desafios para OMC, a fim de que seu sistema de
soluções de controvérsias possa servir como um mecanismo de
garantia de legitimidade nas relações econômicas internacionais.

2. HISTÓRICO

2.1 Evolução no GATT

A atual estrutura jurídica do comércio internacional teve


origem recente nos acordos de Bretton Woods, ao final da Se-
gunda Guerra Mundial. A partir daquele encontro histórico, fir-
maram-se as bases para a estruturação de uma ordem jurídica
internacional calcada na criação de instituições internacionais com
poder regulatório, destinadas a evitar as crises econômicas do
período entre guerras. Daquela reunião, surgiram os projetos para
a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), e para
a criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC).

12
Os dois primeiros projetos tiveram melhor sorte, mas a OIC
nunca se concretizou, fundamentalmente em razão da oposição
do senado norte-americano. Em seu lugar, entrou provisoriamente
em vigor o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT-1947),
cujo objetivo primordial era servir como o foro de negociação
para a redução de barreiras tarifárias.
O GATT-1947 não continha regras sobre um sistema para a
solução de controvérsias entre as partes contratantes.1 Tampouco
havia referência à possibilidade de recurso a um tribunal interna-
cional existente àquela época, como a Corte Internacional de Jus-
tiça (CIJ).
De fato, como foro de negociações que era, o GATT-1947
ressaltava a solução diplomática dos conflitos porventura existen-
tes. Desta forma, o Artigo XXII direcionava a parte reclamante a
buscar consultas com a outra, em relação a problemas relaciona-
dos com o Acordo Geral. O outro único artigo sobre solução de
controvérsias, Artigo XXIII, previa a possibilidade de investiga-
ções, recomendações ou determinações pelas partes contratantes,
que poderiam suspender concessões negociadas entre as mesmas,
se as circunstâncias fossem sérias o bastante para justificar tais
medidas.
Nos primeiros anos do GATT-1947, esses dispositivos le-
varam à criação de “grupos de trabalho” para apresentar relatório
sobre reclamações apresentadas pelas partes contratantes, e reco-
mendar soluções práticas para o problema. A evolução desta prá-
tica resultou numa primeira regulamentação, em 1952, que esta-
beleceu procedimentos mais formais para o funcionamento dos
painéis. Esta foi a primeira mudança relevante no sentido de
garantir uma solução jurídica para as controvérsias entre as par-
tes contratantes do GATT, e não apenas procedimentos fundados
em negociações entre estas mesmas partes.

1. Com efeito, não se pode dizer da existência de membros àquela época,


pois, não havia, stricto sensu uma organização internacional formada, mas
um acordo internacional entre partes contratantes.

13
Nas décadas seguintes, a tendência mais ou menos legalista
do sistema de solução de controvérsias no GATT variou imensa-
mente, dependendo da maior ou menor crença no multilateralismo
por parte dos principais atores do comércio internacional, sobretu-
do EUA e as Comunidades Européias (CE). Ao fim da Rodada
Tóquio (1973-1979), um entendimento sobre solução de con-
trovérsias foi negociado, modificando a prática adotada até
então: apresentação da reclamação a um painel com três mem-
bros, que remetia um relatório sobre o problema para o Conselho
do GATT. Mas havia a necessidade de consenso no Conselho -
isto é, entre todas as partes contratantes quanto à conveniência
de instalação do painel, e também para aprovação do relatório
final apresentado por este painel. Isto possibilitava que a parte
reclamada pudesse “bloquear” a instalação do painel ou a ado-
ção de seu relatório.
Esta era a mais grave falha do sistema de solução de contro-
vérsias do GATT. De outro lado, havia ainda problemas de: a)
linguagem vaga, com poucas definições sobre o procedimento;
b) pouca transparência sobre o procedimento e os acordos even-
tualmente adotados pelas partes contratantes envolvidas na con-
trovérsia; c) existência de vários procedimentos, a depender da
matéria em discussão; d) pressão dos governos mais poderosos
sobre os membros do painel.2

2.2 Rodada Uruguai

Quando a Rodada Uruguai se iniciou, em 1986, a reforma


do sistema de solução de controvérsias era um dos temas para a
negociação. A abordagem desse tema sempre foi pendular, entre
aqueles que preferiam a manutenção de uma estrutura baseada
em negociações entre as partes eventualmente envolvidas numa
controvérsia, e outro grupo que pretendia promover uma estrutura

2. Jackson, 1999, p. 10.

14
mais baseada em regras. Os argumentos dos primeiros eram
centrados no fato de que a flexibilidade diplomática era mais
compatível com a natureza política inerente dos acordos comer-
ciais. No outro extremo, os defensores do legalismo argüíam que
regras mais estritas, e mais fundamentadas em uma interpretação
jurídica que obrigasse a todas as partes contratantes, traria maior
previsibilidade ao sistema multilateral do comércio e melhor ga-
rantiria a defesa dos interesses de todos os Estados envolvidos.
O resultado destas visões contrapostas foi o Entendimento
Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvér-
sias (ESC), que passou a constituir um dos acordos obrigatórios
para os Membros da então criada OMC. Conforme se detalhará
nos capítulos seguintes, o ESC consolidou uma visão mais legalista
(rule-oriented) das relações comerciais internacionais; ao mesmo
tempo, manteve algumas importantes brechas para que as solu-
ções negociadas fossem preferíveis ao litígio entre os Membros da
OMC.
Assim, podem-se destacar como características fundamen-
tais do ESC:

a) trata-se de um sistema quase judicial, tornado independente


das demais partes contratantes e dos demais órgãos da
OMC;3
b) cria um mecanismo obrigatório para os Membros da OMC,
sem necessidade de acordos adicionais para firmar a jurisdi-

3. O sistema tem natureza sui generis. Possui características de arbitragem na


medida em que um painel é estabelecido ad hoc. Ao mesmo tempo se diz
“judicialiforme” quando o demandante pode ser ouvido em um painel, as
partes podem apresentar suas argumentações de forma oral e escrita, tercei-
ros (Estados) podem intervir nos procedimentos e as partes podem recorrer
a um órgão de apelação. Por último, como o demandante pode acionar o
sistema unilateralmente, os procedimentos e a lei aplicável são pré-determi-
nados, os terceiros podem intervir sem o consentimento das partes e existe
um órgão de apelação permanente, reforça-se seu caráter judicial. Cf. Iwasa,
2002, p. 287-305.

15
ção daquela organização internacional em matéria de con-
flitos relativos a seus acordos;
c) o sistema é quase automático, e somente poderá ser inter-
rompido pelo consenso entre as partes envolvidas na con-
trovérsia, ou pelo consenso entre todos os Membros da OMC
para interromper uma fase (“consenso reverso”);
d) o sistema pode interpretar as regras dos acordos da OMC,
mas não aumentar nem diminuir os direitos e obrigações de
seus Membros;
e) o sistema termina com a possibilidade, várias vezes adotada
durante o GATT, de que um Membro da OMC possa impor
sanções unilaterais em matéria comercial, sem que a con-
trovérsia tenha sido previamente avaliada pela OMC;
f) finalmente, o ESC determina a exclusividade do sistema para
solucionar controvérsias envolvendo todos os acordos da
OMC, eliminando desta forma a proliferação de mecanis-
mos distintos, como ocorria à época do GATT-1947; foram
mantidas ainda algumas regras excepcionais, discutidas
abaixo, mas que não destoam fundamentalmente do proce-
dimento geral adotado.

2.3 O ESC na OMC

Como se disse acima, o Entendimento sobre Solução de


Controvérsias (ESC) é uma das inovações obtidas após a Rodada
Uruguai. Entre os objetivos declarados da OMC, está o de admi-
nistrar o sistema de solução de controvérsias, o que é realizado
pelo Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), que, por sua
vez, é composto por representantes de todos os Membros da
OMC.4

4. Acordo Constitutivo, Art. 3:3.

16
As outras funções da OMC, segundo seu Acordo Constitutivo,
são de implementar os acordos,5 servir como foro de negociações6
e monitorar as políticas comerciais dos Membros. Estas funções
são desempenhadas pela Conferência Ministerial, órgão máximo,
e pelo Conselho Geral, que se reúne na qualidade de OSC ou de
Mecanismo de Revisão de Políticas Comerciais.
O conjunto normativo da OMC abrange uma estrutura ex-
tensa e complexa. Além dos três acordos fundamentais (GATT
1994, Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços - GATS - e o
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio - TRIPS), há diversos acordos com-
plementares com implicações regulatórias para o comércio inter-
nacional. Observe-se que todos esses acordos são obrigatórios
para os Membros da OMC, com exceção dos denominados acor-
dos plurilaterais.7
Os princípios fundamentais da OMC são o da nação mais
favorecida (NMF) e do tratamento nacional (TN). Pelo princípio
NMF, qualquer vantagem concedida a um parceiro comercial
estende-se automaticamente a todos os demais Membros da OMC.
De acordo com o princípio TN, um Membro da OMC não pode
discriminar produtos importados originários dos territórios de
outros Membros, devendo lhes garantir o mesmo tratamento ju-
rídico concedido aos produtores nacionais.

5. Acordo Constitutivo, Art. 3:1.


6. Acordo Constitutivo, Art. 3:2.
7. Os acordos plurilaterais foram originariamente negociados na Rodada Tó-
quio. Atualmente, estão em vigor o Acordo sobre Comércio de Aeronaves
Civis e o Acordo sobre Compras Governamentais. O primeiro entrou em
vigor em 1980 contando com 26 Partes Contratantes. O segundo entrou em
vigor em 1981 e foi renegociado em 1996 entre 25 Partes Contratantes.
Dois outros acordos plurilaterais, o Acordo sobre Carne Bovina e o de
Produtos Lácteos foram desfeitos em 1997 quando as Partes Contratantes
constataram sua pouca utilidade tendo em vista o baixo número de adesões
e dificuldade em se acordar preços mínimos entre as Partes. Disponível
em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/agrm9_e.htm#govt.
Acesso em: 14 ago. 2003.

17
Esses dois princípios fundamentais foram estendidos ao
longo dos cinqüenta anos de construção do sistema multilateral
do comércio. Fundamentalmente, esses princípios buscam
substanciar o ideário do livre comércio. As demais regras da OMC
são tentativas de aplicação destes princípios a novos tipos de
barreiras, sobretudo barreiras não tarifárias, ou exceções a esses
princípios, com fundamento em outros interesses relevantes dos
Membros ou da sociedade internacional.
De acordo com o ESC, o sistema de solução de controvér-
sias tem jurisdição para resolver quaisquer controvérsias entre os
Membros da OMC que derivem dos acordos firmados no âmbito
da OMC, inclusive de seu acordo constitutivo.8
Isto cria uma situação processual que visa garantir maior
previsibilidade para a solução das controvérsias. Isto porque além
do ESC abranger todos os acordos da OMC, ele também cria
uma jurisdição compulsória para os seus Membros, sem necessi-
dade de acordos adicionais, ficando os Membros obrigados a
“recorrer e acatar as normas e procedimentos do presente Enten-
dimento”.9
Ainda em termos processuais, é importante notar que o sis-
tema de solução de controvérsias da OMC baseia-se no direito de
um Membro reclamar da violação de regras específicas por outro
Membro, devendo tais regras violadoras serem identificadas es-
pecificamente pela parte reclamante.
Para ser mais exato, a evolução a partir do GATT permite
seis tipos de reclamação. Não há correspondência exata entre a
sistemática processual adotada na OMC e a teoria processual
brasileira. A terminologia utilizada neste artigo, portanto, é apro-
ximativa, objetivando expor de forma didática aquele sistema de
solução de controvérsias. Por isso, quando se menciona que há
seis tipos de reclamação na OMC, esta classificação não deriva
diretamente do tipo de procedimento aplicável a cada uma, como

8. ESC, 1:1.
9. ESC, 23:1.

18
é da tradição brasileira, e sim de três tipos de fundamento jurídi-
co que podem ser invocados para embasar o interesse de agir do
Membro reclamante da OMC. Assim, no caso do GATT, por
exemplo, a possibilidade jurídica da reclamação tem que estar
formulada a partir de (a) qualquer benefício decorrente do acor-
do estar sendo anulado ou prejudicado (nullification); ou (b) o
atingimento de qualquer objetivo do acordo estar sendo impedi-
do (impairment).
Ao mesmo tempo, o Membro reclamante deverá comprovar
que este fundamento jurídico decorre da:

a) falha de outro Membro em cumprir as obrigações previstas


no acordo (“reclamação por violação”); ou
b) aplicação por outro Membro de qualquer medida, conflitante
ou não com as regras do acordo (“reclamação sem viola-
ção”); ou
c) existência de qualquer outra situação (“reclamação situacio-
nal”).

Demonstrar a existência do fundamento para um desses ti-


pos de reclamação embasa o interesse de agir10 do Membro da
OMC. As reclamações por violação são o tipo mais comum uti-
lizado no sistema de solução de controvérsias. Na história das
controvérsias comerciais, houve raros casos de reclamações sem
violação e nenhuma reclamação situacional. Isto pode ser com-
preendido também pelo fato de que, segundo as regras da OMC,
uma vez comprovada a existência de violação da regra existente
em outros acordos, há uma presunção prima facie de prejuízo.
Em outras palavras, o Membro reclamante precisa demonstrar
apenas que a medida ou legislação nacional reclamada conflita
com uma regra vigente do conjunto normativo da OMC. Com-
provado este conflito, presume-se que haja uma diminuição dos
10. Aqui entendido como “a necessidade da prestação jurisdicional com a pro-
vidência adequada à satisfação de tal necessidade”. Bermudes, 1996, p. 50.

19
benefícios acordados, sem que o Membro reclamante tenha que
comprovar efetivamente esses prejuízos.
Ainda sobre o procedimento adotado no sistema de solução de
controvérsias da OMC, duas observações gerais devem ser feitas,
antes do exame deste procedimento. Primeiro, que embora o sistema
criado pela Rodada Uruguai seja unificado e aplicável para todos os
acordos abrangidos pela OMC, existem ainda regras especiais, cons-
tantes nos acordos específicos, e que podem criar algumas particu-
laridades a depender da matéria objeto da controvérsia. Exemplos
neste sentido é o padrão de revisão específico do Acordo
Antidumping (AA),11 ou a existência de um órgão de supervisão, no
caso de têxteis, no Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV).12
Outra observação importante se refere aos diversos méto-
dos de solução de controvérsias previstos no âmbito do ESC, e
utilizáveis a depender de sua aplicabilidade ou do acordo entre
as partes envolvidas na controvérsia. Desta forma, o ESC prevê,
como instâncias obrigatórias, as consultas entre os Membros en-
volvidos na controvérsia e a decisão quase-judicial materializada
no relatório dos painéis. Mas poderá haver, ainda:

a) recurso ao Órgão de Apelação (OAp), pelo Membro que


discorde do relatório do painel, o que quase sempre ocorre
na prática;
b) bons ofícios, conciliação ou mediação, inclusive com a in-
tervenção do Diretor-Geral da OMC, para buscar uma solu-
ção negociada para a controvérsia; e evidentemente, isso
dependerá do acordo entre as partes para aceitar a interven-
ção do terceiro;13
c) arbitragem: podem ainda os Membros envolvidos numa
controvérsia acordar em submetê-la diretamente à arbitragem,

11. AA, Artigo 17:6.


12. ATV, Art. 8. A lista de todas regras excepcionais consta no Apêndice II do
ESC.
13. ESC, 5.

20
identificando claramente as questões conflitantes e concor-
dando em obedecer ao laudo arbitral;14 esta prerrogativa
raramente é utilizada pelos Membros da OMC.

Pode-se questionar sobre as razões para a prevalência dos


métodos jurisdicionais na solução de conflitos entre Membros da
OMC, nesta primeira década de experiência. Mas, seguramente,
a explicação mais realista decorre do fato de que um Membro da
OMC, quando enfrenta alguma reclamação por parte de outro,
tenta prorrogar ao máximo a revogação da medida nacional que
está sendo questionada. Ou seja, a prática até agora revela que os
Membros discutem todos os argumentos e apresentam todos os
recursos possíveis, mesmo quando parece pouco provável a le-
galidade das medidas que defendem, o que também é praxe em
processos nacionais.
Ainda assim, o ESC foi profícuo em inserir diversos disposi-
tivos que recordam a preferência pela solução negociada das con-
trovérsias entre os Membros da OMC. Assim, o ESC assevera que
“objetivo do mecanismo de solução de controvérsias é garantir
uma solução positiva para as controvérsias. Deverá ser sempre dada
preferência à solução mutuamente aceitável para as partes em
controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangi-
dos”,15 ao mesmo tempo, “o primeiro objetivo do mecanismo de
solução de controvérsias será geralmente o de conseguir a supressão
das medidas de que se trata, caso se verifique que estas são incom-
patíveis com as disposições de qualquer dos acordos abrangidos”.16
Esses dispositivos são herança visível do caráter negocial na
solução das controvérsias originado à época do GATT-1947. Por
isso, é correto afirmar que houve um “adensamento de juridicidade”
com o advento da OMC, mas não se pode pretender que o atual
sistema seja puramente jurídico, com absoluta neutralidade quanto

14. ESC, 25.


15. ESC, 3:7.
16. ESC, 3:7.

21
ao efeito político das decisões ou ao poder econômico dos Mem-
bros envolvidos em cada controvérsia.17 Nenhum sistema de so-
lução de controvérsias é neutro, obviamente. No caso da OMC,
esta realidade é expressamente reconhecida, asseverando-se que
um acordo entre as partes poderá ser mais vantajoso do que o
litígio, e que o objetivo do ESC é, antes de tudo, conseguir eli-
minar a medida atentatória às regras do livre comércio, e não
garantir compensação por eventual responsabilidade internacio-
nal de seus Membros.
Este caráter oscilante entre legalismo e foro negocial susci-
ta muitas incompreensões entre os críticos da OMC, para quem
o reforço do caráter estritamente jurídico poderia garantir maior
justiça na solução das controvérsias internacionais. Entretanto,
há que se observar que a própria evolução do sistema de solução
de controvérsias no comércio internacional sempre foi matizada
por extremo pragmatismo, e foi isto provavelmente que garantiu
a evolução dos mecanismos utilizados e sua atual credibilidade,
sendo o mais utilizado entre os tribunais internacionais. Tivesse se
baseado somente em considerações estritas de legalidade, prova-
velmente houvesse menor percentual de cumprimento, pelos Mem-
bros, das decisões da OMC. Sob este prisma, o sistema de solução
de controvérsias criado na Rodada Uruguai não eliminou o caráter
realista das relações econômicas internacionais, mas domesticou
este realismo por meio de procedimentos que expõem as contro-
vérsias em curso, criando uma motivação para o acordo entre os
Membros ou para o cumprimento das decisões aprovadas pelo OSC.

3. AS PARTES NO OSC

Esta parte se dedica a esclarecer quais são as pessoas e en-


tidades envolvidas no sistema de solução de controvérsias da

17. Sobre o conceito de “adensamento de juridicidade”, veja-se Lafer, 1998, p.


125-130.

22
OMC. Em regra, como as demais organizações internacionais de
caráter intergovernamental, a OMC é composta por Estados so-
beranos, que têm poder de intervenção e representatividade em
todos os atos decisórios da Organização.
Entretanto, a relevância da OMC e a particularidade do sis-
tema de solução de controvérsias criaram situações peculiares,
tanto no que se refere à representação dos Membros, quanto à
eventual manifestação de entidades não-governamentais com
interesse na solução da controvérsia. As páginas seguintes discu-
tem cada uma dessas particularidades.

3.1 Membros da OMC

As organizações internacionais de caráter intergovernamental


têm, como uma de suas características clássicas, a participação
exclusiva de Estados soberanos como Membros. Na teoria clás-
sica do direito internacional, os Estados são aqueles que detêm a
personalidade jurídica, o pressuposto para ser sujeito de direitos
e obrigações no plano internacional.
Este dogma do direito internacional clássico vem sendo
excepcionado pelos novos ramos, sobretudo pelo Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos e pelo Direito Internacional Econô-
mico. Neste último caso, pela atribuição de determinadas garantias
ou prerrogativas a sujeitos não estatais, sobretudo nos mecanismos
de solução de controvérsias criados em matéria econômica.18
No sistema multilateral do comércio, a primeira exceção ao
caráter estatal dos sujeitos internacionais vem do GATT-1947,
quando se reconheceu aos territórios aduaneiros o direito de serem

18. Um exemplo de possibilidade de acesso de pessoas físicas a um órgão


internacional, em matéria econômica, é o International Centre for Settlement
of Investments Disputes (ICSID). Trata-se de uma organização internacional
ligada ao BIRD que possui um sistema de solução de controvérsias para
investimentos privados, com uso de mediação e arbitragem. Tanaka, 1998,
p. 77-82.

23
partes do Acordo Geral.19 Outra situação particular foi criada na
Rodada Uruguai, quando se reconheceu às Comunidades Euro-
péias o caráter de Membro, representando os quinze Estados da
União Européia.
Formalmente, os Membros da OMC têm direitos iguais em
todos os órgãos componentes da organização. Obviamente, no
mundo real, os Membros com a maior participação no comércio
internacional - EUA, CE e Japão - têm atuação determinante no
processo decisório, e são atores relevantes e constantes no siste-
ma de solução de controvérsias. Além do que, foram criadas tam-
bém regras especiais, discutidas abaixo, para os países em desen-
volvimento.

3.2 Países em desenvolvimento

Ao longo da história do sistema multilateral do comércio,


houve várias tentativas de criação de acordos preferenciais entre
países em desenvolvimento. A mais importante dessas iniciati-
vas foi a criação da Conferência das Nações Unidas sobre Co-
mércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ainda atuante.
Malgrado essas iniciativas, a criação da OMC envolveu
praticamente todos os países em desenvolvimento, que hoje re-
presentam a maioria de seus Membros. Historicamente, esses
países têm defendido a necessidade de um “tratamento especial
e diferenciado”, que pudesse atender às suas dificuldades de
crescimento econômico. Entre os países em desenvolvimento,
há ainda regras especiais para os denominados países de menor

19. Veja-se Art. XXIV, GATT-1947. Atualmente, os seguintes territórios adu-


aneiros são Membros da OMC: Hong Kong (China), Macau (China) e Taipé
Chinesa (territórios aduaneiros separados de Taiwan, Penghu, Kinmen e
Matsu). A lista dos atuais 146 Membros encontra-se disponível em: http:/
/www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm. Acesso em: 14
ago. 2003.

24
desenvolvimento relativo, cuja participação no comércio inter-
nacional é ínfima.
No sistema de solução de controvérsias, tem sido impressio-
nante a crescente participação de países em desenvolvimento
principalmente como reclamados. Isto pode ser explicado pelo
aumento de competitividade no mercado internacional, o que leva
os competidores internacionais a terem menor tolerância com
instrumentos tradicionais de promoção comercial, muitas vezes
utilizados por países em desenvolvimento, mas que violam as
regras da OMC.20
No ESC, constam dispositivos que reconhecem a situação
particular dos países em desenvolvimento. O grande problema é
que a maioria dessas regras contém expressões vagas, que tra-
zem pouca ou nenhuma vantagem efetiva para a defesa dos inte-
resses dos países em desenvolvimento.
Desta forma, afirmar que “durante as consultas os Membros
deverão dar atenção especial aos problemas e interesses especí-
ficos dos países em desenvolvimento”;21 dispor que “nas ques-
tões que envolvam interesses de países em desenvolvimento, os
Membros deverão receber atenção especial no que tange às me-
didas que tenham sido objeto da solução de controvérsias”;22
prever que o “OSC deverá levar em consideração não apenas o
alcance comercial das medidas em discussão mas também seu

20. Com base em estatísticas de Park & Panizzon até março de 2002, do total
de 142 Membros àquela época, cerca de 92 (62%) eram considerados países
em desenvolvimento, 29 (20%) de menor desenvolvimento relativo, 25
(18%) países desenvolvidos. Tais porcentagens se alteram para 63%, 20%
e 17%, respectivamente, com a entrada de Armênia e Macedônia, em 2001,
e China e Taipé Chinesa em 2002. Dos 235 casos analisados entre 1995 e
2001, os países desenvolvidos participaram, em média, como reclamantes,
em cerca de 73% dos casos. Em 2000, a relação se equilibrou. Em 2001,
entretanto, dos 22 casos levados ao OSC, os países em desenvolvimento
atuaram como reclamantes em 82% dos casos. Veja-se Park & Panizzon,
2002, p. 221-227.
21. ESC, Art. 4:10.
22. ESC, Art. 21:2.

25
impacto na economia dos países em desenvolvimento”;23 e or-
denar que “as partes reclamantes deverão exercer a devida mo-
deração ao pleitear compensações ou solicitar autorização para
suspensão da aplicação de concessões [contra países de menor
desenvolvimento relativo]”;24 são expressões com pouca eficácia
para garantir tratamento processual diferenciado entre países com
níveis de desenvolvimento distintos.
Além de frases retóricas, outras regras do ESC aludem es-
pecificamente aos países em desenvolvimento. Desta forma, per-
mite-se que esses países ainda possam invocar a Decisão de 1966
do GATT.25 Esta decisão cria um procedimento alternativo que,
teoricamente, facilitaria as reclamações de países em desenvolvi-
mento. Na prática, este procedimento alternativo até agora não
foi invocado por qualquer dos países em desenvolvimento.
Outro dispositivo assevera que o painel deve garantir ao
país em desenvolvimento “tempo bastante” para apresentar sua
reclamação.26 Em um caso, o painel concedeu à Índia prazo adi-
cional de dez dias para apresentar sua argumentação.27
Uma questão interessante e crescentemente debatida pelos re-
presentantes dos países em desenvolvimento e na literatura especi-
alizada é a dificuldade desses países em manter profissionais
especializados que pudessem defender seus interesses diante de um
sistema complexo como é o da OMC.28 No ESC, há ainda dois ar-
tigos que buscam preencher esta necessidade. Um deles garante a
presença de um integrante originário de países em desenvolvimento

23. ESC, Art. 21:8.


24. ESC, Art. 24:1.
25. ESC, Art. 3:12.
26. ESC, Art. 12:10.
27. WT/DS90/AB/R. Índia-Restrições quantitativas, par. 5.10.
28. “[O]s Estados Unidos e a CE estão capacitados a moldar o sistema legal da
OMC a seu favor ao longo do tempo. O fórum é distante. O expertise legal
é menos disseminado e, portanto, mais caro”. Há uma influência do common
law no sistema legal da OMC, pois, o Secretariado e o OAp foram treina-
dos pelo Professor John Jackson, formando um grupo que se autoreferencia
comumente como parte da “máfia de Jackson”. Shaffer, 2002, p. 6-8.

26
no painel.29 Isto evidentemente não gera nenhum tipo de garantia
adicional, uma vez que este integrante estará em menor número, e
de qualquer forma o relatório poderá ser revisto pelo OAp.
Outro dispositivo determina que o Secretariado da OMC
preste assistência jurídica adicional aos países em desenvolvi-
mento, mas resguardando sua imparcialidade.30 Novamente, não
houve efeitos práticos para este dispositivo. Passados oito anos
de vigência do ESC, não houve qualquer reclamação proposta
por países de menor desenvolvimento relativo. É importante lem-
brar que muitos desses países sequer têm representação perma-
nente em Genebra, quanto menos conseguiriam manter ou con-
tratar especialistas para a defesa de seus interesses comerciais no
sistema de solução de controvérsias.
Em razão disto, em 2001, consolidou-se a iniciativa para se
criar um centro consultivo, uma organização intergovernamental
independente da OMC destinada a fornecer consultoria e treina-
mento para os países em desenvolvimento (The Advisory Law
Centre on WTO Law – ACWL).31 Este Centro, criado com doa-
ções dos Membros da OMC, é uma iniciativa interessante no
sentido de garantia do “acesso à justiça internacional”. O curto
período de existência, entretanto, não permite uma avaliação mais
concreta quanto à eficácia desta iniciativa.
Ainda sobre os interesses dos países em desenvolvimento,
vale recordar uma questão bastante debatida há algum tempo,
mas que acabou sendo pacificada pelo entendimento do OAp.
No caso CE-Bananas III, Santa Lucia se fez representar por um
advogado privado, o que suscitou a imediata oposição da CE. O
painel, entretanto, manteve o representante indicado, o que foi
confirmado posteriormente pelo OAp.32 O OAp observou ainda
que “este tipo de representação, escolhida pelo próprio governo

29. ESC, Art. 8:10.


30. ESC, Art. 27:2.
31. Informações gerais sobre o ACWL, disponível em: http://www.acwl.ch/.
Acesso em: 14 ago. 2003.
32. WT/DS27/AB/R. CE-Bananas III, par. 12.

27
[de um Membro] pode ser de particular significância, – especial-
mente para Membros em desenvolvimento – para que participem
integralmente nos procedimentos do sistema de solução de con-
trovérsias”.33 Consolidou-se, destarte, o entendimento de que pode
haver a participação de advogados privados no sistema de solu-
ção de controvérsias da OMC, desde que sejam indicados como
componentes da delegação oficial dos Membros envolvidos. Esta
situação suscita, evidentemente, novas questões sobre aspectos
éticos e de confidencialidade, que vêm inclusive sendo discuti-
dos na literatura.34

3.3 Terceiros interessados

Conforme se mencionou, um Membro da OMC que julgue


que suas vantagens advindas dos acordos sendo anuladas ou impe-
didas, poderá apresentar uma reclamação, ao OSC, contra o Mem-
bro que julgue estar adotando medidas contrárias a seus interesses.
Mas, além das partes diretamente envolvidas no conflito, o
ESC permite que outros Membros da OMC tenham participação
limitada na solução da controvérsia, se tiverem um “interesse
concreto” (substantial interest) no assunto submetido ao painel.35
Esses terceiros interessados poderão participar de todo o proce-
dimento e apresentar suas manifestações ao painel e, eventual-
mente, ao OAp. Não têm, entretanto, direito de recorrer do rela-
tório do painel.36

33. Id. par. 12.


34. “This issue now seems to be resolved in favor of the sovereign member
disputant’s choice to hire private counsel. In that case, however, there may
develop some questions about ethical or appropriate conduct rules. Ideas
about these “rules” could be approached in different ways, including
voluntary codes or commentary from authors as suggestions which might
influence how governments relate to their private counsel. More attention
may be needed to this question”. Jackson, 1999, p. 7.
35. ESC, Art. 10:2.
36. ESC, Art. 17:4.

28
A intervenção de terceiros Membros, interessados na solução
da controvérsia, foi imaginada como um meio de dar maior trans-
parência à solução adotada, e também de impedir que soluções
negociadas pudessem ser alcançadas às custas dos interesses dos
demais Membros ou das regras multilaterais do comércio.37
A prática nesta matéria, entretanto, tem sido de que alguns
Membros - notadamente EUA e CE - intervêm como terceiros
interessados em praticamente todas as controvérsias, quaisquer
que sejam as matérias ou partes envolvidas. Neste caso, seria
difícil identificar o interesse concreto desses terceiros. Sua inter-
venção se explica pelo fato de que esses Membros querem influ-
enciar as interpretações adotadas pelos painéis, de forma a não
criar precedentes contrários a seus interesses gerais.
Cabe aqui uma observação sobre o caráter dos relatórios
dos painéis e do OAp. Na sistemática adotada pelo ESC, esses
relatórios não têm caráter vinculante para decisões futuras; ou
seja, não se adotou a doutrina do stare decisis, pela qual a criação
de um precedente limita, atendidos certos requisitos, a interpre-
tação de futuros casos envolvendo a mesma matéria.
Na prática, entretanto, os painéis e o OAp fazem constantes
remissões a relatórios passados, não apenas para a interpretação
de regras da OMC, mas inclusive aos painéis criados no âmbito
do GATT-1947. Estas remissões são invocadas, não como prece-
dente vinculante, mas como interpretação jurisprudencial.
Em razão disso, compreende-se porque países com ampla
gama de interesses comerciais acabam decidindo intervir como
terceiros interessados diante dos painéis, mesmo porque cada
Membro da OMC é que deve decidir se tem um interesse na
controvérsia em questão.

37. Por isso, o Art. 10:4 do ESC prevê que “se um terceiro considerar que uma
medida já tratada por um grupo especial anula ou prejudica benefícios a ele
advindos de qualquer acordo abrangido, o referido Membro poderá recor-
rer aos procedimentos normais de solução de controvérsias definidos no
presente Entendimento. Tal controvérsia deverá, onde possível, ser subme-
tida ao grupo especial que tenha inicialmente tratado do assunto”.

29
3.4 Partes não-governamentais

Do que se mencionou até agora, observa-se que o sistema


de solução de controvérsias manteve o caráter estatal quanto à
capacidade para intervir no procedimento. Seja como parte recla-
mante ou reclamada, seja como terceiro interessado, as previsões
do ESC centram-se nas figuras dos Estados soberanos e territó-
rios aduaneiros.
Entretanto, um tema crescentemente debatido se refere à
intervenção de entidades não-governamentais. A constatação de
que os acordos da OMC vão muito além dos temas clássicos de
direito internacional vem suscitando o debate e a mobilização de
empresas, organizações não-governamentais e, em casos mais
raros, de cientistas.
A primeira situação mencionada se refere ao impacto das
decisões da OMC para os interesses de empresas privadas, so-
bretudo de empresas transnacionais. Em muitos casos, a decisão
adotada pelo OSC tem impacto relevante para a competitividade
dessas empresas no mercado internacional ou mesmo para sua
atuação nos mercados internos, quando a OMC decide, por exem-
plo, que uma determinada medida de defesa comercial é ilegal e
deve ser retirada.
Apesar desses interesses das empresas, o ESC não contem-
pla nenhuma oportunidade específica para sua atuação no proce-
dimento, nem sequer as reconhecem como partes legítimas para
qualquer tipo de ato procedimental. Na prática, essas empresas
poderão auxiliar seus respectivos governos a preparar a reclama-
ção, ou contratam advogados especializados para a elaboração
dos documentos necessários, que serão posteriormente apresen-
tados pelos governos à OMC.38

38. Neste sentido, o Market Acess Database da União Européia, destinado a


receber inputs das instituições européias, Membros e empresas privadas
com relação a possíveis barreiras de seus produtos. Disponível em: http:/
/mkaccdb.eu.int/. Acessado em: 25 jul. 2003.

30
Uma questão interessante se refere à obrigatoriedade, para
os Membros da OMC, em seguir adiante com a reclamação for-
mulada por um setor de sua indústria nacional. Note-se que não
há norma de Direito Internacional Econômico que obrigue os
Estados a assumirem causas de seus nacionais perante tribunais
internacionais, o que se denomina proteção diplomática. Em regra,
portanto, os Membros da OMC exercerão sua discricionariedade
quanto a apresentar ou não a reclamação, seguindo seus próprios
critérios de conveniência política. Uma vez exercida, a reclama-
ção passa a ser do Estado. Em tese, havendo uma eventual inde-
nização, o que não acontece atualmente na OMC, esta seria dis-
tribuída pelo Estado segundo suas regras de direito interno, caso
existam.39
A possível exceção a esta ampla discricionariedade estará
na existência de regras nacionais, que estipulam condições dian-
te das quais os governos devem defender os interesses de sua
indústria nacional. Exemplos neste sentido podem ser encontra-
dos na legislação norte-americana40 e na legislação européia.41

39. A proteção diplomática é de formação costumeira e da jurisprudência in-


ternacional. Refere-se à proteção que o Estado concede quando um de seus
indivíduos ou sociedade é lesado internacionalmente. É discricionária e se
realiza mediante o preenchimento de certas condições: a) nacionalidade do
autor da reclamação; b) esgotamento dos recursos internos; c) o procedi-
mento (conduta) do autor da reclamação. As sociedades comerciais po-
dem, da mesma forma, ser protegidas diplomaticamente. Alguns Estados
como EUA, Inglaterra e França exigem que pelo menos 50% do capital
destas sociedades sejam controlados por seus nacionais. Mello, 2002, p.
511-515. Quanto ao requisito da nacionalidade, é necessário se atentar para
algumas exceções: “the variety of problems involved necessitates separate
and somewhat extended treatment of the principle of nationality of claims.
At the outset certain important exceptions to the principle must be noticed.
A right to protections of non-nationals may arise from treaty or and ‘ad
hoc’ arrangement establishing an agency”. Brownlie, 1998, p. 482.
40. Art. 301-302, US Omnibus Trade and Competitiveness Act (1988). Veja-se
Cretella Neto, 1998, 133-134.
41. Veja-se Regulamento 3.286/94 da CE, que substituiu o New Commercial
Policy Instrument (1984).

31
De outro lado, países, como o Brasil, que têm pouca tradição de
transparência nesta matéria e cuja indústria nacional ainda não
atentou para as graves repercussões das decisões da OMC, cos-
tumam basear-se em avaliações integralmente políticas, quando
decidem apresentar ou não uma reclamação à OMC.
Um problema correlato se refere à intervenção de organiza-
ções não-governamentais no sistema de solução de controvérsias
da OMC. Obviamente, essas entidades não têm direito de ser
parte (locus standi) no procedimento, e seus interesses teriam
que ser apresentados aos respectivos governos. Por outro lado,
muitas dessas entidades representam interesses ou defendem
ideais justamente contrastantes aos de seus governos. E há que
se recordar que as fontes de financiamento dessas entidades
tampouco são totalmente transparentes, o que gera o temor de
que representem interesses econômicos não declarados.
Na OMC, uma questão processual concreta surgiu quando
uma entidade não-governamental apresentou um parecer não
solicitado, abordando o aspecto ambiental envolvido na con-
trovérsia. O OAp, ao examinar o caso, decidiu que os painéis
tinham autoridade para aceitar informações que julgassem relevan-
tes para solucionar a controvérsia.42 No caso EUA-Bismuto, o OAp
decidiu ter “autoridade ampla para adotar regras de procedimento
que não conflitem com quaisquer regras e procedimentos no
ESC”.43 Posteriormente, o OAp aceitou também um parecer apre-
sentado por um Membro (Marrocos) que não tinha solicitado sua
intervenção como terceiro interessado, mas observando que “a
recepção de qualquer relatório amicus curiae é uma questão de
discreção, em que devemos exercer caso a caso”.44 O OAp funda-
mentou sua decisão no ESC cujos artigos 12 e 13 concederiam
“autoridade ampla e extensa” ao painel, inclusive para aceitar
manifestações de “amigos do tribunal” (amicus curiae).

42. WT/DS58/AB/RW. EUA-Camarões, par. 106.


43. WT/DS138/AB/R. EUA-Bismuto, par. 39.
44. WT/DS231/AB/R. CE-Sardinhas, par. 167.

32
O debate sobre a apresentação de pareceres por organiza-
ções não-governamentais suscita a oposição dos países em de-
senvolvimento, temerosos de que entidades empresariais ou en-
tidades com interesses escusos possam intervir no procedimento
e mitigar o caráter diplomático inerente ao sistema. Neste senti-
do, em 2000, o Conselho Geral exortou o OAp a exercer extremo
cuidado na aceitação de pareceres de amicus curiae. O tema in-
clusive faz parte das propostas de reforma do sistema de solução
de controvérsias, sem que haja qualquer unanimidade entre os
Membros da OMC.45
Uma terceira possibilidade de intervenção de entes não-
governamentais no sistema de solução de controvérsias da OMC
refere-se aos casos envolvendo questões científicas. Nestas hipó-
teses, cujo número vem aumentando, pode ser necessária a opi-
nião de especialistas sobre a matéria objeto da controvérsia. O
ESC prevê que “os painéis poderão buscar informação em qual-
quer fonte relevante e poderão consultar peritos para obter sua
opinião sobre determinados aspectos de uma questão. Com rela-
ção a um aspecto concreto de uma questão de caráter científico
ou técnico trazido à controvérsia por uma parte, o painel poderá
requerer um relatório escrito a um grupo consultivo de peritos”.46
Este relatório, contudo, não obriga o painel. Além disso, os painéis
poderão “recorrer à informação e ao assessoramento técnico de
qualquer pessoa ou entidade que considere conveniente”,47 o que
ocorre freqüentemente em casos que envolvem coleta e análise
científica de dados.48

45. Barral & Prazeres, 2002, p. 42. Sobre uma discussão específica sobre o
tema vejam-se Marceau & Stilwelt, 2001, p. 155-187; Umbricht, 2001, p.
773-794.
46. ESC, Art. 13:2.
47. ESC, Art. 13:1.
48. Como nos casos CE-Hormônios (WT/DS48/AB/R) e CE-Asbestos (WT/
DS135/AB/R), por exemplo.

33
4. INSTITUIÇÕES PARA SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS NA OMC

4.1 Órgão de Solução de Controvérsias (OSC)

Na estrutura criada pela OMC, a solução de controvérsias


entre os Membros foi atribuída ao Órgão de Solução de Contro-
vérsias (OSC). O OSC é composto por todos os Membros da
OMC, que se reúnem regularmente, normalmente uma vez por
mês, para tomar as decisões que lhe incumbem, segundo o pre-
visto no ESC.
Essas atribuições são: “estabelecer painéis, acatar relatórios
dos painéis e do OAp, supervisionar a aplicação das decisões e
recomendações e autorizar a suspensão de concessões e de ou-
tras obrigações determinadas pelos acordos abrangidos”.49
O processo decisório no OSC é baseado no consenso. Mas
duas observações devem ser feitas aqui: primeiro, consenso não
quer dizer unanimidade. Em outras palavras, haverá consenso se
nenhum Membro votar contrariamente, não havendo necessida-
de de votos a favor. Esta observação é importante, uma vez que
alguns Membros, sobretudo países de menor desenvolvimento
relativo, não conseguem comparecer a todas as reuniões dos ór-
gãos da OMC.
Outra observação é de que, em determinadas decisões, o
ESC exige na realidade o “consenso reverso”. Em outras pala-
vras, para determinadas decisões, que são extremamente impor-
tantes na solução de controvérsias, todos os Membros deverão
votar contra, para que a decisão não seja acolhida. Estas são jus-
tamente as decisões para estabelecer o painel,50 para adotar os
relatórios do painel e do OAp,51 e autorização para suspender

49. ESC, Art. 2:1.


50. ESC, Art. 6:1.
51. ESC, Art. 16:4 e 17:4, respectivamente.

34
concessões.52 Obviamente, é muito difícil conseguir este consen-
so reverso, pois pelo menos o Membro reclamante terá interesse
na implementação dos relatórios que o favoreça. Por isso, até
hoje nunca houve um caso concreto de consenso reverso no OSC.
Outras funções do OSC ainda podem ser mencionadas:
aprovar a lista indicativa de painelistas,53 receber comunicações
de terceiros interessados,54 nomear os integrantes do OAp,55 e
aprovar o prazo para a implementação da decisão pelo Membro
vencido.56 Ou seja, o OSC é o administrador do sistema de solu-
ção de controvérsias da OMC.

4.2 Painéis

Para desempenhar suas funções, o OSC utiliza painéis, a


primeira instância no procedimento para solução de controvérsi-
as na OMC.57 Os painéis são compostos por três indivíduos, que
apresentam o relatório circunstanciado sobre a controvérsia e uma
análise jurídica quanto ao fundamento da reclamação. Esses in-
divíduos atuam em caráter pessoal, independentemente de seus
governos, e não podem atuar em casos em que seu país esteja
envolvido. Em geral, são diplomatas, juristas e acadêmicos
especializados em Direito Internacional Econômico.58
Os painelistas são sugeridos pelo Secretariado e escolhidos
pelos Membros na controvérsia, se houver acordo. Caso contrá-
rio, serão indicados pelo Diretor-Geral da OMC, que é o que

52. ESC, Art. 22:6.


53. ESC, Art. 8:4.
54. ESC, Art. 10:2.
55. ESC, Art. 17:2.
56. ESC, Art. 21:11.
57. Conforme já afirmado, as traduções oficiais dos acordos da OMC em por-
tuguês utilizam o termo “grupos especiais” para designarem os “painéis”,
em função de uma tradução literal do texto em espanhol. Entretanto, a
literatura utiliza os termos “painel” e “painelista” de forma mais usual.
58. ESC, Art. 8:1.

35
acontece na maior parte das vezes.59 Os painelistas estão subme-
tidos ainda às regras de conduta, aprovadas em 1996, segundo as
quais devem atuar com independência e imparcialidade, tendo
ainda a obrigação de informar qualquer interesse no relaciona-
mento que tenham mantido com os Membros envolvidos na con-
trovérsia.
Conforme estipulado pelo ESC, a competência do painel é
“examinar a questão submetida e estabelecer conclusões que
auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir decisões”.60 É
importante notar que o painel está limitado por estes termos, e
pode-se dizer que sua competência quase-jurisdicional não o
autoriza a estender-se em nada além destes termos. Esta observa-
ção é tão mais importante quando se recorda que “as recomenda-
ções e decisões do OSC não poderão promover o aumento ou a
diminuição dos direitos e obrigações definidos nos acordos abran-
gidos”,61 e uma das atuais polêmicas na OMC é justamente a
acusação de que alguns painéis, e mesmo o OAp, vêm sendo
protagonistas de “ativismo judicial”, interpretando os acordos de
forma muito abrangente.

4.3 Órgão de apelação (OAp)

Outro órgão componente do sistema de solução de contro-


vérsias é o Órgão de Apelação (OAp). Uma das novidades decor-
rente da Rodada Uruguai, o OAp é composto por sete indivíduos,
cujos nomes serão aprovados por consenso pelo OSC.62 Devem
ser “pessoas de reconhecida competência, com experiência com-
provada em direito, comércio internacional e nos assuntos tratados
pelos acordos abrangidos em geral”. Adicionalmente, devem

59. ESC, Art. 8:7.


60. ESC, Art. 7:1.
61. ESC, Art. 3:2.
62. ESC, Art. 17:1.

36
“estar disponíveis permanentemente e em breve espaço de tem-
po, e deverão manter-se a par das atividades de solução de con-
trovérsias e das demais atividades pertinentes da OMC”.63
O OAp recebe o recurso contra decisões dos painéis, e três
juízes do OAp atuam em cada caso. Na prática observada até ago-
ra, praticamente todos os relatórios dos painéis foram objeto de
recurso, que pode confirmar, modificar ou revogar as conclusões
do painel. Em muitos casos até agora, o OAp concorda com as
conclusões do painel, mas não com a fundamentação adotada. Este
é o caso de modificação do relatório, e tem sido extremamente
relevante para harmonizar a interpretação das normas da OMC.64

4.4 Secretariado

Por fim, vale lembrar que o ESC atribui algumas responsa-


bilidades ao Secretariado da OMC. O Secretariado, que atua na
sede da organização, em Genebra, além de manter os registros
das reuniões e outras responsabilidades burocráticas, também deve
manter uma lista indicativa de indivíduos para o painel,65 receber
as argumentações escritas dos Membros da controvérsia66 e in-
clusive organizar, para os Membros interessados, cursos especi-
ais de treinamento.67 Na prática, o Secretariado tem uma outra
função extremamente relevante que é auxiliar os painéis na ela-
boração dos relatórios.68

63. ESC, Art. 17:3.


64. Por outro lado, existem casos em que o OAp até mesmo desqualificou o
termo de referência estabelecido no painel. Veja-se WT/DS60/AB/R,
Guatemala-Cimento, par. 81-89. Sobre termo de referência, veja-se infra,
item 4.6.
65. ESC, Art. 8:4.
66. ESC, Art. 12:6.
67. ESC, Art. 27:3.
68. ESC, Art. 27:1, “O Secretariado terá a responsabilidade de prestar assistên-
cia aos painéis, em especial nos aspectos jurídicos, históricos e de procedi-
mento dos assuntos tratados, e de fornecer apoio técnico e de secretaria”.

