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Santacruzenses em defesa da Pátria na Índia

Em visita pela Índia tive a oportunidade de visitar Goa. Passando três dias em Mumbai antes,
pude aperceber-me do País que visitava. O filme “Quem quer ser milionário” retrata bem a
realidade daquela cidade, um povo alegre e que sonha, numa terra muito pequena para o
albergar. Vive-se época de eleições, com vários partidos á bulha, e com o BJP quase certo de
destronar o partido da Sónia Gandhi no poder. Atentados terroristas aos montes (só no dia
quem que chegámos foram 4), felizmente no lado oposto do País, na região de Assam.

Já tinha visitado uma outra ex-colónia Portuguesa, Macau, onde me desloquei com o principal
intuito de apreciar o legado cultural e arquitectónico deixado por nós. Há muito, desde edifícios
públicos, casas coloniais, nomes de ruas e lojas, escolas, taxis pretos-e-verdes, matrículas de
carro, Banco Nacional Ultramarino, a Pataca, a Polícia e os CTT. Morreu a língua de Camões se é
que se pode sequer afirmar que algum dia se tornou vernácula.

Laços históricos com a Madeira

Um madeirense que se destacou na tomada das colónias da Índia foi o santacruzense Jordão de
Freitas, um marinheiro que demonstrou a sua bravura no levantamento segundo do cerco de
Diu, em que nos defendemos de uma força do actual estado de Gujarat. Mais tarde foi
nomeado senhor das ilhas de Amboíno e Sirão, nas Molucas, e capitão da fortaleza de São João
de Ternate.

Não encontrei significativos registos de emigração madeirense em Goa além de contigente


militar, embora seja provável que tenha acontecido em pequeno número. Há no entanto um
forte laço administrativo, respeitante a assuntos do clero. Em 1508, o Funchal foi elevado à
categoria de cidade e em 1514 foi criada a Diocese do Funchal através da bula papal “Pro
Excellenti Praeeminentia” do Papa Leão X, a pedido do rei D. Manuel I. Esta diocese, cujo
primeiro bispo foi Diogo Pinheiro, teve a maior jurisdição geográfica do mundo, açambarcando
as colónias portuguesas em África, no Brasil, Índia e China. Poucos anos depois, em 1533, o
Papa Clemente VII elevaria a diocese a arcebispado, sob a qual ficariam as novas dioceses de
Angra, nos Açores, de Cabo Verde, São Tomé e Goa. Durou esta regência até 1557, quandoa
diocese de Goa foi elevada a arquidiocese metropolitana, ficando sobre a alçada de Lisboa, tal
como a do Funchal.

O distinto madeirense que foi Bispo do Funchal, D. Aires de Ornelas Vasconcelos, foi nomeado
Arcebispo de Goa, a 23 de Julho de 1874, cargo que ocupou durante 6 anos até á sua morte a 28
de Novembro de 1880.
Legado Aeronautico Português

Voámos de Mumbai para Goa num B.737 da “Spicejet” por cerca de 40 euros. O destino era o
aeroporto de Dabolim, antiga base aérea Portuguesa partilhada com aeroporto civil, servido
pelos Transportes Aéreos da Índia Portuguesa (TAIP). Portugal passou a operar voos civis com os
TAIP a partir de 1955. Os motivos da decisão de investir neste aeroporto foram de forte carácter
politico, que serão explicados mais á frente

Os TAIP começaram inicialmente com aeronaves Handley Page Heron. Em breve adquiriram-se
maiores Vickers Vikings, Douglas DC-4 "Skymaster" e 3 Douglas DC6B . As rotas servidas eram
Goa-Damão-Diu-Karachi, Goa-Karachi-Beirute-Damasco-Lisboa e Goa-Beira-Lourenço Marques.
Um dos pilotos deslocados da Força Aérea Portuguesa foi o Major-General da Força
Aérea Portuguesa José Krus Abecasis, que deixou numa obra intitulada “Bordo de Ataque” um
fiel e detalhado relato da operação dos TAIP.

Após a ocupação de 1961, este aeroporto passou a ser ele também base Aérea da Marinha
Indiana, de nome “Hansa”. Como civil possui o código IATA GOI e o código ICAO VAGO, e
oferece uma pista grande, de 3458 metros de comprimento, orientação Este-Oeste 08/26. Além
de forte tráfego charter (Londres) o uso para meios aéreos de patrulha marítima é intenso.
Magníficos, e raros, Tupolev 142 e Ilyushin 36.

