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M) Psicologia – Distúrbio Maniáco-Depressivo – Afonso Vieira – 1

ENTRE A DEPRESSÃO E A EXALTAÇÃO

Somos   portadores   da   psicose   maníaco­depressiva,   e   gostaríamos   de   ter  

algumas   orientações   nos   aspectos   psicológicos   e   psiquiátricos   e,   mais   que   tudo,  

saber, à luz da espiritualidade que a revista apresenta: o Evangelho pode ser vivido 

também   pelos   doentes   que   querem   construir   um   mundo   novo   apesar   dessas  

limitações de saúde?

Um casal

Todo   ser   humano   apresenta   flutuações   de   afeto   –   alegria,   tristeza,   entre 

outros –, em resposta a situações do dia­a­dia. Em algumas pessoas, no entanto, 

estas   respostas   assumem   caráter   inadequado   em   termos   de   severidade, 

persistência   ou   circunstâncias   desencadeadoras,   caracterizando,   assim,   a 


ocorrência   de   um   distúrbio   afetivo.   Não   se   deve,   portanto,   confundir   a  psicose  

maníaco­depressiva (PMD) conhecida tecnicamente como distúrbio bipolar com um 

momento   ou   situação   difícil   que   se   esteja   passando,   pois   o  distúrbio   bipolar  é 

diagnosticado por sintomas comportamentais, incluindo mudanças freqüentes de 

humor entre a euforia excessiva e a depressão grave. 

A verdadeira  causa dessa  doença  ainda  é desconhecida,  porém  há  fatores 

que influenciam ou que precipitam o seu surgimento, como traumas, incidentes ou 

acontecimentos   fortes   como   mudanças,   morte   de   pessoas   queridas,   fim   de 

casamento,   um   antecedente   da   PMD   no   histórico   familiar.   Até   agora,   não   há 

marcadores psicológicos usados para diagnosticar essa enfermidade. 

Alguns   estudos   da   abordagem   psicanalista   apontam   para   a   existência 

também   de  causas  psicológicas  para  essa  doença,   além   dos  fatores  biológicos  e 

genéticos.   É   como   se   a   personalidade   maníaco­depressiva   se   revestisse   de   um 

superego muito forte, ou até mesmo prepotente, que contém ordens e concessões 
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(punições   e   elogios)   contraditórias,   registradas   na   primeira   infância.   Se   nesse 

período,   quando   a   criança   está   estruturando   o   seu   “Eu”   –   seu   princípio   da 

realidade –, ocorrerem  incoerências e contradições evidentes em nível educativo, 

informações contraditórias, e que por isso perdem o sentido, estas poderão levar a 

criança   a   renunciar   a   uma   elaboração   racional   de   uma   justa   compreensão   da 

realidade, e a desenvolver esse distúrbio. 

Nos dois pólos


O mais comum entre os distúrbios ligados à  psicose maníaco­depressiva  é, 

num dos pólos, aquilo que denominamos genericamente de “depressão”, e que é 

caracterizado por uma ampla gama de sintomas que podem incluir sentimentos de 

tristeza,   autodepreciação,   desvalia,   abandono,   culpa,   desesperança,   idéias   de 

suicídio,   apatia,   incapacidade   de   sentir   prazer,   e   mesmo   uma   angústia   que 

suplanta qualquer experiência humana normal. Em níveis mais intensos, a pessoa 

pode se tornar incapaz de qualquer emoção. Também pode haver outros sintomas, 

resultando   daí   alterações   físicas   como   distúrbios   de   sono,   apetite   ou   função 

sexual,   perda   ou   ganho   de   peso   e   retardo   ou   agitação   psicomotores   não 

justificados.