37
4.5 Procedimentos para solução de controvérsias

Uma vez identificados os órgãos da OMC que atuam na


solução de controvérsias, deve-se examinar agora o procedimen-
to adotado e suas particularidades. O gráfico abaixo demonstra
as várias fases do procedimento na OMC:

A fase inicial, portanto, refere-se às consultas. Esta é uma


herança da tradição diplomática do GATT-1947: o ESC consa-
gra grande relevância à fase de consultas, em que “Cada Mem-
bro se compromete a examinar com compreensão a argumenta-
ção apresentada por outro Membro e a conceder oportunidade
adequada para consulta com relação a medidas adotadas dentro
de seu território que afetem o funcionamento de qualquer acor-
do abrangido”.69
A fase de consultas tem, inclusive, ganhado relevância em
termos processuais. Com efeito, o Membro reclamante não poderá

69. ESC, Art. 4:2.

38
suscitar, posteriormente, diante do painel, questões que não te-
nham sido previamente examinadas na fase de consultas.70
Se as partes conseguirem alcançar uma solução para a con-
trovérsia, que seja compatível com os acordos da OMC, o proce-
dimento se encerrará, comunicando-se ao OSC a solução acorda-
da.71 Em tese, essa exigência possibilitaria a transparência na
solução de controvérsias, impedindo que os Membros envolvi-
dos pudessem alcançar uma solução em detrimento dos demais
Membros e das regras multilaterais do comércio. Na prática,
entretanto, nem todas as soluções alcançadas são comunicadas,
ou não são comunicadas integralmente.
Se, ao contrário, uma solução negociada não for alcançada
em 60 dias, o Membro reclamante poderá levar o pedido de pa-
inel ao OSC, indicando se foram realizadas consultas, identifi-
cando as medidas controversas e fornecendo uma exposição de
embasamento jurídico para reclamação.72 No OSC, a não ser que
haja um consenso reverso, o painel será estabelecido, podendo
os demais Membros notificar seu interesse em participar como
terceiros interessados.73
A fase seguinte, de extrema relevância, será estabelecer os
termos de referência para o painel. Genericamente, pode-se dizer
que o termo de referência, que deve ser estabelecido por acordo
entre as partes ou por adoção do texto padrão estabelecido no
ESC, equivale aos limites para a competência jurisdicional do
painel. Em termos didáticos, tem semelhança com o despacho
saneador no processo civil brasileiro, ato pelo qual “fixam-se os
pontos controvertidos”.74 Em seguida, dá-se início à ouvida das
partes envolvidas, dos terceiros interessados, e produção de pro-

70. SCM/179, Brasil-Leite em Pó, par. 360-362.


71. ESC, Art. 3:6.
72. ESC, Art. 6:2.
73. ESC, Art. 6:1.
74. Código de Processo Civil (CPC), Art. 331.

39
vas, segundo o calendário estipulado pelo próprio painel, com
base em cronograma sugerido pelo ESC.75
Uma questão interessante, e muitas vezes debatida perante
os painéis, refere-se ao ônus da prova quanto aos fatos e argu-
mentos levantados perante os painéis. Embora não haja um dis-
positivo expresso no ESC a este respeito, o entendimento tem
sido no sentido de aplicar-se o princípio geral de direito proces-
sual, segundo o qual a parte que afirma o fato é que tem o ônus
de prová-lo.76
Ainda sobre a produção de provas, observa-se que o ESC
não traz dispositivos detalhados, além da possibilidade genérica,
para o painel, de buscar as informações que considerar conveni-
entes para a controvérsia. Além disso, determina o ESC que “O
Membro deverá dar resposta rápida e completa a toda solicitação
de informação que um painel considere necessária e pertinen-
te”.77 Entretanto, a falta de especificação desta obrigação, ou de
sanções processuais decorrentes, permite que as partes acabem
por omitir ou não entregar informação relevante solicitada pelos
painéis. O caso mais notório neste sentido foi Canadá-Aerona-
ves, em que o governo canadense recusou-se a entregar docu-
mentação solicitada, alegando questões de confidencialidade.78
Antes de concluir seu relatório, o painel ainda apresenta às
partes um esboço descritivo,79 e um relatório provisório, ainda
confidencial, que poderá ser objeto de comentários pelas partes
na controvérsia.80 Finalmente, o relatório do painel circula entre

75. Veja-se Art. 12, Apêndice 3 do ESC, com a proposta de cronograma para
os trabalhos do painel.
76. Por outro lado, o OAp decidiu que “If that party adduces evidence sufficient
to raise a presumption that what is claimed is true, the burden then shifts
to the other party, who will fail unless it adduces sufficient evidence to
rebut the presumption”. WT/DS33/AB/R, EUA-Camisas e Blusas, Parte
IV.
77. ESC, Art. 13.
78. WT/DS70/AB/R, Canadá-Aeronaves, par. 47-48.
79. ESC, Art. 15:1.
80. ESC, Art. 15:2.

40
todos os Membros da OMC e é colocado à disposição no sítio
eletrônico.81
Submetido o relatório ao OSC, será ele aprovado, a não ser
que haja o consenso reverso ou que uma das partes da controvér-
sia recorra ao OAp, o que geralmente ocorre.82
Se as partes na controvérsia recorrerem, deverão fundamentar
este recurso numa questão de direito ou na interpretação eventu-
almente adotada pelo painel.83 Em outras palavras, questões de
fato previamente examinadas pelo painel não poderão ser objeto
de recurso. Distinguir questões de direito e questões de fato muitas
vezes pode levar a debates intermináveis, sobretudo quando a
caracterização do fato leva à aplicação de uma ou outra norma
jurídica. Até agora, o OAp tem adotado a postura de só examinar
matéria na qual a questão jurídica do problema esteja expressa-
mente manifesta.
Diante do OAp, as partes apresentam seus argumentos es-
critos e em audiência. As deliberações dos juízes do OAp são
confidenciais, e o relatório final aprovado - que confirma, modi-
fica ou revoga o relatório do painel - é remetido ao OSC, onde
será aprovado, a não ser que ocorra o consenso reverso.84
Com a aprovação pelo OSC do relatório do painel ou do
OAp, encerra-se a fase jurisdicional do sistema de solução de
controvérsias da OMC. O relatório final aprovado, se concluir
que a medida nacional reclamada é incompatível com os acordos
da OMC, deverá recomendar que o Membro torne a medida com-
patível com o acordo.85 O painel - ou, se houver recurso, o OAp
- poderão ainda sugerir a maneira pela qual a recomendação
poderá ser implementada. Na prática, o relatório final apresenta-

81. Os relatórios podem ser encontrados em http://docsonline.wto.org/


gen_search.asp?searchmode=advanced. Acessado em: 27 jul. 2003.
82. ESC, Art. 16:4. Até agora, o único relatório não recorrido foi o do painel
WT/DS44/R, Japão-Filmes fotográficos.
83. ESC, Art. 17:6.
84. ESC, Art. 17:14.
85. ESC, Art. 19.

41
do ao OSC conclui afirmando, em seu último parágrafo, que a
medida “X” é incompatível, ou não é incompatível, com os acor-
dos “Y” ou “Z”, invocados pela parte reclamante. A partir de
sua aprovação pelo OSC, o relatório gera a responsabilidade
internacional do Membro da OMC, reconhecendo-se sua obri-
gação de revogar ou alterar a medida questionada, de forma a
impedir a continuidade do conflito com as normas multilaterais
do comércio.86

5. IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DA OMC

Obtida a decisão do OSC, passa-se a fase de implementação,


uma fase pós-jurisdicional, em que se buscará o cumprimento da
decisão, visando tornar a medida recorrida compatível com os
acordos da OMC. É importante esta observação: a decisão do OSC
não tem caráter reparatório, nem de penalização do Membro que
eventualmente tenha transgredido as normas da OMC por meio de
uma medida nacional. O objetivo fundamental da fase de implemen-
tação, e da eventual suspensão de vantagens, é forçar o Membro a
cumprir a decisão, tornando sua legislação interna compatível com
as obrigações que assumiu no âmbito da OMC.87
Resumidamente, o procedimento será o seguinte: se a me-
dida recorrida for julgada incompatível com determinado acordo
da OMC, o Membro reclamado deverá informar ao OSC suas
intenções com relação à implementação das decisões e recomen-
dações do OSC.88 O OSC deve aprovar um “período razoável de
tempo” para que o Membro reclamado possa revogar a medida o

86. ESC, Art. 21:1, “O pronto cumprimento das recomendações e decisões do


OSC é fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em
benefício de todos os Membros”.
87. Por isso, o ESC afirma que “nem a compensação nem a suspensão de con-
cessões ou de outras obrigações é preferível à total implementação de uma
recomendação”. ESC, Art. 22:1.
88. ESC, Art. 21:3.

42
objeto da controvérsia, ou torná-lo compatível com os acordos
da OMC. Na prática, este período vem variando entre 3 a 15
meses.
Se a medida não for alterada, devem ser iniciadas consultas
entre os Membros reclamante e reclamado, buscando estabelecer
uma compensação aceitável. Se não alcançarem o acordo quanto
a esta compensação, o Membro reclamante poderá buscar a au-
torização do OSC para “suspender concessões”, ou seja, retirar
vantagens negociadas no âmbito da OMC, sobretudo vantagens
tarifárias, aplicáveis aos produtos oriundos do território do Mem-
bro reclamado.89
Diante deste pedido, e da não-implementação voluntária por
parte do Membro reclamado, o OSC concederá a autorização para
a suspensão de concessões. Se o reclamado objetar ao montante
das suspensões propostas pelo reclamante, a questão é submetida
à arbitragem para avaliar o valor devido da suspensão.90 A tarefa
do árbitro, que preferencialmente será um dos componentes do
painel original que decidiu a controvérsia, é decidir se o grau da
suspensão de concessões proposta é equivalente ao grau de anu-
lação ou prejuízo causado ao Membro reclamante pela medida
considerada ilegal.91
Esta retaliação autorizada pelo OSC não revoga eternamente
as obrigações do Membro reclamante em relação ao Membro re-
clamado; ou seja, “a suspensão de concessões ou outras obriga-
ções deverá ser temporária e vigorar até que a medida considerada
incompatível com um acordo abrangido tenha sido suprimida, ou
até que o Membro que deva implementar as recomendações e
decisões forneça uma solução para a anulação ou prejuízo dos
benefícios, ou até que uma solução mutuamente satisfatória seja
encontrada”.92 Da mesma forma, o Membro reclamado pode

89. ESC, Art. 22:2.


90. ESC, Art. 22:6.
91. ESC, Art. 22:7.
92. ESC, Art. 22:8.

43
ainda se oferecer para conceder compensações, normalmente pela
extensão de vantagens tarifárias aos produtos originários do
Membro reclamante. Esta compensação é voluntária, e deve ser
consistente com os demais acordos da OMC.93
Pode-se afirmar que a fase de implementação tem sido, na
experiência recente da OMC, o momento mais crítico para o
legalismo nas relações econômicas internacionais. Com efeito,
se o ESC foi um avanço fundamental em direção a um sistema
mais regido por normas (rule-oriented), este avanço é mais per-
ceptível na fase jurisdicional, ou seja, perante os painéis e OAp.
Ainda falta maior grau de legalismo na fase “de execução” do
ESC, diante dos vários problemas identificados na prática recen-
te, sobretudo:

a) o problema do “período razoável de tempo” para implemen-


tar a decisão, que muitas vezes esbarra com impeditivos
constitucionais e legislativos dos Membros;
b) a alternativa entre compensação ou revogação da medida
questionada, uma vez que a compensação pode ser ofereci-
da como forma de protelar a revogação ou modificação da
medida questionada; em última análise, esta alternativa
mitiga o compromisso com o legalismo das decisões;
c) a intrincada discussão sobre o meio adequado de tornar a
medida questionada compatível com as normas do comér-
cio internacional; assim, vários Membros reclamados ado-
tam seguidamente mudanças superficiais na legislação rela-
tiva à medida, o que leva os Membros reclamantes a retornar
ao árbitro, para reavaliar se a nova roupagem (muitas vezes,
apenas maquiagem) jurídica é compatível com os acordos
da OMC. Isso tem levado à situação denominada de “sequen-
ciamento” (sequencing), em que uma mesma controvérsia
retorna diversas vezes ao árbitro, em razão das modifica-

93. ESC, Art. 22:1.

44
ções adotadas pelo Membro reclamado não satisfazerem o
Membro reclamante. Como decorrência, uma controvérsia
pode acabar se prolongando muito além dos prazos inicial-
mente previstos pelo ESC;94
d) outro problema é relativo ao montante devido para a com-
pensação, que evidentemente quase nunca é oferecido no
nível que o Membro reclamante considera satisfatório. Isto
gera novas, e às vezes intermináveis, questões entre os
Membros na controvérsia;95
e) ainda, há que se observar que a compensação oferecida ou
a retaliação autorizada nem sempre beneficiam ou atingem
os mesmos setores econômicos que foram beneficiados pela
medida objeto da controvérsia. Embora o ESC determine
que “o princípio geral é o de que a parte reclamante deverá
procurar primeiramente suspender concessões ou outras
obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es) em que o pa-
inel ou Órgão de Apelação haja constatado uma infração ou
outra anulação ou prejuízo”96, isto nem sempre ocorre na
prática;97
f) por fim, em alguns casos, a autorização para suspender
concessões não tem qualquer efeito sobre o Membro recla-

94. “Put simply, a determined defendant can wring at least three years of delays
from the system before facing definitive legal condemnation, enough time
for “temporary measures”- “such as the March 2002 US steel safeguards”-
“to wreak sustained havoc without possibility for retroactive compensation”.
Busch & Heinhardt, 2002, p. 4.
95. Jackson, 1999, p. 7.
96. ESC, Art. 22.3(a).
97. Por isso, alguns autores vêm propondo que a compensação seja financeira,
e não tarifária: “retaliation does not help the complainant’s exporters who
have been and continue to be harmed, nor are the respondent’s industries
harmed by the retaliation the same ones that have been helped by the WTO-
inconsistent measure. Monetary compensation to the complainant from the
respondent may offer more scope for governments to target the transfers to
achieve a more-equitable outcome”. Anderson, 2002, p. 16.

45
mado, se o Membro reclamante não tiver poder de mercado
suficiente para afetar as exportações oriundas do território
do Membro reclamado. Isto evidentemente ocorre, sobretu-
do, com países em desenvolvimento, cuja participação no
comércio internacional é por vezes ínfima, e cujo poder
econômico para forçar uma potência a cumprir uma decisão
do OSC pode ser absolutamente negligenciado.

6. A APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE NORMAS


PELO OSC

6.1 Aplicação das normas

Uma atenção particular deve ser dada à questão de aplica-


ção e interpretação das normas da OMC pelo sistema de solu-
ção de controvérsias. O ESC contém poucas regras no que se
refere a esta matéria, e a interpretação do OAp tem sido deter-
minante, e também controversa, para caracterizar as metanormas
invocadas.
No âmbito dos acordos da OMC, uma regra de prevalência
geral está no Acordo Constitutivo da OMC que determina que as
regras deste prevalecerão sobre qualquer outra norma dos acor-
dos multilaterais.98
No que se refere especificamente à solução de controvérsias,
não há regras internas de prevalência, com exceção daquelas
segundo as quais os procedimentos especiais, constantes no apên-
dice II do ESC, prevalecerão sobre as regras gerais.99

98. Acordo Constitutivo, Art. 16:3.


99. ESC, Art. 1:2.

46
6.2 Interpretação pelos painéis

No que se refere à interpretação assentada pelo painel para


solucionar as controvérsias que lhe devam ser submetidas, deter-
mina-se que o esclarecimento das normas dos acordos multilate-
rais deve ser feito “em conformidade com as normas correntes de
interpretação do direito internacional público”.100
Estas normas são materializadas na Convenção de Viena,
cujo texto relevante determina que:

Artigo 31 - Regra Geral de Interpretação

1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido


comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de
seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compre-
enderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos:
a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes
em conexão com a conclusão do tratado;
b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em
conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes
como instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpreta-
ção do tratado ou à aplicação de suas disposições;
b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do trata-
do, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua inter-
pretação;
c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis
às relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabe-
lecido que essa era a intenção das partes.

100. ESC, Art. 3:2.

47
Artigo 32 - Meios Suplementares de Interpretação

Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive


aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua
conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do
artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de
conformidade com o artigo 31:
a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou
desarrazoado.

Algumas observações podem ser adotadas, a propósito da


Convenção de Viena. A primeira delas é quanto à preferência
pela interpretação literal dos termos constantes em tratados inter-
nacionais. Esta tem sido a prática do OAp, que, em muitos recur-
sos que lhe foram submetidos, dispende páginas e páginas discu-
tindo o significado de um termo invocado por uma das partes da
controvérsia.
A segunda observação é que a Convenção de Viena vem
sendo utilizada como grande parâmetro para a solução das con-
trovérsias na OMC, mesmo quando envolvendo Membros que
não são partes da Convenção de Viena, como é o caso do Brasil
e dos EUA. Esta prática nunca foi contestada por qualquer Mem-
bro da OMC, o que leva a crer que a convenção de Viena foi
entendida como materializando regras consuetudinárias de inter-
pretação de tratados internacionais, regras que, portanto, são
obrigatórias para todos os Membros.
Ao lado da preferência por uma interpretação literal dos
acordos da OMC, a prática até agora acumulada demonstra
uma preocupação, sobretudo do OAp, em eliminar qualquer
interpretação extensiva desses acordos. Esta preocupação tem
fundamento normativo, já que o ESC recorda que as reco-
mendações sobre as controvérsias submetidas não podem au-

48
mentar nem diminuir direitos e obrigações dos Membros da
OMC. 101
Em razão disto, Jackson observa que “recentes atitudes
constantes nos relatórios do OAp parecem reforçar a regra de
considerável deferência às tomadas de decisões dos governos,
possivelmente como um caso de ‘restrição jurídica’ de idéias, de
acordo com o exposto no ESC, Art. 3, e em outros casos expres-
sado por vários países que temem muita interferência em suas
soberanias”.102
Apesar desta preocupação, vêm sendo freqüentes as críticas
de alguns Membros - sobretudo dos EUA - quanto a um suposto
ativismo judicial por parte de painéis e do OAp. Segundo esta
crítica, a interpretação dada em alguns casos estaria sendo exten-
siva, e tendo como conseqüência o aumento das obrigações des-
ses Membros além do texto dos acordos multilaterais.
Esta crítica deve ser mitigada por duas constatações. A pri-
meira delas é que não há interpretação totalmente isenta, por maior
preferência que se dê ao texto literal adotado. Em segundo lugar,
deve-se observar que os painéis muitas vezes têm que lidar com
textos vagos, decorrentes da própria dinâmica das negociações
comerciais internacionais. Em outras palavras, muitas vezes, para

101. Destarte, o ESC determina que: “Os Membros reconhecem que esse siste-
ma é útil para preservar direitos e obrigações dos Membros dentro dos
parâmetros dos acordos abrangidos e para esclarecer as disposições vigen-
tes dos referidos acordos em conformidade com as normas correntes de
interpretação do direito internacional público. As recomendações e deci-
sões do OSC não poderão promover o aumento ou a diminuição dos direi-
tos e obrigações definidos nos acordos abrangidos” (Art. 3:2), e ainda que
“as conclusões e recomendações do painel e do Órgão de Apelação não
poderão ampliar ou diminuir os direitos e obrigações derivados dos acor-
dos abrangidos” (ESC, Art. 19:2).
102. “The emerging attitudes of the Appellate Body reports seem to reinforce a
policy of considerable deference to national government decision-making,
possibly as a matter of ‘judicial restraint’ ideas such as that quoted from
the DSU Article 3, and otherwise expressed by various countries who fear
too much intrusion on ‘sovereignty’”. Jackson, 1999, p. 11.

49
negociar um acordo, os Membros concordam em colocar um texto
que evita comprometimento definitivo em relação ao problema
então abordado. Esta estratégia negociadora já foi denominada
de “ambigüidade construtiva” no jargão da OMC. Entretanto, na
aplicação deste texto ambíguo ao caso concreto, os painéis aca-
bam tendo que adotar interpretação que não necessariamente seria
a preferível pela parte vencida na controvérsia.
Ainda sobre interpretação, há que se acrescentar duas difi-
culdades para o jurista formado na tradição do direito romano. A
primeira delas é lidar com o próprio texto dos tratados, normal-
mente negociados em inglês, e cuja tradução o mais das vezes
não é muito fiel. Além disso, o processo negociador, sobretudo
nos acordos originários da OMC, baseou-se em rascunhos (drafts)
geralmente propostos pelos EUA. Isto faz com que a técnica de
redação legislativa se assemelhe a da common law, com parágra-
fos extensos e uma lógica indutiva. Desta forma, juristas de tra-
dição românica tendem a uma interpretação teleológica e a uma
aplicação sistemática do conjunto normativo. A prática na OMC,
ao contrário, tem sido no sentido de limitar estritamente cada
uma das obrigações a seu âmbito de aplicação e adotar interpre-
tação mais próxima possível do sentido literal de cada palavra.
Quanto à operação mental de subsunção, o ESC determina que
os painéis deverão considerar todas as normas relevantes dos acor-
dos invocados pela parte na controvérsia.103 Ainda, orienta-se o painel
a fazer uma avaliação objetiva do assunto, o que deverá incluir uma
avaliação objetiva dos fatos, da aplicabilidade das normas invocadas,
e da compatibilidade entre a medida recorrida e os acordos pertinen-
tes.104 Ao final, o relatório do painel deverá expor as verificações de
fatos, a aplicabilidade de disposições pertinentes e o arrazoado em
que se baseiam suas decisões e recomendações.105 Nesta análise, o

103. ESC, Art. 7:2.


104. ESC, Art. 11.
105. ESC, Art. 12:7.

50
painel abordará inicialmente se houve violação de alguma regra
específica dos acordos da OMC. Se a parte reclamante conseguir
demonstrar isto, presume-se que a medida recorrida constitua caso
de anulação ou diminuição de vantagens acordadas. É o que se de-
nomina presunção de violação.106

6.3 O OSC e os judiciários nacionais

Ao discutir a aplicação e interpretação das normas da OMC


pelos painéis, o problema sempre evocado é o da correlação entre
estas decisões e a interpretação eventualmente dada pelas autorida-
des administrativas e judiciais dos Membros da OMC. O problema
é bastante amplo, pois envolve desde particularidades constitucio-
nais até o efeito direto dos tratados nas ordens jurídicas internas.
Por muito tempo, este problema foi abordado a partir do de-
bate simplório entre monistas e dualistas, cujos modelos demons-
traram ser insuficientes para explicar todas as variáveis envolvidas
neste problema. Sem pretender o aprofundamento do tema, que
seria inalcançável nos limites deste estudo, deve-se, contudo, re-
gistrar a correlação entre decisões do OSC e interpretações de
entidades nacionais. Três questões específicas merecem ser abor-
dadas: qual é a relação entre a interpretação adotada por uma au-
toridade nacional e da interpretação do OSC? Há necessidade do
esgotamento dos recursos internos, para que a reclamação possa
ser apresentada ao OSC? Qual é o efeito da interpretação do OSC
para o comportamento futuro das autoridades nacionais?
Sobre o primeiro questionamento, observe-se que o OSC não
é uma instância supranacional para recurso contra decisões nacio-
nais que se crê violadoras das normas da OMC. Em outras pala-
vras, o objeto da reclamação ao OSC é uma medida nacional, cuja

106. Isso significa que normalmente existe a presunção de que toda transgressão
das normas produz efeitos desfavoráveis para outros Membros que sejam
partes do acordo abrangido, e em tais casos a prova em contrário caberá ao
Membro contra o qual foi apresentada a reclamação. ESC, Art. 3:8.

51
vigência viola, de acordo com o Membro reclamante, uma deter-
minada obrigação constante nos acordos da OMC. Se esta medida
provém do legislativo, do executivo, ou do judiciário do Membro re-
clamado, este é um problema de direito constitucional, alheio às pos-
sibilidades de regulamentação do Direito Internacional Econômico.
Portanto, a obrigação dos painéis e do OAp será fazer uma
avaliação objetiva da aplicabilidade dos acordos invocados pelo
Membro reclamante e de sua compatibilidade com a medida adota-
da pelo Membro reclamante. Este é o do denominado “padrão de
revisão” (standard of review) que deve ser seguido pelos painéis e
pelo OAp. Ou seja, nem conceder total deferência à interpretação
dos acordos da OMC eventualmente dada pelas autoridades nacio-
nais, nem servir como instância recursal contra esta interpretação.107
A exceção mais importante a este padrão geral de revisão pre-
visto no ESC está no Acordo Antidumping (AA). Por pressão dos
EUA, no AA consta uma regra especial de interpretação que indu-
ziria os painéis a conceder maior deferência às autoridades nacio-
nais na interpretação do AA na imposição de direitos antidumping.108

107. Neste sentido, o OAp já decidiu que: “although panels are not entitled to
conduct a de novo review of the evidence, nor to substitute their own
conclusions for those of the competent [national] authorities, this does not
mean that panels must simply accept the conclusions of the competent
authorities (...) Thus, in making an ‘objective assessment’ of a claim under
Article 4.2(a), panels must be open to the possibility that the explanation
given by the competent authorities is not reasoned or adequate”. WT/
DS177/AB/R, EUA-Carne de Carneiro, par. 106.
108. AA, Art. 17:6. O painel, ao examinar a matéria objeto do parágrafo 5º: a)
ao avaliar os elementos de fato da matéria, determinará se as autoridades
terão estabelecido os fatos com propriedade e se sua avaliação dos mesmos
foi imparcial e objetiva. Se tal ocorreu, mesmo que o grupo especial tenha
eventualmente chegado a conclusão diversa, não se considerará inválida a
avaliação; b) interpretará as disposições pertinentes do Acordo segundo
regras consuetudinárias de interpretação do direito internacional público.
Sempre que o grupo especial conclua que uma disposição pertinente do
acordo admite mais de uma interpretação aceitável, declarará que as medi-
das das autoridades estão em conformidade com o acordo, se as mesmas
encontram respaldo em uma das interpretações possíveis. Sobre a história
e o impacto do Art. 17.6 do AA, veja-se Barral, 2000, p. 111-115.

52
Apesar desta regra, os EUA vêm constantemente sendo
vencidos em controvérsias sobre medidas antidumping, o que
vem gerando crescentes pressões para limitar mais ainda o pa-
drão de revisão a ser adotado pelos painéis.
O segundo problema mencionado se refere ao esgotamento
dos recursos internos. Esta regra, que constitui uma norma con-
suetudinária de direito internacional, exige que, antes de recorrer
a um tribunal internacional para defender interesses de seus na-
cionais, os Estados deverão verificar se esses nacionais esgota-
ram os recursos judiciais disponíveis na ordem jurídica do Esta-
do reclamado.109
Embora este seja um princípio bastante assentado de Direi-
to Internacional, a verdade é que em Direito Internacional Eco-
nômico não se exige normalmente o esgotamento dos recursos
internos como pressuposto para apresentação da reclamação
perante a OMC. Desta forma, e apesar de alguns trabalhos dou-
trinários em contrário, nenhum Membro da OMC jamais alegou
que o esgotamento de recursos internos seria pressuposto neces-
sário para a legitimidade da reclamação.110
Por fim, um problema interessante e ainda longe de ser
equacionado, relativo ao sistema de solução de controvérsias da
OMC, refere-se ao efeito dessas decisões nas ordens jurídicas

109. Trata-se de um princípio clássico do direito internacional de forma a evitar


a ingerência internacional em questões que podem ser resolvidas interna-
mente pelos Estados. Desta forma, somente após o Estado reclamado ter
tido a oportunidade de reparar supostos danos internamente é que poderia
ser evocada sua responsabilidade internacional. Tal princípio teria origem
no final do século XVII e modernamente adquiriu novas matizes, princi-
palmente em direitos humanos, recebendo tratamento específico. Cf. Trin-
dade, 1997, p. 23-41.
110. “As GATT dispute settlement procedures are designed to protect ‘treaty
benefits’ of the contracting parties, rather than individual rights of theirs
citizens, the legal admissibility of GATT complaints has never been made
conditional on ‘prior exhaustion of local remedies’, and the legal remedies
sought were hardly ever expressed in terms of ‘reparations of injury’ suffered
by their nationals”. Pettersmann, 1997, p. 242.

53
internas. Como regra geral, o próprio efeito direto das normas da
OMC dependerá da estrutura constitucional e do status concedi-
do aos tratados pela ordem jurídica de cada Membro. Ou seja,
em determinados Estados, os tratados em matéria comercial não
são auto-executáveis, pretendendo-se dizer com isso que um
particular não poderá invocar estes tratados como fundamento
para a defesa de um direito perante o judiciário desses países.
Esta é a situação, genericamente falando, nos EUA e na CE.111
Em outros países, como é o caso do Brasil, não há basicamente
questionamento sobre a matéria, e os tratados internacionais em
geral são invocáveis em litígios internos.
Entretanto, qualquer que seja a situação constitucional par-
ticular, não há qualquer regra no sistema de solução de contro-
vérsias da OMC que possa criar implicações futuras para os
judiciários nacionais, seja para obrigá-los a uma determinada
interpretação, seja para alcançar a execução de uma recomenda-
ção ou decisão do OSC. Estas possibilidades até existem em sis-
temas recentes de solução de controvérsias, como o caso do TJCE
ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).112 Na
OMC, entretanto, não há regras que gerem efeitos diretos, para a
esfera normativa nacional dos Membros, das decisões do OSC
ou das interpretações eventualmente adotadas pelos painéis e
pelo OAp.

111. Em um caso bastante polêmico, o Tribunal de Justiça das Comunidades


Européias (TJCE) decidiu que Portugal não poderia invocar os acordos da
OMC no litígio contra a Comissão Européia. Veja-se TJCE, Caso C-149/
96 Portugal versus Comissão [1999] ECR I-8395. Veja-se também recente
análise sobre o caso em Eeckhout, 2002, p. 91-110.
112. Veja-se Sant’ana, 2001, p. 98-101.

54
6.4 O OSC e os tribunais internacionais

Uma questão interessante, e ainda pouco suscitada na lite-


ratura sobre o assunto, é a duplicidade de competência para so-
lucionar as controvérsias internacionais. Ou seja, a existência de
determinadas controvérsias que podem ser submetidas a mais de
um foro internacional, seja em razão de sua matéria, seja em razão
de os Estados envolvidos participarem de mais de um processo
de integração econômica.
Esta hipótese não é apenas teórica. A proliferação de esquemas
regionais de integração traz, entre outras conseqüências, a criação
de mecanismos de solução de controvérsias, muitas vezes abrangen-
do a mesma matéria que poderia ser submetida também ao OSC.
Evidentemente, não há uma instância internacional que possa
solucionar este eventual conflito positivo de jurisdição. As se-
guintes alternativas acabaram sendo adotadas:

a) haverá uma preferência política por privilegiar um meca-


nismo regional, em razão do que os Estados envolvidos na
controvérsia abdicarão do recurso ao sistema multilateral;
b) haverá uma vantagem procedimental (celeridade, clareza de
regras, maior abrangência dos acordos) que poderá induzir
o Estado reclamante a escolher um dos mecanismos dispo-
níveis, numa situação de forum shopping internacional; ou
c) haverá uma regra privilegiadora de um dos foros - uma re-
gra de prevenção de foro - que exclua a possibilidade de
apresentação simultânea da controvérsia.

Observe-se, entretanto, que no ESC não há qualquer dessas


regras de prevenção de seu foro, ou de impedimento de conhecer
a controvérsia que já esteja sendo submetida, ou tenha sido sub-
metida, a um mecanismo regional de solução de controvérsias.
Isto pode criar, inclusive, uma situação jurídica complexa, em

55
que uma determinada medida nacional pode ser considerada le-
gal, por um tribunal regional, e posteriormente ser considerada
incompatível com os acordos da OMC, pelo OSC.113
De outro lado, alguns acordos regionais vêm atentando para
este risco de sentenças díspares proferidas por tribunais interna-
cionais distintos. Para minimizar este risco, alguns acordos re-
centes incorporam uma regra processual que impede os Estados
envolvidos numa controvérsia de submetê-la a mais de um me-
canismo de solução de controvérsias. Neste sentido é a previsão
do North America Free Trade Agreement (NAFTA) segundo a
qual controvérsias surgidas em razão do acordo do NAFTA ou
do GATT podem ser solucionadas em qualquer dos foros, segun-
do escolha da parte reclamante.114
A mesma regra vem sendo adotada em acordos bilaterais
firmados pelos EUA, como no acordo com o Chile.115 Também

113. Esta foi, aliás, a situação ocorrida entre Argentina e Brasil, numa contro-
vérsia envolvendo a aplicação de medidas antidumping nas exportações
brasileiras de frango. Inicialmente, a medida foi considerada legal pelo
tribunal arbitral constituído no âmbito do Protocolo de Brasília. Veja-se
capítulos III e IV do laudo arbitral do Tribunal Ad Hoc do Mercosul, Apli-
cação de Medidas Antidumping contra a exportação de frangos inteiros,
provenientes do Brasil, Resolução Nº 574/2000 do Ministério de Econo-
mia da República Argentina, de 21 de maio de 2001. Inconformado, o
Brasil apresentou nova reclamação à OMC cuja decisão foi pela incompa-
tibilidade entre a medida argentina e o acordo antidumping. WT/DS241/R,
Argentina-Frango, par. 8.1-8.7.
114. NAFTA, Article 2005.1: “[...] disputes regarding any matter arising under
both this Agreement and the General Agreement on Tariffs and Trade, any
agreement negotiated thereunder, or any successor agreement (GATT), may
be settled in either forum at the discretion of the complaining Party”.
115. US-Chile Free Trade Agreement, Article 22.3: “Choice of Forum. 1. Where
a dispute regarding any matter arises under this Agreement and under
another free trade agreement to which both Parties are party or the WTO
Agreement, the complaining Party may select the forum in which to settle
the dispute. 2. Once the complaining Party has requested a panel under an
agreement referred to in paragraph 1, the forum selected shall be used to
the exclusion of the others”. Disponível em: http://www.ustr.gov/new/fta/
Chile/final/22.dispute%20settlement.PDF. Acesso em: 14 ago. 2003.

56
a regulamentação proposta para a Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA) busca equacionar o problema, permitindo o
forum shopping segundo as conveniências do Estado reclaman-
te.116 Finalmente, no Mercosul, uma regra nova, inserida pelo
Protocolo de Olivos, estabelece a possibilidade de escolha entre
o sistema de solução de controvérsias do Mercosul e outro siste-
ma eventualmente competente para decidir a controvérsia. A re-
gra é que o Estado demandante possa escolher o foro, mas - uma
vez iniciado o procedimento - não se poderá recorrer a outro
foro.117 A regra ganha relevância, quando se observa que os
Estados-Partes do Mercosul participam individualmente de ou-
tros tratados multilaterais em matéria comercial com sistemas
próprios de solução de controvérsias.
Por outro lado, como a opção pelo foro será do Estado
demandante (a não ser que haja acordo), pode-se prever que o
foro internacional mais utilizado será aquele que apresentar, em
cada caso específico, a base jurídica mais sólida para sustentar a
reclamação.
Em tese, o Mercosul deveria apresentar regras mais avança-
das quanto à integração regional e ao processo de liberalização
comercial. Entretanto, em algumas matérias, como é o caso de

116. Segunda Minuta do Acordo da Área de Livre Comércio das Américas, Art.
6, Escolha do foro: “ Qualquer controvérsia que surgir entre as Partes com
relação ao disposto no Acordo da ALCA [que igualmente implicar uma
violação das obrigações assumidas conforme o] [e] Acordo sobre a OMC
[ou em outros acordos regionais de que as Partes da controvérsia forem
parte,] poderão ser resolvidos em qualquer dos foros, a critério da Parte
reclamante”. Consta ainda em nota de rodapé: “[À medida que avançarem
as negociações substantivas, surgirão outras questões relativas à eleição do
foro a serem discutidas. Por exemplo, quando se houver avançado mais nas
regras substantivas do Acordo da ALCA do que nas regras comparáveis
em outros foros, o acordo poderá expressar uma preferência pelo procedi-
mento de solução de controvérsias do Acordo da ALCA.]”. Disponível
em: http://www.ftaa-alca.org/FTAADraft02/Quito/draft_p9.doc. Acesso em:
14 ago. 2003.
117. Protocolo de Olivos, Art. 1.

57
medidas antidumping, o vazio jurídico do Mercosul poderá con-
duzir os litigantes ao OSC, cuja interpretação mais literal das
obrigações assumidas nos acordos multilaterais poderá fornecer
um maior fundamento a uma reclamação nacional.

7. CONCLUSÕES

Apresentado o sistema de solução de controvérsias da OMC


e as principais características e problemas que se tornaram visí-
veis nos primeiros oito anos de sua vigência, esta parte condensará
algumas considerações, escolhidas a partir dos interesses brasi-
leiros.
O Brasil é um participante freqüente do sistema de solução
de controvérsias da OMC, tanto como reclamante quanto como
reclamado.118 Isto pode ser explicado pelo fato de os produtos
brasileiros competirem em diversos setores econômicos, nos quais
têm que enfrentar barreiras consolidadas. Além disso, a tradição
brasileira de intervenção no domínio econômico muitas vezes con-
trasta com os princípios liberalizantes contidos em regras da OMC.
Neste cenário, importa primeiramente ao Brasil reconhecer
que o sistema de solução de controvérsias da OMC é o mecanismo
mais eficaz, entre os disponíveis nas relações econômicas inter-
nacionais, para assegurar direitos decorrentes das negociações
em que o país toma parte. Por isso, a importância de conhecer
profundamente as regras e a prática do OSC, além de acompa-
nhar todas as propostas para sua reforma.
Dentre estas propostas, observa-se que algumas delas res-
pondem a uma crítica crescente na sociedade civil internacional
em relação à suposta falta de legitimidade das decisões tomadas

118. Em um levantamento realizado por Barral e Prazeres demonstra-se que o


Brasil, que detém menos de 1% do comércio mundial, está envolvido em
praticamente 10% das controvérsias perante o OSC. Barral & Prazeres,
2002, p. 18.

58
no âmbito da OMC. Sobretudo as controvérsias que envolveram
matérias ambientais - como EUA-Golfinhos119 e EUA-Cama-
rões120 - tornaram-se rumorosas, em razão da suposta falta de
transparência do mecanismo de solução de controvérsias e de
sua preferência pelo comércio em detrimento do meio ambiente.
No sentido de resposta a essas críticas, as propostas de reformulação
do ESC destinadas a dar maior transparência e voz às entidades
da sociedade civil não criam maiores empecilhos para os interes-
ses brasileiros. Há, evidentemente, necessidade de estipulação
de regras que evitem a sobrecarga do sistema de solução de con-
trovérsias, bem como o pré-credenciamento de entidades que
pretendam se manifestar. Se estas medidas visando dar maior
transparência forem implementadas, podem gerar não só o efeito
de reduzir críticas à legitimidade da OMC, mas também de faci-
litar as informações - para o conjunto da sociedade civil. Em
países como o Brasil, a sociedade civil ainda é pouco organizada
e informada quanto aos interesses que são defendidos nos foros
internacionais e a razão pela qual foram escolhidos pelo Estado
para exercer proteção diplomática.
Nas demais propostas de reforma atualmente em discussão,
há ainda: profissionalização do quadro de painelistas e tratamen-
to diferenciado para países em desenvolvimento. A primeira pro-
posta talvez possa trazer maior eficácia ao funcionamento do
sistema. Para o Brasil, entretanto, é relevante que um eventual
quadro permanente de painelistas conte com representação bra-
sileira. Embora estes indivíduos não possam atuar em casos nos
quais o Brasil seja parte, poderão ter efeito multiplicador do
conhecimento acumulado, permitindo que o país possa inclusive
aprender com os próprios erros e aperfeiçoar a defesa de seus
interesses.
No que se refere ao tratamento especial e diferenciado para
os países em desenvolvimento, os interesses brasileiros estão

119. DS/29/R, EUA-Golfinhos.


120. WT/DS58/AB/RW, EUA-Camarões.

59
vinculados a propostas que possam dar maior eficácia ao atual
texto do ESC, que pode ser caracterizado como meramente
programático. Sobretudo no que se refere à implementação das
decisões do OSC, os interesses dos países em desenvolvimento
estariam melhor protegidos se houvesse regras claras que geras-
sem vantagens efetivas durante o procedimento para solução da
controvérsia. Neste sentido, a proposta de uma retaliação coleti-
va contra o Membro reclamado que não cumprir a decisão parece
interessante, embora seja pouco provável num mundo onde o
poder econômico está tão iniquamente dividido.
De qualquer forma, quaisquer que sejam as reformas apro-
vadas, não deve haver mudanças radicais nas principais caracte-
rísticas do sistema de solução de controvérsias da OMC. Este
sistema seguirá constituindo a materialização de uma “barganha
faustiana”,121 em que os atores mais poderosos concordam em
jogar de acordo com as regras multilaterais, desde que os demais
atores concordem em entregar sua alma ao livre comércio.
Por isso, há que se fazer uma avaliação realista sobre a crença
às vezes exagerada no caráter legalista do sistema. Em primeiro lugar,
porque tornar as regras procedimentais mais e mais complexas pode
ter efeito negativo para os próprios países em desenvolvimento, uma
vez que o mérito das controvérsias poderá não ser examinado em
razão de tecnicismos procedimentais. Em segundo lugar, porque num
mundo com atores dotados de diferente poder econômico, muitas
vezes as negociações poderão trazer um resultado mais positivo, e
mais célere, para o Membro reclamante, do que um longo e
desgastante litígio, cuja vitória não assegurará necessariamente que
a medida questionada seja integralmente revogada. Conforme de-
monstra Busch, uma parte considerável das controvérsias perante a
OMC ainda vem sendo resolvida por meio de negociações entre os
Membros, e estas soluções por vezes se mostram as mais eficazes
para atender a maior parte das reclamações apresentadas.122

121. A expressão é de Sutherland, 2003, p. 6.


122. Busch & Heinhardt, 2002, p. 20.

60
Ao final, a avaliação do sistema de solução de controvérsias
da OMC permite concluir que este sistema trouxe um maior grau
de previsibilidade e estabilidade das relações econômicas inter-
nacionais. Prova disto é que o OSC é hoje o mecanismo interna-
cional que mais recebe reclamações, chegando a 301 casos entre
1995 e setembro de 2003. E isto mesmo reconhecendo-se que o
sistema não é perfeitamente justo - qual tribunal o é? - e que as
regras de discriminação positiva em favor dos países em desen-
volvimento são, acima de tudo, retóricas.
De qualquer forma, e quaisquer que sejam as mudanças
aprovadas, elas certamente não transformarão a alma desta bar-
ganha faustiana, que busca tornar o mundo mais previsível, acre-
ditando que a promoção do comércio possa ser uma alavanca
para o crescimento econômico.

61
8. REFERÊNCIAS

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63
Lista de casos citados da OMC (ordem alfabética):

Referência Título original Cód. OMC Data


em inglês Relatório
Argentina – Argentina – Definitive WT/DS241/R 22 abr. 03
Frango Anti-dumping duties on
poultry from Brazil

Brasil– Brazil – Imposition of SCM/179 27 jan. 94


Leite emPó provisional and definite
countervailing duties on milk
powder and certain types of
milk from the European
Communities

Canadá – Canada – Measures WT/DS70/AB/R 02 ago. 99


Aeronaves Affecting the Export of
Civilian Aircraft

CE – Asbestos European Communities – WT/DS135/ 12 mar. 01


Measures Affecting Asbestos AB/R
and Asbestos – Containing
Products

CE – European Communities – WT/DS27/ 25 set. 97


Bananas III Regime for the Importation, AB/R
Sale and Distribution of
Bananas

CE – EC Measures Concerning WT/DS26/ 16 jan. 98


Hormônios Meat and Meat Products AB/R
(Hormones) WT/DS48/
AB/R

CE – European Communities – WT/DS231/ 26 set. 02


Sardinhas Trade Description of AB/R
Sardines

EUA – United States – Imposition WT/DS138/ 10 mai. 00


Bismuto on Countervailing Duties on AB/R
Certain Hot-Rolled Lead
and Bismuth Carbon Steel
Products Originating in the
United Kingdom

EUA – United States – Import WT/DS58/ 22 out. 01


Camarões Prohibition of Certain AB/RW
Shrimp and Shrimp Products

64
Referência Título original Cód. OMC Data
em inglês Relatório
EUA – United States – Measures WT/DS33/ 25 abr. 97
Camisas e Affecting Imports of Woven AB/R
Blusas Wool Shirts and Blouses
from India

EUA – Carne Unite States – Safeguard WT/DS177/ 01 mai. 01


de Carneiro Measures on Imports of AB/R
Fresh, Chilled or Frozen
Lamb Meat from New
Zealand and Australia

EUA – United States – Restrictions DS/29/R 16 jun. 94


Golfinhos on Imports of Tuna

Guatemala – Guatemala - Anti-Dumping WT/DS60/ 02 nov. 98


Cimentos Investigation Regarding AB/R
Portland Cement from
Mexico

Índia – India – Quantitative WT/DS90/ 23 ago. 99


Restrições Restrictions on Imports of AB/R
Quantitativas Agricultural, Textile and
Industrial Products

Japão – Japan - Measures Affecting WT/DS44/R 31 mar. 98


Filmes Consumer Photographic
Fotográficos Film and Paper

65
Tratados internacionais e normas internacionais e
estrangeiras

ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS (ALCA). Segunda Minuta


do Acordo da Área de Livre Comércio das Américas. Disponível em: http://
www.ftaa-alca.org. Acesso em: 14 ago. 2003.
COMUNIDADES EUROPÉIAS. Regulamento nº. 3.286/1994. Disponível em:
http://europa.eu.int/eur-lex/en/index.html. Acesso em: 14 ago. 2003.
MERCOSUL. Protocolo de Olivos. 18 de fevereiro 2002. Disponível em: http://
www.mercosul.gov.br/. Acesso em: 14 ago. 2003.
NORTH AMERICA FREE TRADE AGREEMENT (NAFTA). 01 jan. 1994.
Disponível em: http://www.worldtradelaw.net/nafta/. Acesso em: 14 ago.
2003.
UNITED STATES OF AMERICA - CHILE FREE TRADE AGREEMENT. Dispo-
nível em: http://www.ustr.gov/new/fta/Chile/final/. Acesso em: 14 ago. 2003.
UNITED STATES OF AMERICA. US Omnibus Trade and Competitiveness
Act. 1988.

Decisões internacionais

MERCOSUL. Tribunal Ad Hoc do Mercosul. Aplicação de Medidas Antidumping


contra a exportação de frangos inteiros, provenientes do Brasil, Resolução
Nº 574/2000 do Ministério de Economia da República Argentina. 21 de maio
de 2001.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS. Portugal
versus Comissão [1999] ECR I-8395. Disponível em: http://europa.eu.int/
eur-lex/en/index.html. Acesso em: 14 ago. 2003.

Sites institucionais

Market Acess Database. Disponível em: http://mkaccdb.eu.int/. Acesso em: 14


ago. 2003.
OMC. Plurilaterals: of minority interests. Disponível em: http://www.wto.org/
english/thewto_e/whatis_e/tif_e/agrm9_e.htm#govt. Acesso em: 14 ago. 2003.

66
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thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm. Acesso em: 14 ago. 2003.
The Advisory Law Centre on WTO Law. Disponível em: http://www.acwl.ch/.
Acesso em: 14 ago. 2003.

67
SIGLAS E ABREVIATURAS

Acordo Antidumping AA
Acordo de Têxteis e Vestuário ATV
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços GATS
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – 1947 GATT-1947
Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade TRIPS
Intelectual Relacionados ao Comércio
Advisory Law Centre on WTO Law ACWL
Área de Livre Comércio das Américas ALCA
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BIRD
(Banco Mundial)
Comunidades Européias CE
Corte Interamericana de Direitos Humanos CIDH
Corte Internacional de Justiça CIJ
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos ESC
sobre Solução de Controvérsias
Fundo Monetário Internacional FMI
Nação mais favorecida NMF
North America Free Trade Agreement NAFTA
Organização das Nações Unidas para o Comércio e UNCTAD
Desenvolvimento
Organização Internacional do Comércio OIC
Organização Mundial do Comércio OMC
Órgão de Apelação OAp
Órgão de Solução de Controvérsias OSC
Tratamento nacional TN
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias TJCE
União Européia UE

68
Capítulo 2
O Sistema de Solução de Controvérsias
na União Européia

PATRICIA LUÍZA KEGEL

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo analisar o sistema de


solução de controvérsias desenvolvido na Comunidade Européia
(CE) e sua inter-relação com outros sistemas de solução de lití-
gios provenientes de acordos multilaterais ou bilaterais. Neste
caso, o que se procura é verificar o modo como a CE relaciona-se
internacionalmente, em especial com outros atores comerciais,
tendo por base as características específicas que lhe são próprias.
Para tanto, a primeira parte deste artigo será dedicada a explicar
as especificidades da estrutura jurídica e institucional comunitá-
ria, as quais, distintas de qualquer outro modelo político-jurídico
desenvolvido até hoje, condicionam de modo decisivo a forma
como a Comunidade interage com seus parceiros comerciais. As
segunda e terceira partes exporão o sistema jurisdicional e recursal
comunitário, em especial a importância da atuação do Tribunal
de Justiça das Comunidades Européias na interpretação dos Trata-
dos Constitutivos e construção da identidade comunitária. A quarta
parte tem por objeto o procedimento de negociação, celebração
e controle jurisdicional dos acordos internacionais aos quais a

69
Comunidade pertence. E, por fim, serão discutidas as formas como
o sistema de solução de controvérsias comunitário, através da
jurisprudência de seu Tribunal, co-determina a atuação internaci-
onal da Comunidade Européia.

2. OS TRAÇOS DISTINTIVOS DA UNIÃO EUROPÉIA


E SUA ESPECIFICIDADE

2.1 A supranacionalidade

É fundamental observar, inicialmente, que a supranaciona-


lidade condiciona a particulariedade do sistema jurisdicional
comunitário, e em particular determina a jurisprudência do Tri-
bunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE) no sentido
de ampliar e fortalecer as competências comunitárias e as insti-
tuições responsáveis pela sua implementação. Este “ativismo
jurisdicional” que permitiu ao Tribunal ser considerado um dos
motores da integração européia, manifestou-se também na sua
postura frente às relações externas da Comunidade, em especial
perante outras Organizações Internacionais.
Não existe uma definição jurídica unívoca de supranaciona-
lidade1, sendo este conceito normalmente utilizado nas Comuni-
dades Européias para designar um conjunto de características que
pela sua especificidade e intensidade, distinguem as relações ju-
rídicas comunitárias das relações existentes nas Organizações In-
ternacionais tradicionais. Deste modo, nossa primeira aproxima-

1. Sobre as várias concepções possíveis do termo supranacionalidade, ver


IPSEN, Hans-Peter. Europäisches Gemeinschaftsrecht. Tübingen: Mohr
Siebeck Verlag, 1972, p. 59 e ss. Em português, a brilhante obra do profes-
sor QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito
Internacional Público. Lisboa: Almedina, 1991, p. 129 e ss.

70
ção ao conceito de supranacionalidade, consiste em designá-lo
como uma qualidade exclusiva das relações intercomunitárias,
dado que as demais Organizações Internacionais são de natureza
intergovernamental, sendo regidas pelos princípios da igualdade
soberana dos Estados e não ingerência nos assuntos internos dos
Estados membros2.
Neste sentido, apesar de todas as Organizações Internacio-
nais possuírem como objetivo principal a cooperação internacio-
nal, as formas como esta cooperação se efetua podem variar de
um caso para outro. Dependendo dos níveis de intensidade e
aprofundamento da cooperação, estabelece-se uma distinção en-
tre Organizações de mera Cooperação Econômica e Organizações
de Integração, cujo maior exemplo são as Comunidades Euro-
péias. As Organizações Internacionais de Cooperação Econô-
mica possuem a finalidade de promover as relações econômicas
ou financeiras internacionais, com um grau maior ou menor de
aprofundamento, dependendo de seu objetivo final. Este pode
ser variado, incluindo desde a integração comercial e aduaneira
entre os Estados membros, o fortalecimento do sistema econômico
ou financeiro internacional, o estímulo à produção de determina-
dos produtos, até as Organizações que se dedicam ao desenvolvi-
mento econômico em geral e à redução das assimetrias entre os
Estados3.

