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O HOMEM DO ANO

EXT. RUA DO SUBÚRBIO/ CASA DE MÁIQUEL - DIA


Máiquel caminha pelo exterior do prédio até a porta de sua
casa. Ele entra.

MÁIQUEL (V.O.)
Antes da gente nascer, alguém, talvez
Deus, define direitinho como é que vai
foder a sua vida. Essa era a minha
teoria. Deus só pensa no homem na
largada, quando decide se a sua vida vai
ser boa ou ruim. Quando não tem tempo,
faz uma guerra, um furacão e mata uma
porrada de gente, sem ter que pensar em
nada.

INT. BANHEIRO DE POSTO DE GASOLINA - NOITE


Close de Máiquel secando o rosto com uma toalha.

MÁIQUEL (V.O.)
Mas em mim, ele pensou.

EXT. SALÃO DE BELEZA/ RUA - NOITE


Máiquel chega na porta de um SALÃO DE BELEZA. Na fachada, um
letreiro "Chez Cledir". Máiquel olha para dentro através de
uma vitrine e vê CLEDIR, uma jovem bonita e atraente. Ela
conversa com uma AMIGA e se movimenta com desenvoltura pelo
salão. Demonstra um charme radiante. Ela não sabe que está
sendo observada por Máiquel.

INT. SALÃO DE BELEZA - NOITE


Fotos de um catálogo de produtos de tintura, onde são vistos
homens e mulheres com cabelos em cores diferentes. Máiquel
está sentado numa cadeira de cabeleireiro, em frente ao
espelho, com o catálogo de produtos na mão. Cledir está ao
seu lado, esperando que ele se decida.
CLEDIR
E aí, escolheu?
MÁIQUEL
(Mostrando no catálogo)
Essa aqui.
JUMP CUT
Cledir passa uma pasta no cabelo de Máiquel.
CLEDIR
Hoje em dia, na verdade, homem é que nem
mulher. Faz lipo, depilação, tira ruga
dos olhos, peeling, botox, tudo que você
pode imaginar. Agora, por exemplo, está
na moda homem pintar cabelo de louro.
Ontem mesmo eu pintei dois.

MÁIQUEL
No meu caso, foi uma aposta.
Cledir coloca uma touca de plástico na cabeça de Máiquel e
vira a cadeira de costas para o espelho.
CLEDIR
Eu não gosto que meus clientes olhem.

Máiquel observa o corpo de Cledir.


CLEDIR
Estraga a surpresa. Que aposta foi essa?

MÁIQUEL
Futebol.
CLEDIR
É chato perder. Quem perdeu?

MÁIQUEL
Eu.
CLOSE do rosto de Máiquel com a touca.

POV de Máiquel: Cledir apanha um secador e seca o cabelo de


Máiquel.

CLEDIR
Ai, meu Deus. Eu devia ter deixado menos
tempo. Mas, será que você vai gostar? De
repente, né... tá quase assim um
platino-blonde.
Vemos então Máiquel completamente louro, de frente para o
espelho do salão e com Cledir ao lado. Máiquel fica estático
olhando para sua imagem, Cledir começa a falar:

CLEDIR
Que que foi? Não gostou? Olha, se você
quiser eu posso pintar de novo.
MÁIQUEL (V.O.)
Sempre me achei um homem feio.
Nunca gostei de me olhar no espelho. Mas
naquele dia foi diferente. Tinha olhado
para aquele cara que não era eu. Um
louro, um estranho. Não era só o cabelo
que tinha ficado mais claro, tudo tinha
uma luz.
MÁIQUEL
(admirando-se no espelho)
O que você vai fazer hoje à noite?

INT/EXT. RUAS DO SUBÚRBIO/ CARRO DE MARCÃO - NOITE


Máiquel e Cledir no carro, felizes. Máiquel a todo momento
se contempla no retrovisor, gostando do seu novo cabelo.
CLEDIR
O que a gente vai fazer?

MÁIQUEL (V.O.)
Eu queria levar Cledir para um motel e
foder a noite inteira.

INT. BAR DO GONZAGA - NOITE


No balcão bebendo cerveja estão MARCÃO, GALEGO e ENOQUE. Em
uma mesa SUEL e DOIS AMIGOS. Atrás do balcão, GONZAGA. Numa
mesa ao fundo, dois RAPAZES jogam sinuca.
MÁIQUEL (V.O.)
Eu tinha combinado de passar no bar do
Gonzaga, mostrar o pagamento da aposta
para o meu primo Robinson. Na verdade,
eu poderia fazer isso outra hora, outro
dia, mas eu queria passar lá.

Máiquel e Cledir entram no bar do Gonzaga. Todos cessam suas


atividades e olham para Máiquel e Cledir.
MÁIQUEL
(Passando a mão nos cabelos de
forma rebuscada)
Cadê o Robinson?
Silêncio. Subitamente Suel começa a rir. Seus companheiros
de mesa, contagiados, sorriem, mas Suel gargalha. Marcão,
Galego, Enoque também se surpreendem com a cabeleira loura
de Máiquel. Máiquel olha para Cledir, para sentir a sua
reação.
SUEL
(rindo)
Que merda é essa, porra?
MÁIQUEL
Qual foi? Qual foi? Quem é o palhaço?

