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2006

APOSTILA
NEUROFISIOLOGIA

Disciplina: Fisiologia Comparada (8 créditos)


Curso de Ciências Biológicas

Profa Dra Silvia Mitiko Nishida


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HOMEOSTASIA

INTRODUÇÃO

A fisiologia animal tem como finalidade estudar como os animais vivem. Para isso
busca-se compreender os mecanismos de funcionamento dos tecidos, dos órgãos e dos
sistemas de órgãos dos animais multicelulares, assim como, os processos de adaptação e a
diversidade de soluções para a sobrevivência nos mais diferentes ambientes da biosfera
terrestre. Acima de tudo é uma disciplina integrativa, pois se preocupa em compreender o
funcionando do organismo na sua totalidade, do nível molecular ao do individuo lembrando
que os seres vivos são feitos de matéria e que obedecem às leis da química e da física.

A indissociabilidade da relação estrutura-função e da multidisciplinaridade

Um organismo metazoário a sua organização é formado de tipos de células que se


diferenciam e se associam para formar outros níveis de organização como os tecidos,
órgãos e sistemas de órgãos. Um tecido deve ser sempre interpretado morfológica e
funcionalmente como o resultado da interação entre grupos de células através de
mediadores químicos e que desempenham uma ou mais tarefas especificas. Já um órgão é
constituído por mais de um tipo de tecido e está organizado em diferentes proporções e
padrões.
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Um sistema de órgãos envolve mais de uma unidade funcional do corpo: para


obter, digerir e absorver os nutrientes é necessária a participação não só do sistema
digestório, mas também da cooperação dos sistemas músculo-esquelético, nervoso,
circulatório e de várias glândulas. Assim, cada célula realiza atividades metabólicas
essenciais para a sua própria sobrevivência e, ao mesmo tempo, desempenha a função
especifica do tecido de cujo órgão faz parte. No estudo dos processos fisiológicos, não
podemos perder de vista a relação estrutura-função e integração de várias disciplinas.

Os seres vivos são muito diversos, mas possuem propriedades comuns

Os animais diferem muito na aparência (forma, tamanho ou padrões de


comportamento), mas todos compartilham propriedades essenciais como as de:
1. adquirir energia e matéria do meio ambiente externo e garantir o seu estado
organizacional e funcional (obter e processar o alimento);

2. manter estavelmente regulada o meio ambiente interno mesmo diante das oscilações
do meio ambiente externo (homeostasia);

3. eliminar os produtos finais do metabolismo e outras substâncias indesejáveis para o


organismo (excreção);

4. fazer reparos contra injúrias teciduais e infecciosas e defender-se de predadores


naturais;

5. de se reproduzir;

Todas essas funções são exercidas por meio de processos comportamentais e


fisiológicos. Os seres vivos são formados de matéria orgânica (proteínas, lipídios,
polissacarídeos, etc.) cuja organização estrutural é bastante complexa e para construí-la,
mantê-la e, além disso, para realizar trabalho precisam gastar energia. A fonte primária de
energia encontra-se no ambiente externo, fora do corpo. As plantas verdes, por exemplo,
captam diretamente a energia radiante do sol e a armazenam nas ligações químicas de
vários combustíveis orgânicos. Entretanto, todas as espécies de animais, sem exceção,
precisam obter energia alimentando-se de plantas ou de outros animais.
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Se pensarmos na primeira célula “que deu certo”, isto é, que foi compatível com a
vida podemos imaginá-la possuindo minimamente a membrana citoplasmática separando
os meios intracelular e extracelular imerso na água, nos mares pouco profundos. A água é
uma substancia muito reativa e essencial à vida. Os animais terrestres possuem em sua
composição, 75% de água no corpo e fazem um grande esforço para conservar a água e
garantir que a composição química dos fluidos corporais não varie. Esse meio aquoso
requer uma regulação precisa de pH, temperatura, pO2, combustível. etc. para que as
inúmeras reações bioquímicas essenciais ao processo vital ocorram apropriadamente. O
termo homeostasia refere-se à tendência permanente do organismo em manter a constância
do meio interno diante das oscilações do ambiente externo. De fato, os animais possuem
inúmeros mecanismos de regulação ou de ajustes que serão estudados ao longo da
disciplina.

Sistemas de controle

Para entendermos como funciona o sistema de controle biológico examinemos os


mecanismos de regulação da temperatura. Suponha que você deseja controlar a
temperatura do seu aquário no qual está criando peixes tropicais e o valor ideal da água
deverá ficar entre 25o a 29ºC. Para isso será necessária uma fonte de calor, um aquecedor
que vai gerador energia térmica. Você não poderá deixar o aquecedor ligado o tempo todo e
deverá aferir constantemente a temperatura através de um termômetro (sensor térmico). Se
a temperatura ficar além dos 29ºC desligará o aquecedor e se ficar aquém, ligará e assim,
sucessivamente. Nesse caso dizemos que a regulação da temperatura está sendo baseada
num sistema de alça aberta.