2. De acordo com o disposto no art. 2, item 7. da Carta da Nações Unidas, art.


2, item 7: “Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações
Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdi-
ção de qualquer Estado ou obrigará os membros a submeterem tais assun-
tos a uma solução, nos termos da presente Carta; (...)”.
3. Sobre as Organizações Internacionais de Cooperação Econômica, ver
MARTINS, Margarida Salema d‘Oliveira/MARTINS, Afonso d’Oliveira.
Direito das Organizações Internacionais. Volume I, 2. Ed. Lisboa: Asso-
ciação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1996, p. 70 e ss.;
SEIDL-HOHENVELDERN, Ignaz/LOIBL, Gerhard. Das Recht der
Internationalen Organisationen einschliesslich der Supranationalen
Gemeinschaften. Carl Heymanns Verlag, Berlin, Bonn, 1996, p. 107 e ss.;
DIEZ DE VELASCO, Manuel. Las Organizaciones Internacionales.
Novena Edición. Madrid: Tecnos, 1997, p. 99 e ss.

71
No amplo conjunto que compõe as Organizações Internacio-
nais de Cooperação Econômica, incluem-se entre outros: a Asso-
ciação Européia de Livre Comércio (EFTA), o Mercado Comum
do Sul (Mercosul), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvol-
vimento (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Todas estas Organizações Internacionais procuram a cooperação
entre seus membros das mais variadas formas, o que afeta sua
estrutura e composição de seus órgãos, âmbito de competências
e sistema decisório. Sua característica comum é a utilização de
procedimentos intergovernamentais, os quais estão estruturados
em torno a três princípios básicos:

a) quanto à composição dos órgãos decisórios: a adoção de


decisões da organização é efetuada por órgãos compostos
por representantes dos governos, que são designados por
estes e sujeitos às suas instruções,
b) quanto ao sistema decisório: utiliza-se a regra de unanimi-
dade quando as decisões possuam efeito vinculante, o que
não impede que os Estados que tenham votado contra deter-
minada decisão não sejam por ela vinculados,
c) quanto à eficácia das decisões: é mediata, ou seja, as deci-
sões devem ser executadas pelos próprios Estados mem-
bros para que possam produzir efeitos na sua ordem interna.

É justamente em relação a estas três ordens de princípios estrutu-


rantes da intergovernamentalidade das Organizações Internacionais
tradicionais, que a supranacionalidade comunitária destaca a especifi-
cidade do processo de integração europeu e em particular de sua estru-
tura normativa e jurisdicional. A supranacionalidade é a expressão
deste tipo particularmente intenso de cooperação internacional. Em
comparação com os procedimentos intergovernamentais utilizados
pelas Organizações Internacionais de Cooperação Econômica, a
supranacionalidade caracteriza-se pelas seguintes diferenças:

72
a) os integrantes dos órgãos decisórios não são representantes
dos governos de seus Estados de Origem e nem estão su-
bordinados às suas instruções. Ao contrário, atuam em nome
e no interesse da Comunidade Européia, usufruindo de total
independência no exercício de suas funções.
b) no sistema decisório utilizado, admite-se que determinadas
decisões (a maior parte), sejam tomadas pela maioria dos
membros, sem necessidade de unanimidade. Isto significa
que mesmo os Estados que votaram contra alguma decisão
sejam vinculados por ela.
c) a eficácia das decisões dos órgãos comunitários é imediata.
Ou seja, não necessitam ser internalizadas por qualquer ato
interno dos Estados para que produzam efeitos em sua or-
dem jurídica interna. Neste sentido, o efeito imediato das
normas comunitárias traduz a deliberação dos Estados mem-
bros de se submeterem a uma autoridade exterior.

Desta forma, a característica peculiar da Comunidade Euro-


péia é realizar a cooperação internacional, “...mediante a utiliza-
ção de processos integradores suscetíveis de concretizarem no
grupo de seus Membros um nível de coesão interna de expressão
comunitária (e já não meramente associativa)”4.
Diante da dificuldade existente em fornecer uma definição
unânime, optamos por enumerar certos critérios normativos exis-
tentes no Tratado de Roma e utilizados pela doutrina, os quais
possibilitarão delimitar o sentido e extensão da supranaciona-
lidade. Para SEIDL-HOHENVELDERN/LOIBL5, a concepção
de supranacionalidade já aparece embutida na “Declaração
Schumann”, ainda que o termo tenha sido expressamente aban-
donado nos textos posteriores. A partir desta concepção inicial,

4. MARTINS e MARTINS, op.cit., p. 81.


5. SEIDL-HOHENVELDERN/LOIBL, op.cit., p. 7 e ss. Segundo estes auto-
res, as características que distinguem a CE das organizações internacionais
tradicionais, por implicarem uma substancial cessão/limitação da sobera-
nia dos Estados membros, já estão plasmadas nos Tratados Constitutivos.

73
determinados princípios da Comunidade Européia cristalizaram-
se nos Tratados Constitutivos, reforçando seu caráter supranacional.
Tais princípios podem ser descritos como sendo direitos da CE:

a) a CE pode editar atos normativos que são diretamente


vinculantes para os Estados membros e para os indivíduos,
e mesmo sendo contrários à vontade dos Estados, obriga-os
a seguir determinado comportamento. É o caso dos regula-
mentos, diretivas e decisões (art. 249 TCE).
b) a CE dispõe de um órgão judiciário próprio, o TJCE, com
jurisdição obrigatória, e cujas sentenças vinculam seus des-
tinatários (arts. 244 TCE e 256 TCE).
c) o órgão superior, responsável pela implementação e defesa dos
interesses da Comunidade (ou seja, a Comissão), é independen-
te das orientações dos Estados membros (arts. 211 e 213 TCE).
d) decisões do órgão responsável pela representação dos interes-
ses individuais dos Estados membros (ou seja, o Conselho),
podem ser tomadas por maioria, e mesmo assim vinculam
os Estados perdedores (art. 205 TCE) 6.
e) a CE dispõe de outras fontes de financiamento, além das
contribuições dos Estados membros (arts. 268 e 269 TCE).7

Este conjunto de características traça os contornos de um


tipo historicamente inédito de organização internacional, que
reúne em si competências legislativa e jurisdicional próprias, in-
dependência em relação aos seus membros, sistema decisório pelo
princípio majoritário e autonomia financeira.

6. Observe-se que a prática decisória instituída pelo “Acordo de Luxemburgo”,


que na prática significou o retorno à intergovernamentalidade, foi abando-
nada por ocasião do “Acto Único Europeu”.
7. Além dos artigos do TCE sobre o financiamento da CE, o sistema de recursos
próprios da Comunidade é regulado atualmente pela Decisão 94/728 do
Conselho, de 31 de outubro de 1994. São eles os direitos alfandegários prove-
nientes da tarifa externa comum, o resultado do excedente agrícola, uma por-
centagem sobre as alíquotas do Imposto sobre Valor Agregado – IVA – e uma
porcentagem do Produto Nacional Bruto de todos os Estados membros.

74
Contudo, estes são apenas os elementos de caráter institucional,
inseridos nos Tratados Constitutivos das Comunidades Européias.
Existem outros, de conteúdo mais político, e que não se encontram
de forma expressa nestes Tratados, tendo sido desenvolvidos de for-
ma eminentemente pretoriana. Em relação aos elementos jurispru-
denciais, é nas sentenças - “Van Gend en Loos” de 1963, e “Costa/
ENEL” de 1964 -, que situa-se o momento no qual o TJCE inicia o
desenvolvimento de determinadas características próprias do Direi-
to Comunitário, e que contribuirão para fixar a natureza supranacio-
nal8 das Comunidades Européias e de seu sistema jurídico. São eles:

a) uma estrutura institucional que permite que a formação da


vontade (e conseqüente processo decisório) dentro da CE,
seja determinada não apenas pelos interesses particulares
dos Estados membros, mas principalmente pelos interesses
comunitários, traduzidos nos objetivos da CE.
b) a transferência de competências nacionais aos órgãos co-
munitários, que ocorreu em uma extensão inédita em outras
organizações internacionais, estendendo-se inclusive à domí-
nios que tradicionalmente são reservados aos Estados. Na
ausência de um catálogo expresso de repartição de compe-
tências entre a CE e os Estados membros, a doutrina dos
“poderes implícitos”- implied powers9 – possibilitou a ex-
pansão das competências comunitárias para bem além do
inicialmente previsto.

8. As sentenças citadas são “Van Gend & Loos” de 1963, e “Costa/ENEL”


de 1964, às quais faremos referência quando analisarmos as relações entre
Direito Comunitário e Direitos Nacionais.
9. DUARTE, Maria Luíza. A Teoria dos Poderes Implícitos e a delimitação de
competências entre a União Européia e os Estados-Membros. Lisboa: Lex, 1997,
p. 55, define a doutrina dos “poderes implícitos” da seguinte forma: “Os poderes
implícitos designam aquelas competências que, não estando enunciadas de for-
ma directa na norma tipificadora da competência, são inerentes ou necessárias à
realização eficaz dos fins da entidade jurídica ou das respectivas competências
expressas”. Com origem no Direito Constitucional norte-americano, esta doutri-
na vem sendo utilizada pela jurisprudência do TJCE para justificar a expansão
das competências comunitárias em detrimento das nacionais.

75
c) a implantação de uma ordem jurídica própria, independente
dos sistemas jurídicos nacionais. Ressalte-se que as caracte-
rísticas de “autonomia e independência” do Direito Comuni-
tário em relação aos Direitos nacionais, não se encontram
expressas nos Tratados, resultando principalmente da inter-
pretação do TJCE a partir dos já citados casos “Van Gend
en Loos” e “Costa/ENEL”.
d) a aplicabilidade imediata do Direito Comunitário, através
da qual as disposições comunitárias entram em vigor em
todos os Estados membros no mesmo período de tempo,
significando a adoção da postura monista nas relações Di-
reito Comunitário e Direitos nacionais.
e) a primazia do Direito Comunitário, através da qual se possi-
bilita que este não seja revogado ou alterado por lei nacional
posterior, e em caso de antinomia entre norma comunitária e
norma nacional, a comunitária possui a precedência, mesmo
em se tratando de norma nacional de status constitucional10.

Desta forma, foi através destes elementos, desenvolvidos


em grande parte de forma pretoriana, que a CE pôde consolidar-
se como uma organização autônoma, com direitos de soberania
próprios e uma ordem jurídica independente, à qual estão subme-
tidos os Estados membros e que determina o limite de suas com-
petências nacionais.
Por outro lado, ao delimitar a supranacionalidade quanto
aos conceitos tradicionalmente utilizados pelo Direito Internacio-
nal Público para qualificar as relações dos Estados entre si e destes
com as Organizações Internacionais, QUADROS11 aponta deter-
minados componentes específicos em sua definição, segundo a

10. De acordo com o princípio “Europarecht bricht Verfassungsrecht” – Di-


reito europeu “quebra” Direito Constitucional. Ver BLECKMANN,
Europarecht, op.cit., p. 210.
11. QUADROS, op.cit., p. 158 e ss., em especial p. 160.

76
qual, “...a supranacionalidade determinará, (...) o nascimento de
um poder político superior aos Estados, resultante da transferên-
cia definitiva por estes da esfera dos seus poderes soberanos re-
lativos aos domínios abrangidos pela entidade supranacional, e
em que designadamente o poder legislativo (como poder de cria-
ção de Direito novo) é exercido em função do interesse comum
e não do interesse dos Estados”12. Na análise isolada dos compo-
nentes desta definição, temos que inicialmente, o sistema jurídi-
co e institucional supranacional é hierarquicamente superior aos
sistemas nacionais. Tal superioridade decorre, fundamentalmen-
te, da intenção dos fundadores da primeira comunidade européia,
expressa na “Declaração Schumann” e no art.9 do Tratado CECA.
A exegese posteriormente efetuada pela jurisprudência13 reitera
e dá continuidade ao entendimento de que a supranacionalidade
caracteriza e necessariamente implica na subordinação dos Esta-
dos a um poder político que lhes é externo e superior, substituin-
do, portanto, o tradicional princípio da coordenação entre Esta-
dos soberanos, utilizado em Direito Internacional.
Já o segundo componente da definição de supranacionalidade
em QUADROS remete à transferência de poderes soberanos a
favor da CE, considerada como definitiva na medida em que os
Estados membros renunciaram ao exercício destes poderes e não
dispõem de meios para recuperá-los de forma discricionária. Sua
expressão jurídica é o primado do Direito Comunitário sobre os
Direitos nacionais, sua aplicabilidade direta na ordem jurídica
interna dos Estados membros, a integração da ordem jurídica
comunitária nas ordens jurídicas nacionais – inclusive pelo me-
canismo do efeito direto – o princípio da uniformidade de inter-
pretação e aplicação do Direito Comunitário em todo o espaço

12. QUADROS, op.cit., p. 157.


13. O entendimento do TJCE quanto à superioridade hierárquica do Direito
Comunitário em relação aos Direito nacionais, começa exatamente com as
já referidas sentenças “Van Gend en Loos” e “Costa/ENEL”, sendo inúme-
ras vezes reiterado.

77
jurídico formado pelos Estados membros e a regra da maioria
como sistema de votação14.
Em terceiro lugar, encontra-se a autonomia do poder
supranacional em relação ao poder político dos Estados mem-
bros, expressa tanto na impossibilidade dos Estados extinguirem
unilateralmente o poder supranacional, quanto o fato de que este
poder supranacional existe por si, não se confundindo com o poder
político dos Estados, e nem ficando na sua exclusiva disponibili-
dade15. O quarto e último elemento, reside na independência do
poder supranacional em relação aos poderes nacionais. Este ele-
mento complementa o anterior (autonomia do poder supranacional),
mas não se confunde com ele. A independência se manifesta na
formação e manifestação da vontade comunitária (entendida aqui
como capacidade de criar Direito novo), predominantemente en-
tregue a órgãos próprios, que perseguem objetivos e interesses
comunitários, e não os interesses nacionais dos Estados mem-
bros, isolados ou em conjunto.
De um modo geral, portanto, podemos qualificar a suprana-
cionalidade como existindo apenas no âmbito da Comunidade
Européia, e designando um novo tipo de organização internacio-
nal, em que os Estados membros não se encontram mais em si-
tuação de absoluta igualdade, é permitida a ingerência em seus
assuntos internos, a relação entre a organização e os Estados deixa
de ser de coordenação e passa a ser de subordinação destes àque-
la, implicando assim numa transferência substancial de compe-
tências legislativas, executivas e judiciárias por parte dos Esta-
dos em favor da organização. O resultado é uma organização
internacional em que seus Estados membros concordam com uma
redução significativa de sua soberania. A supranacionalidade por-
tanto, além de ser um conceito jurídico utilizado, porém não
unanimamente definido, indica também uma situação política sui
generis, em que Estados soberanos aceitam a imposição de deci-

14. QUADROS, op.cit., p. 162.


15. Id.ibid., p. 163.

78
sões tomadas pela organização mesmo quando estas não
correspondam aos seus interesses particulares16.

2.2 A primazia do Direito Comunitário e a cessão de parcelas


de soberania dos Estados membros em favor da Comunidade
Européia

A questão hierárquica sempre foi fundamental para a Comu-


nidade Européia, pois tanto a vigência quanto a aplicação unifor-
mes do Direito Comunitário, tornaram-se viáveis apenas pela sua
primazia sobre os Direitos nacionais. Nas palavras de Pescatore, a
primazia constitui, “un presupuesto lógico del sistema jurídico
comunitario, su condición existencial y constituye por ello la
condición de posibilidad de un derecho comun a los Estados
miembros, de un derecho que no varíe en la ordenación y ejercício
de las competencias atribuidas a las Comunidades dependiendo
de cada Estado miembro y de sus propias normas internas”17.
A primazia portanto, implica na prevalência absoluta do Di-
reito Comunitário sobre os Direitos Nacionais em caso de conflito
de normas de ambos os ordenamentos jurídicos. Desta forma, o
problema sobre o tipo de relação/coordenação entre o Direito
Comunitário e os Direitos nacionais, foi desde o início das Comu-
nidades, o mais intensamente debatido. A ausência de uma regra
de colisão clara para a resolução de antinomias entre ambos os
sistemas jurídicos, tanto nos Tratados constitutivos, quanto na maior
parte das Constituições nacionais, e sua importância fundamental
nas relações jurídicas intracomunitárias, tornaram esta questão
emblemática do caráter inédito do Direito Comunitário.

16. Sobre a dimensão mais propriamente política do que jurídica do termo


“supranacionalidade”, ver TAYLOR, Paul. The Limits of European
Integration. New York: Columbia University Press, 1983, p. 190 e ss.
17. PESCATORE, Pierre. Derecho de la Integración: Nuevo Fenómeno en las Re-
laciones Internacionales de acuerdo con la Experiencia de Las Comunidades
Europeas. Trad. Inés Carmen Mataresse. Buenos Aires: INTAL, 1973, p. 79.

79
Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comuni-
dades Européias, reiterada através de inúmeras decisões sempre
no mesmo sentido, o primado do Direito Comunitário sobre os
Direitos nacionais ocorre pela transferência, por parte dos Estados
membros, de certas parcelas de sua soberania em favor da Comu-
nidade Européia. O TJCE fundamenta a “originalidade” do Trata-
do de Roma, constitutivo da Comunidade Econômica Européia,
em relação aos demais Tratados Internacionais afirmando que18:

“ ....a transferência operada pelos Estados de seu ordenamento ju-


rídico interno em benefício do ordenamento jurídico comunitário,
dos direitos e obrigações correspondentes às disposições do Tra-
tado, implica, portanto, uma limitação definitiva de seus direitos
soberanos contra a qual não pode prevalecer um ato unilateral
posterior incompatível com a noção de Comunidade”.19

18. Sentença do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias de 15 de ju-


lho de 1964. Caso “Costa/ENEL”. Os fatos: O Giudice Conciliatore de
Milão deveria resolver um assunto que opunha o Sr. Flaminio Costa (ad-
vogado) à “Ente Nazionale della Energia Elletrica” (ENEL). O Sr. Costa
se negava a aceitar o pagamento de uma fatura de 1925 liras à ENEL pelo
fornecimento de energia elétrica por entender que a lei italiana de naciona-
lização de energia elétrica, de 6 de dezembro de 1962, violava uma série de
artigos do TCEE. Dita violação também acarretaria a inconstitucio-nalidade
da lei, por infringir o artigo 11 da Constituição italiana , que consagra a
limitação de soberania da Itália por aderir ao TCEE. A presumida
inconstitucionalidade da lei motivou a apresentação pelo juiz de Milão da
demanda em questão perante o Tribunal Constitucional Italiano, o qual
resolveu pela negativa da inconstitucionalidade, por considerar em sua
sentença (7/3/1964) que a lei que vinculou a Itália aos Tratados de 1957 era
uma lei ordinária e que, portanto, poderia ser modificada por oura lei poste-
rior, como a de 1962. Dois meses antes desta decisão, o próprio Giudice
suscitou uma questão prejudicial perante o TJCE. Ainda que o Tribunal
Constitucional italiano houvesse ignorado a obrigação de utilizar a via
prejudicial, a atuação do juiz milanês permitiu ao TJCE pronunciar-se
quanto ao assunto, e proporcionar-lhe a base definitiva para a sua deci-
são, prolatada em 4 de maio de 1966 e que favoreceu as aspirações do
demandante, Sr. Costa.
19. Sentença “Costa/ENEL”.

80
Segundo CAMPOS20, esta sentença contém toda uma teoria
das relações entre Direito Comunitário e Direito interno, sendo
que as justificativas que conduzem à primazia das normas comu-
nitárias sobre as nacionais, apesar de esclarecidas e desenvolvi-
das em sentenças posteriores, permaneceram idênticas na sua es-
sência.
Esta primazia do Direito Comunitário apresenta-se, consoan-
te jurisprudência do TJCE, em três níveis distintos21:

a) não apenas o Direito Comunitário originário, mas também


o derivado possui a prevalência perante o Direito nacional.

“...o direito nascido do Tratado, não poderia, portanto, em razão


de sua natureza específica original, deixar-se opor judicialmente
um texto interno de qualquer classe que seja”22.

b) em relação a leis nacionais anteriores à norma comunitária,


esta detém a primazia e revoga aquelas. Mas também leis
nacionais posteriores à norma comunitária já editada não
são válidas23. Deste modo, a regra “lex posterior derogat
legi anterior” não se aplica quando se trata de uma antinomia
envolvendo normas nacionais e comunitárias, ou seja, “... o
efeito dos regulamentos se opõe à aplicação de qualquer

20. CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. Vol.1, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1989, p. 290.
21. A respeito ver ARNDT, Hans-Wolfgang. Europarecht. Heidelberg:
C.F.Müller Verlag, 1992, p. 215 e ss., e SANTA MARIA, Paz Andrés Saénz
de/VEJA, Javier Gonzalez/PÉREZ, Bernardo Fernandez. Introdución al
Derecho de la Unión Europea. Madrid: Eurolex, 1996, p. 328 e ss.
22. Sentença TJCE, caso “Costa/ENEL”.
23. BLECKMANN, Albert. Europarecht. Das Recht der Europäischen
Gemeinschaft. 5., neubearbeitete Auflage. Köln-Berlin: Carl Heymanns
Verlag, 1995, p. 301. Na p. 312, cita decisão 170/1984 da Corte Constitu-
cional Italiana aceitando a primazia da norma comunitária mesmo em re-
lação a leis nacionais editadas posteriormente. Estas, portanto, tornam-se
inaplicáveis quando houver regra comunitária anterior.

81
medida legislativa, inclusive posterior, incompatível com
suas disposições”24.

Observe-se que a prevalência do Direito Comunitário ocor-


re também em relação a cláusulas contratuais privadas, se destas
decorre disposição contrária a normas comunitárias25.

2.2.1 O terceiro nível: a primazia das normas comunitárias


sobre as constitucionais nacionais

O Tribunal Europeu, apesar de já possuir uma posição


estruturada26a respeito, inicia uma jurisprudência explícita e afir-
mativa da prevalência da norma comunitária sobre a nacional,
mesmo que de status constitucional. Em outros termos, o Direito
Comunitário não necessita coincidir com as Constituições nacio-
nais e nem pode ser avaliado por elas27. Na Sentença Internationale

24. Sentença TJCE de 14 de dezembro de 1971. Caso “Politi/Itália”.


25. A partir da sentença de 8 de abril de 1976, caso “Defrenne/Sabena”, o
TJCE sustentou a aplicabilidade imediata do então art. 119 TCEE, que
continha disposições sobre a igualdade de remuneração entre trabalhado-
res masculinos e femininos. Mesmo admitindo que a aplicabilidade imediata
apenas poderia ser invocada no futuro, em jurisprudência posterior, o TJCE
afirmou que o art. 119 prevalece sobre qualquer disposição legislativa ou
administrativa nacional contrária, inclusive cláusulas inseridas em conven-
ções coletivas de trabalho, determinando, portanto, sua inaplicabilidade.
Ver Sentença TJCE de 7 de fevereiro de 1991, caso “Nimz”.
26. Sentença do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias de 15 de ju-
lho de 1960, onde determina-se que “... o direito comunitário não pode ser
invalidado pelo direito interno, ainda que de nível constitucional, em vigor
num ou noutro Estado membro”. Caso “Comptoirs de Vente du Charbon
da la Ruhr”. Apesar de já afirmar a primazia do Direito Comunitário frente
ao Direito Constitucional interno dos Estados, o TJCE apenas vai desen-
volver explicitamente esta questão a partir de duas outras sentenças.
27. Ver HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik
Deutschland. 20., ergänzte Auflage. Heidelberg: Müller Verlag, 1997, p.
40 e 41.

82
Handelsgesellschaft o TJCE dirimiu quaisquer dúvidas a respei-
to. Neste caso em particular, havia certa resistência por parte da
jurisprudência alemã28 em aceitar a primazia de normas de Direito
Comunitário derivado, já que estas não haviam sido elaboradas
pelo órgão competente, assim determinado através da teoria clás-
sica da repartição de competências entre Executivo, Legislativo e
Judiciário. Contudo, é a Sentença Simmenthal que reafirma o pri-
mado do Direito Comunitário, em termos tais, que não apenas eli-
mina qualquer dúvida a seu respeito, mas que também vincula
completamente o juiz nacional à este princípio.

“... de acordo com o princípio da primazia do Direito Comunitá-


rio, a relação entre as normas do Tratado e as medidas direta-
mente aplicáveis das suas instituições, por um lado, e o Direito
nacional dos Estados membros, por outro, é tal que essas normas
e medidas não só, ao entrarem em vigor, tornam automaticamen-
te inaplicáveis todas as normas conflitantes de Direito interno,
mas também - enquanto parte integrante, e com posição hierár-
quica superior em relação à ordem jurídica aplicável no território
de cada Estado membro - invalidam quaisquer medidas a adoptar
pelas legislações nacionais, se estas forem incompatíveis com as
provisões comunitárias. Um tribunal nacional que seja chamado,
dentro dos limites da sua jurisdição, a aplicar normas de Direito
Comunitário, tem o dever de garantir a eficácia total de tais nor-
mas, se necessário recusando, por sua própria iniciativa, a apli-
cação de quaisquer normas conflitantes do sistema jurídico in-
terno, mesmo que posteriores, não sendo necessário que solicite
ou que aguarde o afastamento prévio de tais normas através de
legislação ou outros meios constitucionais internos” 29.

28. Sobre a posição da jurisprudência e doutrina alemãs em relação aos diver-


sos aspectos que envolvem as relações entre Direito Comunitário e Direi-
tos nacionais, ver o capítulo específico sobre o assunto.
29. Sentença do Tribunal de Justiça das Comunidades Européias de 9 de mar-
ço de 1978, Caso “Administração de Finanças Italiana / Simmenthal S.p.A.”
- “Simmenthal II”. Negrito nosso.

83
Os desdobramentos que a aceitação da primazia do Direito
Comunitário implica, podem ser observados nos seguintes aspec-
tos. Inicialmente instaura-se a dúvida, sobre se a primazia acarreta
a inaplicabilidade ou a invalidez da norma nacional contrária à
comunitária. Ou seja, em caso de conflito, permanece em aberto a
questão sobre se a primazia da norma comunitária possui efeito
derrogatório e conseqüentemente torna a norma nacional contrária
inválida, ou se simplesmente esta deixa de ser aplicada30 ao caso
em questão. Na sentença Simmenthal, o TJCE referiu-se a crité-
rios de validade como elemento articulador entre os ordenamentos
nacionais e o comunitário, ao afirmar que as normas comunitárias,
“...invalidam quaisquer medidas a adoptar pelas legislações na-
cionais, se estas forem incompatíveis com as provisões comu-
nitárias”31.
Contudo, a inaplicação por parte do juiz nacional da norma
interna contrária32 não dispensa os Estados membros da obrigação
de eliminar de seu ordenamento jurídico a disposição incompatí-
vel com o Direito comunitário, conforme art.5 do TCE. Também
a este respeito a jurisprudência do TJCE33. A segunda conseqüên-
cia da primazia implica na vinculação de todos os órgãos do Es-
tado (principalmente os órgãos jurisdicionais), à obrigação de
aplicar normas comunitárias e não nacionais em caso de conflito.
Contudo, esta inaplicabilidade das normas nacionais contrárias não
é inevitável, se estas puderem ser interpretadas conforme o Direi-
to Comunitário34. Por fim, a primazia implica na obrigação dos

30. SANTA MARIA, Paz Andrés Saénz de/VEJA, Javier Gonzalez/PÉREZ,


Bernardo Fernandez . Introdución al Derecho de la Unión Europea. Madrid:
Eurolex, 1996, p. 327.
31. Sentença TJCE de 9 de março de 1978, Caso “Administração de Finanças
Italiana / Simmenthal S.p.A.” - “Simmenthal II”.
32. ARNDT, op.cit., p. 168.
33. Sentença TJCE de 6 de maio de 1980, Caso “Comissão c/ Bélgica”.
34. Sentença TJCE de 10 de abril de 1984 - Caso “Von Colson and Kamann”,
e Sentença TJCE de 4 de fevereiro de 1988 - Caso “Murphy contra An
Board Telecom Eireann”.

84
Estados membros em indenizar os danos causados pelo não cum-
primento de uma norma comunitária. Estes danos são advindos da
incapacidade de invocar a norma comunitária não cumprida, para
resguardar os direitos que dela seriam decorrentes35. Podemos igual-
mente considerar que Direito comunitário e Direito nacional
interpenetram-se mutuamente, até tornarem-se dependentes um do
outro. Este tipo de relacionamento deu origem ao fenômeno da
“engrenagem”36 jurídica entre ambos os sistemas. Particularmente
visível através da necessidade do Direito Comunitário em ser execu-
tado/implementado pelos Direitos nacionais, e através dos limites
que o Direito comunitário coloca à capacidade legislativa nacio-
nal, quando tratar-se de matéria de competência comunitária.

2.3 Características da norma comunitária

2.3.1 Aplicabilidade imediata e a não internalização das


normas comunitárias

Ainda que freqüentemente identificadas, a aplicabilidade di-


reta (termo empregado pelo art. 249 do TCE como característica
dos Regulamentos) diferencia-se do efeito direto das normas co-
munitárias. A aplicabilidade direta ou imediata (como a denomi-
naremos daqui em diante) da norma comunitária, na sua forma
de regulamento, ocorre pela sua incorporação automática ao
Direito Interno dos Estados membros. Ou seja, é a aplicação do

35. A responsabilidade objetiva dos Estados membros da CE pela não


implementação ou implementação incompleta das diretivas comunitárias
foi provocada pela manifestação do TJCE no sentido de obrigar os Estados
membros à indenização pelos danos causados. Ver as sentenças TJCE de
19 de novembro de 1991, caso “Francovich” e de 8 de outubro de 1996,
caso “Dillenkoffer”.
36. STREINZ, Rudolf. Europarecht. 4., Auflage. Heidelberg: C.F. Müller Verlag,
1999, p. 54. Ver também BLECKMANN, Europarecht, op.cit., p. 299.

85
regulamento comunitário diretamente pelos Poderes Instituídos
dos Estados membros, não podendo estes invocar razões de
Direito Constitucional para abster-se de fazê-lo e nem exigir meca-
nismos diferenciados de internalização da norma. Ao impor-se
ao Direito estatal, inclusive constitucional, por força e exigên-
cia de sua natureza, deve ser absolutamente comum a todos os
Estados, não podendo depender de fórmulas diferenciadas de
recepção. Observe-se, contudo, que não importa tanto o fato da
recepção ou reprodução do regulamento37. Muito mais graves
são as conseqüências relacionadas à quebra da uniformidade do
Direito Comunitário. Em primeiro lugar, corre-se o risco de
invocar e aplicar não o regulamento comunitário, mas a norma
interna de recepção, o que poderia acarretar confusão quanto ao
momento de sua entrada em vigor. Em segundo lugar, os Esta-
dos ao recepcionarem a norma comunitária, poderiam efetuar
alterações que modificassem seu sentido ou alcance. Porém o
risco maior apontado por GARCIA38, estaria na exclusão po-
tencial do TJCE para pronunciar-se sobre a interpretação e va-
lidade do regulamento comunitário, pois os juízes nacionais ao
verem-se confrontados com uma norma interna (de recepção do
regulamento), poderiam esquecer-se de que se trata de uma
norma comunitária, e aplicá-la de acordo com os parâmetros de
seu próprio sistema jurídico.

2.3.2 A aplicabilidade direta da norma comunitária

Para CAMPOS39, a aplicabilidade direta é um dos traços


essenciais da ordem jurídica comunitária, pois permite a plena
eficácia (effet utile) dos Tratados Comunitários em relação aos

37. Ver GARCIA, Ricardo Alonso. Derecho Comunitario. Sistema Constitucio-


nal y Administrativo de la Comunidad Europea. Madrid: Editorial Centre
de Estudios Ramón Areceres, 1994, p. 219 e 220.
38. GARCIA, op.cit., p. 220.
39. Ver CAMPOS, op.cit., p. 205 e ss.

86
agentes econômicos. Este autor a define como sendo a capacidade
das pessoas privadas em invocar, perante as jurisdições nacionais,
as disposições dos Tratados e dos atos normativos das Institui-
ções Comunitárias e de fazer valer, nas suas relações recíprocas
e em face dos próprios Estados, os direitos que nesses textos
jurídicos pudessem fundar40. Deste modo, a invocabilidade da
norma comunitária significa o direito de toda pessoa em pedir ao
juiz nacional que aplique o conjunto do direito comunitário, sen-
do obrigação do juiz aplicar a legislação comunitária, indiferen-
temente de seu Estado ou legislação nacional41.
A importância da aplicabilidade direta da norma comunitá-
ria está vinculada às competências atribuídas ao TJCE. Como
veremos adiante, compete a este órgão julgar a legalidade dos
atos das Instituições Comunitárias, apreciar eventual violação
pelos Estados membros das obrigações decorrentes dos Tratados,
e garantir a uniformidade da interpretação do Direito Comunitá-
rio, pela via prejudicial. Contudo, o TJCE, não pode conhecer da
pretensão de qualquer particular, mesmo que o Direito por este
invocado seja decorrente dos Tratados ou dos atos normativos
emanados das Instituições Comunitárias. Deste modo, impedido
de dirigir-se ao TJCE e sem a aplicabilidade direta da norma
comunitária, este particular apenas poderia dirigir-se à Comissão
das Comunidades, expor-lhe suas razões e procurar convencê-
la, na sua qualidade de guardiã da legalidade comunitária42, a
iniciar uma ação por incumprimento do Tratado43, contra o Esta-
do membro responsável pela violação de seus direitos44. Assim,
a aplicabilidade direta ao gerar direitos e deveres aos Estados
membros, às Instituições Comunitárias e aos cidadãos, permite
que estes exijam dos Judiciários nacionais o reconhecimento e a

40. CAMPOS, op.cit., p. 205.


41. STREINZ, op.cit., p. 315., ARNDT, op.cit., p. 202., e SANTA MARIA/
VEJA/PÉREZ, op.cit., p. 330.
42. Art. 211 TCE.
43. Art. 226 TCE.
44. CAMPOS, op.cit., p. 206.

87
proteção de seus direitos. O que faz com que todo juiz nacional
de um Estado membro possa ser ao mesmo tempo um juiz comu-
nitário.

2.3.3 Aplicabilidade direta do Direito Comunitário Primário

O TJCE afirmou em inúmeras sentenças que uma determi-


nada norma de Direito Comunitário origina uma obrigação de
atuação do Estado, e que possui, portanto, aplicabilidade direta.
Contudo, foram estabelecidos alguns critérios pelo próprio Tri-
bunal para definir quais normas são estas. Os mais importantes
são os seguintes:
Inicialmente exige-se que a norma seja clara e precisa. Con-
tudo, ao contrário da doutrina “Acte-clair”45, isto não significa
que a norma não necessite de interpretação. Ao contrário, em
uma série de sentenças nas quais o TJCE afirmou a aplicabilidade
direta da norma comunitária, também efetuou a sua interpreta-
ção46. Como segunda condição para ser diretamente aplicável,
a norma comunitária não deve ser objeto de apreciação ou
discricionariedade por parte dos Estados47. Ou seja, quando a
norma em questão não permite ao legislador nacional um âmbi-
to, mesmo que restrito, de atuação. Ocorre o contrário se a norma
comunitária permite aos órgãos jurisdicionais e administrativos
nacionais um espaço de discricionariedade. Nestes casos a nor-
ma comunitária pode e deve ser aplicada pelos órgãos nacionais.
E por fim, a terceira condição da aplicabilidade direta impõe que

45. BLECKMANN, Europarecht, op.cit., p. 343.


46. Sentença do TJCE de 5 de fevereiro de 1963. Caso “van Gend en Loos”,
e Sentença do TJCE de 3 de abril de 1968. Caso “Molkerei - Zentrale
Westfalen-Lippen/Hauptzollamt Paderborn”. Sentença do TJCE de 26 de
outubro de 1971. Caso “Eunomia contra Itália”. Sentença do TJCE de 19
de junho de 1973. Caso “Capolongo/Maya”.
47. Sentença do TJCE de 3 de abril de 1968. Caso “Molkerei - Zentrale
Westfalen-Lippen/Hauptzollamt Paderborn”.

88
esta norma não requeira medidas executórias tanto dos Estados,
quanto dos Órgãos Comunitários48. É o caso de normas comunitá-
rias que não necessitam ser implantadas pelos Estados ou Órgãos
da Comunidade. Se todos os pressupostos que condicionam a
aplicabilidade direta encontram-se presentes, o TJCE tem decidi-
do que a norma comunitária gera efeitos jurídicos no relaciona-
mento dos indivíduos com seus Estados. Sendo assim, os pres-
supostos que regem a aplicabilidade direta das normas comunitárias
foram fixados pelo próprio TJCE, que vinculando-a a uma fór-
mula objetiva, retira-a do âmbito de apreciação individual de cada
Estado membro. Significa que estas disposições dos Tratados Ori-
ginários podem ser aplicadas diretamente aos particulares, uma
vez que são formuladas sem reservas, são auto-suficientes e juri-
dicamente perfeitas, e por estas razões não necessitam de qualquer
ação dos Estados membros ou da Comissão para sua execução.

2.3.4 Aplicabilidade direta do Direito Comunitário Secundário

Os pressupostos até agora desenvolvidos para a aplica-


bilidade direta da norma comunitária, são válidos tanto para o
Direito Primário, como para o Direito Secundário. Ou seja, para
Regulamentos, Diretivas e Decisões.
Os Regulamentos são diretamente aplicáveis em virtude
de seu enunciado normativo, que dispõe claramente que o regu-
lamento uma vez editado, entra imediatamente em vigor em
todos os Estados membros, sem que os órgãos legislativos des-
tes Estados possuam mais qualquer tipo de participação legislativa.
Os órgãos judiciários e administrativos nacionais devem utilizá-
lo (contra norma nacional, se necessário) e em sua virtude, os

48. Sentença do TJCE de 3 de abril de 1968. Caso “Molkerei - Zentrale


Westfalen-Lippen/Hauptzollamt Paderborn”. Sentença do TJCE de 17 de
dezembro de 1970. Caso “SACE/Ministério das Finanças Italiano”. Sen-
tença TJCE de 19 de junho de 1973. Caso “Capolongo/Maya”.

89
sujeitos de direito público e privado contraem direito e obriga-
ções. Sem perder seu caráter de direito comunitário, os regulamen-
tos tornam-se parte integrante da ordem jurídica nacional, sendo
inúmeras as sentenças nas quais o TJCE reconheceu sua
aplicabilidade direta:

“... em razão de sua própria natureza e sua função no sistema de


fontes de Direito Comunitário, produz efeitos imediatos e é, en-
quanto tal, apto para conferir aos particulares direitos que as
jurisdições nacionais têm a obrigação de proteger”49.

Ao contrário dos regulamentos, cuja aplicabilidade direta


foi expressamente reconhecida pelo art. 249,2 TCE, as diretivas
comunitárias não possuem tal característica (segundo o art. 249,3
TCE), sendo que sua vigência se inicia apenas com sua transpo-
sição nos Estados membros. Enquanto o regulamento é obrigató-
rio em todos os seus elementos, a diretiva obriga apenas quanto
ao resultado a atingir. Neste sentido, o Estado é o único destina-
tário das diretivas, cabendo-lhe adotar as medidas necessárias
para sua implementação. Assim, o conjunto de direitos decorren-
tes da diretiva e que poderiam ser exigíveis por particulares, apenas
resultariam destas medidas nacionais de implantação e não da
própria diretiva.
Contudo, a diferença de redação no art. 249 TCE, entre suas
alíneas 2 e 3, não autoriza a exclusão completa do efeito ou
aplicabilidade direta das diretivas através de um raciocínio “a
contrario”. Parte da doutrina50 e uma constante jurisprudência

49. Sentença do TJCE de 14 de dezembro de 1971. Caso “Politi”. Ver também


a respeito as seguintes sentenças: Caso “Leonésio c/Ministério da Agricul-
tura”, Sentença de 17 de maio de 1972; e Caso “Variola/Administrazione
italiana delle Finanze”, Sentença de 10 de outubro de 1973.
50. Sobre a doutrina a respeito da aplicabilidade direta das diretivas, ver
ZITSCHER, Harriet. Probleme eines Wandels des innerstaatlichen Rechts
zu einem europäischen Rechssystem nach der Rechtsprechung des
Europäischen Gerichtshofs. Hamburg: Max Planck Institut, 1996.

90
do TJCE51 têm reafirmado que sob determinados pressupostos as
diretivas são diretamente aplicáveis, ou seja, engendram um cor-
po de direitos que podem ser invocados pelas pessoas privadas
nas suas relações com o Estado. O raciocínio seguido parte da
concepção de que o “effet utile”52 das diretivas seria enfraqueci-
do, e a obrigação imposta aos Estados se esvaziaria, se os parti-
culares não pudessem invocar a norma comunitária perante os
órgãos jurisdicionais nacionais.
Ademais, a estrutura jurídica comunitária se ressentiria como
um todo, se fosse possível a cada Estado membro retardar o efei-
to de uma diretiva pela sua não conversão em norma nacional no
tempo hábil previsto. A possibilidade de iniciar-se, nestes casos,
uma ação por incumprimento segundo o art. 226 TCE, não seria
suficiente para a segurança e consolidação do sistema jurídico
comunitário. Em primeiro lugar porque não teria a capacidade de
impedir a demora na conversão da diretiva em norma nacional, e
em segundo porque a conseqüência de tal ação seria somente
uma sentença declaratória. Neste sentido, outra razão para a juris-
prudência do TJCE afirmando a aplicabilidade direta das diretivas,
seria seu caráter de sanção, através do qual não deveria ser possí-
vel aos Estados negar, ou opor-se, aos direitos assegurados pelas
diretivas aos seus cidadãos. A evolução da jurisprudência do TJCE53

51. Ver as seguintes sentenças do TJCE: 6 de outubro de 1970, Caso “Grad contra
Finanzamt Trautstein”; 17 de dezembro de 1970, Caso “SACE /Administrazione
italiana delle Finanze”; 4 de dezembro de 1974, Caso “Van Duyn”.
52. O princípio do “efeito útil” – “effet utile” está diretamente vinculado aos
métodos de interpretação do Direito Comunitário utilizados pelo TJCE, em
especial ao método teleológico. O princípio do efeito útil dispõe que cada
norma de Direito Comunitário (em especial as diretivas) deva ser interpreta-
da de acordo com o resultado pretendido pelo legislador comunitário.Ver
PIEPER, Stefan Ulrich / SCHOLLMEIER, Andres. Europarecht – Ein
Casebook. Berlin-Bonn: Carl Heymanns Verlag, 1997, p. 42.
53. Ver as seguintes sentenças do TJCE: 5 de abril de 1979, caso “Ministério
Público contra Ratti”; 19 de janeiro de 1982, caso “Becker contra
Finanzamt Münster-Innenstadt”; 26 de fevereiro de 1986, caso “Marshall
contra Southampton and South-West Hampshire Area Health Authority”.

91
tem apontado dois pressupostos absolutamente necessários para
que uma diretiva possa ser invocada diretamente pelos particula-
res perante suas jurisdições nacionais: primeiro ela deve possuir
um caráter “self-executing” (formulada em termos claros, não
necessitando de qualquer ato executório da Comunidade ou dos
Estados), em segundo, que o prazo para a transposição da diretiva
tenha se esgotado ou que a transposição tenha sido efetuada de
modo incorreto.
As decisões são o terceiro tipo de ato normativo vinculante
que os órgãos decisórios da Comunidade podem editar. Quando
a decisão é dirigida aos Estados membros, aplica-se o mesmo
raciocínio desenvolvido para fundamentar a aplicabilidade direta
das diretivas. Ou seja, é necessário coibir uma possível intenção
protelatória por parte dos Estados em retardar a entrada em vigor
dos efeitos de uma decisão, quando esta preencher as condições
de aplicabilidade direta já mencionadas54. Em especial a decisão
não deve exigir a execução de determinadas medidas nacionais
para que possa ser completamente implementada. As decisões
dirigidas a particulares possuem igualmente aplicabilidade dire-
ta, pois geram diretamente direitos e obrigações a seu favor ou às
custas de seus destinatários. É o caso de decisões individuais que
impõem a pessoas privadas uma obrigação pecuniária (por exem-
plo, o pagamento de uma multa que torna-se então título execu-
tivo), ou a adoção de determinado comportamento (dissolução
de um cartel proibido pelo art. 81 TCE). As decisões individuais
também podem gerar por si próprias direitos em favor de tercei-
ros, na hipótese, por explo., de uma determinada decisão consi-
derar abusiva a atuação de um cartel, com isso habilitando suas
eventuais vítimas a requerer perante os órgãos jurisdicionais na-
cionais, indenização por danos sofridos55.

54. Jurisprudência iniciada com o caso “Grad contra Finanzamt Trautstein”,


op.cit. Também reconfirmada com a sentença de 10 de novembro de 1992,
caso “Hansa Fleisch Ernst Mund”.
55. CAMPOS, op.cit., p. 251 e 252.

92
2.4 O sistema decisório-institucional

Em uma rápida descrição do sistema decisório e institucional


comunitário, instituído pelo Tratado da Comunidade Européia56,
podemos apresentar o seguinte quadro. A Comissão, instituição
supranacional por excelência, tem seus titulares selecionados por
sua competência e independentes dos governos que os escolhe-
ram. Contudo, é submetida ao controle político do Parlamento
Europeu (PE), através da moção de censura e da aprovação da
nova Comissão pela plenária do PE. Suas funções são primordial-
mente executivas, de guardiã dos Tratados em relação aos agen-
tes econômicos, mesmo que disponha de poder legislativo pró-
prio em alguns casos bastante limitados. Contudo, cabe destacar
que mesmo quando o poder de decisão originário foi conferido
ao Conselho, a Comissão exerce um papel essencial, através de
seu monopólio virtual quanto ao poder de iniciativa, a capacida-
de de alterar suas propostas em qualquer fase do processo de
decisão e a exigência de unanimidade para que uma deliberação
do Conselho possa alterar aquelas propostas. O Conselho é o
órgão mais próximo da intergovernamentabilidade, já que seus
integrantes são representantes dos Estados membros e controla-
dos, em suas decisões, pelos respectivos governos nacionais. É a
instituição política de maior importância, pois concentra em si o
poder de decisão, embora ao exercício deste poder estejam asso-
ciadas outras instituições comunitárias, como a Comissão e o Par-
lamento Europeu, quando for o caso.
O Parlamento Europeu é uma pálida lembrança de seus simi-
lares nacionais, já que é o único parlamento que não possui poder
de iniciativa legislativa, ficando esta reservada à Comissão e ao
Conselho. Suas funções são essencialmente o controle político que

56. No âmbito deste trabalho, o Tratado da Comunidade Européia abrange o


conjunto do “direito comunitário primário”, ou seja, os Tratados Constitutivos,
os Termos de Adesão e os Tratados que modificam ou complementam os
Tratados Constitutivos, tais como interpretados pelo Tribunal de Justiça
das Comunidades Européias.

93
exerce sobre a Comissão através do procedimento de investidura,
das perguntas efetuadas à Comissão, do poder consultivo e da
participação no processo de co-decisão através das modalidades
previstas no Tratado.
Por último, o Tribunal de Justiça das Comunidades Euro-
péias57, que tem por função a interpretação do Direito Comuni-
tário como um todo, e através desta prerrogativa, soluciona o
conjunto das disputas surgidas entre as diversas instituições co-
munitárias entre si, entre os Estados membros, entre os Estados
membros e as instituições comunitárias, e finalmente, entre as
pessoas privadas e os Estados e as instituições comunitárias.

3. O SISTEMA JURISDICIONAL DA UNIÃO


EUROPÉIA

3.1 As competências do Tribunal de Justiça das Comunidades


Européias

O art. 220 do TCE estabelece que ao Tribunal de Justiça das


Comunidades Européias e ao Tribunal de Primeira Instância, com-
pete garantir “o respeito do Direito na interpretação e aplicação do
presente Tratado”. Para GARCIA58, o controle que o TJCE exerce
sobre o Direito Comunitário estende-se tanto sobre as atividades
desenvolvidas pelas instituições comunitárias, como pelas autori-
dades nacionais, nos âmbitos cobertos pelo ordenamento jurídico
comunitário. Este extenso âmbito de competências, permitiu ao
TJCE atuar em distintas funções. Deste modo, atua como Tribunal

57. Neste artigo, não trataremos do Tribunal de Contas das Comunidade Européias,
visto que não exerce funções significativas no processo decisório da UE.
58. GARCIA, op.cit., p. 322 e ss.

94
Constitucional ao ser o intérprete último sobre a adequação de
normas comunitárias e nacionais ao Tratado da Comunidade
Européia, este último elevado à categoria de “Constituição Co-
munitária”59. Mas, ao contrário das jurisdições exclusivamente
constitucionais, cujo parâmetro de controle é o texto constitucio-
nal em si, o TJCE também controla a observância a todo o
ordenamento jurídico comunitário, inclusive o Direito derivado.
Neste sentido, o TJCE exerce “funções revisoras típicas tanto de
juiz constitucional como de juiz contencioso-administrativo” 60.
Segundo BORCHARDT61 as funções do TJCE podem ser
agrupadas em três grandes esferas:

a) no controle da aplicação do Direito Comunitário, tanto pe-


los órgãos comunitários na execução das normas decorren-
tes do Tratado CE, quanto pelos Estados membros e pessoas
de direito privado no cumprimento das obrigações decor-
rentes do Direito Comunitário.
b) na interpretação do Direito Comunitário.
c) na construção do Direito Comunitário, pela via pretoriana.

