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POESIA 2M4

Janeiro 2004

2
Frío inverno
Caminhando num ponto intermeio
entre o azul eterno e claro
e o mar de névoa que inunda
as terras dos cigurros,
coa pele curtida polo nordés
e o coraçom embalsamado
num perfeito stand by.

As minhas mãos recordam


a suavidade silenciosa
do teu rosto. Um sorriso.

Nom preciso a calor inerte


do sol frio do inverno,
mentres tenha no teu pensamento
um lugar onde resguardar-me.

Nom preciso, sequer, da sua luz


poisque a noite pecha recorda
o eterno obscuro vibrar dos teus olhos,
a imensa negrura que me agocha.

3
Literatura, pura vida
Adicar-se
a contar os dias que passam,
sem que ocorra nada digno de mençom.

Adicar-se
a esperar sem voltar-se tolo.

Tempus fugit. É certo.

Carpe diem? Impossível.

Resulta difícil
estudar literatura, arestora.

4
O pesso do eu
Coa força dum cavalo moribundo
que tira dum carro no médio do deserto,
coa ilusom dum obreiro fordista,
coa impotência dum anciám lascivo,
co desejo dum insatisfeito,
coa impaciência dum recém,
assim, vagando coma umha fantasma
de ósos, carne e pensamento.

Farto de tanto gris, morto vivo,


insolente, indolente, aborrido.

Sair da caixa, abandoar o esqueleto,


e ser vento caótico, infinito, imparável,
ou torrente, água intranquila, fervença,
ou lume de póla a póla, assassino,
vivendo em cada morte cinzenta.

Desmaterializar-me,
afundir a minha voz num coro,
agochar no barulho o meu silêncio,
desaparecer estando aí, descansar,
abandoar a individualidade, ser qualquera,
ser nengúm num espaço sem tempo...

...para voltar com energias anovadas.

5
Espelhos rotos
Eta bada arrazoi bat
biak aldekotzat ukaiteko:
hazi egiten bait dugu itsasoa gure malkoez
eta, halabar, haizea gure hasperenez...
J. Sarrionandia, "Irlandar herriaren aldekoak"

Longos rios de negro petrificado, creio que os chamam ruas,


acoutam o dia a dia dos que, coma nós, se erguem da cama...

E diz o poeta que o vento e o mar, esses solitários dançantes,


estam ao nosso favor, ao nosso carom, apoiam-nos,
porque fazemos medrar o mar coas nossas bágoas,
porque fazemos crescer o vento cos nossos suspiros...

Digo eu que podiam estar connosco igual, apoiando,


mas, porque fazemos medrar o mar coa nossa suor,
porque fazemos crescer o vento com gemidos de prazer,
seria, quando menos, bastante mais gratificante...

E que saia o sol e rebentem os espelhos e as televisons!


Que caia o decorado e ardam os disfarces e as vestimentas!

6
Fevereiro 2004

7
Noite de licor café
a noite-enorme
tudo dorme
menos teu nome
Paulo Leminski

Refugio-me onde a música a tope decibélios,


ailhado dos espíritos, das fantasmas que cruzo
polas ruas frias, mentres penso (puta merda),
ainda menos mal que nom chove neste velório,
e o vento gelador que endurece os meus lábios
(assim nem sequer podo cuspir, óstia)
queda fóra deste antro escuro, e, portanto,
cúmplice de silêncio. Nom me divertem
os palhaços, nem o ócio do capitalismo
serôdio-consumista (aborri-me de consumir),
mas, se nom há saída, tampouco houve entrada,
pariram-me acó, e a apandar! (foder!),
a verdade é que queria escrever um bonito poema,
para essa moça, sim, nom é umha modelo,
pêro quê óstias!, eu nom sou um príncipe azul!,
nom estou hoje para louvar nada, dizer 'quero-te'
sona mui baldeiro arestora, só sinto que estou...
que estou menos abandoado junto a ela, só isso...
nom é o argumento de umha love story hollywoodiense,
o nosso só poderá ser um amor de terra e choros,
e hoje, esta noite, é o princípio do resto da condena,
já a santa companha saúda-me polo nome de todas
as vezes que se cruzam as nossas fugidas. Decidido,
ao acabar este licor café marcho, irei deitar-me,
dormido, ao menos, nom lhe dou voltas a nada...
(agás ao desejo sexual, vaia...!)