Tupolev 142 da Marinha Indiana (Crédito: Sandra Silva)

O prelúdio da Indepedência

Em 1947, após o desmembramento do Império Britânico causado pela Segunda Guerra Mundial,
a Índia obtém a independência como nação. Lord Mountbatten, ultimo vice-rei e depois
governador britânico da Índia independente, abandonou aquele território em 1948. No inicio do
ano de 1948 , já tinha ocorrido o assassinato de Ghandi, e era já Jawaharlal Nehru o Primeiro
Ministro aquando do libertar de todos os laços de colonialismo. Ou quase, porque permaneciam
três territories pequenos ainda em mãos de impérios estrangeiros, Goa (estado propriamente
dito) e Damau e Diu (enclaves no Estado do Gujarat). De notar que os problemas mais
prementes da independência foram justamente com o Paquistão. Tanto Ghandi como os
britânicos ambicionavam uma Índia Unida, mas Mohammed Ali Jinnah sucedeu a criar um
Paquistão, na altura com um território a Ocidente (actual Paquistão com Islamabad como
capital) e outro a Oriente (actual Bangladesh, a posteriori independente, em fruto de secessão
em 1971). A segregação de hindus para a Índia e muçulmanos para o Paquistão, com a divisão
do Punjab, e a proclamação da independência antes de definidas formalmente as fronteiras na
zona de Caxemira, provocaram meio milhão de mortos em motins entre civis. Uma Guerra entre
os dois Países por causa desse território foi a primeira de três já decorridas.

Já em 1947, a India tinha reclamado para si a administração de toda a faixa controlada por
Portugal, em harmonia com todo o processo de descolonização. O nosso País, liderado por
Oliveira Salazar conhecido pela sua estratégia de posse incondicional de terras que ele nunca
viu, terminantemente ignorou os esforços diplomáticos indianos. A Índia tinha obtido a sua
cisão do Império Britânico, á custa de “satyagrahi”, os movimentos pacíficos de desobediência
civil, idealizados por Ghandi. Este advogou uma politica de Paz, de auto-suficiência e de não
alinhamento em interesses internacionais de “realpolitik”. A Índia, sob o comando de Nehru
seguiu esta via e não se associou aos EUA, URSS, China ou deu benefícios á NATO, mas sim ao
“Movimento Não Alinhado internacional”.

Após anos de maior ênfase em políticas internas para desenvolvimento, a União Indiana decide
invadir militarmente Goa, esgotadas todas a sua paciência em usar a via diplomática. Uma
“guerra fria” decorreu nesses anos, mesmo assim. Gradualmente a hostilidade indiana foi
tomando forma, com o isolamento progressivo do pequeno estado. O cortar de linhas de
comboio, estradas e voos internos, tornou possível a comunicação com exterior por via
marítima. Um navio levava 18 dias de Lisboa a Goa, via Suez, ou 2 meses pelo contorno a Sul do
continente africano.

A Invasão armada da União Indiana – Operação “Vijay”

No dia 19 de Dezembro de 1961, Nehru rompe o não ao belicismo e envia forças armadas para o
ataque aos três territórios, Goa, Damao e Diu.. Estavam a caminho das eleições, e o seu partido
esquerdista, estava atrás nas sondagens. Do lado de Portugal, Salazar queria jogar o papel de
vítima, numa batalha perdida há muito. Ás potências internacionais era interessante poder
apontar o dedo moral a uma Índia não alinhada nas jogadas intercontinentais. Aviões
bombardeiros E.E. Camberra arrasam pista e danificam o DC-4 dos TAIP e o Superconstellation
da TAP ali estacionados. Incrivelmente ambos os aviões conseguiram descolar enquanto os
indianos permaneciam convencidos de terem interditado o aeroporto e de terem capturado por
preempção de fuga as aeronaves. O SuperConstellation (CS-TLA) da TAP, comandado por
Manuel Correia Reis, copilotos Anselmo Ribeiro e Alcídio Nascimento, navegador P. Reis,
mecânicos A. Coragem e H. Dias, radiotelegrafista A. Pereira, comissário Madeira e assistentes
Prazeres e Carlota, descolou para Karachi usando apenas os 700 metros de pista disponível. Três
horas depois aterrava com um pneu furado e 25 buracos, consequência dos estilhaços
provocados pelo bombardeamento da aviação indiana à pista.