Este conjunto de atribuições é exercido pelo TJCE através de


duas formas: através de consultas jurídicas e na própria aplicação
do Direito. As consultas ocorrem na forma de Pareceres vin-
culantes, sobre Acordos que a União Européia celebra com Paí-
ses terceiros ou Organizações Internacionais62. Na aplicação do
Direito, o TJCE assume funções que se desdobram em distintas
áreas jurídicas. Como Tribunal Constitucional, o TJCE decide sobre
as disputas entre os órgãos comunitários, atua no controle da lega-
lidade dos atos comunitários e através do reenvio prejudicial. Como

59. Sentença TJCE “Les Verts”.


60. Sentença TJCE . Caso “A Hoechst”, de 26 de março de 1987.
61. BORCHARDT, Klaus-Dieter. Die Rechtlichen Grundlagen der Europäischen
Union. Heidelberg: C.F.Müller, 1996, p.123 e ss.
62. De acordo com o art. 300, 6 TCE.

95
Tribunal Administrativo, examina os atos administrativos ema-
nados dos órgãos comunitários e dos órgãos nacionais, quando
da execução de Direito Comunitário. Como Tribunal Trabalhis-
ta, decide sobre questões relacionadas à livre circulação de tra-
balhadores, segurança social e igualdade de tratamento entre
homens e mulheres. Como Tribunal Fiscal, aprecia a validade e
interpretação das diretivas relacionadas aos impostos e direitos
aduaneiros. Como Tribunal Penal controla as multas adminis-
trativas impostas pela Comissão, e finalmente, como Tribunal
Civil, interpreta a Convenção de Bruxelas sobre reconhecimen-
to e execução de sentenças nas áreas civil e comercial.
Neste conjunto bastante distinto de atribuições, cabe obser-
var que o TJCE utiliza-se de métodos clássicos de interpretação
jurídica, nomeadamente a literal, sistemática e teleológica. Para-
lelamente, ocorre o recurso a textos do Direito primário, em es-
pecial aos Preâmbulos do TCE e do TUE, que possuem como
objetivo o contínuo aprofundamento da integração européia, ha-
vendo portanto, por parte do Tribunal, o privilegiamento dos
métodos sistemático e principalmente teleológico. Neste sentido,
a interpretação dominante, é aquela que propicia a concretização
dos objetivos do TCE e assegura a capacidade de ação dos ór-
gãos comunitários. Exemplos concretos da hermenêutica do
TJCE, são a fundamentação do primado do Direito Comunitário
sobre o Direito nacional, o efeito direto das diretivas em virtude
do “effet utile” e a competência das Comunidades Européias para
celebrar Acordos com Estados terceiros e Organizações Interna-
cionais. Por outro lado, a interpretação do Direito derivado é
realizada de modo “conforme” ao Direito primário, do mesmo modo
como o Direito nacional é interpretado de modo “conforme” à
Constituição, assegurando, neste sentido, a unidade sistêmica do
ordenamento jurídico comunitário63.

63. A respeito ver STREINZ, Rudolf. Europarecht. 4., Auflage. Heidelberg:


C.F.Müller Verlag, 1999, p. 187.

96
3.2 A estrutura jurisdicional

3.2.1 O Tribunal de Justiça

O TJCE é composto de um juiz por cada Estado membro


(art.221), perfazendo atualmente 15 juízes. Eles são eleitos de
comum acordo, por seis anos, pelos Governos dos Estados mem-
bros, dentre as personalidades que ofereçam todas as garantias
de independência e reconhecida competência para exercer as mais
altas funções jurisdicionais nos seus Estados de origem (art. 223).
Os juízes são assistidos por oito advogados-gerais, eleitos sob
as mesmas condições que os juízes. No entanto, caso o Tribunal de
Justiça solicite, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode
aumentar o número de advogados-gerais. Aos advogados-gerais,
cabe apresentar conclusões fundamentadas sobre as causas que
requeiram sua intervenção (art. 222). A figura do advogado-geral
tem sua origem no sistema contencioso-administrativo francês, no
qual o Comissário de Governo apresenta ao Conselho de Estado,
suas conclusões sobre o litígio em questão. Observe-se, que as
conclusões do advogado-geral equivalem a uma recomendação
ao TJ, sem, no entanto, possuir caráter vinculante. A manifesta-
ção do advogado-geral é necessária, entre outras, nas seguintes
situações: regime lingüístico do procedimento; inadmissibilidade
da demanda; acumulação de assuntos; ratificação de sentença;
condenação em custos que poderiam ter sido evitados; questões
prejudiciais. (Regulamento de Procedimento do Tribunal de Jus-
tiça). Segundo MORENO64, apesar da discussão doutrinária so-
bre a função do advogado-geral, seu valor reside tanto em servir
de apoio às decisões judiciais, tanto na adoção e posterior inter-
pretação, quanto em ser um referencial para o desenvolvimento
de toda a jurisprudência comunitária.

64. MORENO, Fernando Diez. El Derecho de la Unión Europea. Civitas:


Madrid, 1996, p. 167.

97
Apesar do mandato ser de seis anos, de três em três anos
será efetuada uma substituição parcial dos juízes e dos advoga-
dos-gerais, de acordo com as condições previstas no Estatuto do
Tribunal de Justiça.

3.2.2 O Tribunal de Primeira Instância

O Tribunal de Primeira Instância foi criado como conseqüên-


cia do Ato Único Europeu de 1988, com a finalidade de ocupar-se
de parte dos assuntos que sobrecarregavam o Tribunal de Justiça.
Sua composição é de pelo menos um juiz por Estado membro,
escolhido nos mesmos princípios dos juízes do Tribunal de Jus-
tiça, pelo prazo de seis anos, ocorrendo a substituição parcial de
três em três anos. Apesar de não estar expressamente prevista no
Tratado de Nice, o Estatuto do Tribunal de Justiça pode criar a
figura do Advogado-geral, com as mesmas competências
exercidas no Tribunal de Justiça.
Apesar de estar sempre associado à estrutura do Tribunal de
Justiça, o art. 220, com a redação dada pelo Tratado de Nice,
equipara o Tribunal de Primeira Instância ao Tribunal de Justiça,
como órgão garantidor da interpretação e aplicação do Direito
Comunitário e neste sentido, suas competências foram bastante
ampliadas. De acordo com o art. 225, o TPI, é competente para
conhecer em primeira instância os recursos dos artigos 230, 232,
235, 236, e 238, inclusive questões prejudiciais, nas matérias
específicas determinadas pelo Estatuto do Tribunal de Justiça.
Não obstante as novas funções do Tribunal de Primeira Instân-
cia, a descrição da função jurisdicional nos próximos ítens, será
baseada, exclusivamente, na atuação do Tribunal de Justiça, tanto
pelo desenvolvimento histórico de sua construção jurisprudencial,
quanto pelo fato da recente aprovação do Tratado de Nice.

98
4. O SISTEMA RECURSAL COMUNITÁRIO E AS
FUNÇÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Analisaremos esquematicamente, a competência para conhe-


cer das ações, a legitimação ativa e passiva, objeto do recurso e
conseqüências da sentença65.

4.1 Recurso de incumprimento

4.1.1 Recurso por incumprimento por iniciativa da Comissão

O artigo 22666 TCE estabelece que na hipótese de um Esta-


do não cumprir qualquer das obrigações que lhe incumbem por
força do Tratado CE, a Comissão formulará um parecer funda-
mentado sobre o assunto. Se mesmo após o prazo fixado pela
Comissão, o Estado em causa não proceder de acordo com o
parecer, a Comissão poderá recorrer ao Tribunal de Justiça.
Inicialmente, cabe observar que a competência é originária
do Tribunal de Justiça, e não do TPI. A legitimidade ativa é da
Comissão, sempre que considere que um Estado membro não
cumpriu suas obrigações decorrentes do TCE e a legitimidade
passiva é do Estado membro presumivelmente faltoso. O objeto
do recurso é a omissão que o Tribunal declara haver ocorrido, se

65. Tendo em vista o objeto do presente artigo, o sistema intracomunitário de solução


de controvérsias e sua interação com outros mecanismos de solução de dispu-
tas, não abordaremos aqui, o recurso do art. 237 TCE, relacionados ao Banco
Europeu de Investimentos e ao Sistema Europeu de Bancos Centrais.
66. Art. 226 TCE. “Se a Comissão considerar que um Estado-membro não
cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do presente
Tratado, formulará um parecer fundamentado sobre o assunto, após ter
dado a esse Estado oportunidade de apresentar as suas observações. Se o
Estado em causa não proceder em conformidade com este parecer no prazo
fixado pela Comissão, esta pode recorrer ao Tribunal de Justiça”.

99
um Estado membro não cumpre com qualquer obrigação decor-
rente do Tratado CE.
O art. 226 não explicita o trâmite a ser seguido, porém, a
seqüência processual ocorre da seguinte maneira. Inicialmente a
Comissão comunica oficialmente, através de uma carta de infra-
ção, a um Estado membro, que em sua opinião, o referido Estado
não cumpriu com suas obrigações, como por exemplo, a incor-
poração de diretivas. Nesta mesma carta de infração, a Comissão
oferece ao Estado infrator a possibilidade de apresentar suas ob-
servações, o qual pode ou não fazê-lo. Na hipótese do Estado
oferecer contra razões à carta da Comissão, poderá ou reconhe-
cer a infração alegada e comprometer-se a remediá-la, ou então
negar a existência da infração. Se o Estado infrator não contesta
a carta de infração, ou se suas contra razões não são convincen-
tes, a Comissão emitirá um parecer fundamentado, no qual volta
a recomendar ao Estado que cesse a presumível infração, dentro
do prazo estabelecido no parecer. Se por sua vez, o Estado não
tomou as medidas necessárias para cessar a infração dentro do
prazo, a Comissão poderá iniciar a fase contenciosa propriamen-
te dita, ao recorrer ao Tribunal. Observe-se, contudo, que não
existe obrigatoriedade da Comissão em recorrer. Esta pode, por
diversas razões, decidir não recorrer do não incumprimento por
parte do Estado, do parecer fundamentado. No caso da Comissão
decidir-se pelo recurso ao Tribunal, a execução da sentença será
regulada pelo disposto no art. 228 TCE, que prevê a possibilida-
de de condenação do Estado infrator, caso este não tome as medi-
das necessárias para a execução da sentença do Tribunal, dentro
do prazo estabelecido. A condenação imposta ao Estado inclui
uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção
pecuniária. Tais multas podem ocorrer através da compensação
dos recursos enviados pela Comissão aos Estados, a título de
ajuda ou transferência dos Fundos Comunitários.

100
4.1.2 Recurso de incumprimento por iniciativa de um Estado
membro

O art. 22767 do TCE prevê a possibilidade de qualquer Es-


tado membro argüir o incumprimento de uma obrigação decor-
rente do TCE por outro Estado membro. Neste sentido, este re-
curso se assemelha bastante ao anterior. A competência para
conhecer o recurso é do Tribunal de Justiça, e não do TPI. A
legitimidade ativa pertence a qualquer Estado membro que supo-
nha que outro Estado membro não cumpra com suas obrigações
decorrentes do Tratado, e a legitimidade passiva é do Estado
membro presumivelmente incumpridor. O objeto do recurso é a
declaração do Tribunal de que um Estado membro não cumpriu
com uma obrigação decorrente do TCE, condenando-o ao cum-
primento de tal obrigação. O procedimento é parecido com o
recurso anterior. O Estado membro que origina a ação deve diri-
gir-se previamente à Comissão, a qual, se julgar procedente, en-
via ao Estado infrator uma carta de infração, para que este se
manifeste e no final, seja emitido um parecer fundamentado pela
Comissão. Caso tal parecer não seja seguido pelo Estado denun-
ciado, o Estado denunciante pode então, recorrer ao Tribunal. A
característica distintiva deste recurso em relação ao anterior, é a
possibilidade do Estado denunciante recorrer diretamente ao Tri-
bunal, caso a Comissão não tenha formulado um parecer no pra-
zo de três meses, a contar da data do pedido.

67. Art 227 TCE. “Qualquer Estado-membro pode recorrer ao Tribunal de Jus-
tiça se considerar que outro Estado-membro não cumpriu qualquer das obri-
gações que lhe incumbem por força do presente Tratado. Antes de qualquer
Estado-membro introduzir recurso contra outro Estado-membro, com funda-
mento em pretenso incumprimento das obrigações que a este incumbem por
força do presente Tratado, deve submeter o assunto à apreciação da Comis-
são. A Comissão formulará um parecer fundamentado, depois de os Estados
interessados terem tido oportunidade de apresentar, em processo contraditó-
rio, as suas observações, escritas e orais. Se a Comissão não tiver formulado
parecer no prazo de três meses, a contar da data do pedido, a falta de parecer
não impede o recurso ao Tribunal de Justiça”.

101
4.2 Recursos por ilegalidade

4.2.1 Recurso de anulação

O recurso de anulação, previsto no art. 23068, permite ao


Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância controla-
rem a adequação ao direito comunitário, dos atos e disposições
emanados das instituições comunitárias. Corresponde a um ver-
dadeiro controle da atividade administrativa das instituições co-
munitárias, garantindo a observância dos preceitos legais.
A princípio, a competência para conhecer em primeira ins-
tância do recurso de ilegalidade corresponde ao Tribunal de Pri-
meira Instância, de acordo com a redação do art. 225 efetuada pelo
Tratado de Nice. No entanto, determinadas matérias podem ser
atribuídas diretamente ao Tribunal de Justiça, em virtude do Esta-
tuto do Tribunal de Justiça e, em virtude de normas de distribuição
de competências entre as duas instâncias. O recurso das decisões

68. Art. 230 TCE. “O Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos atos
adotados em conjunto pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, dos
atos do Conselho, da Comissão e do BCE, que não sejam recomendações
ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu destinados a produzir
efeitos jurídicos em relação a terceiros. Para o efeito, o Tribunal de Justiça
é competente para conhecer dos recursos com fundamentação em incom-
petência, violação de formalidades essenciais, violação ao presente Trata-
do ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de
poder, interpostos por um Estado-membro, pelo Conselho ou pela Comis-
são. O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas condições, para co-
nhecer dos recursos interpostos pelo Parlamento Europeu, pelo Tribunal de
Contas e pelo Banco Central Europeu com o objetivo de salvaguardar as
respectivas prerrogativas. Qualquer pessoa singular ou coletiva pode inter-
por, nas mesmas condições, recurso das decisões de que seja destinatária
e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de
decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam direta e individualmente respei-
to. Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo
de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua
notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente
tenha tomado conhecimento do ato”.

102
do TPI ao Tribunal de Justiça é limitado às questões de Direito e
nas condições e limites previstos no Estatuto.
A legitimidade ativa é concebida em termos bastante amplos.
Institucionalmente, tanto os Estados membros, quanto a Comissão,
o Conselho, o Parlamento, o Banco Central e o Tribunal de Contas
possuem legitimidade para interpor recursos sobre a legalidade dos
atos comunitários. Para os particulares, admite-se tanto o critério do
interesse direto (destinatário do ato) quanto o do interesse indireto
(afetado pelo ato). No entanto, aos particulares cabe somente a legi-
timidade para recorrer de atos administrativos stricto-sensu, e não
de disposições gerais, para as quais apenas as instituições comuni-
tárias e os Estados membros possuem legitimidade. Já a legitimida-
de passiva estende-se a todas as instituições autoras, ou seja, os atos
adotados em conjunto pelo Parlamento e pelo Conselho, os atos do
Conselho, da Comissão, e do Banco Central. Objeto do recurso são
os atos argüiídos como ilegais das instituições comunitárias.
Os motivos que geram o recurso estão descritos de forma tão
ampla, que na prática, englobam todas as possibilidades de ilega-
lidade ou violação do Tratado. A incompetência pode ser tanto
externa, quanto interna. A incompetência externa refere-se à com-
petência da Comunidade como um todo para tomar determinada
decisão ou intervir em determinada matéria. Ela decorre da nebu-
losidade das competências atribuídas à Comunidade perante as
competências restantes dos Estados membros69. Já a incompe-
tência interna refere-se aos atos adotados por uma instituição dentro
do seu âmbito de competências comunitárias, cuja adoção, no en-
tanto, corresponde a uma outra instituição. Na maior parte dos casos,
é relacionada ao exercício, por parte da Comissão, de suas atribui-
ções para adotar medidas de execução dos atos do Conselho.
A violação de formalidades essenciais, refere-se basicamente à
não observância dos trâmites de procedimento, em especial à falta

69. Sentença TJCE, de 9 de julho de 1987. “Alemanha e outros contra Comis-


são”, na qual o Tribunal anulou uma intervenção comunitária em um âm-
bito não coberto pelo Mercado Comum.

103
de informes, consultas, suficiente motivação, infração das normas
de regulamentos internos, ausência de audiência ou alegações do
interessado e defeitos de publicação ou notificação dos atos.
A violação do Tratado ou de qualquer norma jurídica rela-
tiva à sua aplicação refere-se à não observância material das
normas de direito comunitário. Neste caso, a violação ocorre
quando existe afronta ao conteúdo de um ato normativo ou aos
princípios do direito comunitário.
O desvio de poder ocorre quando uma instituição comuni-
tária utiliza-se de um poder do qual é titular, originariamente ou
por delegação, para um fim distinto do previsto no ordenamento
jurídico. Ou seja, é o uso da capacidade institucional de um de-
terminado órgão, para fins distintos daqueles previstos no
ordenamento jurídico. Ocorre normalmente quando a escolha da
base jurídica é distinta daquela que deveria ser adotada para re-
ger a adoção da norma em questão, evitando por exemplo, con-
sultas a outras instituições ou órgãos, ou então alterando o siste-
ma de votação no interior do Conselho70.
O procedimento para interposição do recurso não é explici-
tado no art. 230, mas apenas o prazo, que é de dois meses a partir
da publicação ou conhecimento do ato. A eficácia da sentença é
regulada no art. 231 TCE71, e na hipótese de anulação do ato
impugnado pelo TJ, a sentença passa a ter valor erga omnes.
Além disso, o art. 233 TCE72, determina que a Instituição da qual
emane o ato anulado seja obrigada a adotar as medidas necessá-
rias para a execução da sentença do Tribunal de Justiça.

70. A respeito ver GARCIA, p. 366.


71. Art. 231 TCE. “Se o recurso tiver fundamento, o Tribunal de Justiça anu-
lará o ato impugnado. Todavia, no que respeita os regulamentos, o Tribu-
nal de Justiça indicará, quando o considerar necessário, quais os efeitos do
regulamento anulado que se devem considerar subsistentes”.
72. Art. 233 TCE. “A Instituição ou as Instituições de que emane o ato anulado,
ou cuja abstenção tenha sido declarada contrária ao presente Tratado, devem
tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça.
Esta obrigação não prejudica aquela que decorre da aplicação do segundo
parágrafo do art. 288. O presente artigo aplica-se igualmente ao BCE”.

104
4.2.2 O recurso por omissão

O art. 232 TCE73, que dispõe sobre o tema, considera a omis-


são ou carência de ação como uma modalidade de ilegalidade, no
momento em que a omissão constitui, em si mesma, uma viola-
ção do Tratado. A competência para conhecer do recurso é do
TPI, a não ser nos casos em que o Estatuto do Tribunal de Justiça
reserve a competência ao próprio Tribunal de Justiça. Nas hipó-
teses de competência originária do TPI, pode haver recurso de
sua decisão ao Tribunal de Justiça, limitado às questões de direi-
to e nos limites previstos no Estatuto. A legitimidade ativa des-
dobra-se em três âmbitos distintos. As instituições comunitárias,
nomeadamente a Comissão, o Conselho e o Parlamento, e os
Estados membros possuem legitimidade ativa, sem que seja ne-
cessário demonstrar qualquer interesse específico na omissão
contra a qual se pretende recorrer. Já o Banco Central Europeu
tem sua legitimidade ativa restrita às áreas de sua competência,
da mesma forma que o Tribunal de Contas, o qual apesar de não
ser nominado, não detém as atribuições amplas que as demais
Instituições possuem, por força do próprio Tratado74. Em relação
aos particulares, o art. 232 exclui de sua legitimidade ativa as
omissões relacionadas à adoção de recomendações ou pareceres.

73. Art. 232 TCE. “Se, em violação do presente Tratado, o Parlamento Europeu,
o Conselho ou a Comissão se abstiverem de pronunciar-se, os Estados-mem-
bros e as outras Instituições da Comunidade podem recorrer ao Tribunal de
Justiça para que declare verificada essa violação. Este recurso só é admissível
se a Instituição em causa tiver sido previamente convidada a agir. Se, decor-
rido um prazo de dois meses a contar da data do convite, a Instituição não
tiver tomado posição, o recurso pode ser introduzido dentro de um novo
prazo de dois meses. Qualquer pessoa singular ou coletiva pode recorrer ao
Tribunal de Justiça, nos termos dos parágrafos anteriores, para acusar uma
das Instituições da Comunidade de não lhe ter dirigido um ato que não seja
recomendação ou parecer. O Tribunal de Justiça é competente, nas mesmas
condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo BCE no domínio das
suas atribuições, ou das ações contras estes intentadas”.
74. GARCIA, p. 417.

105
Por outro lado, a analogia da legitimidade ativa de particulares
entre os artigos 230 e 232 TCE, leva à exigência de interesse direto
e individual ou potencialmente afetado pela omissão normativa-
institucional75. Estão passivamente legitimados a Comissão, o
Conselho e o Parlamento Europeu, que se abstiveram de pronun-
ciar-se, as instituições comunitárias que não dirigiram a particula-
res atos distintos de recomendações ou pareceres e o Banco Cen-
tral Europeu em relação aos recursos destinados contra si próprio.
Observe-se que o início da fase judicial ocorre apenas após
um duplo prazo. Inicialmente, de dois meses a contar da data na
qual a instituição foi convidada a agir, e posteriormente, verificada
a omissão, o prazo adicional de dois meses para a interposição do
recurso. Na hipótese do recurso ser julgado procedente, a sentença
determina à instituição comunitária o dever de pronunciar-se sobre
determinada questão, ou emitir o ato, cuja omissão caracteriza a
violação ao direito comunitário. Por sua vez, a eficácia da sentença
também remete ao art. 233 TCE. Neste sentido, se durante o trâmi-
te do processo a instituição atua, finalizando a omissão, o Tribunal
de Justiça entende que o processo se extingue pela perda de objeto,
inclusive perante a impossibilidade de obrigar a instituição omissa
a adotar as medidas necessárias para a execução da sentença76.

4.2.3 A exceção de ilegalidade

O art. 241 TCE77 não é considerado um recurso autôno-


mo, mas sim uma alegação, invocada pela parte, no decurso do

75. STREINZ, p. 196.


76. STREINZ, p. 200.
77. Art. 241 TCE. “Mesmo depois de decorrido o prazo previsto no quinto
parágrafo do art. 230, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha
em causa um regulamento adotado em conjunto pelo Parlamento Europeu
e pelo Conselho ou regulamento do Conselho, da Comissão ou do BCE,
recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do art. 230 para argüir,
no Tribunal de Justiça, a inaplicabilidade deste regulamento”.

106
processo principal78, no qual se solicita ao Tribunal que se ma-
nifeste sobre a ilegalidade de determinada norma comunitária,
necessária para a solução do recurso. Ou seja, não se constitui
em um direito de ação autônomo e apenas pode ser exercida a
título incidental, pondo-se em causa a validade do regulamen-
to, pelo fato de este constituir a base jurídica dos atos de apli-
cação impugnados79. Neste sentido, o objetivo da exceção de
ilegalidade é assegurar proteção contra um regulamento ilegal.
O que se contesta é o ato individual baseado no regulamento
tido por ilegal.
Segundo MORENO, a exceção de ilegalidade possui uma
finalidade tanto objetiva, quanto subjetiva. Objetivamente, per-
mite extrair do ordenamento comunitário o regulamento eivado
de ilegalidade. Subjetivamente, permite que partes não legitima-
das possam recorrer de disposições gerais, como é o caso de
particulares.
A competência para conhecer a exceção de ilegalidade será
tanto do Tribunal de Justiça, quanto do TPI, dependendo de a
quem compete conhecer da ação principal. A legitimidade ativa
pertence a qualquer das partes do litígio anterior, no momento
da contestação do ato de aplicação do regulamento e a legitimi-
dade passiva é da instituição autora do regulamento impugna-
do. O objeto do recurso é a declaração de ilegalidade do regu-
lamento questionado. Observe-se que apenas os regulamentos
(ou atos análogos) podem ser objeto do recurso, excluindo-se
da apreciação jurisdicional os atos de alcance individual, o que
poderia levar a que a legalidade dos atos administrativos pu-
desse ser indefinidamente questionada. A motivação para a
exceção de ilegalidade é a mesma prevista no segundo parágra-
fo do art. 230 e os efeitos da sentença podem ser erga-omnes,
ou inter-partes.

78. STREINZ, p. 198 e ss., GARCIA, p. 383 e ss.


79. Sentença TJCE de 11 de julho de 1985. Caso “Salerno contra Comissão e
Conselho”.

107
4.3 O recurso por responsabilidade extracontratual da
Comunidade

O art. 235 TCE80 dispõe sobre a responsabilidade extracon-


tratual da Comunidade. O segundo parágrafo do art. 288, aludido
no preceito geral, regula a responsabilidade extracontratual da
Comunidade, sendo que os danos referidos, são aqueles causa-
dos pelos seus órgãos ou agentes no exercício das respectivas
funções. O parágrafo terceiro do mesmo art. 288, estende a res-
ponsabilidade extracontratual aos danos causados pelo Banco
Central Europeu ou seus agentes. A competência para conhecer
da ação é originariamente do TPI, cabendo recurso ao Tribunal
de Justiça em questões de direito.
O objeto da ação de indenização é a reparação dos danos
causados pelos órgãos ou agentes comunitários no exercício das
respectivas funções. Segundo entendimento do Tribunal, um di-
reito de indenização resultante de responsabilidade extracontratual
da Comunidade pressupõe um comportamento ilegal desta últi-
ma, a existência de um dano e um nexo de causalidade entre o
comportamento ilegal e o prejuízo invocado81. Possuem legiti-
midade ativa os Estados membros e particulares que tenham sido
lesados pela Comunidade e que pretendam obter a reparação dos
respectivos direitos. A legitimidade passiva cabe à Comunidade,
representada pelo órgão que supostamente deu origem ao fato
gerador da responsabilidade.

80. Art. 235 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos
litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do
art. 288”.
81. Sentença TJCE de 14 de julho de 1967. Caso “Kampfmeyer contra Comis-
são”.

108
4.4 O recurso de pessoal

O artigo 236 TCE82 regula o contencioso entre a Comuni-


dade e seus agentes em matéria de função pública. Ou seja, são
as ações decorrentes da relação de emprego entre os agentes e a
Comunidade, não podendo, portanto, aplicar a tais ações os dis-
positivos relacionados ao regime geral da responsabilidade
extracontratual da Comunidade. A legitimidade ativa pertence
aos agentes comunitários e a legitimidade passiva ao órgão autor
do ato que afeta a situação jurídica do agente. A competência
originária é do TPI, cabendo recurso ao Tribunal em questões de
Direito.

4.5 Recursos em matéria de cláusulas compromissórias

Os artigos 238 e 239 TCE83 referem-se a dois tipos de re-


cursos, tanto os derivados de cláusulas compromissórias inseridas
em contratos celebrados pela Comunidade, quanto os derivados
de cláusulas compromissórias acordadas entre os Estados mem-
bros. Nos contratos celebrados pela Comunidade, a inserção da
cláusula compromissória remete diretamente ao TPI e em rela-
ção às diferenças entre Estados membros, a competência é do
Tribunal de Justiça.

82. Art. 236 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre todo
e qualquer litígio entre a Comunidade e os seus agentes, dentro dos limites
e condições estabelecidas no estatuto ou decorrentes do regime que a estes
é aplicável”.
83. Art. 238 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir com funda-
mento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito pú-
blico ou de direito privado, celebrado pela Comunidade ou por sua conta”.
Art. 239 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir sobre qual-
quer diferendo entre os Estados-membros, relacionado com o objeto do pre-
sente Tratado, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso”.

109
4.6 A interpretação uniforme do Direito Comunitário

A autonomia da Ordem Jurídica Comunitária ocorre através


da interpretação uniforme de seus conceitos efetuada pelo Tribu-
nal de Justiça das Comunidades Européias, proveniente dos Pro-
cessos de Decisão Prejudicial (art. 234 TCE84 ). Como bem ob-
serva GARCIA, a pedra angular da Comunidade não é apenas
uma mesma norma comum, mas o fato desta norma ser interpre-
tada e aplicada da mesma maneira em toda a extensão de um
mesmo território pelos Tribunais nacionais85. Neste sentido, o
reenvio prejudicial é um dos principais instrumentos de unifor-
mização do Direito Comunitário.
Ou seja, em caso de obscuridade da norma comunitária, o
juiz nacional que está a aplicá-la, solicita manifestação do Tribu-
nal de Justiça. Tal procedimento harmoniza a interpretação e apli-
cação do Direito Comunitário em todo o espaço comum, pois a
solução adotada pelo Tribunal Europeu relativamente à norma
dúbia, torna-se jurisprudência para vigorar de forma vinculante
em todos os Estados membros, desde que não haja mudança na
postura do Tribunal. Até a entrada em vigor do Tratado de Nice,
a competência originária para conhecer do recurso prejudicial
era do Tribunal de Justiça. Com a nova redação do art. 225, o TPI

84. Art. 234 TCE. “O Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título
prejudicial: a) Sobre a interpretação do presente Tratado; b) Sobre a vali-
dade e interpretação dos atos adotados pelas Instituições da Comunidade e
pelo BCE; c) Sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados
por ato do Conselho, desde que estes estatutos o prevejam. Sempre que
uma questão dessa natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos Estados-membros, esse órgão pode, se considerar
que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa,
pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma
questão dessa natureza seja suscitada em processo pendente perante um
órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam suscetíveis de re-
curso prejudicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a sub-
meter a questão ao Tribunal de Justiça”.
85. GARCIA, op.cit., p. 325.

110
passa a ser competente para conhecer das questões prejudiciais
nas matérias especificadas no Estatuto. O recurso ao Tribunal
ocorre apenas se existe risco de lesão da unidade ou coerência do
direito comunitário.
Ao considerar que o juiz comunitário é de fato o juiz nacio-
nal de direito comum86, BERGERÈS87 analisa que o objetivo do
art. 234 TCE está relacionado com a necessidade de estabelecer
uma fórmula de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacio-
nais e o TJCE. Assim, ao prever um pedido de decisão a título
prejudicial para interpretação e um pedido de decisão a título
prejudicial para apreciação de validade, instaurou-se uma técni-
ca de cooperação jurisdicional que possibilitou eliminar quase
que inteiramente o risco de fragmentação do direito comunitário
na sua aplicação efetiva. Segundo o art. 234, podem ser apresen-
tadas ao TJCE questões sobre interpretação e validade do Direito
Comunitário. As questões relacionadas à interpretação podem
incluir todas as fontes de Direito Comunitário, ou seja Direito
Primário e Direito Secundário. Ou seja, não existem atos comu-
nitários que não possam ser apreciados pelo Tribunal. Restrita ao
Direito Secundário está a validade, cujo padrão de avaliação se-
gue sendo o Direito Primário. Não sujeitas à decisão prejudicial
do TJCE, estão as questões relacionadas à interpretação do Di-
reito nacional, em especial uma eventual incompatibilidade des-
te (normalmente constitucional) com o Direito Comunitário88.
Por estar restrito a questões de direito, o Tribunal não se manifesta

86. Por diversas ocasiões o Tribunal reafirmou esta situação, relembrando que
eventuais litigantes não deveriam recorrer a si, mas aos órgãos jurisdicionais
dos Estados Membros, na sua qualidade de juízes comunitários. Ver a res-
peito Sentença TJCE de 21 de janeiro de 1976. “Importazione bresciami
carni contra Comissão”.
87. BERGERÈS, Maurice-Christian. Contencioso Comunitário. Vol.I. Tradu-
ção de Evaristo Santos. Porto: Rés-Editora, 1995, p. 6.
88. Ver KLINKE, Ulrich. Der Gerichtshof der Europäischen Gemeinschaften.
Aufbau und Arbeitsweise. Baden-Baden: Nomos, 1997., STREINZ, op. cit.,
p. 185.

111
sobre os aspectos materiais da causa em questão, ou seja, a deci-
são sobre o mérito propriamente pertence aos órgãos jurisdicionais
nacionais. A menção à validade, por outro lado, destina-se a ve-
rificar a legalidade dos atos comunitários, nos mesmos parâmetros
do recurso de anulação.
A autorização para apresentar a questão prejudicial perten-
ce a qualquer órgão jurisdicional de um Estado membro89, não
devendo esta autorização ser excluída ou dificultada por normas
nacionais90. A obrigação de apresentar a questão prejudicial é
atribuída aos órgãos jurisdicionais de cuja sentença não couber
mais recurso.
Há uma certa lacuna do texto legal sobre a definição de
quais órgãos são esses. Ou seja, se são apenas os Tribunais Su-
periores, ou qualquer órgão jurisdicional que possua a compe-
tência processual para se pronunciar definitivamente. Como o
objetivo do art. 234 é assegurar a unidade na interpretação e
aplicação do Direito Comunitário em todos os Países membros,
pressupõe-se portanto, a obrigação de interpor a questão prejudi-
cial a qualquer órgão jurisdicional de cuja sentença não caiba
mais recurso91. Outro aspecto importante, relaciona-se à possi-
bilidade de inovar a jurisprudência do TJCE a respeito de algum
assunto, apresentado-lhe uma questão prejudicial. Deste modo,
se um Tribunal nacional pretende desviar-se da interpretação
dominante do TJCE, apresenta nova questão.

89. Segundo jurisprudência do TJCE, Caso “Nordsee/Mond”, Tribunais


Arbitrais, mesmo que aptos para dirimir um conflito assim previsto através
de cláusula compromissória, não são órgãos jurisdicionais competentes,
no sentido do art. 234, para interpor uma questão prejudicial. Ver
SCHWEITZER, Michael/HUMMER, Waldemar. Europarecht. 5.,
neubearbeitete und erweiterte Auflage. Berlin: Luchterhand, 1996, p. 187.
90. Seria o caso de uma lei, por explo., que obrigasse a buscar permissão nos
Tribunais Superiores, para a interposição da questão prejudicial.
91. É o caso por explo., de um processo cuja última instância fosse um órgão
colegiado intermediário de apelação. Neste caso este órgão colegiado seria
obrigado a suscitar a questão prejudicial.

112
Na Alemanha o Tribunal Federal de Finanças (Bundesfi-
nanzhof), e na França o “Conseil d´Etat”, defenderam durante
algum tempo a chamada teoria “Acte-clair”, segundo a qual a
obrigatoriedade de interposição da questão prejudicial estaria
vinculada à existência de uma dúvida “razoável” sobre a validade
ou interpretação da norma comunitária questionada. Contudo, uma
exceção à irrestrita obrigação de apresentar a questão prejudicial
somente se apresenta quando o TJCE já manifestou-se em algum
processo semelhante, quando já existe jurisprudência firmada a
respeito ou quando a utilização correta do Direito Comunitário
está tão evidente, que já não sobra nenhuma dúvida razoável. A
jurisprudência do TJCE tem-se manifestado restritivamente sobre
a matéria 92.

4.7 O controle prévio dos acordos internacionais

Sendo parte do ordenamento jurídico comunitário, os acor-


dos internacionais podem sofrer um controle prévio de sua com-
patibilidade com o TCE. Ocorre em outros termos, um verdadei-
ro controle da constitucionalidade dos atos internacionais da
Comunidade, previsto no art. 300, n.6, com a redação dada pelo
Tratado de Nice93, sob a forma de “pareceres” emitidos pelo TJCE.
Como o próprio Tribunal já declarou, esses pareceres podem ter
por objeto todos e quaisquer pontos potencialmente condicio-
nantes da compatibilidade do acordo com o Tratado, “não so-
mente das disposições do direito material, como ainda das

92. Sentença TJCE de 6 de outubro de 1982. Caso “C.I.L.F.I.T. contra Ministero


della Sanitá”.
93. Art. 300, n. 6 TCE. “O Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão ou
qualquer Estado-membro podem obter previamente o parecer do Tribunal
de Justiça sobre a compatibilidade de um projeto de acordo com as dispo-
sições do presente Tratado. Um acordo que tenha sido objeto de parecer
negativo do Tribunal de Justiça só pode entrar em vigor nas condições
previstas no art. 48 do Tratado da União Européia”.

113
respeitantes à competência, ao procedimento, ou à organização
institucional da Comunidade”94.
Também segundo o TJCE95, o principal objetivo deste tipo
de controle preventivo é evitar as complicações que poderiam
decorrer de impugnações relacionadas à incompatibilidade de um
acordo internacional com o Tratado CE, o que não elide o reco-
nhecimento por parte do Tribunal das eventuais dificuldades que
uma declaração a posteriori sobre a inconstitucionalidade de um
acordo internacional provocaria96. Quanto à sua eficácia, um
parecer negativo do TJCE possui um caráter vinculante, no sen-
tido de que o acordo internacional para ser efetivado necessita,
segundo o artigo 300.6 TCE, de prévia revisão do Tratado comu-
nitário. Foi neste sentido, o Parecer 1/76, sobre o Fundo Europeu
de Navegação Interior97. As dúvidas estavam relacionadas à com-
patibilidade de certas disposições do acordo com o TCE, pois o
projeto implicava em uma certa delegação de competências
decisórias e jurisdicionais em favor de órgãos independentes das
instituições comunitárias. A manifestação do Tribunal a respeito
foi fulminante:

“...tais procedimentos implicariam no risco de desintegrar, progres-


sivamente, a obra comunitária e isto de maneira irreversível, ten-
do em conta de que se tratarão cada vez mais de compromissos
assumidos perante Estados terceiros. Baseada em tais considera-
ções, o Tribunal emite uma opinião negativa a respeito deste as-
pecto do projeto”.

94. Parecer TJCE 1/78 de 4 de outubro de 1979.


95. Parecer TJCE 1/75 de 11 de novembro de 1975.
96. No assunto “Comissão contra Conselho” de 27 de setembro de 1988, tais
dificuldades são admitidas e servem de fundamento à posição da Comissão
em apontar suposta incorreção da base jurídica escolhida pelo Conselho
para celebrar um acordo internacional, no caso o então art. 174.2 TCE.
97. Parecer TJCE 1/76 de 26 de abril de 1977.

114
No mesmo sentido, foi o Parecer 1/91 TJCE de 15 de de-
zembro de 1991, sobre os sistemas de solução de controvérsias
no projeto de Acordo para a criação do Espaço Econômico Eu-
ropeu. O Parecer foi desfavorável por condicionar a interpreta-
ção das normas comunitárias ao mecanismo jurisdicional previs-
to no acordo98.
Na hipótese do parecer ser positivo o acordo é declarado
compatível com o Tratado, ou seja, constitucional. A cautela
comunitária recomenda contudo, uma eventual obtenção de novo
parecer, após encerradas as negociações, sobre os aspectos não
abordados pelo Tribunal em seu parecer anterior99.

5. NEGOCIAÇÃO E CONCLUSÃO DE ACORDOS100

De acordo com o disposto do TCE e da constante juris-


prudência do Tribunal a respeito da repartição de competências
entre a Comunidade e os Estados membros, os Tratados Inter-
nacionais (chamados de “acordos” na terminologia comunitá-

98. Pareceres 1/91 de 14 de dezembro de 1991 e 1/92 de 10 de abril de 1992.


Em ambos, tratava-se da criação do “Espaço Econômico Europeu - EEE”
e entre outras objeções, o TJCE frisou a incompatibilidade fundamental
entre a estrutura institucional da Comunidade e a criação de um Tribunal
EEE, com a competência para interpretar as disposições do acordo sem no
entanto estar vinculado ao Tratado CE. Este Parecer voltará a ser analisado
posteriormente.
99. É o que sustenta HUMMER, Michael. “Enge und Weite der “Treaty-Making
Power”der Komission der EG nach dem EWG-Vertrag”. In: FS Grabietz –
Festschrift für K. Grabietz, Berlin: Heymanns Verlag, 1995, p. 196 e ss.,
ao discorrer criticamente sobre o valor e a extensão dos pareceres do TJCE
em matéria de relações exteriores.
100. A respeito ver KEGEL, Patricia Luíza. “O marco jurídico-institucional da
União Européia e sua influência no contexto das negociações com o
Mercosul”. In: Acordo Mercosul - União Européia: Além da Agricultura.
Mario Marconini/Renato Flores (Orgs.). Rio de Janeiro: Konrad Adenauer
Stiftung, 2003, p. 22 e ss.

115
ria) 101 a serem celebrados pela CE podem subdividir-se em duas
fórmulas de atuação diferentes. A primeira em relação aos acor-
dos celebrados exclusivamente pela Comunidade e neste caso
apenas ela atua internacionalmente porque possui competência
para tanto. A segunda, se sua competência em determinada ma-
téria não for suficiente, necessitando da co-participação interna-
cional dos Estados membros dentro dos limites estipulados pelo
quadro geral de repartição de competências102. Os pressupostos
estabelecidos no art. 300, 1 a 7 TCE, determinam o procedimen-
to a ser seguido sempre que a Comunidade Européia celebra
Tratados internacionais com Estados terceiros. Nos acordos ex-
clusivos, os Estados membros não são partes contratantes, sendo
total e completamente representados pela CE; nos acordos mis-
tos, a Comunidade e os Estados membros são co-celebrantes em
conjunto com outros Estados terceiros. Em ambos os casos, o
procedimento a ser seguido pela Comunidade é sempre o do art.
300 TCE, que estipula um procedimento geral para a celebração
de todos os Tratados internacionais pela Comunidade, o qual pode
ser descrito em três grandes fases:

101. O texto do Tratado emprega diversas vezes a expressão “acordo” como


correlata a de Tratado. Neste sentido, o TJCE esclareceu que “acordo” é
empregado em sentido lato, significando “qualquer compromisso assumi-
do por sujeitos de Direito Internacional e dotado de natureza obrigatória,
seja qual for sua qualificação formal”. Parecer TJCE 1/75 de 11 de novem-
bro de 1975.
102. O que diferencia os acordos exclusivos dos acordos mistos é a repartição
interna de competências entre a Comunidade e seus Estados membros.
Se as competências são exclusivamente comunitárias, os acordos são ce-
lebrados apenas pela Comunidade. Se, por outro lado, as competências
são repartidas com os Estados membros, o acordo será misto, e sua ne-
gociação e celebração envolverão conjuntamente a Comunidade e os
Estados membros.

116
5.1 Nos acordos celebrados exclusivamente pela CE

Devido à natureza bicéfala do executivo comunitário,


corresponde à Comissão entrar em contato com Estados terceiros
ou Organizações Internacionais interessadas em concluir um
acordo com a Comunidade, e apresentar ao Conselho suas con-
clusões a respeito de cada caso. A autorização para a abertura das
negociações constitui uma competência privativa do Conselho,
deliberando por maioria qualificada. Na hipótese favorável, a
Comissão passa à fase das negociações, mas sempre respeitando
as diretrizes que o Conselho estabeleça. Pode ocorrer também
que o Conselho designe comitês especiais, integrados por repre-
sentantes governamentais, para assessorar a Comissão.
Em uma fase posterior ocorre a inclusão do Parlamento
Europeu – PE – no processo de manifestação do consentimento
comunitário ao acordo internacional. Antes do Conselho cele-
brar o acordo, deverá remetê-lo ao Parlamento Europeu para con-
sulta. O art. 300.3 TCE concede ao PE competências consultivas
sobre todos os acordos a serem celebrados, inclusive aqueles
concluídos em matérias nas quais é aplicável o procedimento pre-
visto nos arts. 251 e 252 para a adoção de normas internas. A
exceção à competência consultiva do Parlamento é os acordos
relacionados à política comercial previstos no art. 133.3. O cará-
ter geral da competência consultiva do Parlamento em relação
aos acordos internacionais, não torna seus pareceres vinculantes
para o Conselho, ao qual é facultado aceitá-los ou não. Existem
contudo, quatro tipos de acordos em que o parecer favorável do
Parlamento Europeu é requisito indispensável à celebração do
ato internacional: os acordos de associação e cooperação do art.
310, os acordos com conseqüências orçamentais significativas
para a Comunidade, os acordos que impliquem a alteração de um
ato adotado segundo o procedimento do art. 251 (co-decisão) e
os acordos que criem um quadro institucional específico ao orga-
nizar procedimentos de cooperação.

117
Se as negociações chegarem a um termo positivo para to-
das as partes, e o parecer do Parlamento Europeu for favorável
quando tal seja necessário, cabe então ao Conselho, exclusiva-
mente, manifestar o consentimento em nome da Comunidade
Européia ao acordo internacional a ser celebrado. Para tanto, o
Conselho adota a decisão por maioria qualificada, salvo nos
casos que expressamente requerem unanimidade: - os acordos
de associação do art. 310, dada a sua importância política e
econômica, - e em virtude do princípio do paralelismo das com-
petências internas e externas, sempre que em determinada ma-
téria se requeira a unanimidade no âmbito intracomunitário, ela
também será necessária para celebrar os acordos internacionais.
Na última fase, não obrigatória, o Parlamento Europeu, a Co-
missão, o Conselho ou qualquer Estado membro poderá solici-
tar ao TJCE um parecer prévio sobre a compatibilidade com o
Direito Originário do acordo a ser celebrado pela Comunidade.
Se o parecer do Tribunal for negativo, poderão ocorrer três hi-
póteses: a Comunidade deixa de celebrar o acordo; retomam-se
as negociações e o acordo é reformulado; ou então se procede
a uma alteração do Tratado CE, segundo o disposto no art. 48
do Tratado da União Européia.

5.2 Nos acordos mistos

Por parte da Comunidade, o procedimento de celebração e


aprovação a ser adotado nos acordos mistos é exatamente o mes-
mo anteriormente descrito. O que difere substancialmente dos
acordos exclusivos, é a necessidade de sua ratificação por parte
dos quinze Estados membros, individualmente. Ou seja, nos acor-
dos mistos o procedimento de ratificação será subdividido em 16
direções diferentes, uma correspondendo à Comunidade e as ou-
tras quinze, a cada Estado membro. Na eventualidade de um
Estado membro não ratificar individualmente o acordo misto
celebrado, sua aprovação para o conjunto da Comunidade e dos

118
demais Estados membros, torna-se inviável. Ou seja, nenhum
acordo misto produzirá efeitos na ordem jurídica comunitária, sem
antes entrar em vigor nas diversas ordens jurídicas nacionais.

5.3 Aplicação provisória e suspensão de um acordo

Segundo o n. 2 do artigo 300 TCE, tanto a aplicação provi-


sória quanto a suspensão de um acordo são decididos pelo Con-
selho, sob proposta da Comissão. Contudo, não existe nenhuma
menção ao procedimento a ser adotado nos acordos mistos, em
especial ao que se refere à aplicação provisória, já que tal decisão
implica na entrada em vigor do acordo no âmbito jurídico dos
Estados membros, mesmo antes de sua ratificação interna.

5.4 Posição hierárquica dos acordos internacionais dentro do


sistema jurídico comunitário

Quanto à sua posição hierárquica, situam-se entre o Direito


Comunitário primário e o Direito Comunitário secundário. De-
vem portanto, respeitar obrigatoriamente os dispositivos cons-
tantes nos Tratados Constitutivos da Comunidade, pois na hipó-
tese contrária, de um acordo internacional que violasse o TCE,
estaria se admitindo a possibilidade de revisão do Tratado fora
do quadro comunitário ou até sem a intervenção dos Estados mem-
bros. Por outro lado, acordos internacionais não compatíveis ou
que alterem o Tratado, apenas podem subsistir caso sejam efetuadas
as correspondentes modificações no TCE, de acordo com o pro-
cedimento previsto no art. 48 do TUE. Se os acordos estão subor-
dinados ao Direito primário, prevalecem contudo sobre as normas
de direito secundário – situado como direito infraconstitucional –
não podendo ser alteradas ou revogadas por elas. Na eventualida-
de de surgirem conflitos entre acordos externos e o direito secun-
dário, o TJCE afirmou em várias ocasiões o primado da norma

119
convencional internacional103. Deste modo, a antinomia surgida
é solucionada adotando-se o princípio hierárquico (lex superior
derogat legi inferiori) e não o cronológico (lex posterior derogat
legi priori).

6. DIREITO COMUNITÁRIO E ACORDOS


INTERNACIONAIS

6.1 Controle jurisdicional da compatibilidade dos acordos


com o Direito Comunitário Primário

Celebrado o acordo internacional, este passa a integrar o


conjunto de normas comunitárias, e nesta condição, pode vir a
sofrer um controle posterior de sua legalidade. A primeira via do
controle posterior, estaria baseada no suscitamento de um recur-
so de anulação, com fulcro no art. 230 TCE. Nesta hipótese, as
conseqüências seriam bastante complicadas, já que a anulação
de um Tratado produziria efeitos internos na CE, mas seria
irrelevante sob a ótica internacional104, provocando inclusive a
responsabilização internacional da Comunidade (Parecer TJCE
3/94 e Sentença “Alemanha X Conselho”, caso do Acordo-qua-
dro sobre bananas GATT 1994).
A segunda via possível de controle posterior da legalidade
dos acordos internacionais é através da sua interpretação a título
prejudicial, efetuada pelo TJCE. Como muito bem apontado por

103. Desde a Sentença TJCE, “Haegemann” de 20 de abril de 1974.


104. De acordo com os artigos 28 e 46 da “Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados entre Organizações Internacionais e Estados ou entre Orga-
nizações Internacionais entre si” de 1986, os quais não excluem de res-
ponsabilização internacional as Organizações que tornarem internamente
sem efeito Tratados celebrados.