8
De volta de umha viagem iniciática

Quin és l'aparell per mesurar la profunditat de les


ferides?
D. Castillo, "Plenamar"

Estourou o vaso em mil anacos


e cortarom-se-me as comissuras dos beizos,
infectou-se-me até o grolo do veneno
que cuspiu tua voz no meu silêncio.

Nom me toques o coraçom apodrecido


se nom vas cicatrizar as minhas feridas,
nom quero mais remedos fechando em falso
cortes nauseabundos, gangrenados.

Figeches-me dano, e nom te importa,


sequer o sabes, nem te deches conta;
perderei-me na corredoira da tua ausência
até que te esqueça ou me resgates.

Que che vaia bem, amor.

9
Fantasma da velha toupa
Las cosas son como son. Hasta que dejan de
serlo.
Justo de la Cueva Alonso

Saltaram as costuras e racharam as paredes,


nas fendas medraram musgo e flores,
e a vela prendeu um lume tímido
que apenas alumou umha sombra calada
de quem portam as feridas.

E zoa um vento violento e frio.

Bailava a terra ao ritmo pausado


dos moribundos, a aluminose silenciosa
devorava as robustas catedrais do medo.
Nas fendas medravam rosais enormes
e a vela, já meio consumida, nom está soa.
E chovia com força em telhados furados.

De súpeto, as agulhas dos relógios


começam a girar ao revés; nas fendas
medram carvalhos a grande velocidade,
a vela acaba mas o lume prende
e arrasa os móveis, as portas e os convénios.

Entre as cinzas, morta, a esperança.

Abriu-se o melom.

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Março 2004

11
Hipóstase
Pode-se nom perceber nada na superfície, mas
nas profundezas o inferno está em chamas.
Y. B. Mangunwijaya

Resulta insuportável enfrentar-se


à inescrutável presença da sua voz e olor
quando essa resistência é umha impostura,
consequência lógica, muda e palpável,
de carecer do contra-sinal, da chave
para abrir o seu interior ocultado
e fugir da névoa da incerteza.

Quero beber da sua boca a água


que apague o lume que me consome,
assir-me às suas mãos, seguras, certas,
construindo umha saída à crise de sentido
que me leva a valorizar a vida
em grámos de algumha substância...

Mas a incógnita nom atende, soberbia,


às virtudes da clarificaçom verbal,
existem, mesmo, dúvidas urentes
que bailam ao som dos silêncios.

Saltaria ao outro lado do precipício


se estivera seguro de chegar ao outro lado,
ou, ao menos, de morrer desalmado,
lobotomizado, descoraçonado, no intento.

12
Reflexons lutuosas
A pesadume:

Apagam-se as verbas.
Arestora nom significam rem
e pola contra nom é hora de calar.

A raiva:

Hoje é um dia negro,


mais negro do normal,
nesta obscuridade que é o dia a dia.

Hoje morreram
coma todos o dias
os inocentes, os irmãos, nós...

A consciência:

Dá igual que seja Madrid,


Bagdade ou Rio de Janeiro,
as palavras nom podem enmudecer.

Há que pôr ordem


neste sanguento caos,
é a hora do raciocínio e o diálogo.

A história:

Que nom calem as palavras,


e tenhamos sempre presente
que nom haverá paz sem justiça.

13
Erupçom abortada
Triste sino de gerações:
perdendo o medo de trepar
descobrimos o medo de amar.
U.Tavares "Vale de lágrimas"

Desbordam, sem sabé-lo, as ânsias.


Cavalos encolerizados baixam
coma se houver umha bilha aberta
as abas dum vulcam dormente.

Deconstruçom. Palavras-totem.
A vertigem, o ar sobe maino
desde os pulmons e...

Cai o café ao chão, e nos posos


lê-se umha palavra perdida
que nunca ninguem dirá,
porque já foi o seu intre.

Silêncio. Tempo-espaço.
A chuva, um paráguas de aço,
a mirada no solo...

O pulso freia,
e as veias protestam
porque lhes gostava sambar
ao som dos botes do coraçom.

Arestora... nem honra, nem barcos.

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Idade de pedra
Sentei ao solpor
perante umha alfombra azulada
cheia de purpurina dourada,
e ali, na branca farinha fina,
dei em meditar
nas tecno-palavras,
na turbo-linguagem...

Em como se complicou todo,


pois no parágrafo anterior
evoco um só verso de Celso Emílio:
"Deitado fronte ao mar"
mas isso era antes...
antes da jeira post-histórica.

Há que voltar à idade de pedra.


Ao baldeiro significante,
ao cromlech, à singeleza...