Controlador aquarista

Componente controlado aquecedor

Efeito Calor (temperatura)


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Mas será que não haveria um mecanismo alternativo e mais prático onde a própria
redução ou aumento da energia térmica servisse de informação para que o aquecedor
pudesse ser ligado ou desligado, formando uma alça de retroalimentação? Sim, a inclusão
de um termostato, ou seja, um interruptor que pode ser controlado pela própria variação de
energia térmica (temperatura) no sistema. O termostato possui um fio condutor termo lábil
que liga/desliga o aquecedor: todas as vezes que a temperatura do aquário estiver abaixo de
25ºC, o fio condutor sofre contração física e liga o aquecedor. Quando a água atingir
temperaturas mais altas, o fio condutor dilata e desliga o aquecedor. Note que o termostato
é sensível à saída do sistema (quantidade de calor produzida) e usa essa informação para
controlar a própria entrada (quantidade de calor necessária). Dizemos que esse mecanismo
de controle funciona através de uma alça fechada de retro-alimentação (feedback).

termostato

Controlador

Efeito Feedback negativo

temperatura
Componente
controlado

aquecedor

Repare que o sistema funciona sempre agindo contra a variação e, por isso, é
chamado de mecanismo de retro-alimentação negativa. A precisão com que o efeito é
controlado depende da potência e da velocidade de como o controlador atua, da
sensibilidade e da inércia do sistema.
Será que nos sistemas biológicos podemos encontrar forma semelhante de controle?

Adaptação, aclimatização e aclimatação

Há muita diversidade entre os seres vivos quanto às estratégias de sobrevivência em


função do ambiente onde evoluíram e se adaptaram. A adaptação corresponde a processos
onde diferentes soluções de sobrevivência ocorreram gradualmente através das gerações
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por seleção natural. O termo ajuste é empregado para referir-se à capacidade dos animais
manterem regulados os valores de um determinado parâmetro mesmo frente às variações do
meio. Esses são os animais chamados reguladores. Mas ter essa capacidade não é a única
maneira de estar adaptado ao meio. Há espécies cuja adaptação significa ser bastante
tolerante às variações do meio. Esses animais são chamados de conformadores,
possuindo, no entanto, faixa limitada de tolerância.

Veja a figura abaixo: o peixe em questão é uma espécie que vive em águas mais
frias e tolera uma ampla faixa de variação da temperatura ambiental (é, portanto um
termoconformador). Denominamos de temperatura crítica inferior (Tci) e superior (Tcs)
os respectivos limites em que a sobrevivência destes animais é de 100%. Quando a
temperatura diminui ou aumenta, aquém ou além das temperaturas críticas, a taxa de
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sobrevivência vai diminuindo até que nenhum animal suporte mais as variações. A zona de
resistência corresponde à faixa de variações térmicas em que a sobrevivência dos animais
fica comprometida. Cada espécie possui um perfil típico de tolerância e de resistência às
variações da temperatura ambiental.
Para os animais conformadores, o ideal é se manter dentro da zona de tolerância e,
se submetido às variações críticas (zona de resistência), esquivar-se dela. Tanto para os
animais homeotérmicos (aves e mamíferos que são termorreguladores estritos) como para
os ectotérmicos (peixes, anfíbios e lagartos), a presença de órgãos sensoriais que
monitoram constantemente as variações térmicas do corpo são essenciais. As aves e
mamíferos que regulam a temperatura corporal dentro limites estreitos, os termorreceptores
que ficam espalhados pelo corpo enviam a informação para um “termostato” situado no
sistema nervoso. A temperatura é comparada com o ponto de ajuste ideal e, se for
necessário, o sistema nervoso elabora comandos para que os mecanismos produtores e
trocadores de calor restabeleçam a condição desejada.
A aclimatização refere-se à capacidade dos seres vivos de se ajustarem às variações
naturais do meio. É o caso, por exemplo, de ajustes que os animais experimentam durante
as variações sazonais de fotoperíodo, temperatura, pluviosidade, etc. Suponha um animal
que migrou do vale para regiões mais altas de uma montanha onde o ar é mais rarefeito. No
começo haverá um aumento na taxa de ventilação para se obter a mesma quantidade de
oxigênio. Passados alguns dias, a freqüência de ventilação volta aos níveis anteriores, mas
também aparecem mecanismos fisiológicos que facilitam a troca gasosa. Por isso, quando
os jogadores de futebol vão do Brasil para o Chile precisarão ir com antecedência para uma
aclimatização.
Já a aclimatação é a mesma coisa só que em condições artificiais ou induzidos
experimentalmente. As codornas são submetidas a condições não-naturais, por exemplo,
com o fotoperíodo constante de 16 horas de luz artificial (dia) e 8 horas de escuro (noite) e
a temperatura sendo regulada em torno de 25oC para se garantir postura diária de ovos. Na
Natureza a produção de ovos estaria restrita à estação de procriação, ou seja, primavera
verão.

Por que e como regular? Mecanismos de retroalimentação negativa e positiva.


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Qualquer que seja o mecanismo de regulação ou controle são necessários no


mínimo três componentes fundamentais:
a) Órgãos sensoriais: altamente sensíveis à detecção de mudanças específicas dos
meios interno ou externo.
b) Órgãos de processamento e de integração: local de recebimento e processamento
da informação; está capacitado para a analisar e elaborar comandos de ação.
c) Órgãos Efetuadores: sistemas de órgãos que executam as tarefas necessárias para o
restabelecimento do controle.