120
QUADROS105 em sua análise do caso “Haegeman II”, o Tribu-
nal não possui competência interpretativa direta em relação aos
acordos internacionais celebrados pela Comunidade. A falta de
um dispositivo expresso não impediu contudo, que o TJCE afir-
masse a sua competência para interpretar prejudicialmente um
acordo internacional. Sua argumentação baseia-se no fato do
acordo ter sido concluído pelo Conselho, e neste sentido consti-
tuir-se em um ato “adoptado pelas Instituições da Comunidade”
para todos os efeitos da alínea b) do art. 234 TCE. Em que pese
a opinião do brilhante internacionalista português acima referi-
do, não concordamos com sua posição segundo a qual a jurispru-
dência do TJCE nos casos “Haegeaman” e “International Fruit”
abandonou os sistemas clássicos de recepção ou transformação
dos Tratados internacionais (à margem portanto da dicotomia
monismo/dualismo), para admitir que “o Tratado é imediatamen-
te aplicável na ordem jurídica comunitária, logo após a sua entra-
da em vigor na ordem internacional” 106. A nosso ver, a única
fundamentação jurídica possível para que o TJCE exerça o con-
trole posterior sobre os acordos internacionais, baseia-se exata-
mente no princípio da recepção da norma internacional efetuada
pelos órgãos constitucionalmente competentes. Ao afirmar que o
acordo celebrado pelo Conselho constitui-se em ato praticado
pelos órgãos da Comunidade sendo assim um ato normativo in-
terno, o TJCE simplesmente reproduz a posição dos Tribunais
Constitucionais nacionais a respeito. Ou seja, a qualificação do
direito internacional como direito comunitário é efetuada, princi-
palmente, para fundamentar a competência do TJCE para inter-
pretar e aplicar as regras dos acordos internacionais.

105. Ver QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito
Internacional Público. Coimbra: Almedina, 1991, p. 465 e ss., em que
discute criticamente a posição adotada pelo TJCE quanto aos acordos in-
ternacionais celebrados pela Comunidade.
106. QUADROS, op.cit., p. 466.

121
6.2 Início da produção de efeitos do acordo no âmbito
intracomunitário

Em relação ao momento em que o acordo começa a produ-


zir efeitos, ainda que sua entrada em vigor seja determinada pela
data fixada no próprio Tratado, sua publicação no Diário Oficial
das Comunidades (normalmente sob a forma de um anexo a um
regulamento ou decisão do Conselho através do qual se concluiu
o acordo) é requisito indispensável para produzir efeitos entre os
particulares107.

6.3 A eventual “aplicabilidade direta” do Acordo

A aplicabilidade direta no Direito Comunitário é definida


como sendo a capacidade da norma comunitária para atribuir
diretamente um direito individual que os particulares podem in-
vocar em justiça e que aos Tribunais cabe salvaguardar. No caso
dos Acordos que a UE celebra, coloca-se a questão de saber se as
disposições do Acordo podem ser invocadas perante as jurisdi-
ções nacionais/comunitárias, com o propósito de não aplicar
determinada norma nacional/comunitária que violaria o disposto
no Acordo, ou então de forçar, via jurisdicional, o cumprimento
do Acordo. Seria a hipótese, por exemplo, de no Acordo União
Européia – Chile, operadores chilenos pudessem invocar o Acor-
do contra determinada norma nacional/comunitária, ou que ope-
radores europeus obtivessem nos judiciários nacionais/comuni-
tários sentenças individuais sobre o Acordo (e portanto à revelia
do Sistema de Solução de Controvérsias).
A este respeito, a jurisprudência do TJCE:

“...os efeitos, na Comunidade, das disposições de um acordo que ela


tenha celebrado com um país terceiro não podem ser examinadas

107. É o entendimento do Tribunal na sentença TJCE de 25 de janeiro de 1979,


“Racke”.

122
abstraindo-se a origem internacional destas disposições...de acordo
com os princípios de Direito Internacional, as Instituições comu-
nitárias que são competentes para negociar e celebrar um acordo
com um País terceiro, são livres para decidir com ele os efeitos
que as disposições do acordo devem produzir no ordenamento
interno das partes contratantes. Apenas no caso de que esta ques-
tão não tenha sido regulada pelo Acordo, incumbe às jurisdições
competentes e em particular ao Tribunal de Justiça, no marco da
competência que o Tratado comunitário lhe atribui, proporcionar
uma resposta igual que a qualquer outra questão relativa à apli-
cação do Acordo na Comunidade”108.

Esta sentença é extremamente importante, pois se no Acor-


do inexiste qualquer menção à aplicabilidade direta, o Tribunal
pode ser levado a manifestar-se a respeito, o que efetivamente
ocorreu em várias ocasiões:

a) no caso “Demirel”, em relação a determinadas disposições


do Acordo com a Turquia: “Uma disposição de um Acordo
celebrado pela Comunidade com terceiros Países deve ser
considerada diretamente aplicável quando contém, com pers-
pectiva a sua finalidade, seu objeto e natureza do Acordo,
uma obrigação clara e precisa, cuja execução e cujos efeitos
não dependem da adoção de nenhum ato posterior”109.
b) no caso “Bresciani”, o TJCE considerou que a Convenção
de Yaoundé que previa a eliminação de barreiras tarifárias
aos produtos originários dos Estados associados (ACP), em
virtude “de sua precisão e não estando sujeita a reserva
implícita ou explícita por parte da Comunidade, é apta para
engendrar, nos jurisdicionados, direitos invocáveis nos ór-
gãos jurisdicionais nacionais”110.

108. Sentença TJCE, “Kupferberg”, de 26 de outubro de 1982.


109. Sentença TJCE, “Demirel”, de 5 de julho de 1994.
110. Sentença TJCE, “Bresciani”, de 6 de fevereiro de 1976.

123
c) no caso “Anastasiou”, em relação ao acordo de associação
com Chipre, o Tribunal de Justiça repete textualmente o
disposto sobre o tema na sentença “Demirel”111.

Deste modo, o TJCE instituiu para a aplicabilidade direta


do Acordo, os mesmos requisitos para a aplicabilidade direta das
diretivas: que se trate de uma disposição clara e incondicional e
que a norma/dispositivo não requeira medidas de execução por
parte da Comissão ou dos Estados membros. Ou seja, o efeito
direto dos acordos internacionais112 ocorre, quando a isso condu-
zam os termos do acordo, e, naturalmente, as respectivas dispo-
sições sejam precisas, incondicionais e auto-exequíveis. Assim,
na medida em que um acordo internacional da Comunidade não
dependa de implementação (sendo portanto self-executing), os
particulares dos Estados membros podem valer-se de suas dispo-
sições perante os Tribunais nacionais. Neste caso, persiste a
independência entre o efeito direto e a reciprocidade na execu-
ção dos acordos internacionais, a não ser que haja disposições
em contrário no próprio acordo113.
Contudo, parte da doutrina, em especial TORRENT114, re-
futa a analogia entre a aplicabilidade direta dos acordos e das
diretivas. Para este autor, tal enfoque desconhece que a natureza

111. Sentença TJCE de 5 de julho de 1994. “Anastasiou”.


112. Se a aplicabilidade imediata do acordo internacional é garantida pela sua
transformação em Direito Comunitário, o mesmo não ocorre com o efeito
ou aplicabilidade direta. Esta só ocorre quando os termos, natureza, objeto
e as respectivas disposições do acordo sejam precisas, incondicionais e
auto-exequíveis. Ver sentença TJCE de 31 de janeiro de 1991, “Kziber”
como corolário da jurisprudência do TJCE , iniciada com o já citado caso
“International Fruit III”.
113. Sentença TJCE de 26 de outubro de 1986, “Hauptzollamt Mainz/
Kupferberg”. Ver também DÖRR, J. “Die Entwicklung der ungeschriebene
Aussenkompetenzen der EG”. In: EuZW – Europäische Zeitschrift für
Wirtschaftsrecht, 1996, p. 45.
114. TORRENT, Ramon. Derecho Y Práctica de las Relaciones Exteriores en
la Unión Europea. Barcelona: Cedecs Editorial, 1998, p. 202.

124
jurídica e os efeitos das diretivas estão regulamentados direta-
mente pelo TCE (do modo como o Tribunal o interpreta). Tal
natureza e seus efeitos impõem-se ao legislador comunitário, que
não pode modificá-los a seu dispor. Ao contrário, cada acordo
internacional resulta do livre consentimento das partes contra-
tantes, as quais podem definir os limites e os alcances dos com-
promissos que aceitam no marco do acordo. Ou seja, os acordos
internacionais possuem os efeitos que as partes lhe concedem,
sendo o efeito direto do acordo resultante do compromisso inter-
nacional. Se esta questão não foi regulada pelo próprio acordo,
só então caberá ao Tribunal de Justiça manifestar-se a respeito.

6.4 A aplicabilidade direta dos acordos GATT/OMC

Em relação ao GATT, desde o início dos anos setenta, o


TJCE115 estabeleceu a sucessão dos Estados membros em favor da
Comunidade, dos direitos e deveres decorrentes do GATT, tornan-
do a Comunidade a única interlocutora válida perante os demais
membros do Acordo, tanto nas sucessivas rodadas de negociações
multilaterais, quanto na gestão dos procedimentos de solução de
controvérsias. Na OMC, a Comunidade e seus quinze Estados
membros tornaram-se membros fundadores desta organização, com
as mesmas prerrogativas e obrigações que os demais Estados, com
a exceção do exercício alternativo do direito de voto.
Desde a jurisprudência iniciada com o caso “International
Fruit”116, o Tribunal de Justiça vem negando a aplicabilidade
direta dos acordos GATT e posteriormente da OMC. “O Tribunal
de Justiça não modifica sua jurisprudência, de que as normas do
GATT não são diretamente aplicáveis e que portanto não funda-
mentam o direito de ação de particulares”117. As sentenças

115. Sentença TJCE. “International Fruit”.


116. Sentença TJCE de 12 de dezembro de 1972. Caso “International Fruit”.
117. Sentença TJCE de 22 de junho de 1989. Caso “Fediol III”.

125
“Chiquita”118 e “Dior”119reafirmam a posição do Tribunal de que
o GATT não contém qualquer dispositivo que conceda a particu-
lares o direito de propor em juízo ação contra órgãos comunitá-
rios ou nacionais, pela aplicação de normas supostamente con-
trárias ao Acordo Geral.
Quando da celebração dos acordos resultantes da Rodada
Uruguai, e da criação da Organização Mundial do Comércio, a
decisão final proposta pelo Conselho e que obteve parecer favo-
rável do Parlamento Europeu, incluiu no seu preâmbulo uma
consideração segundo a qual, “pela sua natureza, o Acordo que
institui a Organização Mundial do Comércio e seus anexos não
pode ser invocado diretamente nos tribunais da Comunidade e
dos Estados-membros”120. Mesmo com tal restrição, o TJCE foi
obrigado em uma série de ocasiões a reportar-se a este respeito.
Confirmando sua jurisprudência anterior, o Tribunal mantém o
entendimento de que o acordo que instituiu a OMC, incluindo
seus anexos, “continua a basear-se, tal como o GATT de 1947,
no princípio das negociações realizadas numa base de reciproci-
dade e de vantagens mútuas, distinguindo-se assim, no que se
refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com paí-
ses terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações
ou criam relações especiais de integração na Comunidade”121.
Neste sentido, a posição do Tribunal é de que os acordos OMC
não visam criar direitos para particulares, mas limitam-se a regular
as relações entre Estados e organizações econômicas regionais com
base em negociações que assentam no princípio da reciprocidade.
No caso Portugal contra Conselho, cujo objeto é a anulação
da Decisão 96/386/CE relativa à celebração de memorandos de
acordo entre a CE e Paquistão e entre a CE e a Índia, o Tribunal
volta a reafirmar que tendo em conta a sua natureza e a sua eco-

118. Sentença TJCE de 12 de dezembro de 1995. Caso “Chiquita”.


119. Sentença TJCE de 14 de dezembro de 2000. Caso “Dior”.
120. Decisão 94/800.
121. Sentença TJCE de 23 de novembro de 1999. Caso “Portugal contra Con-
selho”.

126
nomia, o acordo OMC e os seus anexos não figuram, em princípio,
entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para
fiscalizar a legalidade dos atos e instituições comunitárias. Em
relação a este último aspecto, a reciprocidade, o próprio Tribunal
argumenta que as outras partes contratantes dos acordos OMC,
concluíram, à luz do objeto e da finalidade de tais acordos, que
estes não fazem parte das normas à luz das quais os respectivos
órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das normas jurídicas
internas122. No entanto, acrescenta que cabe fiscalização da lega-
lidade dos atos comunitários à luz das disposições da OMC quan-
do três condições cumulativas estivessem preenchidas:

“em primeiro lugar, uma violação das referidas regras fosse reco-
nhecida pelos órgãos da OMC; em segundo lugar, a Comunidade
se tivesse comprometido a executar as recomendações e decisões
provenientes do Órgão de Resolução de Litígios (...); em terceiro
lugar, a Comunidade não tivesse tomado as medidas para dar
cumprimento às referidas recomendações e decisões no prazo pre-
visto”123.

No entanto, no recurso de indenização proposto pela impor-


tadora de bananas T.Port, em virtude da regulamentação comuni-
tária sobre a organização comum do mercado de bananas, julga-
do incompatível com as regras da OMC pelo Órgão de Solução
de Controvérsias124, o Tribunal nega a procedência do pedido
por duas razões.
A primeira, de caráter absolutamente processual, baseia-se
no art. 48, n. 2 do Regulamento de Processo, segundo o qual a
dedução de fundamentos novos no decurso da instância é proibi-
da, a menos que estes fundamentos tenham por base elementos
de fato ou de direito que tenham surgido durante o processo. No
entendimento do Tribunal, contudo, a demandante utilizou-se de

122. Id.ibid.
123. Id.ibid.
124. Sentença TPI de 12 de julho de 2001. Caso “T.Port contra Conselho”.

127
novos argumentos sustentados na referida sentença Portugal contra
Conselho, os quais já eram de seu conhecimento no momento da
interposição da ação. Por este motivo, o Tribunal considera tal
argumentação injustificada.
A segunda razão baseia-se na inadmissibilidade do argu-
mento da demandante, de que teria ocorrido lesão ao art. 307,
primeiro parágrafo TCE125. Segundo T. Port, o Conselho ignorou
a regra de delimitação de competências entre a Comunidade e
seus Estados membros ao adotar o Regulamento 404/93, no seu
capítulo IV126, pois determinados dispositivos deste regulamento
eram contrários às obrigações assumidas pela República Federal
da Alemanha em 1952, data em que aderiu ao GATT de 1947.
Segundo entendimento do Tribunal, o parágrafo primeiro do art.
307 TCE, tem por objetivo garantir o respeito às convenções inter-
nacionais celebradas pelos Estados membros antes de sua adesão
à CE. Por conseguinte, “para determinar se uma norma comunitá-
ria pode ser tornada inoperante por uma convenção internacional
anterior, importa examinar se esta se impõe ao Estado-membro em
causa, obrigações cujo cumprimento pode ainda ser exigido pelos
países-terceiros que são parte na convenção”127. Duas ordens de

125. Art. 307, primeiro Parágrafo TCE. “As disposições do presente Tratado
não prejudicam os direitos e obrigações decorrentes de convenções con-
cluídas antes de 1. de janeiro de 1958 ou, em relação aos Estados aderen-
tes, anteriormente à data da respectiva adesão, entre um ou mais Estados-
membros, por um lado, e um ou mais Estados-terceiros, por outro”.
126. Este regulamento, de 13 de fevereiro de 1993, substituiu os regimes nacio-
nais de importação de bananas, estabelecendo a organização comum de
mercado do setor de bananas. Este regime de importação foi objeto de um
processo de resolução de litígios no âmbito da OMC, como conseqüência
de queixas apresentadas por alguns Estados. O Órgão de Resolução de
Litígios da OMC declarou, em 25 de setembro de 1997, que vários aspec-
tos do sistema comunitário de importação de bananas são incompatíveis
com as regras da OMC. Apesar do Conselho ter adotado um novo Regu-
lamento 163/98, de 20 de julho de 1998, este também teve dispositivos
considerados incompatíveis com a OMC.
127. Sentença TPI de 12 de julho de 2001. Caso “T.Port contra Conselho”.

128
questão se colocam. A primeira, de que o GATT de 1994, é juri-
dicamente distinto do GATT de 1947128. Segundo, somente a
Comunidade, por força do disposto no art. 133 TCE (política
comercial comum) era competente para celebrar o acordo GATT/
94129, e por conseqüência, as obrigações resultantes vinculam
apenas a Comunidade e não os Estados membros.
Resulta da jurisprudência plasmada nesta sentença, que o
Tribunal, mesmo admitindo determinados pressupostos para que
a legalidade da norma comunitária possa ser avaliada pelas nor-
mas da OMC, tal postura não se reflete nas ações concretas de
indenização por responsabilidade extracontratual. Ao não reco-
nhecer um efeito direto às normas da OMC, a jurisprudência
comunitária eximiu-se também da responsabilidade de verificar
a legalidade dos atos comunitários à luz das disposições da OMC.

6.5 Efeito jurídico das recomendações e decisões do Órgão de


Solução de Controvérsias da OMC. Análise do caso “Biret”.
Sentença do TPI, Conclusões do Advogado Geral e recurso
perante o TJCE130

Na celebração dos acordos finais da Rodada Uruguai e o


conseqüente acordo que cria a OMC em 1994, estavam incluí-
dos também (entre outros) os acordos relacionados à aplicação
de medidas sanitárias e fitossanitárias (acordo SFS) e o memo-
rando de entendimento sobre as regras e processos que regem a
resolução de litígios. Em abril de 1996, o Conselho adotou a

128. Artigo II, n. 4 do acordo OMC.


129. Ver Parecer 1/94 de 15 de novembro de 1994. Este Parecer é particular-
mente importante, pois versa sobre a delimitação de competências entre a
Comunidade e seus Estados membros para a negociação e celebração dos
acordos resultantes da Rodada Uruguai.
130. Sentença TPI de 11 de janeiro de 2002. Caso “Biret”, Conclusões do Ad-
vogado Geral Siegbert Alber, apresentadas em 15 de maio de 2003, caso
“Biret” e Sentença TJCE, de 30 de setembro de 2003, caso “Biret”.

129
Diretiva 96/22/CE, relativa à proibição de utilização de certas
substâncias com efeitos hormonais ou tireoestáticos e de subs-
tâncias beta-agonísticas em produção animal, mantendo a proibi-
ção anterior de importação de tal produto. Em fevereiro de 1998,
o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC (OSC) declarou o
regime comunitário incompatível com o acordo SFS, conceden-
do à Comunidade um prazo até 13 de maio de 1999 para executar
as recomendações do OSC. Em 28 de junho de 2000, a Biret
International S.A., cujo objeto social é a comercialização de pro-
dutos alimentares, entrou com uma ação contra o Conselho, nos
termos dos artigos 235 TCE conjugado com o segundo parágrafo
do artigo 288 TCE, com o objetivo de obter o ressarcimento do
prejuízo causado pela manutenção da diretiva 96/22 e conseqüente
proibição de importação de carnes e derivados tratados a base de
certos hormônios dos Estados Unidos.
O acórdão do Tribunal de Primeira Instância reitera a juris-
prudência anterior de que, tendo em atenção a sua natureza e a
sua economia, o acordo OMC e seus anexos, não constam entre
as normas levadas em consideração pelo Tribunal de Justiça para
fiscalizar a legalidade dos atos das instituições comunitárias. Da
mesma forma, tais acordos também não criam direitos em favor
dos particulares que estes possam invocar em juízo e sua eventual
violação também não é, portanto, capaz de desencadear a res-
ponsabilidade extracontratual da Comunidade. Como já referido
na sentença Portugal contra Conselho, os acordos OMC têm por
objeto a regulamentação e a gestão das relações entre Estados ou
organizações regionais de integração econômica, e não a prote-
ção de particulares. O TPI enfatiza o entendimento de que estes
acordos baseiam-se no princípio das negociações realizadas com
base na reciprocidade e de vantagens mútuas, reafirmando que
“só no caso de a Comunidade ter decidido dar execução a uma
obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou de o ato
comunitário remeter, de modo expresso, para disposições preci-
sas dos acordos OMC, é que compete ao juiz comunitário fisca-
lizar a legalidade do ato comunitário em causa à luz das regras da

130
OMC”131. A decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC, de 13 de fevereiro de 1998, segundo entendimento do TPI,
não põe em causa esta apreciação. “Com efeito, esta decisão está
necessária e diretamente ligada ao fundamento da violação do
acordo SFS, e só pode ser tomada em consideração na hipóte-
se de o efeito direto deste acordo ter sido constatado pelo juiz
comunitário no âmbito de um fundamento baseado na invalidade
das diretivas em causa”132 (negrito nosso).
Conseqüentemente, o TPI julgou improcedente a ação de
indenização proposta pela Biret, por não reconhecer, basicamen-
te, que uma decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC fosse um parâmetro válido para verificar a legalidade dos
atos comunitários. Neste caso, por incrível que pareça, o TPI não
considerou a decisão do OSC, que declarou a ilegalidade do re-
gime comunitário de importação de carnes, e fez depender o efeito
direto desta decisão do efeito direto do próprio acordo SFS.
No recurso apresentado da sentença do TPI ao TJCE, a Biret
argumenta que de acordo com o artigo 300, n. 7 TCE os acordos
da OMC são parte integrante do Direito Comunitário e portanto,
seria contraditório não reconhecê-los como critério de aprecia-
ção dos atos comunitários de direito derivado. Em especial, a
sentença recorrida não acolhe o argumento de que, ao aderir ao
sistema de solução de controvérsias da OMC, a Comunidade
vinculou-se a reconhecer as decisões de arbitragem do Órgão
de Solução de Controvérsias. Neste sentido, entende que, por
força da referida decisão do OSC, estão preenchidas as condi-
ções para as exceções admitidas pelo TJCE, ao princípio da não
aplicabilidade direta das normas da OMC. Em suas observações,
o Advogado Geral detém-se sobre a aplicabilidade direta das nor-
mas da OMC, por força das recomendações do OSC, chegando à
conclusão de que o “direito da OMC é diretamente aplicável,

131. Sentença TJCE, caso “Portugal contra Conselho”, citada na presente sen-
tença do TPI.
132. Sentença TPI de 11 de janeiro de 2002, caso “Biret”.

131
quando as recomendações ou decisões do OSC declaram a in-
compatibilidade de uma medida comunitária com o direito da
OMC e a Comunidade não executou as recomendações ou deci-
sões dentro do prazo razoável concedido”133.
A manifestação do TJCE é contrária às conclusões do Advo-
gado Geral e particularmente intrigante. Concorda com o TPI e
pergunta-se onde e quando a Comunidade assumiu o compromis-
so de dar execução a todas as obrigações decorrentes de uma de-
cisão do OSC, o que seria contrário à filosofia geral dos acordos da
OMC. Apesar de considerar a insuficiente fundamentação jurídica
que o TPI apresentou para justificar a sentença recorrida, o TJCE
considerou-a legítima ao concluir que o fundamento da responsa-
bilidade extracontratual da Comunidade na violação do acordo SFS,
não era procedente, com os seguintes termos: “Nestas condições,
e sem que se tenha de questionar sobre as eventuais conse-
qüências indenizatórias para os particulares da inexecução
pela Comunidade de uma decisão do OSC que declara a in-
compatibilidade de um ato comunitário com as regras da OMC,
importa declarar que, no caso vertente, na ausência de dano alega-
do após 13 de maio de 1999, não existe, de qualquer forma, res-
ponsabilidade da Comunidade”134 (negrito nosso).
Tal manifestação do TJCE leva à conclusão de que o Tribu-
nal vem aceitando os argumentos da Comissão e do Conselho,
segundo os quais, tanto os acordos da OMC, quanto as decisões
do OSC, são baseados em negociações que assentam no princí-
pio da reciprocidade. Ou seja, a não execução de uma decisão do
OSC é considerada como sendo uma opção de política comercial
e não como opção jurídica. Neste sentido, a manifestação do
Advogado Geral neste caso é particularmente procedente, pois
em sua análise sobre o memorando de entendimento do OSC,
afirma que em relação às regras e processos que regem a resolução
de litígios, os órgãos legislativos e executivos já não dispõem de

133. Conclusões do Advogado Geral de 15 de maio de 2003, caso “Biret”.


134. Sentença TJCE de 30 de setembro de 2003, caso “Biret”.

132
qualquer margem de manobra, suscetível de ser limitada pelo re-
conhecimento da aplicabilidade direta do direito da OMC. Deste
modo, a ambigüidade da posição do Tribunal pode vir a ferir o
princípio da legalidade, pois as decisões irrecorríveis do OSC, a
cujo sistema a Comunidade pertence, podem não produzir efeitos
jurídicos intracomunitários e, portanto, não fundamentar pedidos
de indenização pela violação de normas da OMC, além de colocar
em causa o funcionamento do sistema multilateral de comércio.

6.6 Observações quanto aos “acordos que criam um marco


institucional específico ao organizar os procedimentos de
cooperação”

Neste caso, criam-se órgãos dotados do poder de adotar de-


cisões obrigatórias para as partes contratantes do Acordo e que
criam novos direitos e obrigações para elas, ou que modificam os
direitos e obrigações existentes. Neste sentido, a atuação de tais
órgãos implica na criação do direito derivado comum às partes
no Acordo, sendo portanto, fonte de direito de um sistema de
solução de controvérsias135. Se as decisões dos órgãos conjuntos,
destinadas a criar ou modificar obrigações desde sua adoção,
integram de modo efetivo o ordenamento jurídico comunitário,
por se constituírem em atos adotados por organismos comunitá-
rios, podem, também, sofrer o controle de sua legalidade/consti-
tucionalidade pelo TJCE.
Segundo jurisprudência reiterada, “O Tribunal decidiu que as
decisões do Conselho de Associação, tomadas em razão do Acor-
do (com a Turquia), para cuja implementação elas foram editadas,
assim como o Acordo mesmo, formam parte integrante do
ordenamento jurídico comunitário. Do mesmo modo como o Tri-
bunal é competente para pronunciar-se, via prejudicial, sobre o
Acordo como sendo um ato dos órgãos comunitários, ele também

135. Ver TORRENT, op.cit., p. 124 e ss.

133
é competente para decidir sobre a interpretação das decisões
provenientes do Acordo e sua execução pelos órgãos respon-
sáveis”136 (negrito nosso).
Os recursos passíveis de serem adotados em relação às de-
cisões dos órgãos conjuntos abrangem as principais figuras pro-
cessuais, em especial os recursos por ilegalidade e o reenvio preju-
dicial. Esta postura do TJCE implica na sua virtual competência
para manifestar-se sobre qualquer aspecto, tanto do acordo em
si, mas também sobre os atos de implementação e execução
adotados em conjunto. Ou seja, as decisões dos órgãos conjun-
tos, destinadas a criar ou modificar obrigações desde sua adoção,
integram de modo efetivo o ordenamento jurídico comunitário e
portanto são passíveis de serem controlados pelo Tribunal como
qualquer outro ato comunitário.

6.7 Sistemas de solução de controvérsias em acordos


bilaterais

Em dezembro de 1991, o TJCE emitiu um parecer sobre o


projeto de acordo entre a Comunidade Européia de um lado, e os
Países da Associação Européia de Livre Comércio (AELC) por
outro, com a finalidade de criar o Espaço Econômico Europeu
(EEE). A finalidade do acordo EEE seria criar um espaço econô-
mico homogêneo, no qual o Direito fosse essencialmente idênti-
co ao vigente dentro da Comunidade, e cuja aplicação fosse a
mais uniforme possível. Para tanto, foram previstos três objeti-
vos: um mecanismo de solução de controvérsias entre as partes
contratantes, a solução de conflitos internos da AELC, e o forta-
lecimento da homogeneidade jurídica dentro do Espaço EE137.

136. Sentença TJCE “Sevicence” de 20 de setembro de 1990.


137. Ver as observações escritas apresentadas pela Comissão ao Tribunal. Pare-
cer 1/91 de 15 de dezembro de 1991.

134
“Quando um acordo internacional preveja um sistema jurisdicional
próprio que compreende um órgão jurisdicional competente para
resolver as controvérsias entre as partes contratantes do acordo,
e por conseguinte, para interpretar suas disposições, as resoluções
deste órgão jurisdicional vinculam as Instituições da Comunidade,
incluindo este Tribunal de Justiça. Tais resoluções impõem-se mes-
mo quando este Tribunal deva pronunciar-se, com caráter preju-
dicial ou no marco de um recurso direto, sobre a interpretação do
acordo internacional, em virtude de que este último forma parte
integrante do sistema jurídico comunitário. (...)
Quando se lhe submeta um litígio relativo a interpretação ou a
aplicação de uma ou várias disposições do Acordo, é possível que
o Tribunal EEE deva interpretar o conceito de “parte contratan-
te” ... com a finalidade de determinar se, conforme a disposição
objeto do litígio, os termos “parte contratante” se referem à Co-
munidade, à Comunidade e seus Estados-membros, ou únicamente
aos Estados-membros. O Tribunal EEE deverá, pois, pronunciar-
se sobre as competências respectivas da Comunidade e de seus
Estados-membros nas matérias regidas pelas disposições do Acor-
do. Do acima exposto, deduz-se que a competência atribuída ao
Tribunal EEE....pode vulnerar a ordem de competências definida
nos Tratados e, portanto, a autonomia do sistema jurídico comu-
nitário, cujo respeito é garantido pelo Tribunal de Justiça, con-
forme o art. 164 TCEE.
A atribuição desta competência ao Tribunal EEE é, portanto, in-
compatível com o Direito Comunitário”138.

Da mesma forma que no Parecer 1/76, o Tribunal posicionou-


se de forma absolutamente contrária a que um órgão jurisdicional
criado por um acordo internacional do qual a Comunidade fosse
parte, pudesse ter competência para interpretar disposições comuns
do acordo e os atos resultantes dos órgãos criados conjuntamente.
Como já visto no item anterior, os atos emanados de tais órgãos

138. Parecer TJCE 1/91 referente ao projeto de Acordo sobre o Espaço Econô-
mico Europeu.

135
conjuntos, integram o sistema jurídico comunitário, e cabe ao
Tribunal verificar sua legalidade, de acordo com o Direito Co-
munitário vigente. Ora, na hipótese de um órgão jurisdicional
proveniente de um acordo internacional possuir a mesma compe-
tência para posicionar-se sobre os atos emanados em conjunto,
na percepção do Tribunal, a conseqüência seria um possível con-
flito de jurisdições. O resultado da posição do Tribunal foi de
que em todos os acordos dos quais a Comunidade é parte, não
existe um mecanismo jurisdicional próprio. A participação co-
munitária nos sistemas de solução de controvérsias destes acor-
dos é através de mecanismos de arbitragem, seja no marco mul-
tilateral, no caso da OMC, seja no marco bi-ou-plurilateral, caso
dos acordos com Países individuais, México, Chile, África do
Sul, ou dos acordos Euro-Mediterrâneos, ACP ou de Partenariado.
No Acordo com o México139, por exemplo, é instituído
um procedimento arbitral padrão. O que realmente foge do usual
é a possibilidade de interpor a mesma ação perante o Órgão de
Resolução de Controvérsias da OMC140. Esse dispositivo fere

139. Acordo de Livre Comércio. Estados Unidos Mexicanos e Comunidade Eu-


ropéia. Decisão do Conselho Conjunto instituído pelo Acordo de Associa-
ção Econômica, Concertação Política e Cooperação entre a Comunidade e
seus Estados Membros e o México. Jornal Oficial L 276, de 28/10/2000.
Título V – Solução de Controvérsias.
140. Art. 43, n. 4 do Acordo de Livre Comércio entre a Comunidade Européia
e os Estados Unidos Mexicanos. “O recurso às disposições do procedi-
mento de solução de controvérsias estabelecido neste título será sem pre-
juízo de qualquer ação possível no marco da OMC, incluindo o pedido
de um procedimento de solução de controvérsias. No entanto, quando uma
parte tenha iniciado um procedimento de solução de controvérsias confor-
me o artigo 39 (1) deste título ou pelo Acordo com o qual se estabelece a
OMC em relação a um assunto específico, não poderá iniciar um proce-
dimento de solução de controvérsias no outro foro até que o primeiro
procedimento tenha sido concluído. Para os efeitos deste parágrafo, con-
sideram-se iniciados os procedimentos de solução de controvérsias no marco
da OMC quando uma parte tenha apresentado um pedido para o estabele-
cimento de um grupo especial em conformidade com o art. 6 do Entendi-
mento relativo às Normas e Procedimentos pelos quais se rege a Solução
de Controvérsias na OMC”.

136
inicialmente o princípio do non bis in idem, segundo o qual uma
mesma disputa não pode ser objeto de duas ações distintas, inter-
postas em órgãos jurisdicionais diversos. No entanto, seu grande
problema é um eventual conflito entre o laudo emanado do sis-
tema bilateral com aquele proferido pela OMC. Nesta hipótese,
se a parte que perdeu a disputa recorre à OMC, o laudo emitido
nesta organização equivaleria ao recurso a uma jurisdição supe-
rior ou apenas como uma recomendação às partes? Ou então,
poderiam haver intervenientes de Países terceiros em uma dispu-
ta que é originária de um acordo bilateral? Na hipótese contrária,
o laudo emitido pelo sistema bilateral poderia sobrepor-se ao da
OMC, e com quais conseqüências caso Países terceiros fossem
intervenientes? Em qualquer das hipóteses, estaria criada uma si-
tuação de confusão jurídica que acabaria afetando a previsibilidade
dos operadores econômicos no sistema bilateral de solução de
controvérsias.
Já no Acordo Chile-União Européia, instituiu-se um siste-
ma arbitral no qual a influência do Órgão de Solução de Contro-
vérsias da OMC é bastante nítida, inclusive em relação ao cum-
primento da decisão proferida e a possibilidade de aplicação de
retaliações141. Outro aspecto importante, segundo LOUREIRO142,
é o estabelecimento de competências entre o Sistema de Solução
de Controvérsias da OMC e o do sistema bilateral, o qual é des-
crito no item n.4 do artigo 189 do Acordo143, podendo ser resu-
mido nos seguintes termos: disputas que tenham por base nor-
mas da OMC, deverão ser submetidas ao Órgão de Solução de
Controvérsias, cujas decisões serão aplicáveis independentemente
das disposições do acordo bilateral; se a origem da disputa for

141. LOUREIRO, Patrícia. “Área de Livre Comércio Chile-União Européia: O


Funcionamento do Sistema de Solução de Controvérsias”. In: Direito In-
ternacional e da Integração. Luiz Otávio Pimentel (Org.). Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2003, p. 758.
142. LOUREIRO, op.cit., p. 759.
143. Acordo de Associação Política e Comercial entre Chile e União Européia.
Jornal Oficial L 352, de 30/12/2002.

137
uma norma do acordo bilateral, aplica-se o sistema de solução de
controvérsias do próprio acordo; e finalmente, salvo entendimento
entre as partes, caso a disputa ocorra em virtude de dispositivos
semelhantes tanto no acordo bilateral, quanto na OMC, deverá
recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Este
sistema permite maior segurança jurídica.

7. CONCLUSÕES

Duas ordens de questões se apresentam. Inicialmente, aque-


las relacionadas à compatibilidade dos acordos de livre comércio
bilaterais com as regras da OMC. No caso específico da União
Européia, os problemas resultantes dos Acordos Lomé sobre o
regime comunitário de importação de bananas com as obriga-
ções assumidas no âmbito da OMC, tiveram por conseqüência a
adoção, por parte da Comunidade, de medidas que permitissem,
na prática, a submissão hierárquica dos acordos bilaterais ao
acordo OMC, inclusive no mecanismo de solução de controvér-
sias. Tal postura, no entanto, permite de um lado, que a própria
OMC venha a posicionar-se sobre a compatibilidade ou não do
acordo bilateral com suas normas. Por outro, subestima o fato de
que grandes acordos comerciais exigem regras claras de solução
de conflitos, exatamente com o objetivo de proporcionar a segu-
rança jurídica necessária144. Por outro lado, a jurisprudência do
Tribunal sobre a não invocabilidade das decisões do Órgão de
Solução de Controvérsias da OMC, como critério de avaliação
da legalidade dos atos comunitários, debilita o sistema multilate-
ral, tornando-o refém da exegese comunitária.
A proliferação de acordos bilaterais de livre comércio ne-
cessita que as regras para a resolução de litígios sejam claras, e
neste ponto, a posição do Tribunal Europeu deve ser reavaliada
para permitir a composição mútua de interesses.

144. TORRENT, op.cit., p. 205 e ss.

138
SIGLAS E ABREVIATURAS

Comunidades Européias CE
Órgão de Solução de Controvérsias OSC
Tratado da Comunidade Européia TCE
Tribunal de Justiça das Comunidades Européias TJCE
Tribunal de Primeira Instância TPI
União Européia UE

139
Capítulo 3
O Sistema de Solução de Controvérsias
do Mercosul

LUIZ OTÁVIO PIMENTEL


ADRIANA DREYZIN DE KLOR

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

O presente texto, que reúne materiais e reflete posições dos


autores já manifestadas anteriormente em textos e cursos, foi ela-
borado para o livro organizado pela Fundação Konrad Adenauer
para embasar a discussão do tema solução de controvérsias no
futuro acordo de liberalização comercial entre o MERCOSUL e
a União Européia.
Cabe recordar que no ano de 2000 os autores Luiz Otávio e
Adriana, juntamente com Patricia Luíza Kegel e outros juristas
do MERCOSUL, realizaram uma viagem de estudos promovida
pela Fundação Adenauer. Nessa ocasião se pôde observar a prá-
tica e a aplicação do Direito Comunitário Europeu, na visita a
órgãos da Comissão Européia, Parlamento Europeu e Tribunal
de Justiça das Comunidades Européias, entre outras instituições.
O que foi possível observar e analisar com os meios dispo-
níveis e informações colhidas, é que a integração européia é um
importante manancial de informações sobre a construção de um
espaço social, econômico, político e jurídico ampliado, além do
nacional.

141
O projeto de associação intercontinental entre dois blocos
assimétricos, como assimétricos são os Estados-Partes e Esta-
dos-Membros de ambos, requer um conhecimento profundo dos
seus sistemas e ordenamentos jurídicos e dos mecanismos de
solução de controvérsias.
Nosso propósito é tratar do sistema de solução de controvér-
sias do MERCOSUL, focalizando as normas contidas no Protoco-
lo de Olivos com relação ao sistema vigente no bloco. Recordare-
mos os motivos que influenciaram para modificar o Protocolo de
Brasília, efetuando uma breve referência às etapas pelas quais
passou a reforma e assinalando os pontos que suscitaram maior
interesse durante a etapa das negociações que culminaram com a
aprovação do texto de Olivos. Concluindo com reflexões sobre o
mecanismo existente.
Esclarecendo que se entende por “sistema” a combinação
de procedimentos políticos e jurídicos, coordenados entre si, que
concorrem para um resultado, aqui a solução de uma controvér-
sia; forma, assim, um conjunto de meios (um mecanismo) para
regular o funcionamento da solução de controvérsias num pro-
cesso de integração.
Acrescentamos que o conteúdo do presente texto foi objeto
de debate nos módulos referentes ao MERCOSUL da disciplina
“Mecanismos de solução de controvérsias: Organização Mundial
do Comércio, União Européia e MERCOSUL”, oferecida em
conjunto nos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito,
Área de Relações Internacionais, da Universidade Federal de Santa
Catarina, no último trimestre de 2003, pelos Professores Welber
Barral, Patricia Luíza Kegel, Luiz Otávio Pimentel, Adriana
Dreyzin de Klor e Elizabeth Accioly.

142
2. OS SUCESSIVOS INSTRUMENTOS DE SOLUÇÃO
DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL

O Tratado de Assunção estabeleceu, no art. 3, que durante


o período de transição do MERCOSUL, que se estenderia desde
a entrada em vigor do tratado até 31 de dezembro de 1994, os
Estados-Partes adotariam um sistema de solução de controvérsias
para o MERCOSUL.
O primeiro instrumento do sistema foi o Anexo III do Tra-
tado de Assunção, sobre “Solução de Controvérsias”, vigente a
partir de 29 de novembro de 1991.
O segundo instrumento foi o Protocolo de Brasília, aprovado
por Decisão na Primeira Reunião do Conselho do Mercado Co-
mum, realizada em Brasília, no dia 17 de dezembro de 1991,
MERCOSUL/CMC/DEC. N° 1/91, que entrou em vigor a partir
de 22 de abril de 1993.
Acrescentando-se o Anexo ao Protocolo de Ouro Preto, sobre o
“Procedimento Geral para as Reclamações na Comissão de Co-
mércio do MERCOSUL”, de 17 de dezembro de 1994, e o Regulamen-
to do Protocolo de Brasília, MERCOSUL/CMC/DEC. N° 17/98.
O terceiro e último instrumento foi o Protocolo de Olivos, fir-
mado em 18 de fevereiro de 2002, que entrou em vigor a partir de
1º de janeiro de 2004. Sendo estabelecido, no art. 53, que será efe-
tuada uma revisão do mecanismo de solução de controvérsias ins-
tituído no protocolo, antes de finalizar o processo de convergência
da tarifa externa comum, prevista para o ano de 2006, a fim de
adotar um sistema permanente de solução de controvérsias para o
MERCOSUL, segundo previsto no Tratado de Assunção, Anexo III, 3.

2.1 A modificação do sistema de solução de controvérsias do


Protocolo de Brasília

Modificar o sistema de solução de controvérsias era um tema


latente nos órgãos do MERCOSUL e entre os juristas, pois desde

143
a aprovação do Tratado de Assunção foi um debate constante
entre os operadores, acadêmicos e especialistas1.
Começou a tomar corpo quando no marco do “relançamento
do MERCOSUL”, as delegações dos Estados-Partes apresenta-
ram na Reunião de Coordenadores uma série de propostas.

1. Entre as várias reuniões científicas realizadas desde o início do processo


até o final do período de transição do MERCOSUL, que culminou com a
assinatura do Protocolo de Ouro Preto em 1994, se pronunciaram neste
sentido: “Primeras Jornadas sobre Integración Latinoamericana: Perspec-
tivas del Mercosur”, Consejo de Partidos Políticos-Provincia de Córdoba,
27/9/91; “XI Congreso Ordinario de la AADI y V Congreso Argentino de
Derecho Internacional - Sección Integración”, Asociación Argentina de
Derecho Internacional, Córdoba, 7-9/11/91; “Congreso Internacional
Mercosur”, Fundación de Empresas, Córdoba, 2-4/7/92; “VI Congreso
Argentino de Derecho Internacional - América: Desde la conquista a la
Busqueda de la Integración”, AADI, Rosario, 27-29/8/192; “Seminario
Aladi-Mercosur sobre Aspectos Teórico-Practicos”, Editorial Guía Práctica
del Exportador e Importador S.A.C.I., Córdoba, 27/10/92; “Jornadas sobre
Implicancias del Mercosur en el Derecho Público”, Facultad de Derecho y
Ciencias Sociales, Departamento de Derecho Público, Universidad Nacio-
nal de Córdoba, 3/11/92; “Jornadas sobre Aspectos Jurídicos que requieren
armonización en el Mercosur”, Colegio de Abogados de la Ciudad de
Buenos Aires, 19/11/92; Jornadas Nacionales “Las Relaciones del Trabajo
y La Seguridad Social en el Mercosur”, Facultad de Derecho y Ciencias
Sociales, Departamento de Derecho Social, Universidad Nacional de Cór-
doba, Ministerio de Trabajo de la Provincia de Córdoba, Vaquerías, Córdo-
ba, 25-27/6/93; “Encuentro de Especialistas en el Mercosur”, Centro de
Estudios Comunitarios de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacio-
nal de Rosario, 8-9/11/93; Congreso Internacional “En busca de nuevos
vínculos: las realidades del Nafta y Mercosur en los umbrales del siglo
XXI”, México DF, 18-21/1/94; “Congreso Internacional de Derecho del
Trabajo y la Seguridad Social en el Mercosur”, Universidad del Museo
Social Argentino, Buenos Aires, 8-10/6/94; “III Jornadas Argentinas de
Derecho Internacional Privado”, AADI Sección Derecho Internacional
Privado, Rosario, 18-19/11/94; “II Encuentro de Especialistas en el
Mercosur”, Centro de Estudios Comunitarios y Migratorios de la Facultad
de Derecho de la Universidad Nacional de Rosario y el Instituto de Estudios
Interdisciplinarios y Documentación Jurídica del Colegio de Abogados de
Rosario, 25-26/11/94. Também anualmente o tema foi amplamente debatido
nos Encontros Internacionais de Direito da América do Sul (Tubarão, Asunción
e Montevideo), 1991, 1992, 1993 e 1994.

144
Os aspectos pontuais sobre os quais tiveram consenso as
delegações para iniciar a análise da problemática foram o contro-
le de cumprimento dos laudos, as eventuais sanções por não cum-
primento dos mesmos, a composição da lista de árbitros e o côm-
puto dos prazos estabelecidos no Protocolo de Brasília.
A delegação argentina manifestou-se sobre a conveniência
de estudar a criação de uma instância jurídica que definisse com
caráter geral e vinculante a interpretação da normativa e a con-
formação de um mecanismo de revisão dos laudos.
A delegação brasileira propôs que a intervenção do Grupo
Mercado Comum prevista no Protocolo de Brasília deveria ser
optativa; que se estudasse introduzir alguns procedimentos sim-
plificados para os conflitos originados em temas específicos, como
eram o regime de origem e o dumping; que o Conselho do Mer-
cado Comum fosse o órgão encarregado de esclarecer o conteú-
do e o alcance dos laudos arbitrais.
Pouco tempo depois de serem aventadas estas questões foi
aprovada a Decisão n° 25/2000 sobre o “Aperfeiçoamento do
Sistema de Solução de Controvérsias do Protocolo de Brasília”.2
Instrumento pelo qual foi incumbido o Grupo Ad Hoc sobre
Aspectos Institucionais do MERCOSUL de efetuar a análise
necessária para propor uma reforma, estabelecendo como prazo
o dia 10 de dezembro de 2000.
Foram enumerados os itens que deveriam receber tratamen-
to, ainda que de modo não taxativo, alguns dos quais coincidiam
com assuntos que já eram objeto de discussão no seio do Grupo
de Trabalho; entre estes o referido ao aperfeiçoamento da etapa
posterior ao laudo arbitral, particularmente os aspectos referen-
tes ao seu cumprimento e o alcance das medidas compensatórias;
as alternativas para uma interpretação uniforme da normativa; a
agilização dos procedimentos existentes e a implementação de
procedimentos sumários para casos determinados.

2. XVIII Reunião do CMC, 29/6/2000.

145
Além desses, a listagem incluiu: os critérios a seguir para a
conformação das listas de especialistas e de árbitros, o procedi-
mento para suas designações em cada caso e a maior estabilidade
que deveriam ter os árbitros.

2.1.1 A atuação do Grupo Ad Hoc sobre Aspectos


Institucionais

Em cumprimento ao mandato recebido, o Grupo Ad Hoc


sobre Aspectos Institucionais celebrou várias reuniões3, onde
se analisaram as respectivas posturas assumidas pelas delega-
ções.
No encontro que teve lugar em Brasília4, o Brasil apresen-
tou um documento que, mesmo excedendo o mandato atribuído
ao Grupo Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais, serviu de base
para que as delegações trocassem opiniões preliminares e elabo-
rassem um novo texto. Entre as matérias incluídas, cabe destacar
as seguintes:

a) a intervenção do Grupo Mercado Comum seria optativa,


desde que existisse consenso das duas partes envolvidas na
controvérsia.
b) se a controvérsia fosse ao Grupo Mercado Comum, este de-
veria formular recomendações.
c) a ampliação da lista de árbitros nacionais a doze, a fim de
beneficiar o processo de solução de controvérsia com uma
maior especialidade técnica.
d) a necessidade de estabelecer algum tipo de controle na de-
signação dos árbitros dos outros Estados-Partes.

3. Entre outras: Buenos Aires, 30 e 31/5/2000; Brasília, 24 e 25/8/2000; Mon-


tevidéu, 20 a 22/11/2000.
4. Ata 3/00.

146
e) incluir um órgão de apelação, revisor da aplicação do direi-
to, semelhante ao da Organização Mundial do Comércio.
f) o tribunal arbitral que proferisse o laudo seria o encarrega-
do de determinar se o Estado-Parte obrigado ao cumprimento
implementou as medidas necessárias para cumprir com o
mesmo.
g) no que tange às sanções, como no caso das retaliações co-
merciais, se analisaria a possibilidade de alcançar outro setor,
além daquele da controvérsia, e o montante que deveriam
ter as mesmas.