As palavras serám as novas pedras


da nova revoluçom neolítica,
porque as verbas plastificadas,
tecnificadas, engravatadas,
nom significam nada. NADA.

E hoje é-me (é-nos) imprescindível


dizer: 'Amo-te'
sem que evoque
um happy end hollywoodiense.

E hoje é-me (é-nos) inevitável


dizer: 'Exploraçom'
sem que lembre
umha caduca fotografia em branco e preto.

Temos que ir à idade de pedra das palavras.

(Invoco a Maiakovski

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para que indique o caminho)

Mas temos que voltar aginha


porque os silêncios som cadeias...
temos que dizer tantas cousas...
...uns lábios...umha manifestaçom...
...um torturado...um amor...
...umha violada...uns risos...
...umha amizade...matar a deus...
...iniciar umha semiótica do desejável
para viver como se vive, do único jeito possível,
num passado presente que é presente futuro...

Incrível sem as palavras


que som PEDRAS
da nova Idade de Pedra
das palavras.

Perante o mar de Bueu,


esta reflexom, palavras que nom dim nada,
nom som nada,
enmudecido.
Silêncio.

(Como dizer de umha vez que te quero


sem palavras respeitáveis, vivíveis?)

De novo, para sempre?, SILÊNCIO.

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Querido diário
Querido diário:

Hoje figem-me mais perguntas do que o normal. Sucede que os dias que
nom saio da casa os meus neurónios só recebem, numha atmosfera
carregada, oxigênio viciado pola ausência do ar entrópico, libertador. E
trabalham a um ritmo certo, suave, algo idiota, perdido. E comecei a pensar
nas raízes que mantenhem em pé esta árvore que chamo eu. E vim-nas
todas ensangüentadas, ilotizadas, morrinhentas, saudosas da calor e a
humidade da terra. Seguiam coma sempre. Dolorosas. Nom pode ser doutro
modo. Raivosas. Assim mo impuseram. Sei mui poucas cousas certas. Já
nom me resta nengum castelo para derrubar. Já só podo proteger-me das
inclemências deste tempo desalmado cum pequeno, insuficiente cartom. E
neva, e chove, e gela e o cartom quase sempre nom cumpre a sua funçom
totalmente. É o momento da imaginaçom, mas também o da ciência. Por
isso, às vezes reforço a acçom do cartom refugiando-me nas ruínas dalgum
velho castelo queimado. Sempre perto da saída, dalgumha antiga porta, da
dúvida permanente, nom vaia ser mal refugio e tenha que botar a correr,
nom vaia equivocar-me. E pinto poemas, e debuxo análises nesse cartom
no que me escudo, às vezes até penso que eu sou esse cartom, e às vezes
ele também o pensa e converte-se num espelho que me devolve a minha
imagem. Sempre procuro limpar bem os lentes para que a minha visom
nom esteia alterada pola poeira e a lixeira duns cristais. E hoje dei a pensar
em todo isto de novo. Coma sempre que nom saio da casa e nom me dá o
ar, e nom vejo nenés jogando num parque, nem ancians sentados,
acarinhados num seram qualquera. Coma sempre que esqueço por quê
pensei todo isto já algumha vez. Mas hoje foi, em parte, distinto. Hoje
umha anjo levou-me a contrária. Reprimi coma puidem o meu desejo
sexual, quando a vejo nom podo evitar pensar nesse cu incendiário, nessa
pele quente, nesses lábios carregados de prazer. Coma quase sempre que
penso nela. Mas hoje a minha anjo querida traia-me umha mala nova. O
meu destino, dizia, está escrito. Por isso precisamente deixara de crer em
deus, em todos os deuses havidos e por haver. Assim está escrito no cartom
co que me protejo desque me converti em pessoa. Nesse cartom que às
vezes é espelho e às vezes brújula. Nom podo perder a minha brújula. Eu
sou a minha brújula. Perdé-la é perder-me. Mas duvido. Sempre o faço,
continuamente. E penso: Quê passaria se ao cruzar a porta nom houvesse
nada? Se depois de subir à cuínha mais alta nom se vê a paisagem? Quê