O Comandante Solano de Almeida pilotou o efectivo o último voo dos TAIP de Goa também para
Karachi, em voo rasante ao solo para evitar a aviação inimiga, transportando as mulheres e
crianças familiars dos militares portugueses.

De salientar que o ataque a Dabolim não teve justificação militar visto Portugal não ter ali um
único meio aéreo que não fosse civil.

A guerra saldou-se com 34 mortos e 57 feridos em combate para Portugal, 30 mortos e 57


feridos para a Índia. Uma infantaria de pouco mais de 3000 efectivos lutou durante dois dias
contra uma força 10 vezes maior, e que dispunha de 22 caças e 20 bombardeiros como meios
aéreos.

No geral, a recusa do militares em seguir a poítica de “terra queimada” imposta por Salazar, e
lutar até á morte de todo o nosso contigente militar, fez com que se evitasse derramamento de
sangue inútil e que a retirada de Portugal fosse para sempre vista como uma tragédia
irresponsável e cruel.

A maior parte as potências ocidentais condenou o ataque Indiano, tanto por terem um passado
colonialista, como por aproveitamento de minar a política de não-alinhamento de Nehru. O
partido deste ganhou de facto as eleições, mas manchou a sua imagem, imaculada até então, de
pacifista.

Os Santacruzenses Herois na defesa da Pátria

O madeirense, presente em todos os cantos do mundo, combateu heroicamente pela defesa de


um território pertencente á sua Pátria, havendo uma companhia só de madeirenses em Diu. O
senhor João Armando Teixeira Almada, do sítio da Lombada era militar do Exército em Diu, um
de quatro santacruzenses nessa companhia composta de ilhéus, e liderada pelo Sargento Pires.
Dos outros santacruzenses, dois eram também da Lombada e chamavam-se Alvarinho e
Lourenço. O restante, senhor João, era das Eiras Velhas.

Aquando da Invasão dem Diu a 18 de Dezembro, lutaram bravamente contra uma força
esmagadora com possantes meios terrestres, navais e aéreos. Na sua companhia houve um
ferido. Lembra-se da morte do 2TEN Oliveira e Carmo comandante do navio patrulha “Vega”,
destruida por aviões DH Vampire indianos, dos quais um foi abatido.

Lancha de fiscalização “Vega” (Crédito: Marinha Portuguesa)

Ao todo morreram 10 portugueses na batalha. Tal como referia Carlos de Azeredo no seu livro, o
material militar português era obsoleto e estava em mau estado, de modo que a pistola de João
Almada encravou logo ao terceiro disparo.
Em total inferioridade numérica, renderam-se na manhã do segundo dia, contra a loucura
suicida que lhes tinha sido imposta desde Portugal. Referiu não ter colaborado em nenhuma
actividade de quixótica de “terra queimada”, como ordeanda de Portugal.
Sem sofrerem represálias de maior pelos indianos, foram enviados por via marítima para Goa,
onde foram alojados num campo de concentração, na zona de Pondá, apesar dos prisioneiros de
Goa estarem no campo de Alparqueiros junto á cidade de Vasco da Gama No concelho de Pondá
existe o magnífico templo hindu Shri Mangueshi, que tivemos a oportunidade de visitar.
Templo hindu Shri Mangueshi em Pondá (Crédito: Sandra Silva)

A maior desumanidade veio de Lisboa. O nosso governo recusou a condição imposta pela Índia
de que todas as evacuações de pessoas fossem feitas por navios ou aviões não-portugueses. Por
estee capricho, e apesar de a Índia não querer reter ninguém dos 2100 militares portugueses (e
centenas de goeses), João Almada permaneceu quatro meses em Pondá antes de rumar a
Karachi, num avião francês. Os prisioneiros foram transferidos do campos de Pondá para o
Campo de Transição, em Alto Mangor, perto do aeroporto de Dabolim. Após uma marcha de
cerca de duas horas a pé, até ao aeroporto, tomaram ali um avião Douglas DC-6 da companhia
francesa UAT para Carachi, de 3h15 de duração. Essa companhia conhecia bem a zona, visto ter
sido fretada antes pelos TAIP para assegura frequências de voos. Esta é um das aeronaves que
andou por Goa.
Douglas DC-6 da UAT (autor desconhecido)

Depois regressou a Lisboa por via Marítima num navio cujo nome não se recorda. Portugal
enviou para o repatriamento os paquetes Vera Cruz, Moçambique e Pátria das Companhias
Colonial e Nacional de Navegação. Muitos dos militares foram tratados como desertores á
chegada a Lisboa por não terem resisitido até á morte, tendo inclusive o último Governor, o
General Vassalo e Silva, sido exilado até 1974.