A Reunião de Brasília foi positiva em função da atividade


convocada e, sobretudo, pela notória mudança que se sentiu na
delegação do Brasil, que manifestou uma flexibilização de seu
posicionamento. Este giro para a admissão das formulações do
teor das resumidas e, mais ainda, ter assumido a iniciativa em
vários aspectos, foi considerado um verdadeiro avanço cujos
efeitos favoreceram o desenvolvimento das negociações.
Nas seguintes reuniões do Grupo Ad Hoc sobre Aspectos
Institucionais, prévias à Reunião de Cúpula de Florianópolis
(2000), se registraram intensas negociações para acordar um pro-
jeto modificador do Protocolo de Brasília. No entanto, isso só foi
possível entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai, pois o Uruguai
não aderiu ao texto consensuado, coerente com o critério que
vinha sustentando praticamente desde o início do processo.
O ministro uruguaio, Didier Oppertti Badán, em 1999, afir-
mou:

“[...] somos firmes partidarios de la creación de un Tribunal de


Justicia del Mercosur, no solamente basados en el principio de
que es bueno que quienes puedan tener una controversia tengan
acceso a una oferta de justicia permanente, sino porque estima-
mos que es la garantía indispensable para una asociación de

147
Estados basada en el principio de la desigualdad económica y la
igualdad jurídica”5.

Conforme juízo da delegação uruguaia a modificação do


sistema, respeitando o mandato do Conselho do Mercado Co-
mum, merecia uma revisão mais profunda. A problemática deve-
ria ser compreendida num sentido amplo incluindo tanto a reso-
lução de conflitos como uma eventual prevenção. Assim mesmo,
posicionou-se favoravelmente à constituição de um tribunal
arbitral permanente com competência para conhecer de consul-
tas e conflitos entre Estados, e entre Estados e particulares, e
insistiu em sua proposta de criar uma secretaria técnica que, entre
outras atividades, tivesse a seu cargo realizar o acompanhamento
das condutas do Estado vencido no cumprimento do laudo.
A criação de uma secretaria técnica foi proposta pela dele-
gação do Uruguai, em 1998.6 A iniciativa surgiu motivada pela
avaliação que o Grupo Mercado Comum realizou sobre o funcio-
namento institucional do bloco, a partir da qual os uruguaios ma-
nifestaram sua preocupação pela desordem que se observava nos
trabalhos que eram desenvolvidos pelos diferentes foros depen-
dentes deste órgão. Entendeu a delegação que uma secretaria téc-
nica poderia servir como suporte no tratamento e aprovação dos
diversos projetos que se debatem nos foros. No início não rece-
beu o apoio das demais delegações, posteriormente a proposta
ganhou espaço, até que na reunião ordinária do Conselho do

5. OPPERTTI BADÁN, Sistema de Solución de Controversias en el Mercosur.


No mesmo sentido: Simposio sobre tribunal de justicia para el Mercosur:
bases para la creación de un tribunal de justicia en el Mercosur, 1991;
participantes: Pierre Pescatore, Manuel Díez de Velasco e Fernando Uribe
Restrepo. Solución de Controversias en el Mercosur, 1992, presidido pelo
Ministro de Relações Exteriores uruguaio Héctor Gros Espiell e integrada
por: Miguel Berthet, Margarita Brito del Pino, José María Gamio, Adolfo
Gelsi Bidart, Ronald Herbert, Eduardo Jimenez de Aréchaga, Daniel Hugo
Martins, Vivián Matteo Oteiza, Felipe Paolillo, Jorge Peirano Basso, Jorge
Pérez Otermin, Jorge Tálice Lacombe e Alvaro Valverde.
6. XXXII Reunião do GMC, 7-8/12/1998.

148
Mercado Comum, foi aprovada mediante Decisão para o Fortale-
cimento Institucional, pela qual se instruía o Grupo Mercado Co-
mum para que iniciasse o processo necessário para a transformação
da Secretaria Administrativa do MERCOSUL em uma secretaria
técnica.7 Neste estágio, o Uruguai entregou a sua proposta.
Sendo as diferenças inconciliáveis, naquele momento, deci-
diu-se encaminhar o projeto de decisão aos coordenadores do
Grupo Mercado Comum com as alternativas apresentadas pelo
Uruguai e as propostas dos demais Estados-Partes.8
Os temas mais importantes que se consignaram no projeto
foram:

a) considerar a possibilidade de criar mini-procedimentos téc-


nicos em temas de política comercial comum (como regras
de origem e dumping), os quais poderiam estabelecer-se em
cada instrumento, requerendo a aprovação do Conselho do
Mercado Comum. Ficando aberta a possibilidade de recor-
rer às disposições do Protocolo de Ouro Preto e do Protoco-
lo de Brasília.
b) a intervenção do Grupo Mercado Comum com caráter
optativo, dependendo do acordo entre as partes na contro-
vérsia.
c) ampliar a lista de árbitros nacionais a quinze integrantes,
criando uma lista reduzida de presidentes a ser integrada
por juristas de reconhecida trajetória e escolhidos por con-
senso dos Estados-Partes.
d) prever a possibilidade de objetar as nomeações.
e) ratificar a necessidade de respeitar o caráter de independên-
cia e imparcialidade dos árbitros.

7. XXII Reunião Ordinária do CMC, Buenos Aires, 5/7/2002, DEC. N° 16/


02. “La Secretaria Tecnica se instituyó en octubre de 2003, luego de un
transparente proceso de selección por el que se cubrieron los cargos de
especialistas en el plano jurídico y en el económico”.
8. Grupo Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais do MERCOSUL, Ata 6/00.

149
f) criar uma instância revisora do direito, através de um órgão
estável integrado por cinco juristas (um de cada Estado-Parte
e o quinto a definir). Esta base não foi aceita pelo Uruguai
que entendia que os laudos deveriam ser inapeláveis.
g) disciplinar a possibilidade de aplicar medidas compensató-
rias, aditando uma redação similar à prevista no Entendimen-
to sobre Solução de Controvérsias da Organização Mundial
do Comércio.
h) prever a possibilidade de que fosse o tribunal que emitiu o
laudo quem se pronunciaria sobre a efetividade das medi-
das implementadas pelo Estado-Parte obrigado, para dar-
lhe cumprimento.

O projeto de modificação deixou vários aspectos sem defi-


nir. Em conseqüência, na Reunião de Cúpula de Florianópolis,
em dezembro de 2000, na qual em princípio estava prevista a
aprovação do documento elaborado pelo Grupo Ad Hoc sobre
Aspectos Institucionais, optou-se por adotar uma nova Decisão
estendendo o prazo de apresentação da proposta definitiva.9 Foi
decidida, também, a criação de um Grupo de Alto Nível de cuja
conformação se encarregaria o Grupo Mercado Comum. Entre-
tanto, ao não ficar sem efeito a anterior decisão, o trabalho reali-
zado pelo Grupo Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais e as pro-
postas dos Estados-Partes serviriam de base para a redação do
novo instrumento jurídico que deveria incluir a criação de um
tribunal arbitral permanente para o bloco.
Paralelamente aos trabalhos de modificação do sistema de so-
lução de controvérsias, o Grupo Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais
analisou as formulações referidas a um regulamento modelo sobre

9. MERCOSUL/CMC/DEC. N° 65/00, Aperfeiçoamento do Sistema de So-


lução de Controvérsias, XIX Reunião do CMC, Florianópolis, 14/12/2000.
O prazo de apresentação da proposta definitiva se prorrogou até a XX Reu-
nião do CMC.

150
o funcionamento dos tribunais arbitrais10. Alcançando-se con-
senso entre a Argentina, Brasil e Paraguai, enquanto o Uruguai,
dado que a relação entre este tema e a modificação do Protocolo
de Brasília era óbvia, ao não consensuar com esta, também não
podia pronunciar-se sobre o regulamento.
As sugestões oferecidas pelo Uruguai, em dezembro de 2000,
mostravam similitudes e diferenças com o documento elaborado
pelos outros Estados:

a) coincidiam na criação de um tribunal ou câmara arbitral de


caráter permanente;
b) enquanto o texto consolidado entendia que a intervenção do
Grupo Mercado Comum deveria ser optativa, o Uruguai di-
retamente a suprimia;
c) diferiam no alcance da competência do órgão jurisdicional:
enquanto o documento submetido ao Grupo Mercado Co-
mum só reconhece competência para os conflitos suscitados
entre os Estados-Partes, o Uruguai lhe adjudicava competên-
cia para conhecer e resolver as consultas que lhe submetes-
sem tanto os Estados, como os particulares, prevendo que
se a consulta fosse efetuada com caráter vinculante ou obri-
gatória (por via do acordo expresso das partes consultantes)
a resposta teria o mesmo efeito e a mesma força obrigatória
que o laudo arbitral;
d) o texto uruguaio estabelecia que os particulares não poderiam
recorrer aos tribunais nacionais para dirimir as controvérsias
que surgissem com os Estados-Partes sobre a interpretação,
aplicação ou não cumprimento das disposições contidas nas
fontes originárias e derivadas do MERCOSUL, com a só

10. O TLC União Européia-Chile se refere às regras modelo no art. 189.2: “A


menos que las Partes acuerden otra cosa, el procedimiento ante el grupo
arbitral seguirá las Reglas Modelo de Procedimiento establecidas en el
Anexo XV”.

151
reserva da instância de execução do laudo como efeito de
coisa julgada; a proposta triparte nada disse a respeito;
e) as bases elaboradas pelo Uruguai reconheciam ao acervo
derivado das consultas um conteúdo e estabilidade substan-
cial e processual quando da decisão de uma controvérsia
através da submissão das partes ao tribunal arbitral; a pro-
posta dos demais Estados-Partes não se pronunciava sobre
este ponto.

2.1.2 A atuação do Grupo de Alto Nível

O Grupo de Alto Nível foi estabelecido para concretizar o


trabalho empreendido pelo Grupo Ad Hoc sobre Aspectos
Institucionais, se reunindo em diversas oportunidades; no entan-
to os primeiros encontros não foram suficientes para acordar um
texto que respondesse ao novo mandato. Isso motivou uma reco-
mendação ao Conselho no sentido de que avaliasse a conveniên-
cia de oferecer novas orientações de trabalho. Não obstante isso,
em sua XX Reunião, o Conselho do Mercado Comum, se limitou
a uma nova ampliação do prazo, estendendo-o até o dia 30 de
novembro de 200111.
A Reunião de Cúpula de Assunção, em junho de 2000, foi
oportuna para que o Brasil oferecesse um novo documento sobre
as bases para o aperfeiçoamento do sistema de solução de con-
trovérsias.
Os primeiros pontos aos quais se dedicou o Grupo de Alto
Nível foram a criação de um tribunal permanente e a necessidade
de implementar um mecanismo de consultas. Alcançou-se con-
senso em eliminar a intervenção do Grupo Mercado Comum com
caráter obrigatório e na necessidade de implementar o seguimento

11. XX Reunião do CMC, Assunção, 21-22/6/2000, MERCOSUR/CMC/DEC.


N° 7/01, Adecuación de los plazos del Programa de Relanzamiento del
MERCOSUR.

152
da etapa pós-laudo, continuando-se com as negociações das di-
versas posições, que resultaram finalmente no projeto que prece-
deu a aprovação do sistema de solução de controvérsias na Reu-
nião de Cúpula de Olivos, em fevereiro de 2002.

2.2 O sistema de solução de controvérsias no relançamento do


MERCOSUL em 2000

O processo de integração regional vinha padecendo de uma


crise que em grande medida, devia-se às circunstâncias particu-
lares que atravessava cada um dos Estados-Partes em seus âmbi-
tos interno e externo, especialmente desde fins da década de 1990.
Entre as causas que podem ser apontadas como detonantes desta
situação crítica regional, agravada nos últimos tempos, a desva-
lorização do Real não foi um fato menor.
Afirma Fernández Reyes que “las derivaciones de la deva-
luación brasileña en enero de 1999, han afectado ostensiblemen-
te la ‘affectio societatis’ que se reflejaba en una voluntad política
uniforme de los cuatro Estados Parte”12.
Uma série de desequilíbrios se produziu desde então, com
um efeito cascata, tornando muito difícil as operações comerciais
intrazona, em que pesem as declarações das máximas autorida-
des governamentais dos países integrados, no sentido de consi-
derar o “MERCOSUL uma aliança estratégica, que como tal,
transcende os inconvenientes conjunturais que enfrentam os Es-
tados-Partes individualmente considerados”13.
Nestas circunstâncias, não surpreendeu que o Conselho do
Mercado Comum procedesse ao relançamento do MERCOSUL

12. ESTOUP; FERNÁNDEZ REYES (Directores), Los diez años del Mercosur:
Agenda Externa, 2001, p. 70.
13. Presidentes dos Estados-Partes, Comunicado Conjunto, XXII Reunião do
CMC, Buenos Aires, l 5/7/02. Reafirmaram seus compromissos de avan-
çar no cumprimento dos objetivos do Tratado de Assunção a fim de logra-
rem o progresso econômico e o bem-estar social dos povos da região.

153
com o intuito de fortalecer o bloco afetado pela deterioração das
relações entre os sócios. Ante o marcado sentimento de pessi-
mismo que imperava na zona, que levou inclusive a duvidar-se
sobre a sobrevivência do processo e das benesses da integração14,
injetar certa dose de otimismo aparecia como uma necessidade
vital. Para seu tratamento na nova etapa, o Conselho do Mercado
Comum estabeleceu uma série de prioridades temáticas que se
sintetizaram num pacote de decisões15 entre as quais se inclui a
revisão do sistema de solução de controvérsias.
A iniciativa, no que toca à matéria que nos ocupa, foi suma-
mente oportuna; não é novidade assinalar que um dos fatores
chave para o desenvolvimento com êxito de um processo de
integração é adotar um mecanismo de solução de conflitos eficien-
te que assegure o império do ordenamento normativo e, em con-
seqüência, garanta a segurança jurídica e os direitos dos par-
ticulares que operam no mercado.
Os particulares que contratam e praticam o comércio
intrazona, não estão devidamente amparados para o exercício de
seus direitos, já que a falta de mecanismos de controle jurídico

14. Ver GONZÁLEZ, “Mercosur es la solución, no el problema”, Madrid, 1999.


15. XVIII Reunião do CMC, Buenos Aires, 29/6/2000. As normas jurídicas
aprovadas no Relançamento foram: MERCOSUR/CMC/DEC. N° 22/00,
Acceso a Mercados; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 23/00, Incorporación
de la Normativa Mercosur; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 24/00, Secretaría
Administrativa del Mercosur; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 25/00, Per-
feccionamiento del Sistema de Solución de Controversias del Protocolo de
Brasilia; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 26/00, Análisis de la estructura de
órganos dependientes del Grupo Mercado Común y de la Comisión de
Comercio; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 27/00, Arancel Externo Común;
MERCOSUR/CMC/DEC. N° 28/00, Defensa Comercial y de la Com-
petencia; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 29/00, Marco Normativo del
Reglamento Común de Defensa contra Subvenciones concedidas por paí-
ses no miembros del Mercosur; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 30/00,
Coordinación Macroeconómica; MERCOSUR/CMC/DEC. N° 31/00, In-
centivos a las Inversiones, a la Producción y a la Exportación, incluyendo
Zonas Francas, Admisión Temporaria y Otros Regímenes Especiales;
MERCOSUR/CMC/DEC. N° 32/00, Relacionamiento Externo.

154
lhes afeta diretamente. Isto se reflete na impossibilidade de nego-
ciar com certeza e previsibilidade, restando desse modo afetada a
credibilidade e a segurança jurídica do esquema. Seria importante
que estes valores fossem considerados inerentes ao processo. Mais
que necessários, resultam ser imprescindíveis para o seu desenvol-
vimento.16
A inexistência de controles jurisdicionais atenta contra este
princípio e prejudica a confiabilidade e o exercício dos direitos
dos cidadãos. Bem se afirma que não há direitos sem instituições
adequadas e controles eficazes17, daí que a reformulação do sis-
tema atual era uma tarefa que aparecia cada vez com maior insis-
tência, como parte da lista de temas pendentes.
A importância de contar com um órgão supranacional per-
manente, que exerça o controle de legalidade, que se revista de
faculdades para unificar a interpretação de suas fontes jurídicas
e atue como órgão jurisdicional com as competências necessárias
para dotar o processo de garantias reais de justiça foi posto em
destaque em inúmeras oportunidades. Desde os primeiros anos
da integração se apresentaram inclusive, projetos de modificação
que foram apresentados aos órgãos pertinentes, sem que obtives-
sem o beneplácito das autoridades do bloco18.
Geralmente, o fundamento das propostas indicadas centrava-
se entre dois tipos de argumentações; enquanto por uma parte,
sustentava-se a necessidade de institucionalizar o processo como
um desafio para superar o déficit democrático que o afeta.

16. DREYZIN DE KLOR, La aplicación judicial del Derecho del Mercosur,


La Paz, 2000, p. 407 e ss.
17. RIMOLDI DE LADMANN, Oportunidad y necesidad de una reforma
institucional en el Mercosur, Buenos Aires.
18. EKMEKDJIÁN, Esbozo de un Anteproyecto de Protocolo modificatorio
del Protocolo de Brasilia y de el de Ouro Preto, Buenos Aires, a título de
colaboração pessoal enviou um anteprojeto de modificação do sistema a
fim de “...tratar de institucionalizar un tribunal, que si bien no sería el
ideal, es decir un tribunal de justicia al estilo del Tribunal de la Unión
Europea...” resultaria útil para melhorar a estrutura do tribunal criado pelo
Protocolo de Brasília.

155
Nesta linha, se afirmou que o desafio para os países que
integram o MERCOSUL era duplo:

“[...] por una parte, la configuración de un tribunal supraregional


encargado de dirimir los conflictos entre las partes (y que podría
identificarse bajo el apotegma de una mayor ‘judicialización’) y,
por otra, que dicha instancia decisoria contemple en su seno el
acceso directo por parte de los particulares (y que podría conocerse
bajo el leit motiv de una ‘mayor personalización’)”19.

Por outro lado, se recorria ao exemplo paradigmático de


integração do século XX e ao rol que desempenhou o Tribunal
de Justiça das Comunidades Européias - considerado verdadeiro
motor do processo europeu de integração - para efeitos de insta-
lação desse modelo20.
Considera Rodríguez Iglesias que:

“[...] es algo generalmente reconocido que el Tribunal de Justicia no


sólo ha llevado a cabo satisfactoriamente su función específica de
asegurar el respeto del derecho en el ámbito comunitario, sino que,
además, ha contribuido de forma decisiva al progreso del proceso
de integración en orden al logro de los objetivos comunitarios”21.

19. RABBI-BALDI CABANILLAS, Mayor ´judicialización’; mayor ‘per-


sonalización’: apuntes a propósito de un tribunal supraestatal para el
Mercosur, Macapá, 2000. Sobre o déficit democrático do MERCOSUL:
DREYZIN DE KLOR, Reflexiones sobre la incidencia de la calidad del
derecho de la integración en la cooperación jurisdiccional internacional,
Santa Fe, 2000, p. 577-594.
20. VILLAGRÁN KRAMER, La integración económica y la justicia, 1993, p.
43. ARAUJO, Solución de controversias en el Mercosur, 1997, p. 4: afir-
ma que existe um certo consenso entre os estudiosos de que a solução neste
assunto seria “la creación de un tribunal supranacional” de acordo com o
modelo “creado por las Comunidades Europeas”.
21. RODRÍGUEZ IGLESIAS, El Tribunal de Justicia de las Comunidades
Europeas, Madrid, 1993, p. 394.

156
No que toca a esta última consideração, não são poucas as
vozes que se pronunciaram sustentando que ao tratar-se de tipos
de associação diferentes, desenvolvidos em distintos contextos
históricos, sociológicos, econômicos, políticos e jurídicos, não
era possível efetuar uma transposição das instituições. Conquan-
to os organismos europeus podem ter proporcionado excelentes
resultados nesse esquema, sua adoção sem mais, em outros pro-
cessos de integração que não respondem às mesmas característi-
cas, não projetaria iguais resultados.
Opertti Badán manifestou que não acreditava ser necessário
que o MERCOSUL tomasse a União Européia como “una especie
de émulo”, ao qual haveríamos forçosamente de chegar, pois não
sempre são coincidentes os modelos de cada grupo de países, já
que estes respondem a culturas e a formas de relacionamento
diversos, a unidades geográficas distintas, o que conduz a que
não se possa produzir uma espécie de cópia desse esquema
paradigmático de integração. Em todo caso, haverá que se ter
presente os bons exemplos que oferece o Tribunal de Justiça das
Comunidades Européias, como suas competências, contenciosa
e consultiva, e particularmente o mecanismo da prejudicialidade.
Acrescenta Opertti que a União Européia é um modelo avança-
do, diferente do MERCOSUL que recém nasceu em 1991, e
portanto não devemos sofrer de prematurismo que “es una de las
enfermedades de la que América Latina en lo institucional ha
padecido con frecuencia”.22
Outra postura mediante a qual costumava justificar-se a
continuidade do mecanismo vigente girava em torno da caute-
la que deve presidir um processo de integração, entendendo-
se que o MERCOSUL se encontra ainda numa fase embrioná-
ria e se desenvolve num contexto geográfico e político no qual

22. OPERTTI BADÁN, Del sistema de solución de controversias a la justicia


supranacional, Asunción, 1998, p. 49. Neste sentido FONTOURA, A evo-
lução do sistema de solução de contorvérsias – de Brasília a Olivos, 2003,
p. 271-278.

157
estão, todavia, presentes os fracassados intentos de integração
econômica23 .
O caráter intergovernamental do MERCOSUL, cujo de-
senvolvimento e aprofundamento depende da vontade política dos
governos dos Estados-Partes, obra como uma barreira para a cria-
ção de um supremo tribunal de justiça supranacional.24 Introdu-
zir modificações nessa direção implica uma transformação subs-
tancial, que por uma parte, não contou com o aval suficiente no
seio do Conselho do Mercado Comum, e que por outra, requer
mudanças constitucionais no Brasil e no Uruguai. Referimos este
fato, pois em não poucos âmbitos se criaram expectativas sobre
uma institucionalização da justiça num grau bastante mais pro-
fundo do que aquele finalmente resultante do instrumento apro-
vado em Olivos.
A idéia que primou, uma solução de compromisso25, foi
melhorar o sistema existente como recurso necessário e transi-
tório para a instauração de um mecanismo semelhante ao que
se opera em processos mais avançados de integração, na con-
vicção que deste modo se contribuía a aprofundar o desenvol-
vimento do bloco e a oferecer maiores garantias aos operadores
da integração26.

23. ALONSO GARCÍA, Tratado de libre comercio, Mercosur y Comunidad


Europea: Solución de controversias e interpretación uniforme, Madrid,
1997, p. 141. No mesmo sentido: ALMEIDA, Mercosul: situação atual,
cenários previsíveis, desenvolvimentos prováveis, São Paulo, 1999.
24. PEROTTI, Estructura institucional y derecho en el Mercosur, Buenos Aires,
2002, p. 66, diz que: “los Tribunales Ad Hoc previstos en el PB, son órganos
de naturaleza supranacional ya que en su actuación no representan a los
Estados, los laudos que emite se aprueban por mayoría y obligan a los
países aún en contra de su voluntad, y rige para los miembros del Tribunal
la prohibición de recibir mandatos o instrucciones”.
25. BARRAL, O Protocolo de Olivos e as controvérsias no Mercosul, 2003, p.
83-84.
26. Assim sustentou REDRADO (Secretario de Negociaciones Económicas
Internacionales de la Cancillería argentina) após a Reunião do CMC, em
fevereiro de 2002.

158
2.3 Considerações gerais sobre o Protocolo de Olivos

Ao recordarmos o panorama geral dos pontos que preocu-


param aos legisladores do MERCOSUL à hora de reformular o
sistema, nos referiremos à incidência que tiveram estes antece-
dentes no instrumento aprovado.
O atual protocolo sobre solução de controvérsias de Olivos,
da mesma forma que o Protocolo de Brasília, foi aprovado com
caráter transitório27. A partir de sua entrada em vigor, tanto o Pro-
tocolo de Brasília como o seu Regulamento ficaram derrogados28.
Incorporando normas de direito transitório a respeito da situação
das controvérsias iniciadas sob o regime do texto de Brasília29.
As inovações produzidas atingem a vários institutos. No
entanto são numerosos também, os temas que não foram objeto
de modificações, fato que implica, a nossos juízos, ter sido per-
dida uma valiosa oportunidade para melhorar o sistema.
Não se modificou substancialmente o âmbito de aplicação.
Foram agregadas as diretrizes incorporadas pelo Anexo ao Pro-
tocolo de Ouro Preto. Manteve-se a primeira fase consistente em

27. Tratado de Assunção, Anexo III, 3: “Antes del 31 de diciembre de 1994,


los Estados Partes adoptarán un Sistema Permanente de Solución de
Controversias para el Mercado Común”. Protocolo de Brasilia, art. 34: “El
presente Protocolo permanecerá vigente hasta que entre en vigor el Siste-
ma Permanente de Solución de Controversias para el Mercado Común a
que se refiere el Numeral 3 del Anexo 3 del Tratado de Asunción”. PO, art.
53: “Revisión del Sistema”.
28. Protocolo de Olivos, segundo o art. 52, entraria em vigor no trigésimo dia
a partir da data em que tivesse sido depositado o quarto instrumento de
ratificação. As ratificações ocorreram como segue: na Argentina foi apro-
vado pela Lei Nº 25.663, de 18/10/2002 (BO 21/10/2002, p. 1), depósito
do instrumento de ratificação em 29/01/2003; no Brasil foi aprovado pelo
Decreto Legislativo N° 712, de 14/10/2003, depósito do instrumento de
ratificação em 02/02/2003, promulgado depois pelo Dec. nº 4.982, de 09/
02/2004; no Paraguai foi aprovado pela Lei Nº 2070/03, de 03/02/2003,
depósito do instrumento de ratificação em 20/02/2003; no Uruguai foi apro-
vado pela Lei Nº 17.629, de 11/04/2003 (DO 06/05/2003), depósito do
instrumento de ratificação em 11/07/2003.
29. PO, art. 55.2.

159
levar a cabo negociações diretas entre as partes (etapa diplomá-
tica)30 e a instância jurisdicional, ainda que de modo incipiente,
ao estabelecer tribunais arbitrais ad hoc, dando lugar a que se
afirme a existência de um germe de supranacionalidade31.
Respeita-se em linhas gerais o procedimento arbitral insti-
tuído e os prazos fixados no Protocolo de Brasília. Lamentavel-
mente, não se modificou a via contemplada para a reclamação
dos particulares, pese a que, como se disse, o Uruguai tenha in-
sistido ferreamente neste ponto que, pelo demais, era um recla-
mo majoritário de todos os setores.
Não houve mudanças significativas quanto à admissão do
recurso de esclarecimento.
Em relação aos custos que devem suportar as partes pelas
atividades dos árbitros, conquanto não haja divergências essen-
ciais com as disposições de Brasília e seu Regulamento, cabe
destacar como novidade a possibilidade de que os gastos e hono-
rários da atividade dos árbitros de primeira instância e do tribu-
nal de revisão provenham de um fundo especial. O fundo que
poderá ser criado para este fim será administrado pela Secretaria
Administrativa do MERCOSUL32.
Observaremos a seguir a estrutura disponível para levar a
cabo a solução das possíveis controvérsias no MERCOSUL.

30. Ver BOLDORINI, Protocolo de Brasilia para la solución de controversias,


Santa Fe, 1994, p. 475.
31. NOODT TAQUELA, Solución de controversias en el Mercosur, p. 39, diz:
“un atisbo de supranacionalidad en la ultima etapa del sistema de solución
de controversias porque el laudo arbitral es obligatorio”.
32. Protocolo de Brasília, art. 36.3. Cabe recordar que na XLIV Reunião do
GMC, Montevidéu, 5/12/01, foi aprovada a MERCOSUR/GMC/RES. Nº
62/01: Remuneración de árbitros y expertos en el ámbito del sistema de
solución de controversias del Mercosur, tendo por base o Protocolo de
Brasília e seu Regulamento, assim sua vigência merecerá uma revisão com
a entrada em vigor do PO.

160
3. ESTRUTURA FUNCIONAL DO SISTEMA DE
SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DO MERCOSUL

3.1 Estados-Partes

A primeira fase33 para resolver qualquer controvérsia entre


os Estados-Partes do MERCOSUL é a negociação direta, de natu-
reza política, que inicia a partir da data em que um Estado comu-
nica ao outro a decisão de iniciar a solução de uma controvérsia.
Não existe uma estrutura formal de negociação direta, sen-
do previsto no Protocolo de Olivos que os Estados-Partes em
uma controvérsia informarão ao Grupo Mercado Comum, por
intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL, sobre
as gestões que se realizarem durante as negociações e os resulta-
dos das mesmas.34

3.2 Grupo Mercado Comum

A primeira consideração35 se refere à capacidade decisória


e intergovernamental do Grupo Mercado Comum, enquanto ór-
gão executivo do MERCOSUL, que se reúne de forma ordinária
ou extraordinária quando é necessário.36
Os Estados-Partes numa controvérsia poderão, de comum
acordo, submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum,
que avaliará a situação, dando oportunidade às partes para que
exponham suas respectivas posições, requerendo, se necessário,
o assessoramento de especialistas. O Grupo formulará recomen-
dações visando à solução da divergência.

33. PO, Cap. IV.


34. PO, art. 5.2.
35. PO, Cap. V.
36. Protocolo de Ouro Preto, arts. 2, 9, 13.

161
A controvérsia também poderá ser levada à consideração
do Grupo Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte
na controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao
término das negociações diretas. Neste caso, o Grupo poderá for-
mular comentários ou recomendações a respeito do caso.
O Grupo Mercado Comum deve ser notificado do início
do procedimento arbitral ad hoc37 e informado do recurso de
revisão38.
O Grupo Mercado Comum será informado pelo Estado-Parte
obrigado a cumprir o laudo, por intermédio da Secretaria Admi-
nistrativa do MERCOSUL, sobre as medidas que adotará para
cumpri-lo.39
O Grupo Mercado Comum determinará os honorários, gastos
de transporte, hospedagem, diárias e outras despesas dos árbitros
do Tribunal Ad Hoc e do Tribunal de Revisão Permanente.40
O Grupo Mercado Comum avaliará as reclamações dos
particulares com os elementos por eles fornecidos41, caso admi-
tidas convocará o grupo de especialistas que deverá emitir pare-
cer sobre a sua procedência42.

3.2.1 Grupo de especialistas

O grupo de especialistas43, que poderá assessorar o Grupo


Mercado Comum nas reclamações promovidas pelos particula-
res, será composto de três membros designados pelo Grupo ou,
na falta de acordo sobre um ou mais especialistas, estes serão
escolhidos por votação que os Estados-Partes do MERCOSUL

37. PO, art. 9.2.


38. PO, art. 17.4.
39. PO, art. 29.3.
40. PO, art. 37.
41. PO, art. 40.2.
42. PO, art. 42.2.
43. PO, arts. 43 e 44.

162
realizarão dentre os integrantes de uma lista de vinte e quatro
especialistas.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL comunicará
ao Grupo Mercado Comum o nome do especialista ou dos espe-
cialistas que tiverem recebido o maior número de votos. Neste
último caso, e salvo se o Grupo decidir de outra maneira, um dos
especialistas designados não poderá ser nacional do Estado con-
tra o qual foi formulada a reclamação, nem do Estado no qual o
particular formalizou sua reclamação.
Com o fim de constituir a lista dos especialistas, cada um dos
Estados-Partes designará seis pessoas de reconhecida competên-
cia nas questões que possam ser objeto de reclamação. Esta lista
ficará registrada na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.
Os gastos derivados da atuação do grupo de especialistas
serão custeados na proporção que determinar o Grupo Mercado
Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais pelas partes
diretamente envolvidas na reclamação.
O grupo de especialistas submeterá seu parecer à considera-
ção do Grupo Mercado Comum.

3.3 Tribunal Arbitral Ad Hoc

3.3.1 Composição do Tribunal Arbitral Ad Hoc

O procedimento arbitral tramitará ante um Tribunal Ad Hoc


composto de três árbitros.44
Cada Estado-Parte na controvérsia designará um árbitro ti-
tular, no prazo de quinze dias, contado a partir da data em que a
Secretaria Administrativa do MERCOSUL tenha comunicado aos
Estados-Partes na controvérsia a decisão de um deles de recorrer
à arbitragem. Simultaneamente, designará da mesma lista, um

44. PO, art. 10.1.

163
árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de inca-
pacidade ou excusa deste em qualquer etapa do procedimento
arbitral. Se um dos Estados-Partes na controvérsia não tiver no-
meado seus árbitros no prazo indicado, eles serão designados por
sorteio pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL em um
prazo de dois dias, contado a partir do vencimento daquele pra-
zo, dentre os árbitros desse Estado da lista45.
O árbitro presidente46 do Tribunal Arbitral Ad Hoc será
designado de comum acordo pelos Estados-Partes na controvér-
sia, como o terceiro árbitro, escolhido entre os nomes da lista47.
O prazo para a designação será de quinze dias, contado a partir
da data em que a Secretaria Administrativa do MERCOSUL te-
nha comunicado aos Estados-Partes na controvérsia a decisão de
um deles de recorrer à arbitragem.
Simultaneamente, designarão da mesma lista, um árbitro
suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade
ou excusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral.
O presidente e seu suplente não poderão ser nacionais dos
Estados-Partes na controvérsia.
Se não houver acordo entre os Estados-Partes na controvér-
sia para escolher o terceiro árbitro dentro do prazo indicado, a
Secretaria Administrativa do MERCOSUL, a pedido de qualquer
um deles, procederá a sua designação por sorteio da lista, excluin-
do do mesmo os nacionais dos Estados-Partes na controvérsia.
Os designados para atuar como terceiros árbitros deverão
responder, em um prazo máximo de três dias, contado a partir da
notificação de sua designação, sobre sua aceitação para atuar em
uma controvérsia.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL notificará os
árbitros de sua designação.48

45. PO, art. 10.2, lista prevista no art. 11.1.


46. PO, art. 10.3.
47. PO, prevista no art. 11.2(iii).
48. PO, art. 10.4.

164
3.3.2 Listas de árbitros

Cada Estado-Parte designará doze árbitros, que integrarão


uma lista que ficará registrada na Secretaria Administrativa do
MERCOSUL49. A designação dos árbitros, juntamente com o
curriculum vitae detalhado de cada um deles, será notificada si-
multaneamente aos demais Estados-Partes e à Secretaria Admi-
nistrativa do MERCOSUL.
Qualquer Estado-Parte poderá solicitar esclarecimentos so-
bre as pessoas designadas pelos outros Estados-Partes para inte-
grar a lista de árbitros, dentro do prazo de trinta dias, contado a
partir de tal notificação.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL notificará aos
Estados-Partes a lista consolidada de árbitros do MERCOSUL,
bem como suas sucessivas modificações.
Cada Estado-Parte proporá, ademais, quatro candidatos para
integrar a lista de terceiros árbitros. Pelo menos um dos árbitros
indicados por cada Estado-Parte para esta lista não será nacional
de nenhum dos Estados-Partes do MERCOSUL.
A lista deverá ser notificada aos demais Estados-Partes, por
intermédio da Presidência Pro Tempore do MERCOSUL, acompa-
nhada do curriculum vitae de cada um dos candidatos propostos.
Os Estados-Partes poderão solicitar esclarecimentos sobre
as pessoas propostas por qualquer Estado-Parte ou apresentar
objeções justificadas aos candidatos indicados, conforme os cri-
térios estabelecidos50, dentro do prazo de trinta dias, contado a
partir da notificação dessas propostas.
As objeções deverão ser comunicadas por intermédio da
Presidência Pro Tempore ao Estado-Parte proponente. Se, em um
prazo que não poderá exceder a trinta dias contado da notifica-
ção, não se chegar a uma solução, prevalecerá a objeção.

49. PO, art. 11.


50. PO, art. 35.

165
A lista consolidada de terceiros árbitros, bem como suas
sucessivas modificações, acompanhadas do curriculum vitae dos
árbitros será comunicada pela Presidência Pro Tempore à Secre-
taria Administrativa do MERCOSUL, que a registrará e notifica-
rá aos Estados-Partes.

3.3.3 Designação dos árbitros

O Regulamento do Protocolo de Brasília contém uma dispo-


sição semelhante a que se incorpora no Protocolo de Olivos sobre
as condições que devem reunir os candidatos para serem árbitros51.
Perotti considerou que uma modificação importante, no caso
de reforma do Protocolo de Brasília, residiria na constitucio-
nalização das exigências sobre a necessária independência e
imparcialidade que deverão ser observadas nos árbitros de ambas
as listas. A argumentação se baseava na consideração de que
mesmo sendo estes critérios já fixados no direito derivado, pois
se encontram contemplados no art. 16 do Regulamento do Pro-
tocolo de Brasília (regra que só estabelece esses deveres para os
árbitros já designados num caso concreto), sua incorporação num
novo texto conduziria a que adquirisse a qualidade de direito
originário ou constitucional do MERCOSUL.52
Interessa uma referência à disposição pela qual se recepcionou
a faculdade que tem cada Estado-Parte de solicitar esclarecimen-
tos sobre as pessoas que integram as listas apresentadas53.
Entendeu-se que esta possibilidade reconhecida aos Esta-
dos pode ser a causa de mal-estar pelo alto grau de subjetividade
que contém a disposição, que permite um pedido de esclareci-
mento sem que se acompanhe de uma devida regulamentação.

51. Regulamento do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias,


arts. 15 e 16; PO, art. 35.
52. PEROTTI, Proyecto de Reformas al Protocolo de Brasilia. Una nueva
oportunidad perdida, Buenos Aires, 2001-2, p. 137.
53. PO, art. 11.1(i), 11.2(ii).

166
Pode ser questionada a falta de precisão sobre os aspectos da
pessoa do árbitro que podem dar lugar ao pedido de esclareci-
mentos e o prazo para respondê-las. Ante o suposto de que se
formule objeção quanto ao árbitro indicado por um Estado, não
resulta muito claro determinar o momento em que pode conside-
rar-se que a lista ficou consolidada54.
As previsões estão motivadas na pretensão de que a lista se
integre com pessoas de reconhecida competência nas matérias
que possam ser objeto das controvérsias e ter conhecimento do
conjunto normativo do MERCOSUL, além de observar-se a ne-
cessária imparcialidade e independência funcional da Adminis-
tração Pública Central ou direta do Estado-Parte e não ter inte-
resses de índole alguma na controvérsia.55
No entanto, a falta de regulamentação leva a questionar que
a faculdade que se lhes outorga aos Estados-Partes de solicitar
esclarecimentos sobre os candidatos designados pelos outros Es-
tados não respeita a exclusividade no juízo sobre as aptidões das
pessoas que cada parte propõe e sua responsabilidade a este res-
peito.
Uma regulamentação similar à adotada para os candidatos a
integrar o tribunal, se recepcionou na composição da lista de ter-
ceiros árbitros, ainda que neste caso acrescentou-se a possibili-
dade de apresentar objeções justificadas quando se questionem
as qualidades mencionadas supra.
A pergunta que nos fazemos é como se resolverá o mal-
estar que poderá surgir pelo exercício desta faculdade reconheci-
da aos Estados-Partes?
E a resposta lógica, do instrumento jurídico de Olivos, é a
de que em caso de não haver acordo prevalecerá a objeção.
Outras indagações que nos fizemos: tratar-se-ia, talvez, de
um verdadeiro direito de veto que vulnera o princípio de confiança

54. REY CARO, El Protocolo de Olivos para la solución de controversias en


el Mercosur, Córdoba, p. 29.
55. PO, art. 35.1 e 2.

167
mútua que se devem os Estados-Partes56? Ou se as exigências
estabelecidas sobre a qualificação dos árbitros correspondem aos
valores que se pretendem resguardar e, em conseqüência, tería-
mos que aceitar de bom grado esta disposição?
A delegação do Brasil incluiu o tema no documento apre-
sentado nas etapas prévias de negociações e foi uma preocupa-
ção também do Conselho do Mercado Comum ao enumerar o
ponto na Decisão N° 25/2000, quando estabeleceu como objeto
de análise os critérios para a elaboração das listas de árbitros e a
respectiva designação em cada caso.
O tema não constitui uma questão insignificante, sendo
ilustrativo uma alusão ao modo pelo qual a União Européia regu-
la a designação dos juízes e advogados-gerais que integram o
Tribunal de Justiça. Seus membros são designados de comum
acordo pelos governos dos Estados-Membros, por seis anos, en-
tre personalidades que ofereçam absolutas garantias de indepen-
dência e que reúnam as condições requeridas para o exercício em
seus respectivos países das mais altas funções jurisdicionais, ou
que sejam jurisconsultos de reconhecida competência57.
Sendo uma designação de comum acordo pelos governos
dos Estados-Membros da União Européia, cada governo se limi-
ta a propor seu candidato, que tem de obter o respaldo dos de-
mais58.
É importante também a previsão de renovação parcial dos
juízes e advogados-gerais, realizada a cada três anos, para manter
um grupo de magistrados experientes atuando continuamente.59
Cabe observar o informe do Grupo de Reflexão sobre o fu-
turo do sistema judicial das Comunidades Européias para a Co-

56. REY CARO, El Protocolo de Olivos para la solución de controversias en


el Mercosur, p. 29.
57. Versão compilada do Tratado que institui a Comunidade Européia, art. 223.
58. ALONSO GARCÍA, Derecho Comunitario: sistema constitucional y ad-
ministrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1994.
59. Versão compilada do Tratado que institui a Comunidade Européia, art. 223.

168
missão. A Comissão o utilizou como base para elaborar a sua Con-
tribuição Complementar à Conferência Intergovernamental sobre
as Reformas Institucionais - Reformas do Sistema Jurisdicional
Comunitário, em março de 2000. E inclusive a Contribuição do
Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância à Confe-
rência Intergovernamental de fevereiro de 2000.60
No informe foi sugerido que a designação dos juízes, de
comum acordo entre os Estados-Membros, se realizasse a partir
do exame de um dossiê completo apresentado por cada Estado-
Membro a cujo efeito, seria útil, dispor de um comitê consultivo
composto de juristas altamente qualificados e independentes, que
estivessem em condições de averiguar a competência jurídica dos
candidatos apresentados. Esta proposta, e aquela apresentada pela
Comissão no sentido de que a designação dos juízes fosse efetua-
da por maioria qualificada do Conselho, foram descartadas na
Reunião de Cúpula de Nice.61
Estimamos que o dispositivo previsto no Protocolo de Olivos
difere em seu contexto das previsões em torno da designação de
juízes que se estabeleceram para a composição do Tribunal de
Justiça da União Européia. O tribunal arbitral do MERCOSUL
dista muito de parecer-se a uma Corte de tais características. No
entanto, os árbitros devem ser juristas bem qualificados de cada
um dos Estados-Partes e a lista que os Estados devem apresentar
está sujeita à eleição ponderada de cada país. De qualquer forma,
e não obstante as profundas diferenças entre um e outro sistema
jurisdicional, cumprindo-se os requisitos exigidos devem-se re-
gular claramente os aspectos que geram os questionamentos for-
mulados e que de acordo com o texto aprovado ficaram sem re-
ceber uma resposta satisfatória. Isso, a fim de evitar todo tipo de
subjetividade e de não deixar espaços que derivem em atitudes
discricionárias.

60. ALONSO GARCÍA, Estudio preliminar, Madrid, 2001, p. XLIII.


61. ALONSO GARCÍA, Estudio preliminar, Madrid, 2001, p. XLVI.

169
3.3.4 Representantes, assessores62 e unificação de
representação63

Os Estados-Partes na controvérsia designarão seus repre-


sentantes ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc e poderão ainda desig-
nar assessores para a defesa de seus direitos.
Se dois ou mais Estados-Partes sustentarem a mesma posição
na controvérsia, poderão unificar sua representação ante o Tribu-
nal Arbitral e designarão um árbitro de comum acordo, no prazo
de quinze dias, contado a partir da data em que a Secretaria Admi-
nistrativa do MERCOSUL tenha comunicado aos Estados-Partes
na controvérsia a decisão de um deles de recorrer à arbitragem64.

3.4 Tribunal Permanente de Revisão

3.4.1 Composição do Tribunal Permanente de Revisão65

O Tribunal Permanente de Revisão será integrado por cinco


árbitros.
Cada Estado-Parte do MERCOSUL designará um árbitro e
seu suplente por um período de dois anos, renovável por no
máximo dois períodos consecutivos.
O quinto árbitro, que será designado por um período de três
anos não renovável, salvo acordo em contrário dos Estados-Par-
tes, será escolhido, por unanimidade dos Estados-Partes, da lis-
ta66 referida a seguir, pelo menos três meses antes da expiração
do mandato do quinto árbitro em exercício. Este árbitro terá a
nacionalidade de algum dos Estados-Partes do MERCOSUL.

62. PO, art. 12.


63. PO, art. 13.
64. PO, art. 10.2(i).
65. PO, art. 18. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos descritos o dis-
posto no art. 11.2.
66. PO, art. 18.3.

170
Não havendo unanimidade, a designação se fará por sorteio
que realizará a Secretaria Administrativa do MERCOSUL, den-
tre os integrantes dessa lista, dentro dos dois dias seguintes ao
vencimento do referido prazo.
A lista para a designação do quinto árbitro conformar-se-á
com oito integrantes. Cada Estado-Parte proporá dois integrantes
que deverão ser nacionais dos países do MERCOSUL.
Os Estados-Partes, de comum acordo, poderão definir ou-
tros critérios para a designação do quinto árbitro.67
Pelo menos três meses antes do término do mandato dos
árbitros, os Estados-Partes deverão manifestar-se a respeito de
sua renovação ou propor novos candidatos.
Caso expire o mandato de um árbitro que esteja atuando em
uma controvérsia, este deverá permanecer em função até a con-
clusão da demanda.

3.4.2 Disponibilidade permanente dos árbitros e


funcionamento do Tribunal68

Os árbitros integrantes do Tribunal Permanente de Revisão,


uma vez que aceitem sua designação, deverão estar disponíveis
permanentemente para atuar quando convocados.69
O número dos árbitros do tribunal de revisão dependerá dos
Estados-Partes na controvérsia.
Quando envolver dois Estados-Partes, o Tribunal estará in-
tegrado por três árbitros, sendo dois árbitros nacionais de cada
Estado-Parte na controvérsia e o terceiro, que exercerá a presidên-
cia, será designado mediante sorteio a ser realizado pelo diretor da
Secretaria Administrativa do MERCOSUL, entre os árbitros res-
tantes que não sejam nacionais dos Estados-Partes na controvér-
sia. A designação do presidente dar-se-á no dia seguinte à

67. PO, art. 18.4.


68. PO, art. 20.
69. PO, art. 19.

171
interposição do recurso de revisão, data a partir da qual estará
constituído o Tribunal para todos os efeitos.
Quando a controvérsia envolver mais de dois Estados-Par-
tes, o Tribunal Permanente de Revisão estará integrado pelos cinco
árbitros.
Os Estados-Partes, de comum acordo, poderão definir ou-
tros critérios para o funcionamento do Tribunal.
A seguir trataremos das nossas observações sobre o proce-
dimento para a solução de controvérsias no MERCOSUL.

4. PROCEDIMENTO PARA A SOLUÇÃO DE


CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

O Protocolo de Olivos estabelece que as regras de procedi-


mento garantem que cada uma das partes na controvérsia tenha
plena oportunidade de ser ouvida e de apresentar seus argumen-
tos, assegurando que o processo se realize de forma expedita.
O Protocolo de Olivos inclui regras de procedimento que
mantêm uma lacuna que já se apresentava no Protocolo de Brasília
e seu Regulamento. Não se contemplou a possibilidade de que
outras partes70 alheias ao conflito pudessem apresentar alegações;
de tal sorte que a solução do conflito fica restrita às partes, quan-
do seu alcance poderia exceder de tal efeito e servir de funda-
mento ou de base para a interpretação e aplicação em futuras
contendas. O que não se coaduna com a interpretação uniforme
que se pretende71.

70. Poderia ter sido adotado dispositivo semelhante ao previsto na OMC:


Entendimiento Relativo a las Normas y Procedimientos por los que se rige
la Solución de Diferencias, art. 10.
71. ALONSO GARCÍA, Tratado de libre comercio, Mercosur y Comunidad
Europea: solución de controversias e interpretación uniforme, Madrid,
1997, p. 69.

172
4.1 Âmbito de aplicação

O âmbito de aplicação do Anexo III do Tratado de Assun-


ção era restrito às controvérsias que pudessem surgir entre os
Estados-Partes como conseqüência da aplicação do próprio Tra-
tado.72
O âmbito de aplicação do Protocolo de Olivos abrange as
controvérsias que surjam entre os Estados-Partes sobre a inter-
pretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de As-
sunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos
celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do
Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mer-
cado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do
MERCOSUL.73
As controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do
Protocolo de Olivos que possam também ser submetidas ao siste-
ma de solução de controvérsias da Organização Mundial do Co-
mércio ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que
sejam parte individualmente os Estados-Partes do MERCOSUL
poderão submeter-se a um ou a outro foro, à escolha da parte
demandante.74 Sem prejuízo disso, as partes na controvérsia pode-
rão, de comum acordo, definir o foro.75
Sendo previsto que uma vez iniciado um procedimento de
solução de controvérsias com opção de foro, nenhuma das partes
poderá recorrer a mecanismos de solução de controvérsias esta-
belecidos nos outros foros com relação ao mesmo objeto.76
O Conselho do Mercado Comum, segundo o Protocolo de
Olivos, regulamentará os aspectos relativos à opção de foro.77

72. Tratado de Assunção, Anexo III, 1.


73. PO, art. 1.1.
74. PO, art. 1.2.
75. PO, art. 1.
76. PO, art. 1.
77. PO, art. 1.

173
4.1.1 Eleição de foro

Entre as modificações que merecem uma menção especial,


nos referiremos em primeiro lugar, à possibilidade de submeter
os conflitos ante outros foros, tais como a Organização Mundi-
al do Comércio ou outros esquemas preferenciais de comércio
de que sejam parte individualmente os Estados-Partes do
MERCOSUL78.
Esta opção que exerce o demandante, sem prejuízo de que
as partes de comum acordo possam decidir o foro, se assemelha
com o disposto em outros tratados de associações regionais. O
NAFTA incorpora uma cláusula equivalente79, podemos dizer que
na atualidade esta é a tendência que prevalece nos acordos eco-
nômicos regionais80.
Uma vez eleito um foro fica excluído o outro, limitação que
encontra seu sentido na pretensão de evitar a duplicidade de pro-
cedimentos e as resoluções contraditórias81.
A razão de ser desta cláusula no MERCOSUL pode achar-
se também no conflito dirimido ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc
convocado por causa da aprovação na Argentina da Resolução

78. PO, art 1.2.


79. Na hipótese de uma controvérsia relacionada com o NAFTA ou TLCAN e
o GATT, esta pode resolver-se em qualquer dos foros, à eleição da parte
reclamante. Esta é a regra tradicional no litígio nacional, assim como na
solução de controvérsias internacionais. Ver GAINES, Comments on dis-
pute settlement issues under NAFTA, 1993, p. 35.
80. Entre outros: XXI Protocolo Adicional al Acuerdo de Complementación
Económica (ACE) 35 Mercosur-Chile sobre Régimen de Solución de
Controversias (art. 2); ACE 33 – Grupo de los Tres /Colombia, México y
Venezuela (art. 19.3); Acuerdo de Asociación entre la Comunidad Europea
y sus Estados Miembros y Chile (art. 189).
81. CAMARILLO, El TLC y el Sistema de Resolución de Controversias, 1993:
“con relación al NAFTA, que hay oportunidad suficiente para saber
anticipadamente a qué foro va a recurrir la parte reclamante, debido a que
el inicio formal del procedimiento de solución de controversias en el GATT,
no se efectúa sino después de presentar la solicitud para el establecimiento
de un panel, y esto sólo sucede después que han concluido las consultas”.