Poder regular uma quantidade (de pH, de pressão parcial de oxigênio, dos níveis de
glicose, etc) significa garantir a integridade funcional do sistema vivo e assim, poder
exercer outras funções vitais. A glicose é o principal combustível das células e ao contrário
de outros tecidos, as células nervosas só utilizam esse substrato como fonte de energia e o
seu suprimento precisa ser constante (assim como o de oxigênio). A hipoglicemia (redução
nos níveis de glicose sanguínea) causa perda de consciência e a falta prolongada pode ser
fatal. A hiperglicemia (quantidade aumentada) também causa várias disfunções que
comprometem bastante a qualidade de vida. Assim, um organismo saudável deve possuir
mecanismos precisos para regular os níveis de glicose do sangue. Após as refeições, ocorre
um aumento nos níveis de açúcar no sangue e, se não há necessidade de utilizá-la
imediatamente, o excesso é retirado da circulação e é armazenado pelos músculos
esqueléticos ou pelo fígado na forma de glicogênio, ou então, é convertida em gordura a
principal forma de armazenamento de energia dos animais. Quando o suprimento de glicose
está baixo como no jejum (ou outras situações de emergência que requer energia), o
glicogênio é degradado e moléculas de glicose são disponibilizadas para pronto uso pelos
tecidos. Se o jejum ou um exercício físico se prolongar, o tecido gorduroso será mobilizado
para disponibilizar fontes alternativas de energia para as células (exceto para o tecido
nervoso) e o fígado converterá os aminoácidos (elementos constituintes das proteínas) em
glicose. Em outras palavras, os sistemas vivos lançam mão de mecanismos de
retroalimentação negativa e procuram ajustar a concentração ideal de glicose sanguínea.
Esse conceito vale para qualquer outro parâmetro onde uma determinada quantidade é
constantemente ajustada em torno de valores ideais (pontos de ajuste).
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Os mecanismos de retroalimentação negativa agem sempre contra as variações:


todas as vezes que ocorre aumento ou diminuição de uma variável, os órgãos efetuadores
agem contra a mudança e realizam os ajustes necessários, controlando os valores entre um
máximo e mínimo os quais são considerados normais. A amplitude variação normal
depende de espécie para espécie.
Em outras situações existe a necessidade de aumentar ou exacerbar uma
determinada quantidade por tempo determinado. Nesse caso, os mecanismos de
retroalimentação positiva geram ritmos (para hormônios endócrinos) ou deflagram
eventos específicos (potencias de ação, parto) por um período de tempo. No trabalho de
parto de mamíferos a contração uterina começa e deve aumentar progressivamente até que
ocorra a expulsão do neonato. Outro exemplo prático desse mecanismo é a excitação sexual
que progride continuamente até que a cópula ocorra.

O que é comportamento?

“Comportamento” refere-se ao conjunto de atividades musculares e de outros


órgãos efetuadores do corpo possibilitando a relação dos animais com o meio ambiente
externo (fatores bióticos e abióticos). Essa relação pode ser observada nas atividades de
procurar e obter alimento, construir abrigo, reproduzir-se, cuidar da prole, competir por
recursos, caçar ou defender-se de predadores e realizar demais ajustes fisiológicos (expor
ao sol para adquirir energia térmica, etc.).

Órgãos efetuadores do corpo: elementos que realizam os ajustes fisiológicos e


expressão do comportamento

Tanto a expressão do comportamento como da realização de ajustes fisiológicos é


executada por dois principais tipos de órgãos efetuadores do corpo: os músculos e as
glândulas. Entre os vertebrados há três tipos de tecidos musculares cujas células
musculares são de 3 tipos:
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Estriadas esqueléticas que estão


associadas ao esqueleto e
proporcionam o movimento e postura
do corpo.
Estriadas cardíacas que forma o
coração, a bomba propulsora que faz o
sangue circular pelos vasos.
Lisas que formam os demais órgãos
viscerais (trato gastrintestinal, os vasos
sanguíneos, útero, bexiga, ureter, etc.)
A musculatura cardíaca, lisa e
as glândulas formam coletivamente os
órgãos viscerais do corpo.

As glândulas são estruturas cujas células sintetizam e secretam substâncias


químicas especificas que servem como mensageiros químicos agindo em outras células
vizinhas ou que ficam muito distantes. As glândulas podem também secretar mucos, ácidos
e outros produtos. Identificamos basicamente dois tipos de glândulas:
Glândulas exócrinas: que podem despejar seus conteúdos no espaço intercelular,
fora do próprio corpo (glândula sudorípara, glândula sebácea) ou para dentro da luz de um
tubo (pâncreas exócrino).
Glândulas endócrinas: despejam substâncias químicas na corrente sanguínea
(pâncreas endócrino, adenohipofise, gônadas, etc.) e esses mediadores são chamados de
hormônios endócrinos.

Ambiente externo
Luz de órgão

Glândula exócrina
Glândula endócrina

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