João Almada partou de Lisboa de regresso á Madeira também de navio, onde vive actualmente.
Dois dos seus companheiros de armas já faleceram e outro está emigrado no estrangeiro.

Legado de Portugal permance respeitado

Portugal não reconheceu o retorno de Goa á nação Indiana, senão em 1974 após a revoluação.
O reatar de relações diplomáticas entre as duas nações deu-se apenas já em 1992, com uma
visita oficial do PR Mário Soares.

Actualmente Goa permanece muito Portuguesa em termos de herança patrimonial, desde a


construção habitacional religiosa e administrativa, ao comércio. Mantendo a toponímia de ruas,
povoações, ribeiras fica uma sensação de estarmos ainda em território Português. A cidade mais
populosa é a de Vasco da Gama, existe o Forte de Aguada, Hotel Fidalgo, tudo nome único sem
tradução local. A Basílica do Bom Jesus, onde está o corpo de São Francisco Xavier fica junto á
Catedral de Santa Catarina. A pronúncia desses nomes em hindi é qualquer coisa como “Bazílíka
bum je”.

Túmulo de São Francisco Xavier (Crédito: Sandra Silva)

Em Panaji, a capital do estado, é onde é mais evidente a nossa presença. Muitas ruas com
nomes Portugueses, Avenida Dom João de Castro, a zona das Fontaínhas, as lojas Menezes,
Escola Dom Bosco.
Rua do Magriço em Panaji (Crédito: Sandra Silva)

Consultório Dr Menezes em Panaji (Crédito: Sandra Silva)


O legado cristão é muito forte. Além dos templos que já falei, e que são gigantescos comparados
com os hindus, existem inúmeras capelas, e pequenos santuários com cruz á beira das estradas.
Não parece ser fácil ouvir língua portuguesa na rua, nem identificar um goês pela cara.
Passámos a frente de uma loja onde se via o símbolo do Sporting Clube de Goa, que participa na
liga de futebol, neste momento em 3º lugar.

No magnífico museu aéreo da Marinha Indiana, junto a Dabolim, encontram-se fotos da


indepedência numa das salas. Retratam ações de espancamento de independentistas goeses
por parte dos Portugueses, e do dia da vitória. Pode-se ver uma ponte destruida por nós, apesar
de sabermos que a política de destruição não foi cumprida. Verdade seja dita que esta seção do
museu é minúscula e que não é feito grande alarido do assunto. Veio um militar do museu
amigavelmente perguntar-nos de onde éramos, num inglês muito mau. Respondi-lhe que
eramos Portugueses. Começou com uma conversa sobre Portugal a indepedência e a Índia.
Evitanto ferir qualquer tipo de susceptibilidades, ainda para mais dentro de uma base militar,
disse que gostávamos muito da Índia e que Goa estava muito bem. Parece que o senhor era um
pró-Portugal e estava era pouco contente com a anexação, mas evitámos dar-lhe qualquer tipo
de razão, não fosse alguém ouvir ou termos percebido mal.

Agradecimentos por colaboração:


• Maria da Conceição Correia
• João Almada
• Jozé Velez
• Sandra Silva
• Peixoto

Referências:
• Abecasis, José Cruz, “Bordo de Ataque”, Coimbra Editora, 1985
• Aeroporto de Goa, http://www.goanairport.com/
• Amigos do Oriente, http://www.amigosdooriente.com
• Arquidiocese de Goa e Damão, http://www.archgoadaman.org/
• Azeredo, Carlos de, Trabalhos e Dias de um Soldado do Império", Livraria Civilização
Editora, 2004
• Catholic Hierarchy , http://www.catholic-hierarchy.org
• Silva, Pe. Augusto; Meneses, Carlos, Elucidário Madeirense, Volume I
• NESOS, www.nesos.net
• Revista da Armada, Dezembro de 2001,
http://www.marinha.pt/extra/revista/ra_dez2001/pag20.html
• The Goan Fórum, http://www.colaco.net/1/GdeFdabolim1.htm
• Voa Portugal, www.voaportugal.org
• Wikipedia, http://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Vijay_(1961)

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