174
574/2000 ME, segundo a qual se fixaram direitos antidumping
às importações de frangos eviscerados82.
Tendo entendido o Tribunal Arbitral Ad Hoc que não lhe
correspondia anuir ao petitório do Brasil, este país foi pela mes-
ma questão ante a Organização Mundial do Comércio, o que não
seria possível sob a vigência do Protocolo de Olivos83.
Indagamos-nos, quais as razões que avalizam esta possibi-
lidade de recorrer ao mecanismo da Organização Mundial do
Comércio ao invés de promover a demanda pelo sistema adotado
no MERCOSUL?
Indiscutivelmente que o prestígio de que goza a Organiza-
ção Mundial do Comércio exerce uma força de atração para o

82. Controvérsia sobre “Aplicación de Medidas Antidumping contra la


exportación de pollos enteros, provenientes de Brasil, Resolución Nº 574/
2000 del Ministerio de Economía de la República Argentina”, laudo, 21/5/
2001.
83. Informe WT/DS/OV/9, 2002: “WT/DS241 - Argentina - Definitive Anti-
Dumping Duties on Poultry from Brazil. Complaint by Brazil. On 7
November 2001, Brazil requested consultations with Argentina in respect
of the definitive anti-dumping duties imposed by Argentina on imports of
poultry from Brazil, classified under Mercosul tariff line 0207.11.00 and
0207.12.00. These measures were adopted by the Ministry of Economy of
Argentina in Resolution 574 from 21 July 2000, published in the Argentinean
Official Gazette on 24 July 2000. Brazil considered that the definitive anti-
dumping duties imposed, as well as the investigation conducted by the
Argentinean Authorities might have been flawed and based on erroneous
or deficient procedures, inconsistent with Argentina’s obligations under
articles 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 12 and Annex II of the Anti-Dumping Agreement,
article VI of the GATT 1994, and articles 1 and 7 of the Customs Valuation
Agreement. On 19 November 2001, the EC requested to join the consultations.
On 25 February 2002, Brazil requested the establishment of a panel. At its
meeting on 8 March 2002, the DSB deferred the establishment of a panel.
At the DSB meeting on 17 April 2002, the panel was established. Argen-
tina noted that notwithstanding the establishment of the panel at the present
meeting, it was still hopeful that a mutually satisfactory solution to the
dispute could be found. Canada, Chile, the EC, Guatemala, Paraguay and
the US reserved their third-party rights. On 17 June 2002, Brazil requested
the Director-General to compose the panel. On 27 June 2002, the panel
was composed”.

175
seu sistema84. O entendimento relativo às normas e procedimen-
tos pelos que se rege a solução de diferenças tende a fortalecer o
mecanismo de solução de conflitos da Organização, com o efeito
de reduzir a arbitrariedade e evitar a adoção de medidas unilate-
rais em caso de não cumprimento dos compromissos comerciais85.
Trata-se de um procedimento bastante expeditivo fortalecido pela
prática e pelos resultados que reflete o seu acionamento86.
Segundo o informe Steger–Hainsworth, em relação à eficá-
cia dos informes dos grupos especiais, se recorda a afirmação do
Órgão de Apelação ao sustentar:

“[...] una parte importante del GATTacquis son considerados, a


menudo, por subsiguientes grupos especiales. Crean legítimas
expectativas entre los Miembros de la OMC y, por consiguiente,
deberían ser tomados en cuenta cuando ellos son relevantes para
alguna disputa. Sin embargo, ellos no son obligatorios sino con
relación a la resolución de la disputa en particular entre las par-
tes en esa disputa”.

A natureza obrigatória das decisões, a brevidade dos pra-


zos, a automaticidade das etapas no processo e o fortalecimento
dos mecanismos de supervisão e controle, contribuem à resolu-
ção dos conflitos por acordo mútuo. Sua força se manifesta no

84. Informes: “WTO dispute settlement: emerging practice and procedure”,


Debra P. Steger e Peter Van den Bossche (diretor e consultora do Secreta-
riado do Órgão de Apelação da OMC) e “New directions in international
trade law: WTO dispute settlement”, Debra P. Steger e Susan Hainsworth.
Observa-se que desde a entrada em vigor do Acordo da OMC, em janeiro
de 1995, o número de casos de solução de controvérsias se incrementou
significativamente em comparação com a experiência sob o regime do
GATT. Ver o texto de Welber Barral neste livro.
85. GAMIO, La OMC y el sistema de arreglo de controversias, Córdoba, p.
1103.
86. Ver BHALA, The precedent setters: de facto stare decisis in WTO
adjudication (Part II of a Trilogy), Fall 1999, p. 1: que realiza uma com-
pleta análise sobre o valor dos precedentes dos Grupos Especiais e do Órgão
de Apelação na solução de controvérsias na OMC.

176
propósito de reduzir o unilateralismo nas relações comerciais in-
ternacionais e também na tendência para uma maior judicialização
e automatismo. A isso se soma a importância que se reconhece aos
relatórios e recomendações que geralmente se cumprem87, existin-
do ademais, um mecanismo específico para supervisionar dito
cumprimento.88
No caso em que os membros de um esquema de integração
(vg. MERCOSUL) decidam levar a disputa à Organização Mun-
dial do Comércio, ao invés de resolvê-la de acordo com o siste-
ma de solução de controvérsias do seu esquema, o Grupo Espe-
cial e o Órgão de Apelação só se pronunciarão sobre a legalidade
ou não de uma medida a respeito das normas multilaterais da
Organização no âmbito do conflito89. A Organização não se
manifestará sobre a legalidade ou ilegalidade de ato de Membro
a respeito das normas vigentes no seu esquema de integração90.
As desvantagens de possibilitar a eleição de foro residem no
debilitamento que pode ser produzido no sistema de integração91;
ademais pode dar lugar ao “forum shopping” o que se compreen-
deria perfeitamente num modelo de zona de livre comércio, mas
parece difícil de ser admitido num processo pelo qual se tenta
avançar para um grau maior de integração com órgãos que geram
normas de forma duradoura.
Assim, que controvérsias podem ser levadas à Organização
Mundial do Comércio?
Podem ser levadas à Organização todas as controvérsias que
se suscitem a respeito de questões que fiquem atraídas pelo âmbito

87. GAMIO, La OMC y el sistema de arreglo de controversias, Córdoba, p.


1112.
88. OMC/Entendimento sobre Solução de Diferenças, art. 21.5.
89. OMC/Entendimento sobre Solução de Diferenças, art. 1.1.
90. MIRAMONTES, Las controversias comerciales en el marco de la
Organización Mundial de Comercio (OMC), Córdoba, p. 1131.
91. PEROTTI, Qué significó el Protocolo de Olivos, Buenos Aires, 2002: con-
siderava que admitir a opção de foro era um erro imposto por uma prática
contrária ao Tratado de Assunção.

177
de aplicação de suas normas e que possam ser julgadas conforme
às mesmas92.
O dado surge do próprio Protocolo de Olivos quando assinala
que a opção alcança as controvérsias compreendidas em seu âm-
bito de aplicação que possam também ser submetidas ao sistema
de solução de conflitos da Organização Mundial do Comércio.
No Projeto apresentado pelo Grupo de Alto Nível, ao prever
a possibilidade de eleição de foro, estabelecia-se que unicamente
poderia exercer-se com relação a uma norma da Organização
Mundial do Comércio que tivesse sido incorporada à normativa.
Estimamos que foi acertado afastar-se do teor literal origi-
nal. Adotar textualmente alguns dos acordos da Organização
Mundial do Comércio pelo MERCOSUL não agrega nem desa-
grega nada, sendo evidente que ao se incorporar normas da Or-
ganização Mundial do Comércio ao bloco, estas têm que ser in-
terpretadas à luz do Tratado de Assunção93.
No que tange a esta problemática, tenha-se presente o lau-
do proferido no conflito ocorrido entre Brasil (reclamante) e
Argentina (reclamada) sobre a aplicação de medidas de salva-
guarda sobre produtos têxteis do Ministério de Economia e Obras
e Serviços Públicos da reclamada.

92. Caso Argentina-Brasil sobre medidas antidumping, Argentina teve êxito na


arbitragem no MERCOSUL. O Brasil entendeu que as medidas antidumping
não se aplicaram corretamente e recorreu ao sistema de solução de contro-
vérsias da OMC. Pelos “Entendimentos Bilaterais” alcançados durante a
Reunião de Cúpula Presidencial Argentina-Brasil (26/9/2002), o Brasil se
comprometeu a solicitar a suspensão dos trabalhos do Grupo Especial (WT/
DS241), e a Argentina se comprometeu a derrogar as medidas questionadas.
93. Ver Sentença no Mandado de Segurança Nº 96.1011486-2, demandante
Cerealista Fernández Ltda. E demandado o Chefe de Serviço de Fiscaliza-
ção Agropecuária do Paraná, Circunscrição da Justiça Federal de Foz do
Iguaçu, Estado do Paraná, Brasil. O recurso se resolveu com base no Acor-
do sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitosanitárias da OMC, ante a
lacuna normativa no MERCOSUL. Depois o MERCOSUL adotou o Acor-
do da OMC como MERCOSUL/CMC/ DEC. N° 6/96. Ver DREYZIN DE
KLOR; JURE RAMOS, En torno a la libre circulación de mercaderías,
Córdoba, 1998, p. 243-254.

178
A Argentina alegou que os Estados-Partes do MERCOSUL
estão também submetidos à observância do regulamento da Or-
ganização Mundial do Comércio. As regras do MERCOSUL não
excluem as disposições multilaterais. Se um tema foi objeto de
regulação entre os países do MERCOSUL com regras que
aprofundam os compromissos da Organização Mundial do Co-
mércio, elas obrigam aos sócios e prevalecem sobre as regras
multilaterais. No entanto, se uma matéria não foi regulada no
MERCOSUL, os Estados-Partes têm o direito a aplicar os instru-
mentos previstos no ordenamento da Organização Mundial do
Comércio. De 1991 até 1994 as salvaguardas intrazona estiveram
reguladas no MERCOSUL pelo Anexo IV do Tratado de Assun-
ção. Em 1995, os Acordos de Marrakech entraram em vigor, inclu-
indo o Acordo da OMC sobre os Têxteis e Vestuários. Em razão da
inexistência de normas específicas sobre salvaguardas de têxteis
no MERCOSUL, as regras da Organização podem ser aplicadas.
A opção prevista no Protocolo de Olivos sobre a eleição de
foro se relaciona também com a questão do cumprimento do lau-
do. Dada a força multilateral da Organização Mundial do Co-
mércio é mais provável - ainda que não seja o desejável, fato que
requererá tempo e acomodamento - que os Estados-Partes do
MERCOSUL cumpram o prescrito por um painel da Organiza-
ção Mundial do Comércio, que conseguir igual resultado bilate-
ralmente dentro do bloco.
Quanto à personalidade jurídica requerida para aceder a cada
um destes sistemas, verifica-se uma equivalência, pois nem em
um e nem em outro mecanismo, foi contemplado que o particular
possa acioná-los diretamente.

4.2 Jurisdição dos tribunais

Os Estados-Partes declararam reconhecer como obrigató-


ria, ipso facto e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição
dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc que em cada caso se constituam

179
para conhecer e resolver as controvérsias, bem como a jurisdição
do Tribunal Permanente de Revisão para conhecer e resolver as
controvérsias conforme as competências que lhes confere o Pro-
tocolo de Olivos.94

4.3 Regras de procedimento

Os Tribunais Arbitrais Ad Hoc adotarão suas próprias re-


gras de procedimento, tomando como referência as regras mode-
los a serem aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum.95
O Tribunal Permanente de Revisão adotará suas próprias
regras de procedimento no prazo de trinta dias, contado a partir
de sua constituição, as quais deverão ser aprovadas pelo Conse-
lho do Mercado Comum.96
As regras mencionadas devem garantir que cada uma das
partes na controvérsia tenha plena oportunidade de ser ouvida e
de apresentar seus argumentos e assegurar que os processos se
realizem de forma expedita.97

4.3.1 Mecanismos expeditos

No Capítulo II do Protocolo de Olivos foi prevista a possi-


bilidade de estabelecer mecanismos de solução especial para as
diferenças que existam entre os Estados-Partes versadas sobre
aspectos técnicos que se regulem em instrumentos de políticas
comerciais comuns.
A norma responde às propostas que se negociaram no Gru-
po Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais do MERCOSUL, quando

94. PO, art. 33.


95. PO, art. 51.2.
96. PO, art. 51.1.
97. PO, art. 51.3.

180
o Brasil defendeu a necessidade de introduzir alguns procedi-
mentos simplificados para conflitos que se originem em temas
pontuais como é o caso do regime de origem98.
Conquanto a introdução de procedimentos expeditos possa
dar lugar a resultados eficazes, tal como foi recolhido no Proto-
colo de Olivos aparece como uma medida incerta; mais ainda ao
deixar ao arbítrio do Conselho do Mercado Comum a determina-
ção de quando será necessário implementar estes mecanismos,
bem como definir e aprovar as regras de funcionamento, o alcan-
ce dos procedimentos e a natureza dos pronunciamentos que se
emitam. Estimamos que fosse conveniente regular esta matéria
com maior precisão ao invés de propor seu tratamento sem ofe-
recer maiores detalhes.

4.4 Medidas provisórias, excepcionais e de urgência

O Tribunal Arbitral Ad Hoc poderá, por solicitação da parte


interessada, e na medida em que existam presunções fundamentadas
de que a manutenção da situação poderá ocasionar danos graves e
irreparáveis a uma das partes na controvérsia, ditar as medidas pro-
visórias que considere apropriadas para prevenir tais prejuízos.99
O Tribunal poderá, também, a qualquer momento, tornar
sem efeito tais medidas.100
Caso o laudo seja objeto de recurso de revisão, as medidas
provisórias que não tenham sido deixadas sem efeito antes da
emissão do mesmo se manterão até o tratamento do tema na pri-
meira reunião do Tribunal Permanente de Revisão, que deverá
resolver sobre sua manutenção ou extinção.101

98. Grupo Ad Hoc sobre Aspectos Institucionais do MERCOSUL, Ata 2/00,


Buenos Aires, 30 e 31 de maio de 2000.
99. PO, art. 15.1.
100. PO, art. 15.2.
101. PO, art. 15.3.

181
O Conselho do Mercado Comum poderá estabelecer proce-
dimentos especiais para atender casos excepcionais de urgência
que possam ocasionar danos irreparáveis às partes.102

4.5 As fases do procedimento

4.5.1 Negociações diretas

Os Estados-Partes numa controvérsia procurarão resolvê-


la, antes de tudo, mediante negociações diretas.103
As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as
partes na controvérsia, exceder um prazo de quinze dias a partir
da data em que uma delas comunicou à outra a decisão de iniciar
a controvérsia.104
Os Estados-Partes em uma controvérsia informarão ao Gru-
po Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrati-
va do MERCOSUL, sobre as gestões que se realizarem durante
as negociações e os resultados das mesmas.105

4.5.2 Procedimento opcional ante o Grupo Mercado Comum

Se mediante as negociações diretas não se alcançar um acor-


do ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, os
Estados-Partes na controvérsia poderão, de comum acordo,
submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum.106
Nesse caso, o Grupo avaliará a situação, dando oportunida-
de às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas

102. PO, art. 24.


103. PO, art. 4.
104. PO, art. 5.1.
105. PO, art. 5.2.
106. PO, art. 6.2.

182
posições, requerendo, quando considere necessário, o assesso-
ramento de especialistas.107
Os gastos relativos ao assessoramento de especialistas serão
custeados em montantes iguais pelos Estados-Partes na controvér-
sia ou na proporção que determine o Grupo Mercado Comum.108
A controvérsia também poderá ser levada à consideração do
Grupo Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte na
controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao tér-
mino das negociações diretas. Nesse caso, o procedimento arbitral
que se tenha iniciado pelo Estado-Parte demandante não será in-
terrompido, salvo acordo entre os Estados-Partes na controvérsia.109
Se a controvérsia for submetida ao Grupo Mercado Comum
pelos Estados-Partes na controvérsia, o Grupo formulará reco-
mendações que, se possível, deverão ser expressas e detalhadas,
visando à solução da divergência.110
Se a controvérsia for levada à consideração do Grupo Mer-
cado Comum a pedido de um Estado que dela não é parte, o
Grupo Mercado Comum poderá formular comentários ou reco-
mendações a respeito.111
O procedimento opcional ante o Grupo Mercado Comum
não poderá estender-se por um prazo superior a trinta dias a par-
tir da data da reunião em que a controvérsia foi submetida à sua
consideração.112
A intervenção do Grupo Mercado Comum deixou de ser
uma fase obrigatória para converter-se num estágio optativo, de-
pendendo do acordo das partes113.
Esta formulação que aparece desde os primeiros esboços da
reforma do mecanismo de solução de controvérsias, esteve presen-

107. PO, art. 6.2(i). Especialistas selecionados da lista referida no art. 43 do PO.
108. PO, art. 6.2(ii).
109. PO, art. 6.3.
110. PO, art. 7.1.
111. PO, art. 7.2.
112. PO, art. 8.
113. PO, art. 6.

183
te da pauta do Conselho do Mercado Comum à hora de aprovar
a Decisão N° 25/2000. Com efeito, a proposta de agilizar os pro-
cessos existentes se ajusta com a solução adotada.
No transcurso da existência do MERCOSUL, esta fase co-
nhecida como a etapa institucional114, não se caracterizou por
desempenhar um papel importante na solução das controvérsias.
O Uruguai pode ter avaliado esta falta de operatividade, que
só suscitava um maior desgaste às partes na medida em que de-
moravam as atuações, pois foi mais longe ainda do que seus sócios
e na sua proposta suprimiu a intervenção do Grupo Mercado
Comum do mecanismo de solução de conflitos.
Do sistema vigente antes do Protocolo de Olivos é importan-
te mencionar a Comissão de Comércio do MERCOSUL. Este ór-
gão participa, segundo o disposto no Anexo ao Protocolo de Ouro
Preto, que trata do procedimento geral para reclamações ante a
Comissão de Comércio do MERCOSUL, nas regulamentações di-
tadas por força de sua intervenção como alternativa para encami-
nhar as reclamações dos Estados-Partes ou de particulares, efetuadas
ante a Seção Nacional da Comissão de Comércio do MERCOSUL.
A Comissão de Comércio vinha desenvolvendo uma tarefa impor-
tante em sua atividade de articuladora de consultas e centralizava
as mesmas num número muito mais significativo do que o Grupo
Mercado Comum; no entanto, quanto às soluções alcançadas, cabe
reiterar o mencionado sobre o Grupo Mercado Comum no que
tange aos exíguos ganhos obtidos.
Observa-se que a composição de ambos os órgãos, Grupo
Mercado Comum e Comissão de Comércio do MERCOSUL,
responde ao modelo intergovernamental. Bem assinalado o seu
caráter técnico nas discussões que operavam no âmbito da Co-
missão de Comércio do MERCOSUL, sugerindo que o diálogo
em seu seio era menos politizado do que aquele que tinha lugar
no âmbito do Grupo Mercado Comum.

114. BOLDORINI, Protocolo de Brasilia para la solución de controversias,


Santa Fe, 1994, p. 475.

184
A observação sobre a estrutura, permite inferir também que
o Grupo Mercado Comum pode ser considerado um órgão não só
superior à Comissão de Comércio do MERCOSUL, senão tam-
bém com um caráter governamental mais notório115.
O fato de não interferir na solução do conflito foi destacado
como um modo de despolitização das controvérsias entre os Es-
tados-Partes, na medida em que se entendia oferecer-lhes maior
possibilidade de predizer institucionalmente os resultados, faci-
litando um avanço para uma interpretação uniforme do conjunto
normativo do MERCOSUL e para a criação de uma jurisprudência
comum116.
O Protocolo de Olivos resgata a experiência institucional
do bloco já que mantém vigente o procedimento ante a Comissão
de Comércio do MERCOSUL, ainda que derrogando o Protoco-
lo de Brasília e seu Regulamento.
A faculdade de não submeter uma controvérsia ao Grupo
Mercado Comum deve ser avaliada, desde uma perspectiva
operativa, no sentido de reconhecer que conquanto é uma inova-
ção, não muda radicalmente a estrutura do sistema anterior de
solução de diferenças. Sendo que as decisões do Grupo Mercado
Comum são tomadas por consenso, sob o guarda-chuva do siste-
ma vigente, é suficiente que o Estado-Parte que decide levar a
controvérsia ao Tribunal Arbitral vote contra a recomendação do
Grupo Mercado Comum para conseguir seu propósito. Segundo
esta ótica, a alteração incorporada por Olivos é só uma maneira
de não procrastinar a solução da controvérsia117.

115. MORAES, O novo sistema jurisdicional do Mercosul: um primeiro olhar


sobre o Protocolo de Olivos, São Paulo, 2002, p. 57.
116. REDRADO, 2002: “el Protocolo funcionará como una instancia de revisión
jurídica, que despolitiza el sistema actual a la vez que lo mejora, a la luz
de la experiencia obtenida con las diversas controversias suscitadas y los
distintos laudos dictados para resolverlas”.
117. MORAES, O novo sistema jurisdicional do Mercosul: um primeiro olhar
sobre o Protocolo de Olivos, São Paulo, 2002, p. 65.

185
4.5.3 Procedimento ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc

O procedimento arbitral ad hoc poderá ser iniciado direta-


mente por qualquer dos Estados-Partes envolvidos se mediante
as negociações diretas não se alcançar um acordo, ou se a contro-
vérsia for solucionada apenas parcialmente.118
Caso o procedimento opcional ante o Grupo Mercado Co-
mum, igualmente, não tiver sido possível para solucionar a con-
trovérsia, qualquer dos Estados-Partes poderá iniciar o procedi-
mento arbitral ad hoc.119
A decisão de recorrer ao procedimento arbitral ad hoc será120
comunicada à Secretaria Administrativa do MERCOSUL.121
A Secretaria Administrativa notificará, de imediato, a co-
municação ao outro ou aos outros Estados envolvidos na contro-
vérsia e ao Grupo Mercado Comum.122
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL se encarrega-
rá das gestões administrativas que lhe sejam requeridas para a
tramitação dos procedimentos.123
O Tribunal Arbitral Ad Hoc emitirá o laudo num prazo de
sessenta dias, prorrogáveis por decisão do próprio Tribunal por
um prazo máximo de trinta dias, contado a partir da comunica-
ção efetuada pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL às
partes e aos demais árbitros, informando a aceitação pelo árbitro
presidente de sua designação.124

118. PO, art. 6.1.


119. PO, art. 9.1.
120. Mesmo que a redação não expresse uma obrigação (“poderá”), o recurso
ao tribunal arbitral “deverá” ser comunicado à Secretaria Administrativa
do MERCOSUL.
121. PO, art. 9.1.
122. PO, art. 9.2.
123. PO, art. 9.3.
124. PO, art. 16.

186
4.5.3.1 Objeto da controvérsia

O objeto da controvérsia ficará determinado pelos textos de


apresentação e de resposta apresentados ante o Tribunal Arbitral
Ad Hoc, não podendo ser ampliado posteriormente.125
As alegações que as partes apresentem nos textos mencio-
nados no item anterior se basearão nas questões que foram con-
sideradas nas etapas prévias, contempladas no Protocolo de Olivos
e no Anexo ao Protocolo de Ouro Preto.126
Os Estados-Partes na controvérsia informarão ao Tribunal
Arbitral Ad Hoc, nos textos mencionados, sobre as instâncias
cumpridas com anterioridade ao procedimento arbitral e farão
uma exposição dos fundamentos de fato e de direito de suas res-
pectivas posições.127
O Protocolo de Olivos ao prescrever que o objeto da contro-
vérsia fica determinado pelos textos de apresentação e resposta
dos Estados-Partes sem que possam ampliar-se as questões a fatos
não considerados nas etapas prévias à arbitragem, precisa uma
questão que deu lugar a interpretações diversas do Protocolo de
Brasília quando regulamentava o item128.
Segundo uma das posturas, o objeto da controvérsia ficava
estabelecido pelas alegações sustentadas nas etapas prévias à
arbitragem129. Neste sentido o Tribunal Arbitral Ad Hoc que pro-
feriu o primeiro laudo arbitral sustentou que tanto o Protocolo de
Brasília como o Protocolo de Ouro Preto, ao preverem etapas
prévias à arbitragem, impunham que não pudessem adicionar-se
na última instância questões não suscitadas nos escalões anterio-
res e que os documentos de apresentação e de contestação ante o

125. PO, art. 14.1.


126. PO, art. 14.2.
127. PO, art. 14.3.
128. PO, art. 28.
129. Exemplo: primeiro e segundo laudos do MERCOSUL, Argentina contra o
Brasil, sobre Comunicados DECEX e SECEX (28/4/99) e Subsídios à
Produção e Exportação de Carne de Porco (27/9/99).

187
tribunal têm de ajustar-se a essa regra. Se o objeto da controvérsia
foi fixado na etapa de negociações diplomáticas, a partir de então
já não pode ter modificação do objeto da controvérsia pelas par-
tes envolvidas. Se fossem admitidas na fase arbitral reclamações
não alegadas na fase anterior, se estaria aceitando que se pode
obviar a fase diplomática para ir diretamente à fase arbitral, o
que viola o conteúdo e o espírito do procedimento de solução de
controvérsias do MERCOSUL.130
Enquanto a outra posição se baseava em que a matéria do
conflito é a que surge dos documentos da reclamação e da resposta
apresentados pelas partes ante o tribunal arbitral, ainda quando
estes contenham imputações não alegadas com anterioridade131.
Nesta linha o terceiro Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL
sustentou que interpretava o art. 28 do Protocolo de Brasília no
sentido de que o reclamante e/ou reclamado podem definir o obje-
to da controvérsia até a apresentação dos textos de reclamação e/
ou de resposta, de modo que as partes estabeleceriam o objeto da
disputa nesses textos. O dispositivo referido exige ao tribunal o
exame do conteúdo completo das duas apresentações, inclusive o
petitório.
As diferenças apontadas conduziram a adotar soluções di-
vergentes, situação que deixa uma vez mais descoberta a neces-
sidade de avançar para uma interpretação uniforme do direito do
MERCOSUL.
Em relação ao objeto da controvérsia e o tratamento que
recebeu dos tribunais ad hoc, dois aspectos merecem esclareci-
mento.
Primeiro interessa determinar se é necessário que se obser-
vem em forma sucessiva os mecanismos de solução de contro-
vérsias previstos nos Protocolos de Brasília e Ouro Preto. Logo,
esclarecer se no procedimento arbitral se pode introduzir ou não,

130. Primeiro laudo do MERCOSUL, § 53.


131. Terceiro laudo arbitral, Brasil contra a Argentina, sobre Medidas de Salva-
guarda sobre Produtos Têxteis.

188
alegações não formuladas nas etapas anteriores132. Ainda que o
problema se torne abstrato sob o mecanismo de Olivos que ex-
pressamente se pronuncia sobre ambas as questões, é oportuno
um breve comentário.
Quanto à primeira questão, os tribunais arbitrais reconhece-
ram a necessidade de respeitar as etapas previstas nos meios con-
sagrados nos instrumentos jurídicos do MERCOSUL. Assim se
observa das opiniões vertidas pelos árbitros dos laudos citados
quando se examinou se foram cumpridas as etapas prévias à ar-
bitragem.
O outro tema, que se refere a introduzirem-se novas impu-
tações na fase arbitral, gera diferenças entre o disposto por um
lado, no primeiro e no segundo laudo arbitral, e por outro, no
terceiro laudo. Neste último caso, ao considerar o tribunal a ale-
gação da Argentina, não obstante concluir que as questões
alegadas pelo Brasil na reclamação apresentada na instância
arbitral eram mais extensas do que aquelas formuladas nas eta-
pas anteriores de solução de controvérsias, admitiu que integras-
sem a reclamação.
A argumentação é a seguinte:

“O objeto da presente controvérsia é o descrito na apresentação do


Brasil e na resposta da Argentina. A objeção argentina à defini-
ção do objeto da controvérsia feita pelo Brasil não é consistente
com o Artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília em
virtude de que o Brasil definiu o objeto da controvérsia em seu
trabalho escrito de apresentação, portanto, o Tribunal não levará
em consideração a objeção anteriormente apresentada.”133

A objeção argentina se sustentou em que o texto da recla-


mação apresentada pelo Brasil ao Tribunal continha imputações

132. REY CARO, Apostillas sobre el derecho del Mercosur y la jurisprudencia


arbitral, Madrid, 2001, p. 421.
133. Terceiro laudo do MERCOSUL, nota de rodapé n. 13.

189
que eram mais extensas do que o país especificou nas primeiras
etapas para a resolução da controvérsia.
Como deveria interpretar-se, em nosso juízo, o art. 28 do
Protocolo de Brasília?
Uma interpretação literal da norma permitiria aceitar-se a
decisão do terceiro laudo arbitral, no entanto uma hermenêutica
aplicada na perspectiva teleológica e atendendo ao mecanismo
considerado em sua integridade, a interpretação conforme as ar-
gumentações contidas no terceiro laudo arbitral, conduzem a um
efeito refratário ao desejado.
Admitir a possibilidade de que se valorizem formulações
das partes na instância arbitral, quando não foram sustentadas
nas etapas prévias, violenta o texto e o espírito que primou ao
projetar-se o sistema de Brasília, e mais ainda, é contrário aos
elementares princípios de justiça e à prática nos mecanismos
internacionais de solução de controvérsias.

4.5.4 Procedimento ante o Tribunal Permanente de Revisão

Qualquer das partes na controvérsia poderá apresentar um


recurso de revisão do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc ao Tri-
bunal Permanente de Revisão, em prazo não superior a quinze
dias a partir da notificação do laudo.134
O recurso estará limitado a questões de direito tratadas na
controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo
do Tribunal Arbitral Ad Hoc.135
Caso um Estado-Parte interponha recurso de revisão, o cum-
primento do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc será suspenso
durante o trâmite do mesmo.136

134. PO, art. 17.1.


135. PO, art. 17.2.
136. PO, art. 29.2.

190
Os laudos dos Tribunais Ad Hoc emitidos com base no
“princípio ex aequo et bono” não serão suscetíveis de recurso
de revisão.137
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL estará encar-
regada das gestões administrativas que lhe sejam requeridas para
o trâmite dos procedimentos e manterá informados os Estados-
Partes na controvérsia e o Grupo Mercado Comum.138
A outra parte na controvérsia terá direito a contestar o re-
curso de revisão interposto, dentro do prazo de quinze dias de
notificada à apresentação de tal recurso.139
O Tribunal Permanente de Revisão pronunciar-se-á sobre o
recurso em um prazo máximo de trinta dias, contado a partir da
apresentação da contestação referida no item anterior ou do ven-
cimento do prazo para a referida apresentação, conforme o caso.
Por decisão do tribunal de revisão, o prazo de trinta dias poderá
ser prorrogado por mais quinze dias.140
O Tribunal Permanente de Revisão poderá confirmar, mo-
dificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tri-
bunal Arbitral Ad Hoc.141
O laudo do Tribunal Permanente de Revisão será definitivo
e prevalecerá sobre o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc.142
Obviamente, a inovação mais importante que foi introduzida
pelo texto de Olivos reside na criação de um Tribunal Permanen-
te de Revisão, ao que se lhe atribui o caráter de permanente143.
Mais do que um órgão permanente é um tribunal disponível que
difere em muito, do caráter permanente que têm tribunais de outros
modelos de integração.

137. PO, art. 17.3.


138. PO, art. 17.4.
139. PO, art. 21.1.
140. PO, art. 21.2.
141. PO, art. 22.1.
142. PO, art. 22.2.
143. PO, art. 19.

191
São variadas as razões que impediram a criação de um Tri-
bunal permanente no sentido cabal do termo, isto é, caracteriza-
do pela dedicação total de seus membros às funções atribuídas.
Descartamos uma análise ao motivo principal pelo qual não é
possível um tribunal supranacional, pois é sabido que o obstácu-
lo é de neto conteúdo constitucional, pela falta de delegação de
competências para órgãos legiferantes e jurisdicionais. A razão,
que em nosso juízo, impediu criar um tribunal arbitral permanen-
te se deve à onerosidade que isso acarretaria. Não só pelo que
implica o tribunal em si, senão por todo o aparelho burocrático
que se requer para seu funcionamento com caráter estável.
Quanto à designação do quinto árbitro se reconhece aos
Estados-Partes uma ampla margem para fixar os critérios que
estimem mais convenientes, sempre que exista acordo entre eles.
Quais são os pontos que podem afastar-se deste disposto?
Entendemos que não é sobre a duração do mandato (3 anos),
senão sobre a possibilidade de renová-lo.
Também poderão acordar que o candidato seja extrazona.
Podem estabelecer outro sistema para a eleição do quinto
árbitro quando não existe unanimidade, descartando o sorteio na
Secretaria Administrativa do MERCOSUL?
Parece que isso é possível em virtude do disposto no artigo
18.4 do Protocolo de Olivos, quando deixa facultado ao acordo
conjunto dos Estados-Partes fixar os critérios de sua designação.
Não acreditamos possível que possa adotar-se uma alternativa
distinta ao proposto quanto à exigência da unanimidade, pese a que
a norma exprime que os “Estados-Partes, de comum acordo, pode-
rão definir outros critérios para a designação do quinto árbitro”144.
Também podem definir o modo de funcionamento do Tri-
bunal segundo o número dos Estados-Partes da controvérsia.
O Protocolo distingue quando o conflito envolva a dois Esta-
dos-Partes e quando a controvérsia envolva a mais de dois Esta-
dos-Partes.

144. PO, art. 18.4.

192
No primeiro caso, o Tribunal Permanente de Revisão estará
integrado por um árbitro de cada um de ditos Estados e o presi-
dente será eleito mediante sorteio realizado pelo diretor da Se-
cretaria Administrativa do MERCOSUL entre os membros não
nacionais dos Estados-Partes na controvérsia. Enquanto na outra
hipótese o tribunal atua em seu conjunto ou pleno145.
Para avançar na interpretação uniforme do direito do
MERCOSUL, teria sido mais conveniente que em todos os casos
o tribunal funcionasse integrado por todos os membros. Será di-
fícil conseguir o objetivo de interpretação uniforme mediante o
regime preceituado, pois a experiência nos conflitos levados ante
os tribunais arbitrais ad hoc demonstra que as controvérsias se
vieram apresentando entre dois Estados, conseqüentemente, a
composição por três de seus membros, que serão diferentes se-
gundo as partes na disputa, suscitará eventualmente distintas in-
terpretações146.
Em função do reenvio ao artigo que regulamenta as listas de
árbitros para integrar o Tribunal Ad Hoc, a designação deve acom-
panhar-se com o curriculum vitae de cada candidato, admitindo-se
o pedido de esclarecimentos a respeito das pessoas propostas e as
objeções justificadas a respeito dos candidatos dos outros países.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL tem a seu car-
go todas as gestões administrativas para desenvolver os procedi-
mentos necessários, bem como realizar as gestões tendentes a
manter informados aos Estados-Partes na disputa e ao Grupo
Mercado Comum.
As partes poderão apresentar um recurso de revisão ante
esse tribunal contra o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc respei-
tando os prazos estabelecidos. O recurso se limitará às questões
de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas
desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc que atua

145. PO, art. 20.


146. REY CARO, El Protocolo de Olivos para la solución de controversias en
el Mercosur, Córdoba, p. 36.

193
como órgão de primeira instância, ficando excluídas deste modo
todas as questões de fato147.
Quando os laudos forem proferidos com base no princípio
ex aequo et bono não poderá interpor-se recurso contra essa
decisão.
O Tribunal Permanente de Revisão tem competência para
confirmar, modificar ou revogar os fundamentos jurídicos e os
laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc. Contra seus pronunciamen-
tos só é possível um recurso de esclarecimento com respeito à
forma de cumprimento do laudo148; todavia o pronunciamento
emanado do tribunal de revisão é definitivo e prevalece sobre o
laudo proferido pelo Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Também assume competência per saltum, ou seja, que ad-
mite o acesso direto das partes uma vez que fracassaram as nego-
ciações diretas. As vantagens desta opção radicam em evitar
dilações e diminuir os gastos que implicam submeter-se ao Tri-
bunal Arbitral Ad Hoc como uma primeira instância jurisdicional.
O inconveniente é o alcance da decisão no sentido de que esta
não ficará sujeita a nenhum recurso de revisão e terá força de
coisa julgada para as partes.
Ademais, o Tribunal Permanente de Revisão tem compe-
tência para responder às opiniões consultivas que lhe sejam formu-
ladas, ainda que este ponto dependa de regulamentação que ela-
bore o Conselho do Mercado Comum para se conhecer como
será efetivado o procedimento.
Deverá conhecer assim mesmo, o tribunal de revisão, sobre
as medidas provisionais que se tenham mantido quando o laudo
foi objeto de recurso de revisão, devendo decidir na primeira
reunião que efetue, uma vez interposto o recurso, sobre a conti-
nuidade ou cessação das mesmas.
No suposto de que o Estado-Parte beneficiado pelo laudo
considere que as medidas adotadas pelo obrigado não respondem

147. PO, art. 17.


148. PO, art. 28.1.

194
ao cumprimento da decisão proferida, assumirá competência o
Tribunal de Revisão no caso em que tenha intervindo, a fim de
verificar o cumprimento. Também pode ocorrer que corresponda
ao Tribunal Arbitral Ad Hoc entender do cumprimento do laudo se
foi esse que o proferiu.

4.5.5 O procedimento no Tribunal Permanente de Revisão


como instância única

As partes na controvérsia, culminado o procedimento de


negociação direta, poderão acordar expressamente submeter-se
diretamente e em única instância ao Tribunal Permanente de
Revisão, caso em que este terá as mesmas competências que um
Tribunal Arbitral Ad Hoc.149
Nessas condições, os laudos do Tribunal Permanente de
Revisão serão obrigatórios para os Estados-Partes na controvér-
sia a partir do recebimento da respectiva notificação, não estarão
sujeitos a recursos de revisão e terão, com relação às partes, for-
ça de coisa julgada.150

Opiniões consultivas

Durante as negociações prévias à assinatura do Protocolo


de Olivos, como vimos, reconheceu-se à interpretação uniforme
do acervo normativo do MERCOSUL significativa importância
em termos de dotar ao esquema de previsibilidade e certeza. O
principal problema radicou na busca do método mais idôneo para
conseguir este propósito. Tendo-se insistido tanto na doutrina
acerca dos benefícios que a interpretação uniforme do direito da
integração produziria no desenvolvimento jurídico do processo,

149. PO, art. 23.1. Aplicando-se, no que corresponda os arts. 9, 12, 13, 14, 15
e 16 do PO.
150. PO, art. 23.2.

195
não surpreende que o Conselho do Mercado Comum tenha in-
cluído a questão entre os temas enumerados para receber análi-
ses à hora de modificar o sistema de solução de conflitos do
Protocolo de Brasília.
A tal ponto se constituiu numa prioridade que se destacou
que o legislador do MERCOSUL151 decidia modificar o sistema
vigente frente à necessidade de garantir a correta interpretação,
aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do pro-
cesso de integração e do conjunto normativo do MERCOSUL,
de forma consistente e sistemática com o fim de consolidar a
segurança jurídica no bloco.
Indagamos-nos, também, se é possível cumprir com esta
finalidade através da norma que se sanciona? Trata-se de um
propósito sumamente ambicioso que parte da premissa da exis-
tência de segurança jurídica no bloco – que focalizaremos mais
adiante.

4.6 Laudos arbitrais

Os laudos do Tribunal Arbitral Ad Hoc e os do Tribunal Per-


manente de Revisão serão adotados por maioria, serão fundamen-
tados e assinados pelo presidente e pelos demais árbitros. Os árbi-
tros não poderão fundamentar votos em dissidência e deverão
manter a confidencialidade da votação. As deliberações também
serão confidenciais e assim permanecerão em todo o momento.152
Os laudos dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc são obrigatórios
para os Estados-Partes na controvérsia a partir de sua notificação
e terão, em relação a eles, força de coisa julgada se, transcorrido
o prazo de quinze dias para interpor recurso de revisão, este não
tenha sido interposto.153

151. Considerando do preâmbulo do Protocolo de Olivos.


152. PO, art. 25.
153. PO, arts. 26.1 e 17.1.

196
Os laudos do Tribunal Permanente de Revisão são inapeláveis,
obrigatórios para os Estados-Partes na controvérsia a partir de sua
notificação e terão, com relação a eles, força de coisa julgada.154
Os laudos deverão ser cumpridos na forma e com o alcance
com que foram emitidos. A adoção de medidas compensatórias
nos termos deste Protocolo não exime o Estado-Parte de sua
obrigação de cumprir o laudo.155
Os laudos do Tribunal Ad Hoc ou os laudos do Tribunal
Permanente de Revisão, conforme o caso, deverão ser cumpridos
no prazo que os respectivos Tribunais estabelecerem. Se não for
estabelecido um prazo, os laudos deverão ser cumpridos no pra-
zo de trinta dias seguintes à data de sua notificação.156
O Estado-Parte obrigado a cumprir o laudo informará à outra
parte na controvérsia, assim como ao Grupo Mercado Comum,
por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL,
sobre as medidas que adotará para cumprir o laudo, dentro dos
quinze dias contados desde sua notificação.157
Caso o Estado beneficiado pelo laudo entenda que as medi-
das adotadas não dão cumprimento ao mesmo, terá um prazo de
trinta dias, a partir da adoção das mesmas, para levar a situação
à consideração do Tribunal Arbitral Ad Hoc ou do Tribunal Per-
manente de Revisão, conforme o caso.158
O Tribunal respectivo terá um prazo de trinta dias a partir
da data que tomou conhecimento da situação para dirimir as ques-
tões referidas no item anterior.159
Caso não seja possível a convocação do Tribunal Arbitral
Ad Hoc que conheceu do caso, outro será conformado com os
suplentes necessários.160

154. PO, art. 26.2.


155. PO, art. 27.
156. PO, art. 29.1.
157. PO, art. 29.3.
158. PO, art. 30.1.
159. PO, art. 30.2.
160. PO, art. 30.3, mencionados nos arts. 10.2 e 10.3.

197
4.6.1 Recurso de esclarecimento

Qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá solici-


tar um esclarecimento do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc ou
do Tribunal Permanente de Revisão e sobre a forma com que
deverá cumprir-se o laudo, dentro de quinze dias subseqüentes à
sua notificação.161
O Tribunal respectivo se manifestará sobre o recurso nos quin-
ze dias subseqüentes à apresentação da referida solicitação e pode-
rá outorgar um prazo adicional para o cumprimento do laudo.162

4.7 Acordo ou desistência da controvérsia

Em qualquer fase dos procedimentos, o Estado que apre-


sentou pedido de solução de controvérsia ou a reclamação pode-
rá desistir das mesmas, ou os Estados-Partes envolvidos no caso
poderão chegar a um acordo dando-se por concluída a controvér-
sia ou a reclamação, em ambos os casos. As desistências e acor-
dos deverão ser comunicados por intermédio da Secretaria Ad-
ministrativa do MERCOSUL ao Grupo Mercado Comum, ou ao
tribunal que corresponda, conforme o caso.163

4.8 Confidencialidade

Todos os documentos apresentados no âmbito dos procedi-


mentos previstos no Protocolo de Olivos são de caráter reserva-
do às partes na controvérsia, à exceção dos laudos arbitrais.164
Não obstante, o Conselho do Mercado Comum regulamentará a

161. PO, art. 28.1.


162. PO, art. 28.2.
163. PO, art. 45.
164. PO, art. 46.1.

198
modalidade de divulgação dos textos e apresentações relativos a
controvérsias já concluídas.165
A critério da Seção Nacional do Grupo Mercado Comum
de cada Estado-Parte do MERCOSUL e quando isso seja neces-
sário para a elaboração das posições a serem apresentadas ante o
Tribunal, esses documentos poderão ser dados a conhecer, exclu-
sivamente, aos setores com interesse na questão.166

4.9 Prazos estabelecidos no Protocolo de Olivos

Todos os prazos estabelecidos no Protocolo de Olivos são


peremptórios e serão contados por dias corridos a partir do dia
seguinte ao ato ou fato a que se referem. Não obstante, se o ven-
cimento do prazo para apresentar um texto ou cumprir uma dili-
gência não ocorrer em dia útil na sede da Secretaria Administra-
tiva do MERCOSUL, a apresentação do texto ou cumprimento
da diligência poderão ser feitos no primeiro dia útil imediata-
mente posterior a essa data.167
O acordo das partes prevalece sobre a regra, pois todos os
prazos previstos no Protocolo de Olivos poderão ser modificados
de comum acordo pelas partes na controvérsia. Os prazos previs-
tos para os procedimentos tramitados ante os Tribunais Arbitrais
Ad Hoc e ante o Tribunal Permanente de Revisão poderão ser
modificados quando as partes na controvérsia o solicitarem ao
respectivo Tribunal e este o conceder.168

165. PO, art. 46.3.


166. PO, art. 46.2.
167. PO, art. 48.1.
168. PO, art. 48.2.

199
5. DIREITO APLICÁVEL NA SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

Os Tribunais Arbitrais Ad Hoc e o Tribunal Permanente de


Revisão decidirão a controvérsia com base no direito da integração
originário (Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto, nos
protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assun-
ção); no direito da integração derivado (Decisões do Conselho do
Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum e
nas Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL); e no
direito internacional público (princípios e regras de Direito Inter-
nacional aplicáveis à matéria).169
O Protocolo de Olivos não restringe a faculdade dos Tribunais
Arbitrais Ad Hoc ou a do Tribunal Permanente de Revisão, quando
atue como instância direta e única170, de decidir a controvérsia ex
aequo et bono, sempre que as partes assim acordarem.171

5.1 Princípios recepcionados pelo Protocolo de Olivos

5.1.1 Princípio da celeridade processual

Estabeleceram-se termos breves a fim de agilizar as atua-


ções, oferecendo assim maiores garantias de celeridade às partes.
Por exemplo, o tribunal permanente poderá prorrogar o pra-
zo de trinta dias fixado para pronunciar-se no recurso de revisão,
por um lapso de apenas quinze dias172.
Também concerne ao princípio de celeridade, a faculdade re-
conhecida às partes de elidir a jurisdição do Tribunal Arbitral Ad
Hoc e submeter-se diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão.

169. PO, art. 34.1.


170. PO, art. 23.
171. PO, art. 34.2.
172. PO, art. 21.

200
5.1.2 Princípio da especificidade

Admitir-se-ão procedimentos especiais para casos excepcio-


nais de urgência, quando a dilação possa provocar danos
irreparáveis às partes. A qualificação será estabelecida pelo Con-
selho do Mercado Comum173.

5.1.3 Princípio da autonomia da vontade

Foi reconhecido um amplo espaço à vontade das partes,


no sentido de que poderão modificar de comum acordo, regras
estabelecidas em matéria de procedimentos e prazos. Quando
se trata de prazos referentes aos procedimentos em trâmite ante
as instâncias jurisdicionais, conquanto as partes possam modi-
ficar os mesmos, a decisão final fica sujeita à decisão dos tribu-
nais arbitrais.
No que se refere ao funcionamento do tribunal, também se
destaca um papel importante para este princípio; ao estabelecer
regras segundo as quais se a controvérsia se der entre dois ou
mais Estados-Partes e o modo de composição do Tribunal Per-
manente de Revisão num e noutro caso, as partes poderão modi-
ficar as disposições previstas. De comum acordo estão facultadas
a definição dos critérios para a designação do quinto árbitro, a
renovação de seu cargo e sua qualidade extrazona.174

5.1.4 Princípio da confidencialidade

Impera com relação a todos os documentos apresentados no


âmbito dos procedimentos previstos no Protocolo de Olivos.175

173. PO, art. 24.


174. PO, art. 20.3.
175. PO, art. 46.

201
5.1.5 O princípio de segurança jurídica

Como ponto de partida é mister precisar o que entendemos


por segurança jurídica. Numerosos conceitos foram elaborados
para chegar a uma definição deste princípio que se relaciona di-
retamente com a previsibilidade e possibilidade de predizer os
atos jurídicos; seu respeito permite aos sujeitos prever ou predi-
zer as conseqüências jurídicas que se produzirão de acordo com
um determinado marco normativo. O conceito de segurança ju-
rídica é um elemento chave para penetrar na natureza do direito
que se une tanto à idéia de justiça como a de ordem social. Abar-
ca duas perspectivas básicas: uma objetiva, definida como o re-
sultado que se consegue ao aplicar o direito ou como um efeito
da ordem; e outra subjetiva que consiste no convencimento de
que os direitos são respeitados e que as relações jurídicas estão
sempre reguladas pela lei176. Frente a iguais circunstâncias se
produzirão iguais resultados e neste fator é onde a interpretação
uniforme do direito adquire singular importância.
No âmbito do MERCOSUL se gera um ordenamento
normativo complexo177 e assistemático178 cuja vigência é inerente
à vontade política dos Estados dependendo do nível de compro-
misso que se estabelece entre eles. As características institucionais

176. Ver MARTINEZ PAZ, Introducción al derecho, Buenos Aires, 1991, p.


325; KEMELMAJER DE CARLUCCI, Seguridad y Justicia, 1993;
LORENZETTI, Las normas fundamentales de derecho privado, Santa Fe,
1995, p. 227.
177. A complexidade do direito do bloco se suscita como conseqüência da es-
trutura institucional. As normas não gozam de efeito direto e tampouco são
de aplicação imediata, salvo as que expressamente se estabelecem no Pro-
tocolo de Ouro Preto. Ver DREYZIN DE KLOR, Algunas reflexiones so-
bre la cooperación jurisdiccional internacional en torno a la calidad del
derecho de la integración, Santa Fe, 2000.
178. Pelas razões apontadas na nota anterior, as fontes jurídicas do MERCOSUL
não integram o ordenamento jurídico nacional enquanto os Estados-Partes
não procedem ao depósito do instrumento de ratificação e cumprem o pro-
cedimento para a sua vigência conforme estabelecido no Protocolo de Ouro
Preto.