No   pólo   oposto   ao   do   quadro   depressivo,   encontramos   os   distúrbios 

maníacos,   nos   quais   o   fator   predominante   é   uma   exacerbação   do   afeto,   com 

sentimento   de   euforia,   alegria   e   intensa   satisfação   pessoal.   A   aceleração   do 

pensamento   (com   fuga   de   idéias)   e   a   insônia   são   outras   manifestações   do 

problema. Além do mais, fala­se muito mais do que o habitual e pode­se chegar à 

hiperatividade, que, em casos mais severos, pode até levar à exaustão e à morte. O 

humor   é   instável,   podendo   o   paciente   se   tornar   hostil   e   agressivo   quando   seus 

planos são contrariados. 
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O que fazer?
É muito importante buscar a ajuda de um profissional qualificado, psicólogo 

ou   psiquiatra.   Em   geral,   a   primeira   terapia   adotada   é   a   farmacológica.   Hoje   é 

muito habitual o uso dos  sais de lítio (Carbolitium). O recurso à psicoterapia  é 

também muito comum. Ela ajuda na resolução de tensões e no esclarecimento de 

dúvidas. E isso é muito importante para a eliminação de temores em relação aos 

medicamentos.   A   psicoterapia   ajuda   a   reintegrar   o   paciente   à   realidade.   As 

informações   sobre   a   doença   ajudam   a   reconhecer   os   sintomas   e   a   prevenir 


complicações.   A   busca   de   grupos   de   auto­ajuda,   quer   para   si   como   para   os 

familiares, favorece a aceitação mútua, a compreensão, a tolerância e o empenho 

conjunto.
Mas não basta tudo isso. No epílogo do livro Uma mente inquieta – um relato 

sobre a doença maníaco­depressiva – a autora, que é portadora da doença, faz­se a 

pergunta se optaria por ter a doença, caso pudesse escolher. No seu caso, em que 

o lítio funcionou, por estranho que pareça, a resposta seria sim. Pois ela acredita 

que, em conseqüência  da doença, sentiu mais coisas e com mais profundidade; 

teve   mais   experiências,   amou   mais   e   foi   mais   amada;   riu   mais   vezes   por   ter 

chorado mais vezes; apreciou mais as primaveras apesar de todos os invernos; viu 

o que há de melhor e mais terrível nas pessoas e aos poucos aprendeu os valores 

do afeto, da lealdade e da perseverança. Conheceu os limites da sua mente e do 

seu coração...

A saúde não é apenas um estado de “bem­estar” mas vai além disso. Mesmo 

doente posso ir à busca da cura, enfrentando e usando todas as minhas energias 

psíquicas e espirituais e encontrando um sentido para esse estado. O “sentir­se” 

com saúde está associado à possibilidade de eu conduzir a vida segundo a minha 

personalidade,   com   as   minhas   forças   possíveis   e   meus   limites.   O   ser   humano 

possui  uma inclinação natural a conservar  e perpetuar a própria vida, porém a 


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vida   não  deve   estar   condicionada   ao  estado  de   saúde  que  temos,   mas  ao  amor 

sobrenatural que arde no nosso coração. É a vida  superior que dá valor à vida 

física, também na condição de doença, quer física, quer mental. 

Chiara Lubich afirma que a dor, o sofrimento – físico, mental e espiritual – 

ocupa um lugar importante na economia divina, pois o próprio Jesus transformou 

o mundo com a maior prova de amor: sua morte na cruz. Ela afirma: “Aquele que 

conhece o amor e une as suas dores às de Jesus na cruz, diluindo a sua gota de 

sangue no mar sangrento do divino sangue de Cristo, ocupa o lugar mais honrado 
para um homem: ser como Deus que veio à terra, redentor do mundo...”. Portanto, 

todos podem contribuir para a construção da fraternidade universal, de um mundo 

mais unido, independentemente do estado de saúde.
Eu não  sou  a doença, eu  tenho  um distúrbio, portanto devo ter um olhar 

para além da própria doença e com confiança e esperança em uma cura, mesmo 

que   ainda   não   possa   constatá­la.   Posso   olhá­la   como   um   eclipse,   que   por   um 

período   tende   a   escurecer   tudo,   sabendo   que,   num   outro  momento,  a  luz   pode 

chegar. Coragem...

Afonso Vieira

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