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contariam os montanhistas que subiram ao Evereste? Quê passaria se vou à
habitaçom secreta e atopo o leito ausente? E o meu anjo, à que eu tanto
quero e desejo, escacha de riso coa minha dúvida. Normal, a religiom é fé
cega, e nom pode entender a luz da dúvida na escuridade permanente, esse
valor, essa imprescindibilidade. Os cegos nom podem compreender a
maldade da escuridade. E duvido: O quê passaria se o preço da dignidade
fosse a infelicidade? Mas se nom é imaginável umha sociedade livre
prenhada de escravos tampouco o é umha dignidade infeliz. O que me
preocupa, embora, nom é que seja imaginável, que nom o é, senom que
poida ser experimentável, real, vivível. A luz da dúvida guiou-me numha
viagem iniciática, todas o som em parte, à terra dos meus castelos, dos
meus medos, ao ermo, campo de batalha do eu, do super-eu, do
inconsciente, da infra-estrutura, da superestrutura, do eu adulto, do eu neno,
do eu padre, da sobre-determinaçom, da contradiçom principal, e das
secundárias... À terra queimada que constitui a minha pátria íntima. E
atopei um castelo tam só meio derrubado, tam só meio queimado. O
eslabom feble da cadeia. O castelo do amor. Tenho que deconstruí-lo. Nom
para estar mais seguro porque terei um lugar, umha fé, menos onde
resguardar-me... Talvez, só, talvez, para ser mais livre porque o amor que
este castelo apresenta está feito de renúncias e de grilhetes. Roubarei
dinamita e botarei abaixo esse castelo. Juro que nom voltarei a namorar-me
até que amar nom seja fazer, livre e respeituosamente, porque nesse caso
derramo amor por todos os lados, porque entom o amor é um outro nome
que utiliza a dignidade nalguns âmbitos. Libertar é, nesse caso, um acto de
amor. Mas nom creio que o amor seja isto último... Resulta inverosímil
neste puto mundo.

Compostela, a 28 de Março de 2004.

18
Abril 2004

19
Abril de 2004
Només es troba
qui es pregunta.
M. Garcia Grau, "Enmig les hores hem perdut no sabem
què"

A DÚVIDA

Pergunto-me
de que serve maldizer
aos rios
se nom tenho a coragem
de navegá-los.

O RAZOAMENTO

Tese primeira: Um tanque nunca será um taxi.


Tese segunda: A militarizaçom jamais
solucionará os endémicos atascos.
Conclusom: Há que afrontar os factos,
cômpre adoptar umha outra perspectiva.

A INTENÇOM

Hei deixar
de maldizer circunstâncias
para construir
umha barquinha que cruze
os rios.

O FRACASSO?

(Baldeiro, ainda)

A DECEPÇOM?

(Possível, ainda)

A CERTEZA

Vivo num tempo de mudanças.

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Maio 2004

21
Sem rumo
amar es suicidarse
F.López de Artieda, "El Amor"

Adicado a Paula, musa privada em vários sentidos.


No médio e médio,
sob a mirada das estrelas
percorrendo umha via
abandoada
sem início e sem destino.

Assusta-me
o teu baile truncado.

Talvez nom devera falar,


a fim de contas
caminhamos em sentidos
opostos
sem mapa e sem prazer.

Anoja-me
o teu baile truncado.

A nena indefesa,
essa que te habita
agocha-se nas longas travessias
insomnes
sem objecto e sem calma.

Dói-me
o teu baile truncado.

Mira num espelho


o fundo das pupilas
contemplando essa nena
joguetona
sem silêncios e sem incertezas.

Acaba
com esse baile truncado.

Baila!

Mália que bailando remates,

22
sei-no, inexoravelmente,
nas antípodas da minha vida.

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Julho 2004

24
Humidade
La sangre tiene dedos y abre túneles
debajo de la tierra
Pablo Neruda, "Maternidad"
Agita-se a veleta,
pintam as paredes de roupas
e de gemidos dumha cama habitada,
amamanta ao seu retonho
umha mai primeriça
namentres ardem os caminhos
que levam às antípodas
das suas mãos.

O ar fede a salitre
esnaquízam-se em mil cristais
todos os silêncios, suor coma rios,
aranhas de cinco patas
percorrem montanhas e vales
da sua pele tersa e suave
deixando trás delas umha capa de mel,
suor, sémen e saliva.

Bule-bule coma num ninho de serpentes,


roçam os mistos e prendem,
consume-se o oxigénio traidor
em líquidas bocanadas desesperadas,
saltam as agulhas do relógio
cravando-se na insónia
espetada em frenéticas
lambetadas ao seu corpo.

Cede a viga mestra,


coa vertigem boto a âncora
no seu embigo, ou mais abaixo,
asindo-me às lianas do seu pelo,
fora umha explosom nuclear
mata aos galos e anuncia
à polícia escravista,
a um novo dia, À MONOTONIA.