202
e jurídicas do modelo de integração estabelecido nas fontes ori-
ginárias - em relação à solução de conflitos - levaram a optar
pelos chamados métodos alternativos, a saber: as negociações
diretas, a mediação e a arbitragem.
A experiência acumulada durante a vigência desse mecanis-
mo de solução de controvérsias denota que não resultou o mais
adequado para outorgar previsibilidade e possibilidade de predizer
as normas e também não se incorporaram métodos que permitam
afirmar até que ponto o sistema contribui para a interpretação
uniforme do direito erigido em seu âmbito. Isso, sem prejuízo de
reconhecer que os tribunais arbitrais têm recorrido em numerosas
oportunidades aos precedentes formados pelos laudos anteriores
para basear suas argumentações e decisões. Entretanto, também se
afastaram em vários casos dos precedentes, através de uma
hermenêutica que suscita divergentes resultados em supostos equi-
valentes179.
Outro fator a destacar é que estamos nos referindo à atuação
nos tribunais arbitrais ad hoc sem fazer menção alguma às juris-
dições nacionais; focalizamos o tema na perspectiva plasmada
no Protocolo de Brasília. Quando são os tribunais nacionais os
que interpretam e aplicam o direito do MERCOSUL, eventual-
mente com parâmetros distintos ao tribunal arbitral em casos equi-
valentes180, não há senão que acudir às respectivas legislações
nacionais e aos princípios de hierarquia que se reconhecem entre
o ordenamento nacional e o internacional.

179. Um dos exemplos de determinação do objeto da controvérsia é o primeiro


laudo arbitral, no qual se efetuou uma interpretação do art. 25 do Protocolo
de Brasília que difere da realizada pelo Tribunal Ad hoc que apreciou o
segundo conflito decidido.
180. O tribunal arbitral que decidiu sobre a “Prohibición de Importación de
Neumáticos Remoldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay”, conside-
rou que as normas brasileiras que restringiam a importação de pneumáti-
cos recapados são contrárias ao Tratado de Assunção; entretanto, em 9/2/
2002 o Tribunal Federal da 4ª Região (RS, SC, PR), seguindo uma posição
consolidada na judicatura do Brasil, convalidou tal legislação.

203
A assertiva efetuada conduz diretamente a observar de que
modo a União Européia encarou a matéria. O princípio de segu-
rança jurídica naquele modelo de integração foi relacionado com
vários aspectos cujo ponto de convergência é a primazia do direi-
to comunitário sobre o direito interno, entre eles: a segurança
jurídica na integração do direito comunitário; a segurança jurídica
e a incompatibilidade entre direito comunitário e direito interno; a
segurança jurídica e a forma de execução do direito comunitá-
rio181. Sobre cada uma destas questões se pronunciou o Tribunal
de Justiça da União Européia eliminando a incerteza nas situa-
ções conflitantes e estabelecendo axiomas que se erigem como
garantias sobre as quais se constrói a integração européia182.
A relevância de avançar para uma interpretação uniforme
do direito do MERCOSUL articulando os meios idôneos é o
núcleo central em torno do qual deve girar o mecanismo de so-
lução de conflitos. Conquanto todas as inovações acordadas no
novo texto se concentram na idéia de afiançar e consolidar a se-
gurança jurídica no bloco, entendemos que na medida em que
não se estabeleçam os métodos necessários para confluir na ado-
ção deste mecanismo, os direitos dos cidadãos não estarão devi-
damente resguardados.

5.2 A interpretação uniforme como instrumento da integração

A interpretação uniforme do ordenamento da integração


depende de sua unidade extrínseca e intrínseca, isto é, da ade-
quação da conduta dos Estados e dos particulares com esse

181. Ver ALONSO GARCÍA, Derecho comunitario: sistema constitucional y


administrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1995, p. 286.
182. Exemplos de precedentes no TJCE: “Comisión v. Italia”, 21/9/1978 (69/
77); “Comisión v. Bélgica”, 6/5/1980 (102/79); “Comisión v. Italia”, 3/3/
1988 (116/89); “Comisión v. Países Bajos”, 20/3/1986 (72/85); “Comisión
v. Francia”, 4/4/1974 (167/73).

204
ordenamento183. Conquanto seu cumprimento e aplicação se pro-
duzam em Estados-nacionais distintos, sob autoridades nacionais
com critérios interpretativos divergentes fruto de idiossincrasias,
histórias e realidades jurídicas heterogêneas, a falta de uniformi-
dade interpretativa permite violentar princípios sustentadores do
processo, particularmente a igualdade dos Estados-Partes184.
Os países envolvidos são os destinatários desse acervo jurí-
dico, ou seja, os governos e os particulares – pessoas físicas e
jurídicas – que negociam no marco da lei vigente, pelo que essa
diversidade interpretativa dos juízes nacionais ou dos árbitros
designados para solucionar o conflito, põe em perigo a unidade
do ordenamento da integração.
Neste ponto resulta inevitável acudir novamente ao modelo
da União Européia que reflete a importância que teve a interpre-
tação uniforme do ordenamento comunitário realizada pelo Tri-
bunal de Justiça das Comunidades Européias no desenvolvimen-
to desse processo.
Lembremos que a missão específica desse tribunal, defini-
da nos Tratados fundacionais, é garantir o respeito do Direito na
interpretação e aplicação dos Tratados185.
Entre as vias pelas quais se tem acesso ao Tribunal de Justi-
ça da União Européia, nos interessa referir à questão prejudicial,
já que atendo-nos às declarações efetuadas por funcionários go-
vernamentais, parece que o Protocolo de Olivos através do me-
canismo de consultas que prescreve aspira a conseguir uma in-

183. JIMENEZ DE ARÉCHAGA; PAOLILLO, Control de la legalidad de los


actos comunitarios e interpretación unitaria del Derecho de la Integración,
Buenos Aires, 1967, p. 11.
184. MASNATTA, Perspectivas para el sistema definitivo de solución de
controversias en el Mercosur, 2002: “al referirse a la interpretación uni-
forme, señala que se busca resguardar el principio de igualdad entre los
Estados Partes y preservar toda distorsión en la competencia de sujetos
individuales o empresariales”.
185. CECA, art.31; CEE, art. 164; CEEA, art. 136; versão compilada do Trata-
do que institui a Comunidade Européia, art. 220.

205
terpretação uniforme do direito do bloco, cujos parâmetros se
achariam no modelo europeu186.
Um importante número dos julgados transcendentais profe-
ridos pelo tribunal comunitário o foram por este procedimento
considerado “o instrumento, por excelência da integração jurídi-
ca comunitária”187.
Nessa linha bem se afirma que “a pedra angular da Comuni-
dade não é só uma mesma norma comum, senão dita norma inter-
pretada e aplicada da mesma maneira em toda a extensão de um
mesmo território pelos Tribunais de todos os Estados-Membros”188.
Mediante o recurso prejudicial, cuja finalidade é justamente
procurar uma interpretação uniforme do direito comunitário e a
garantia da sua correta exegese, o tribunal deve pronunciar-se
quando se lhe requer sobre o direito originário e sobre sua validez,
interpretação dos atos adotados pelas instituições da Comunida-
de e sobre a interpretação dos estatutos dos organismos criados
por um ato do Conselho. Em conseqüência não se inclui o pro-
nunciamento sobre aspectos litigiosos de natureza fática189.
É fundamental assinalar que são os magistrados nacionais
que conhecem de um conflito, que tramita sob suas jurisdições,
quem pode ou deve, ao ter dúvidas sobre a interpretação ou a validez
do ordenamento aplicável190, consultar o órgão supranacional a
fim de que este se pronuncie a respeito com caráter prévio191.

186. REDRADO, 2002: “avanzar hacia una interpretación uniforme del conjun-
to normativo del Mercosur y hacia la creación de una jurisprudencia común”.
187. Ver KEMELMAJER DE CARLUCCI, El juez frente al derecho comuni-
tario.
188. R. LECOURT, apud ALONSO GARCÍA, Derecho comunitario: sistema cons-
titucional y administrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1995, p. 325.
189. TCE, art. 177; versão compilada do Tratado que institui a Comunidade
Européia, art. 234.
190. Não deve tratar-se de um “ato claro”, ver MOLINA DEL POZO, La teoría
del acto claro, Santa Fe, 1999, p. 527-567.
191. O tribunal supranacional deve pronunciar-se sobre o direito e não sobre
os fatos, é por isso que se diz que se faz de uma maneira “abstrata”.
FUENTELAJA PASTOR, El proceso judicial comunitario, 1996, p. 225.

206
Essa consulta que realiza o juiz nacional, conhecida também
como reenvio prejudicial192, gera entre o tribunal supranacional e
os juízes dos países membros um duplo vínculo.
Por um lado, estabelece um procedimento de cooperação
para uniformizar a interpretação e a aplicação do direito comuni-
tário, no sentido de que, enquanto o juiz nacional é quem resolve
o litígio – que se suspende até tanto se pronuncie o tribunal
supranacional – este órgão se avoca às questões de interpretação
e de validez sem que nenhum deles interfira na tarefa do outro193.
O Tribunal de Justiça na União Européia é o órgão encarregado
de marcar as pautas comuns que guiam aos tribunais nacionais
no momento de velar pela aplicação correta do direito comunitá-
rio; de sorte tal que se produz uma extensão da comunidade des-
de a fase de produção normativa à instância aplicativa através da
interpretação uniforme das normas194.
Por outro lado, as sentenças que provêm do órgão supranacio-
nal, ao serem vinculantes, geram um laço de subordinação que
nada tem que ver com uma relação de hierarquia, já que não se
trata de um recurso direto, que faz às vezes de uma cassação co-
munitária após esgotadas as instâncias ante os tribunais nacionais195.
Além desta breve referência, podemos anotar como caracteres
próprios da questão prejudicial, os seguintes:

192. Tanto a Comunidade Européia desde seu início, como a Comunidade Andina
desde a criação do Tribunal de Justiça do Acordo de Cartagena (Tratado de
1979, vigente desde 1983), estabelecem a questão de interpretação prejudi-
cial com numerosas semelhanças e algumas diferenças, a caracterização de
cada uma delas pode ver-se em: CZAR DE ZALDUENDO, La integración
económica y la interpretación uniforme del derecho.
193. KEMELMAJER DE CARLUCCI, El juez frente al derecho comunitario.
194. ALONSO GARCÍA, Derecho comunitario: sistema constitucional y ad-
ministrativo de la Comunidad Europea, Madrid, 1995, p. 326.
195. CZAR DE ZALDUENDO, La integración económica y la interpretación
uniforme del derecho, p. 1044, diz: “en la CE no se pretendió instaurar
una relación de jerarquía del tribunal europeo sobre los jueces y cortes
nacionales pues esto era algo que los Estados no estaban dispuestos a
aceptar pacíficamente”.

207
a) se propõe quando exista um litígio em curso perante tribunais
nacionais, ou seja, no marco de uma controvérsia real e efe-
tiva;
b) o juiz nacional deve ter uma dúvida razoável sobre a norma
comunitária que deve aplicar, ou seja, que não deve tratar-se
de um ato claro;
c) a matéria objeto de consulta pode ser de interpretação ou de
validez;
d) a questão proposta não deve ter sido objeto de uma decisão a
título prejudicial com anterioridade, isto é, não deve tratar-se
de um ato esclarecido;
e) o Tribunal de Justiça da União Européia se pronuncia sobre
o direito e não sobre os fatos em conflito, por isso se diz que
o faz de maneira abstrata;
f) as partes no conflito não o são na questão prejudicial, con-
quanto se lhes permite comparecer ante o tribunal comuni-
tário para apresentarem observações escritas ou orais;
g) ainda que a consulta proposta pelo tribunal nacional seja
facultativa, quando se trata de um órgão judicial de última
instância passa a ser obrigatória;
h) o acórdão do tribunal comunitário é vinculante para o juiz que
o solicitou, que deverá resolver o caso conforme essa interpre-
tação196. Seu caráter vinculante se estende a todas as institui-
ções comunitárias e autoridades nacionais, incluindo os órgãos
jurisdicionais à hora de aplicar o direito comunitário.

5.2.1 Interpretação uniforme no Protocolo de Olivos

No Capítulo III, o Protocolo de Olivos, prevê a possibilida-


de de estabelecer mecanismos relativos à solicitação de opiniões

196. Caracterização desta questão inspirada em: CZAR DE ZALDUENDO, La


integración económica y la interpretación uniforme del derecho, p. 1042.

208
consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão, prescrevendo
que o Conselho do Mercado Comum é o órgão encarregado de
definir o alcance e os procedimentos de tais mecanismos197.
Interrogamos-nos se se trataria da semente de uma interpre-
tação uniforme do acervo jurídico do MERCOSUL?
Pode-se admitir que a realização de consultas constitua um
instrumento no processo que implica para as partes contar com
maiores possibilidades de predição, tentando desta maneira evitar
a promoção de contendas. A natureza preventiva da consulta po-
deria contribuir para criar um clima de observância do ordenamento
do MERCOSUL198. A delegação do Uruguai sustentou que possi-
bilitar as consultas sobre o ordenamento jurídico brindaria às par-
tes maior certeza sobre seus direitos e obrigações.
O Grupo de Alto Nível incorporou essa temática propondo
duas alternativas.
Numa alternativa, os Estados-Partes poderiam solicitar es-
sas opiniões consultivas de modo conjunto ao Tribunal Perma-
nente de Revisão sobre a interpretação e aplicação do ordenamento
originário e derivado. Como fundamento se argumentou: “pro-
curar prevenir uma eventual controvérsia, como requerer uma
expressão de opinião não vinculada a uma eventual controvérsia
específica”.
A outra alternativa – que foi a adotada pelo Protocolo de
Olivos de forma quase textual – não inclui a parte final da propos-
ta do Grupo de Alto Nível quando estabelecia expressamente que
tais opiniões consultivas não teriam caráter obrigatório199.
Primeiramente, como afirma Rei Caro, teria sido mais ade-
quado regular diretamente a questão no Protocolo e determinar
de forma expressa o caráter ou valor das opiniões solicitadas ao
Tribunal Permanente de Revisão ao invés de deixar liberada a

197. PO, art. 3.


198. Bases apresentadas pelo Uruguai.
199. REY CARO, El Protocolo de Olivos para la solución de controversias en
el Mercosur, p. 14.

209
regulamentação à discricionariedade do Conselho do Mercado
Comum, órgão que segundo se estabelece poderá ou não regular
a matéria200.
Em segundo lugar, comparar este mecanismo de opiniões
consultivas - sobre o qual nada se disse - com o que implica inter-
pretar de maneira uniforme o direito do MERCOSUL resulta pou-
co alcançável, tal como observamos nas breves considerações
sobre o reenvio prejudicial, seu alcance e condicionamentos, ao
menos não parece ter-se cumprido o mandato da Decisão N° 25/
2000. Consideramos que a disposição incorporada no Protocolo
de Olivos não é um meio idôneo para atingir o propósito que não
se estabeleceu na disposição referida, que era uma preocupação
ao longo de todas as negociações preliminares.
Um terceiro argumento, que se desprende de um fator enla-
çado com a formulação anterior, que não se pode deixar de men-
cionar, é que a prejudicialidade requer que sejam os próprios juízes
nacionais quem a pleiteiem. No instrumento aprovado não se lhes
reconhece aos tribunais dos Estados-Partes legitimação alguma
para propor a consulta ao Tribunal Permanente de Revisão. O
Protocolo de Olivos não faz referência a quem tem legitimidade
para efetuar a consulta, seria importante habilitar os juízes nacio-
nais a tal efeito, o que logicamente necessitaria inexoravelmente
de uma modificação muito mais profunda.
Um grave obstáculo para avançar por este caminho esbarra
nas diferenças substanciais que se apresentam a partir do dispos-
to nas Constituições dos Estados-Partes.
As Cartas da Argentina e do Paraguai adotaram fórmulas pelas
quais se reconhecem a prevalência normativa do ordenamento da
integração sobre o interno. No entanto, as Constituições do Brasil
e do Uruguai não foram modificadas para acompanhar o processo.
Além disso, o Brasil estabelece a aplicabilidade da lei local poste-
rior sobre o ordenamento internacional, ficando prejudicado neste

200. REY CARO, El Protocolo de Olivos para la solución de controversias en


el Mercosur, p. 15.

210
último o direito da integração. A jurisprudência brasileira reflete
uma obediência literal a esta regra. Portanto, nos casos de confli-
to entre o ordenamento jurídico do MERCOSUL e as normas de
direito interno, primam as regras de fonte interna com a conse-
qüente falta de segurança jurídica e de previsibilidade para os
operadores da região.
A função consultiva do tribunal de revisão, cujos alcances
se encontram pendentes de definição, pode chegar a representar
no futuro uma fórmula dinâmica e prometedora para conseguir
relacionar a justiça do MERCOSUL com os tribunais locais dos
Estados-Partes201. Entretanto, no momento atual, a reforma pro-
duzida não implica mais do que um efêmero avanço sobre o
mecanismo vigente. Em todo caso, terá que aguardar a regula-
mentação para verificar-se a sua operatividade.

6. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

6.1 Aplicação de medidas compensatórias

Se um Estado-Parte na controvérsia não cumprir total ou


parcialmente o laudo do Tribunal Arbitral, a outra parte na con-
trovérsia terá a faculdade, dentro do prazo de um ano, contado a
partir do dia seguinte ao término do prazo estipulado para cum-
primento do laudo202, e independentemente de recorrer aos proce-
dimentos de reconsideração do tribunal203, de iniciar a aplicação
de medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão

201. Ver ESTOUP, Algunas reflexiones sobre la competencia del nuevo Tribu-
nal Permanente de Revisión del Mercosur, 2002.
202. PO, art. 29.1.
203. PO, art. 30.

211
de concessões ou outras obrigações equivalentes, com vistas a
obter o cumprimento do laudo.204
O Estado-Parte beneficiado pelo laudo procurará, em pri-
meiro lugar, suspender as concessões ou obrigações equivalentes
no mesmo setor ou setores afetados. Caso considere impraticável
ou ineficaz a suspensão no mesmo setor, poderá suspender con-
cessões ou obrigações em outro setor, devendo indicar as razões
que fundamentam essa decisão.205
As medidas compensatórias a serem tomadas deverão ser
informadas expressamente pelo Estado-Parte que as aplicará, com
uma antecedência mínima de quinze dias, ao Estado-Parte que
deva cumprir o laudo.206

6.2 Faculdade de questionar medidas compensatórias

Caso o Estado-Parte beneficiado pelo laudo aplique medi-


das compensatórias por considerar insuficiente o cumprimento
do mesmo, mas o Estado-Parte obrigado a cumprir o laudo con-
siderar que as medidas adotadas são satisfatórias, este último terá
um prazo de quinze dias, contado a partir da notificação207, para
levar esta situação à consideração do Tribunal Arbitral Ad Hoc
ou do Tribunal Permanente de Revisão, conforme o caso, o qual
terá um prazo de trinta dias desde a sua constituição para se pro-
nunciar sobre o assunto.208
Caso o Estado-Parte obrigado a cumprir o laudo considere
excessivas as medidas compensatórias aplicadas, poderá solici-
tar, até quinze dias depois da aplicação dessas medidas, que o
tribunal ad hoc ou o tribunal permanente, conforme corresponda,

204. PO, art. 31.1.


205. PO, art. 31.2.
206. PO, art. 31.3.
207. PO, art. 31.3.
208. PO, art. 32.1.

212
se pronuncie a respeito, em um prazo não superior a trinta dias,
contado a partir da sua constituição.209
O tribunal pronunciar-se-á sobre as medidas compensatórias
adotadas. Avaliará, conforme o caso, a fundamentação apresen-
tada para aplicá-las em um setor distinto daquele afetado, assim
como sua proporcionalidade com relação às conseqüências deri-
vadas do não cumprimento do laudo.210
Ao analisar a proporcionalidade, o tribunal deverá levar em
consideração, entre outros elementos, o volume e/ou o valor de
comércio no setor afetado, bem como qualquer outro prejuízo ou
fator que tenha incidido na determinação do nível ou montante
das medidas compensatórias.211
O Estado-Parte que aplicou as medidas deverá adequá-las à
decisão do tribunal em um prazo máximo de dez dias, salvo se o
tribunal estabelecer outro prazo.212
Uma vez proferido o laudo o Estado-Parte obrigado na con-
trovérsia deve cumpri-lo, sem prejuízo das medidas compensató-
rias que se adotem213. Estas podem consistir na suspensão de
concessões ou outras equivalentes, procurando em primeiro ter-
mo, que recaiam no mesmo setor ou setores afetados, e só quan-
do não seja possível se atinja a outro setor. Nesta hipótese, o
Estado-Parte que adote as medidas deverá justificar as razões
que fundamentam sua decisão. Não se prevêem compensações
pecuniárias.
Quando o Estado beneficiado aplique medidas compensa-
tórias por entender insuficiente seu ressarcimento mediante o
cumprimento do laudo, enquanto o Estado obrigado a reparar
sustente o contrário, a diferença se elucidará ante o tribunal que
tiver proferido a sentença.

209. PO, art. 32.2.


210. PO, art. 32.2(i).
211. PO, art. 32.2(ii).
212. PO, art. 32.3.
213. PO, art. 27.

213
Interrogamos-nos sobre o que sucederia na hipótese contrá-
ria, isto é, quando as medidas compensatórias adotadas resultas-
sem excessivas? Ainda que o Protocolo de Olivos não diga nada
ao respeito, estimamos que assista ao prejudicado o direito de ir
ante o tribunal que interveio na solução da controvérsia.

7. RECLAMAÇÕES DE PARTICULARES

Pese a que o Uruguai tenha defendido com sólidos argumen-


tos a necessidade de habilitar o acesso dos particulares ao tribunal
de solução de controvérsias do MERCOSUL, manteve-se em li-
nhas gerais o mecanismo de Brasília. Não se introduziram mudan-
ças favoráveis e a inovação produzida merece uma crítica ao limi-
tar a intervenção do particular no procedimento de consultas.
Em conseqüência, não obstante a importância que revestem
os particulares para o processo de integração, sejam eles pessoas
físicas ou jurídicas de caráter privado, continuam tendo uma
participação restrita na condição de denunciantes e não de liti-
gantes, sendo condição para acionar o procedimento arbitral a
aceitação do Estado-Parte onde residem habitualmente ou tenham
a sede de seus negócios. O que mantém os atores privados, prin-
cipalmente as empresas, na mesma condição que têm ante o direi-
to internacional público em geral.

7.1 Âmbito de aplicação do procedimento de reclamação de


particulares

O procedimento do Protocolo de Olivos é aplicável às re-


clamações efetuadas por particulares, pessoas físicas ou jurídicas,
em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados-Par-
tes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo,
discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do direito

214
originário do MERCOSUL (Tratado de Assunção, Protocolo de
Ouro Preto, protocolos e acordos celebrados no marco do Trata-
do de Assunção) e do seu direito derivado (Decisões do Conse-
lho do Mercado Comum, Resoluções do Grupo Mercado Co-
mum e Diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL).214

7.2 Início do trâmite da reclamação de particulares

Os particulares afetados formalizarão as reclamações ante a


Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-Parte onde
tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios.215
Os particulares deverão fornecer elementos que permitam
determinar a veracidade da violação e a existência ou ameaça de
um prejuízo, para que a reclamação216 seja admitida pela Seção
Nacional e para que seja avaliada pelo Grupo Mercado Comum
e pelo grupo de especialistas, se for convocado.217

7.3 Procedimento da reclamação de particulares

A menos que a reclamação de particulares se refira a uma


questão que tenha motivado o início de um procedimento de So-
lução de Controvérsias (negociação direta, intervenção do Grupo
Mercado Comum, procedimento arbitral ad hoc ou procedimen-
to de revisão), a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum que
tenha admitido a reclamação218 deverá entabular consultas com
a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado-Parte a
que se atribui a violação, a fim de buscar, mediante consultas, uma
solução imediata à questão levantada. Tais consultas se darão por

214. PO, art. 39.


215. PO, art. 40.1.
216. PO, art. 40.
217. PO, art. 40.2.
218. PO, art. 40.

215
concluídas automaticamente e sem mais trâmites se a questão
não tiver sido resolvida em um prazo de quinze dias contado a
partir da comunicação da reclamação ao Estado-Parte a que se
atribui a violação, salvo se as partes decidirem outro prazo.219
Finalizadas as consultas, sem que se tenha alcançado uma
solução, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum elevará a
reclamação sem mais trâmite ao Grupo Mercado Comum.220

7.4 Intervenção do Grupo Mercado Comum no procedimento


de reclamação de particulares

Recebida a reclamação de particular, o Grupo Mercado


Comum avaliará os requisitos estabelecidos (violação do direito
originário ou derivado do MERCOSUL e a existência ou ameaça
de um prejuízo)221, sobre os quais se baseou sua admissão pela
Seção Nacional, na primeira reunião subseqüente ao seu recebi-
mento. Se concluir que não estão reunidos os requisitos necessá-
rios para dar-lhe curso, rejeitará a reclamação sem mais trâmite,
devendo pronunciar-se por consenso.222
Se o Grupo Mercado Comum não rejeitar a reclamação, esta
considerar-se-á admitida. Neste caso, o Grupo Mercado Comum
procederá de imediato à convocação de um grupo de especialis-
tas que deverá emitir um parecer sobre sua procedência, no prazo
improrrogável de trinta dias contado a partir da sua designação.223
Nesse prazo, o grupo de especialistas dará oportunidade ao
particular reclamante e aos Estados envolvidos na reclamação de
serem ouvidos e de apresentarem seus argumentos, em audiência
conjunta.224

219. PO, art. 41.1.


220. PO, art. 41.2.
221. PO, art. 40.2.
222. PO, art. 42.1.
223. PO, art. 42.2.
224. PO, art. 42.3.

216
7.5 Grupo de especialistas para dar parecer sobre
procedência da reclamação de particulares

O grupo de especialistas225 será composto de três membros


designados pelo Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo
sobre um ou mais especialistas, estes serão escolhidos por vota-
ção que os Estados-Partes do MERCOSUL realizarão dentre os
integrantes de uma lista de vinte e quatro especialistas.
A Secretaria Administrativa do MERCOSUL comunica-
rá ao Grupo Mercado Comum o nome do especialista ou dos
especialistas que tiverem recebido o maior número de votos.
Neste último caso, e salvo se o Grupo Mercado Comum decidir
de outra maneira, um dos especialistas designados não poderá
ser nacional do Estado contra o qual foi formulada a reclama-
ção, nem do Estado no qual o particular formalizou sua recla-
mação226.
Com o fim de constituir a lista dos especialistas, cada um dos
Estados-Partes designará seis pessoas de reconhecida competên-
cia nas questões que possam ser objeto de reclamação. Esta lista
ficará registrada na Secretaria Administrativa do MERCOSUL.227
Os gastos derivados da atuação do grupo de especialistas
serão custeados na proporção que determinar o Grupo Mercado
Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais pelos Esta-
dos-Partes diretamente envolvidos na reclamação.228
O grupo de especialistas elevará seu parecer ao Grupo Mer-
cado Comum.
Se, em parecer unânime, se verificar a procedência da recla-
mação formulada contra um Estado-Parte, qualquer outro Esta-
do-Parte poderá requerer-lhe a adoção de medidas corretivas ou
a anulação das medidas questionadas. Se o requerimento não

225. PO, art. 42.2.


226. PO, art. 40 e art. 43.1.
227. PO, art. 43.2.
228. PO, art. 43.3.

217
prosperar num prazo de quinze dias, o Estado-Parte que o efe-
tuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral.229
Recebido um parecer que considere improcedente a recla-
mação por unanimidade, o Grupo Mercado Comum imediata-
mente dará por concluída a mesma no âmbito da reclamação de
particulares.230
Caso o grupo de especialistas não alcance unanimidade para
emitir um parecer, elevará suas distintas conclusões ao Grupo
Mercado Comum que, imediatamente, dará por concluída a re-
clamação no mesmo âmbito.231
A conclusão da reclamação por parte do Grupo Mercado
Comum, nos casos de improcedência da reclamação por parecer
unânime dos especialistas ou falta de unanimidade, não impedirá
que o Estado-Parte reclamante dê início aos procedimentos de
negociação direta, intervenção do Grupo Mercado Comum ou
procedimento arbitral ad hoc.232

8. O REGULAMENTO DO PROTOCOLO DE OLIVOS


PARA A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO
MERCOSUL

Na Reunião de Cúpula do MERCOSUL233, realizada em


Montevidéu no mês de dezembro de 2003, foi aprovado o Regu-
lamento do Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias
no MERCOSUL234, decisão que não necessita ser incorporada
aos ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados-Partes por
regulamentar aspectos do funcionamento do bloco.

229. PO, art. 44.1(i). Procedimento arbitral previsto no PO, Cap. VI.
230. PO, art. 44.1(ii).
231. PO, art. 44.1(iii).
232. PO, art. 44.2.
233. XXV Reunião do CMC, Montevidéu, 15/12/2003.
234. MERCOSUL/CMC/DEC. N° 37/03.

218
O Protocolo de Olivos dispunha que o Conselho do Merca-
do Comum deveria aprovar a regulamentação do instrumento de
solução de controvérsias235, o que se tornava necessário uma vez
em vigência o Protocolo para efeitos de assegurar a efetividade
de seus mecanismos e a maior segurança jurídica do processo de
integração.
Primeiramente, no que se refere ao regulamento dos proce-
dimentos nas controvérsias entre os Estados-Partes, estabelece
as regras sobre a eleição de foro, que deve ser expressa antes do
início do procedimento236. A eleição se refere ao sistema do
MERCOSUL e da Organização Mundial do Comércio. Ficou
pendente a regulamentação relacionada a sistemas de solução de
controvérsias de outros esquemas preferenciais de comércio237.
Regula as opiniões consultivas perante o Tribunal Perma-
nente de Revisão, estabelece a legitimação para solicitá-las; os
requisitos quanto à tramitação da solicitação dos Estados-Partes,
dos órgãos do MERCOSUL e dos Tribunais Superiores de Justi-
ça dos Estados-Partes; as formalidades da apresentação da soli-
citação; para emitir a opinião, como será integrado o Tribunal, a
convocação e o seu funcionamento; as atuações do Tribunal; o
conteúdo, a conclusão do procedimento e os efeitos das opiniões
consultivas; os impedimentos para o Tribunal manifestar-se; e, a
publicação das opiniões consultivas.
A solicitação de opinião consultiva por parte dos Tribunais
Superiores de Justiça dos Estados-Partes do MERCOSUL é uma
circunstância que, sem dúvida, envolve uma problemática que
gerará não poucos debates, além de poder considerar-se uma
novidade transcendental no sistema. Os limites que surgem da
disposição ficam sujeitos a duas observações. Por um lado, o
âmbito material, já que as opiniões consultivas poderão versar
sobre a interpretação jurídica da normativa do MERCOSUL,
sempre que se vinculem com causas que estejam em tramitação

235. PO, art. 47.


236. Procedimento previsto no PO, arts. 4 e 41.
237. Regulamento do PO, art. 1.5.

219
no Poder Judiciário do Estado-Parte solicitante. Por outro, o âmbi-
to funcional cuja regulamentação dependerá de consulta aos Tri-
bunais Superiores de Justiça dos Estados-Partes.238
Quanto à implementação das opiniões consultivas, estas se
apresentarão por escrito e aos efeitos de proferir a opinião do
tribunal permanente, exige-se a integração do órgão por todos
seus membros.
Uma especial referência nos interessa acerca dos efeitos
destas opiniões, emitidas pelo Tribunal Permanente de Revisão,
pois não serão vinculantes nem obrigatórias.239
As disposições incluem a regulamentação das diferentes
etapas da solução de controvérsias, isto é, as negociações diretas,
a intervenção do Grupo Mercado Comum, o procedimento arbitral
ad hoc e o procedimento de revisão.
No regulamento das negociações diretas, estabelece que elas
serão conduzidas pelos coordenadores nacionais do Grupo Merca-
do Comum dos Estados-Partes na controvérsia ou pelos represen-
tantes que eles designarem; registrando em atas o resultado das
negociações, que uma vez concluídas, serão dadas a conhecer ao
Grupo, através da Secretaria Administrativa do MERCOSUL.
Regula a intervenção do Grupo Mercado Comum para a
solução de controvérsia e a intervenção a pedido de um Estado
que não seja parte na mesma; sendo importante observar que as
recomendações e comentários do Grupo ficam vinculados às
propostas para solucionar a divergência e requerem a cooperação
dos Estados-Partes em sua elaboração.
No que se refere ao procedimento arbitral ad hoc, regula o
início da etapa arbitral; os impedimentos para a designação do
árbitro; o sorteio de árbitros; os termos da declaração a ser assina-
da pelos árbitros designados; sobre a lista de árbitros trata da so-
licitação de esclarecimentos a respeito dos árbitros propostos, das
objeções aos candidatos para integrar a lista de terceiros árbitros e

238. Regulamento do PO, art. 4.


239. Regulamento do PO, art. 11.

220
da modificação das listas; da designação dos representantes e as-
sessores das partes e da unificação de representação; do objeto da
controvérsia; dos descumprimentos processuais; das medidas pro-
visórias; e da prorrogação do prazo para emitir o laudo arbitral.
Cabe uma referência especial à revelia da parte demandada,
que se caracteriza pela não concorrência às audiências fixadas ou
não dar cumprimento a qualquer outro ato processual a que este-
ja obrigada. O efeito da revelia consiste na tramitação dos proce-
dimentos sem a participação do demandado, que todavia deve
ser notificado de todos os atos que correspondam.240
No procedimento de revisão ante o Tribunal Permanente de
Revisão são regulamentadas: a composição do Tribunal; os ter-
mos da declaração dos integrantes; o funcionamento com três
árbitros e com cinco árbitros; a secretaria do Tribunal; o recurso
de revisão, especialmente aspectos da interposição, apresenta-
ção, admissibilidade e translado; a contestação e a tramitação do
recurso de revisão; a prorrogação do prazo para emitir o laudo;
bem como o acesso direto ao Tribunal.
No que se refere aos laudos arbitrais, dispõe sobre o conteú-
do, a notificação e a publicação; o recurso de esclarecimento; e,
a divergência sobre o cumprimento. Distinguindo-se entre os que
emanam do Tribunal Arbitral Ad Hoc e os que provêm do Tribu-
nal Permanente de Revisão. O pedido de recurso de esclareci-
mento, segundo prevê, especificará detalhadamente os pontos do
laudo sobre os quais se solicita esclarecimento, podendo solici-
tar-se indicações sobre a forma de cumpri-lo.241
Sobre as medidas compensatórias e a proporcionalidade, é
importante destacar que o Estado que alegue que as medidas com-
pensatórias aplicadas são excessivas deve apresentar perante o
Tribunal que corresponda a justificativa de sua posição. Neste
caso, para facilitar a tarefa do Tribunal, que deverá pronunciar-
se sobre a proporcionalidade das medidas compensatórias adotadas,

240. Regulamento do PO, art. 28.3.


241. Regulamento do PO, art. 42.

221
o Estado parte na controvérsia que as aplica proporcionará infor-
mação detalhada referente, entre outros elementos, ao volume e/
ou valor do comércio no setor afetado, assim como todo outro
prejuízo ou fator que haja incidido na determinação do nível ou
montante das medidas compensatórias.242
A Sede do Tribunal Permanente de Revisão será a cidade de
Assunção, e a República do Paraguai determinará o local de seu
funcionamento.243
Sobre a reclamação de particulares, dispõe sobre o início do
trâmite; as consultas entre Estados; a elevação da reclamação ao
Grupo Mercado Comum; o grupo de especialistas; a modificação
da lista de especialistas; o modelo de declaração a ser assinada
pelos especialistas convocados; o procedimento do grupo de es-
pecialistas; os gastos dos especialistas; o parecer do grupo de
especialistas; e as regras de procedimento.
No que se refere às listas de especialistas, destacamos que
cada Estado-Parte poderá modificar a qualquer momento os can-
didatos por ele designados, que a partir do momento em que
uma controvérsia ou reclamação seja submetida ao Grupo Mer-
cado Comum, os Estados-Partes não poderão modificar, para
esse caso, a lista registrada na Secretaria Administrativa do
MERCOSUL.

9. O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS


DO MERCOSUL

Após analisar os temas que a nosso critério se revestiram


de particular relevância em função das inovações que foram
introduzidas pelo Protocolo de Olivos no sistema de solução de
controvérsias do MERCOSUL, resulta lógico interrogar-nos

242. Regulamento do PO, art. 44.


243. Regulamento do PO, art. 45.

222
acerca do resultado que a vigência do instrumento significará
para o bloco.
Assim, com base na idéia que primou na hora de planificar
as mudanças e os temas incluídos na decisão do MERCOSUL
pela qual se estabeleceram os pontos a serem objeto de análise
especial, estimamos que o mandato não se cumpriu, ao menos,
na dimensão esperada.
Ao longo deste trabalho fomos apontando as reflexões que
nos suscitaram as mudanças ocorridas; indubitavelmente a mais
importante é aquela que torna possível um recurso de revisão
ante um tribunal arbitral “disponível”.
No que se relaciona ao tribunal ad hoc, este continuará atuan-
do em tal caráter e com a natureza inter partes de seus pronunci-
amentos, o que dificulta, ainda que não exclui - como se adverte
nos laudos arbitrais proferidos em seu marco - a conformação de
uma jurisprudência própria que gere precedentes que possibili-
tem avançar para uma interpretação uniforme do acervo normativo
do MERCOSUL. É certo que os princípios em que se fundaram
os laudos arbitrais foram recepcionados nos sucessivos pronun-
ciamentos. No entanto, tão certo como esta afirmação, é que em
outras tantas oportunidades, os árbitros se afastaram efetuando
interpretações divergentes. Em um e outro caso, estaríamos fren-
te a parâmetros para os laudos que eventualmente se ditem no
processo por futuros tribunais arbitrais.
Assim mesmo, caberia destacar a importância que os decisórios
dos tribunais do MERCOSUL deveriam assumir como fonte de
fundamento de sentenças dos tribunais nacionais; com efeito, ao
interpretar e aplicar o direito interno emanado na execução das obri-
gações derivadas do MERCOSUL, os órgãos jurisdicionais dos
Estados teriam que iluminar-se por esse ordenamento. Mas essa não
é a orientação que parece primar na atual conjuntura; negar-nos a
reconhecer a realidade só por compartirmos uma visão netamente
favorável ao novo ordenamento, importaria não diferenciar “o ser”
do “dever ser”, atitude refratária ao propósito que nos guia.

223
O fato de que existam tribunais arbitrais, inclusive um tri-
bunal permanente, não conduz a reconhecer a existência de
supranacionalidade. A conformação de tribunais arbitrais é total-
mente conforme com o desenvolvimento do direito internacional
público e não, por isso, pode sustentar-se que se trate de órgãos
supranacionais244.
Quanto ao caráter obrigatório dos laudos, dita qualidade res-
ponde a um compromisso de jurisdição obrigatória entre os Es-
tados-Partes do MERCOSUL245. Por outro lado, ainda que não
tivesse jurisdição obrigatória, na medida que as partes decidem
levar sua controvérsia ante um tribunal arbitral, comprometem-
se a aceitar seu resultado.
Qual é então a situação com a qual nos defrontamos?
Integramos um esquema que pretende ser um mercado co-
mum, mas não o é; que aspira a atingir as quatro liberdades
fundamentais (fato que se ratifica com a possível livre circula-
ção de pessoas), mas não conhecemos a ciência certa como se
implementará; não em poucas oportunidades nos comparamos
com a Comunidade Européia e nos valemos de seus axiomas,
quando somos o MERCOSUL e as diferenças com respeito a
dito processo são notórias em numerosas ordens.
As vantagens que oferece um tribunal supranacional ao dotar
a um modelo de integração de legalidade, legitimidade e de prin-
cípios em muitos casos, sentados a partir da interpretação unifor-
me que realiza um órgão permanente dotado de competência a tal
efeito, não é compatível com os sistemas legais dos Estados-Partes
do MERCOSUL. Mais ainda, não se pressente vocação política
para que num futuro próximo se revertam estas condições.
Nos interrogamos se ante esta realidade, em função do que
é o MERCOSUL, o Protocolo de Olivos significaria um avanço
no caminho de sua institucionalização?

244. Exemplo: o tribunal arbitral em matéria de investimentos (ICSID) ao qual


se submete um Estado e um particular. Não caberia afirmar que o ICSID
seja um tribunal supranacional.
245. Protocolo de Brasília, art. 8.

224
Os particulares continuam dependendo da vontade dos Es-
tados-Partes. É inegável que um passo para adiante foi dado. En-
tretanto, afirmar que a interpretação uniforme do direito do bloco
será um fato a partir da previsão de recepcionar opiniões consul-
tivas, ou que se consolidará a segurança jurídica através das mu-
danças que apenas matizam a imprevisibilidade e algumas incer-
tezas reinantes no campo jurídico, é pecar de um otimismo que
mais do que exagerado, é irreal.
A aprovação do Protocolo de Olivos pelo Conselho do Mer-
cado Comum é um fato positivo, mas não podemos sucumbir à
ilusão de crer que estamos ante um MERCOSUL legitimado. Em
todo caso, agora que parecem soprar novos ventos em nossos
países, sejamos partícipes ativos fazendo valer nossa aspiração
de justiça, desde o protagonismo que nos incumbe. O ano de
2006, que é a época prevista para adotar um mecanismo defini-
tivo, está muito próximo. Afirma-se de maneira constante que
tudo depende da vontade política; e que por acaso não é este o
fiel reflexo da vontade dos habitantes do MERCOSUL? O an-
seio é a justiça, a aspiração é instalar um sistema sólido que res-
peite a separação e independência de poderes.
A Fundação Konrad Adenauer nos brinda a oportunidade
de dar a conhecer nossas idéias através desta publicação, tratan-
do-se de um âmbito importante para manifestarmo-nos, sendo
também, os permanentes encontros que se realizam com a fina-
lidade de debater e formular propostas aos órgãos decisórios sobre
matérias que influenciam no desenvolvimento sustentável da re-
gião e conseqüentemente com o melhoramento da qualidade de
vida dos cidadãos. Este é um dos caminhos que temos para fazer
chegar nossas reflexões a modo de sugestões.
Coloquemos, como diz Adriana, o acento nas potencialidades
sem esquecer as limitações, motivados pela idéia de que a me-
lhor maneira de resolver as dificuldades é não tratando de deixá-
las de lado.

225
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233
Os Autores

Adriana Dreyzin de Klor


Doutora em Direito e Ciências Sociais pela Universidade Nacio-
nal de Córdoba, Argentina. Professora de Direito Internacional
Privado e Mercosul da Universidade Nacional de Córdoba, Ar-
gentina. Professora e Pesquisadora Visitante no Programa de Pós-
Graduação em Direito, área de Relações Internacionais, da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina. Vice-Presidente da European
Community Studies Association da América Latina. Membro da
lista de árbitros argentinos do Mercosul.

Luiz Otávio Pimentel


Doutor em Direito Internacional pela Universidade de Barcelo-
na, Espanha, e Universidade Nacional de Assunção, Paraguai.
Professor de Fundamentos do Mercosul e Elementos de Direito
Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito, área
de Relações Internacionais, e co-Diretor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. Presi-
dente da European Community Studies Association da América
Latina. Membro da lista de árbitros brasileiros do Mercosul.

Patricia Luíza Kegel


Doutora em Direito Internacional pela Universidade Federal de
Santa Catarina. Magister-Legum em Direito Constitucional
Comparado pela Westfälische Wilhelms Universität Münster,
Alemanha. Professora de Direito Internacional e Direito dos Blocos
Econômicos Regionais, e Diretora do Centro de Ciências Jurídicas

235
da Universidade Regional de Blumenau. Vice-presidente da Euro-
pean Studies Association do Brasil. Membro da lista de árbitros
brasileiros do Mercosul.

Welber Barral
Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Pau-
lo. Professor de Direito Internacional Econômico e Elementos de
Direito Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direi-
to, área de Relações Internacionais, e co-Diretor do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina.
Membro da European Community Studies Association da Amé-
rica Latina. Membro da lista de árbitros brasileiros do Mercosul
e da Organização Mundial do Comércio.

236
EUROPA AMÉRICA LATINA:
Análise e Informações é uma série
de publicações editada pelo Centro
de Estudos da Fundação Konrad
Adenauer. O objetivo principal des-
ta série é promover e fortalecer as re-
lações entre Europa e América Lati-
na através de análises e informações
concisas e equilibradas sobre assun-
tos de interesse atual para as relações
entre ambas regiões.

N°15: III Cúpula América Latina, Caribe e União Européia:


Considerações e Recomendações. Rio de Janeiro, Abril 2004, 55
páginas.
N°14: Relações entre Europa Centro – Oriental e América
Latina no início do século XXI. Rio de Janeiro, Janeiro 2004, 53
páginas.
N°13: Brasil e seus vizinhos: Reivindicação de Liderança
Regional na América do Sul. Rio de Janeiro, Setembro 2003, 72
páginas.
N°12: MERCOSUL – União Européia. Bases e perspecti-
vas da negociação. Rio de Janeiro, Julho 2003, 56 páginas.
N°11: América Central e União Européia. As relações co-
merciais. Rio de Janeiro, Abril 2003, 61 páginas.
N°10: A preparação da Área de Livre Comércio das Amé-
ricas (ALCA): Desafios e estratégias das perspectivas do Brasil
e da Comunidade Andina. Rio de Janeiro, Dezembro 2002, 49
páginas.
N°9: Venezuela: democracia em crise? Rio de Janeiro, De-
zembro 2002, 46 páginas.

237
Anuário Brasil-Europa 2002

Solução de Controvérsias, Arbitragem


Comercial e Propriedade Intelectual
Rio de Janeiro, 2003
R$20,00 – 304 páginas

O Anuário Brasil-Europa pre-


tende acompanhar e documentar o
desenvolvimento das relações mútuas
entre o Brasil e a Europa. Seu objeti-
vo é contribuir para o entendimento
e o aprofundamento das relações euro-brasileiras, por meio de
análises e documentações de temas e acontecimentos atuais.
O presente anuário é composto de artigos de autores brasi-
leiros, europeus e sul-americanos que tratam dos três temas aci-
ma mencionados relevantes para a agenda das relações entre
Mercosul e União Européia, a saber: sistema de solução de con-
trovérsias, arbitragem comercial e propriedade intelectual. São
analisados também temas referentes ao processo de integração
européia. Além disso, são descritos importantes eventos e encon-
tros relativos ao relacionamento entre o Brasil e a Europa, com a
apresentação de documentos e informações estatísticas.
Na elaboração de um anuário como este, inevitavelmente
haverá omissão e “lacunas”. É simplesmente impossível docu-
mentar “completamente” as múltiplas relações entre o Brasil e a
Europa. Os editores agradecem todas as indicações e sugestões
ao próximo Anuário 2003.

238
ACORDO MERCOSUL – UNIÃO
EUROPÉIA
Além da Agricultura

Mário Marconini e Renato Flôres (Orgs.)


Rio de Janeiro, 2003 – 272 páginas –
R$20,00

O ACORDO DE LIVRE CO-


MÉRCIO Mercosul – União Euro-
péia, ora em negocição, abrange, di-
reta ou indiretamente, uma vasta gama
de assuntos. A correta percepção dos
diversos temas envolvidos pode auxiliar significativamente o
desenho de propostas viáveis, entendidas como as que, além de
interessantes para ambos os lados, levariam em conta as restri-
ções – internas ou externas a cada um dos blocos – com impacto
significativo nas possíveis concessões e benefícios.
A publicação desenvolve temas que, ou estão ligados a tais
restrições, ou aprofundam o conhecimento de questões ou seto-
res – fora do decantado setor agrícola – que poderiam auxiliar na
composição de pacotes negociadores de interesse mútuo. Os te-
mas abordados são: os condicionantes jurídicos às negociações
comerciais da União Européia e sua influência para um acordo
com o Mercosul, os efeitos do alargamento, a liberalização dos
setrores de telecomunicações e de serviços técnicos profissionais
no contexto do acordo comercial entre os dois blocos, e as pers-
pectivas de um acordo Mercosul – União Européia para o comér-
cio de manufaturados.

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Foro Empresarial MERCOSUR
UNIÓN EUROPEA
Recomendaciones para un Acuerdo
de Libre Comercio
Documentos de la IV Conferencia en
Brasília Octubre – 2003

Rio de Janeiro, 2004 – 256 páginas –


R$10,00 (edição bilíngüe espanhol-
inglês)

A promoção do diálogo bi-regional


entre os países do Mercosul e da
União Européia, assim como o intercâmbio de experiências e idéi-
as sobre processos de integração regional e temas da cooperação
internacional são objetivos fundamentais da Fundação Konrad
Adenauer.
Por isso, é acolhida a iniciativa do Forum Empresarial Mercosul
União Européia de publicar os documentos e recomendações da
IV Conferência Plenária realizada em Brasília em Outubro de
2003. Tais recomendações dizem respeito ao fortalecimento e
aprofundamento das relações bilaterais, em direção ao Acordo
de Associação Inter-regional União Européia – Mercosul.
Este livro é uma iniciativa conjunta com o Forum Empresa-
rial Mercosul União Européia, a fim de contribuir para o diálogo
entre as comunidades empresariais e os líderes políticos da União
Européia e do Mercosul, e também para levar o debate ao conhe-
cimento do público interessado em geral.

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