25
Lousa
Morreu a lua nova
e apagou o sol de poente.

Encaramado a um suspiro,
asemade,
desde as alturas da sola de uns sapatos
observar
como caem os cascotes
no desfiladeiro do derrubo.

O cavalo já nom porta ferraduras,


e ao vaso faltam-lhe grolos.

Só porque ao vento sul


o mundo vem-lhe grande
e sonha com ser umha tartaruga,
transitando mil mares,
protegida na sua carapaça,
pondo ovos em mil praias
sempre
distintas.

Entretanto, sangram as raízes


coma a umha águia,
cospem os olhos mananciais,
e, sem terra onde aninhar,
nem moinho no que assassinar fantasmas,
cai a noite
coma umha lousa
sobre do seu nome.

26
Setembro 2004

27
Spoon River à feira
In memoriam Edgar Lee Masters, autor de
Spoon River Anthology (1915)

Gostaria de escrever, coma projecto metaliterário,


o Spoon River galego, leitura das lápidas,
os epitáfios de toda classe de imposturas,
de culturetas-culturalistas-aculturizados,
filhos do trebom e da névoa,
dos reintegratas onanistas viciosos,
da colónia que deveu xampu,
os epitáfios de toda a miséria e grandeza
desta pátria sem patriotas,
dos amigos de Franco e Carminha Burana
- gloriosa e excelsa cantante fadista, onde houver-,
os epitáfios dos radical chic, enragès periodísticos
- tam cool e tam isolacionistas eles-,
da vanguarda revolucionária profissional
- UUUU, o quê medo me dá!-,
da extrema-direita-centro-galeguista
- Don Manuel vele por nosotros-,
os epitáfios dos trepas sociolistos que gostam do postureio progre
dos nuncamaises, nonaguerras, nonalous,
escachamos co riso!

Gostaria de escrever, coma j'accuse antifascista,


o Spoon River à feira,
também os epitáfios dos tolos e borrachos,
e das moças e moços, castellanoparlantes, claro
- com os seus porros, carros e sexos escandalosos -,
e das velhas moralistas nas igrejas desabitadas
- amantes dos curas, cos seus caldos e matanças do porco -,
e dos obreiros que fumam tabaco mouro e zoupam às suas mulheres,
os epitáfios dedicados àqueles que mantêm as essências
nacional e populares, madia leva!, do povo trabalhador.

Mas nom podo, nom tenho folgos.

Porque deixei, abandonado,


o coraçom entre as suas bragas,
o meu sangue protesta polo lock-out
- o ruído do sindicalismo

28
nom me deixa dormir-
e nada mais sou umha sombra
que lamenta nom poder
passear a língua e as mãos
por essas partes socialmente
reprováveis do seu corpo.

Podo, no entanto,
escrever o meu epitáfio:
"Eiquí jaze um que passava por aquí"

29
Novembro 2004

30
Demissom
Pido perdom.

Nestas ruas cheias de coches-bomba,


nestas corredoiras enlamadas
(pola chuva de choros, vómitos,
hemorragias e fluxos vaginais roubados),
aqui, no puto médio de nenhuma parte,
no centro do genocídio, do desastre,
nesta calelha sem escapatória,
nesta orgia de luzes eléctricas,
e musiquinhas molonas enlatadas,
no reino da cegueira, do alcoolismo,
da prostituiçom, e do embiguismo,
neste lugar,
desde o centro geo-político do sistema-mundo capitalista.

PIDO PERDOM

Pido perdom por nom tomar as armas


e executar aos beneficiários do desastre,
por nom queimar todos os bancos, quartéis e emissoras,
pido perdom por ser incapaz de sonhar,
por ser incapaz de imaginar,
por nom poder emocionar-me
coas condiçons objectivas e subjectivas,
por passar do poder constituinte
e das capacidades subversivas e/ou reversivas
- importa de veras?-
do trabalho intelectual,
pido perdom
por encerrar-me em mim mesmo
e decidir passar,
este derradeiro quarto de hora,
bebendo da suor dumha sereia,
revivendo a sua temperatura nas minhas sabas,
respirando a sua humidade no meu ambiente,
renascendo coa suavidade dos seus lábios,
preocupando-me mais polo seu sorriso
que polos milheiros de fomentos mortos
entre tanto escrevo

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esta merda de poema,
só abraçá-la
tratando
de nom perder
o sentido de realidade.

Pido perdom por renunciar a ser humano,


ainda que sei que nenhum, de todos os que vivem,
tem a autoridade moral suficiente
para dar-me esse perdom
neste labirinto sem minotáuro e sem saída.

32

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