SUEL
(Rindo)
Você está engraçado.

MÁIQUEL
Engraçado como, meu irmão?
SUEL
Engraçado como? Engraçado, porra. Tá
parecendo um gringo.
MÁIQUEL
(Sério, sempre procurando
perceber a reação de Cledir)
Qual é, tá achando que eu sou viado?
SUEL
(Bem-humorado, recuando)
Você me aparece aqui parecendo uma porra
de um gringo e não quer que eu ache
engraçado? Qual é o problema?
MÁIQUEL
O problema é que eu não sou viado nem
palhaço. Não gostei de ver você rindo de
mim quando eu entrei no bar, entendeu?
Esse é o problema.
SUEL
(Enfrentando Máiquel)
Aí, Máiquel, eu não chamei você de
viado, mas agora eu estou chamando. Pra
mim, homem que pinta o cabelinho
lourinho assim, que nem você, é muito é
viado mesmo.
Marcão se aproxima de Máiquel.

CLEDIR
Eu quero ir embora. A gente não ia
dançar?
MARCÃO
(Conciliador)
Máiquel, vem tomar uma cerveja com a
gente, cara.
Suel volta a beber calmamente a sua cerveja, ignorando
Máiquel. Máiquel, sentindo-se humilhado por Suel, vai com
Cledir e Marcão até o balcão onde estão Galego e Enoque.
MARCÃO
(Voz baixa)
Não se mete com esse cara não, deixa pra
lá.
MÁIQUEL
(Voltando-se para Suel,
abruptamente)
Você que é viado, Suel. Vamos ali fora
resolver essa merda que nem homem. Vem
cá, vem!

Suel levanta-se da mesa, ameaçador e desdenhoso.


SUEL
Estou morrendo de medo de você.

GONZAGA
(gritando)
Olha aqui! Vamos acabar com isso! Eu não
quero saber de briga aqui dentro do meu
bar!

MÁIQUEL
Hoje eu estou com a minha namorada. Mas
depois eu vou te procurar.

SUEL
Quando você quiser, lourinha.
Cledir e Marcão empurram Máiquel para fora do bar.
MÁIQUEL
Amanhã, meio-dia aqui.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA/ QUARTO - DIA


Sol forte invade a casa de Máiquel, o vento balança as
cortinas do quarto. Vemos Máiquel sentado na beirada da
cama.
EXTREME CLOSE do líquido amarelo da Novalgina misturando-se
à água.
Máiquel bebe o copo d'água com Novalgina. Ele depois fica
observando o movimento da rua pela janela de seu quarto.

EXT. RUA SUBÚRBIO - DIA


Máiquel anda pela rua, carregando a sua caixa, em direção ao
bar do Gonzaga.

EXT. BAR DO GONZAGA/ PRAÇA - ENTARDECER


Máiquel está na praça deserta, sentado num banco esperando
com sua caixa no colo. As horas passam e vai escurecendo.
Surge Suel, acompanhado. Ele está de mãos dadas com uma
menina, ÉRICA, sua namorada. Máiquel o espera passar.
Máiquel então levanta-se e aponta a espingarda para Suel.

MÁIQUEL
Apanha a tua arma, Suel.

SUEL
(Fanfarrão, para impressionar
Érica)
Pode atirar, lourinha.

Suel coloca as mãos sobre os ombros de Érica, vira as costas


para Máiquel e sai andando com ela.
Máiquel ajeita a arma, hesitante. Não sabe o que faz. Mira,
desiste, estuda a situação, quando a arma dispara. Suel é
atingido pelas costas. Máiquel, aturdido, vê Érica chorar
debruçada sobre o cadáver. Máiquel foge correndo.
MÁIQUEL (V.O.)
E foi assim que as coisas aconteceram. O
Suel foi o primeiro cara que eu matei.
Até ali, eu era apenas um cara
desempregado.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE/ DIA


Máiquel está sentado no sofá da sala, imóvel. CLOSE do rosto
de Máiquel.
INSERT DO JORNAL COM A MANCHETE DO JOGO.
Os primeiros raios de sol começam a entrar pela janela.

MÁIQUEL (V.O.)
Eu queria fugir, mas não conseguia me
mexer. Na verdade nada disso teria
acontecido se o meu time não tivesse
perdido... se eu não tivesse pintado o
cabelo de louro... se eu não tivesse
feito aquela aposta com o Robinson.
INT. OFICINA DO MARCÃO - DIA
CLOSE de Máiquel. Ele, Robinson, Galego, Enoque e Marcão
estão na oficina, um lugar cheio de lataria e carros
depenados.

MÁIQUEL (V.O.)
Eu queria ser preso, julgado e
condenado. Queria que o Suel tivesse um
irmão pra me matar ali mesmo enquanto os
meus amigos discutiam o meu destino. O
meu dente doía.(pausa) Eu ia me
entregar.
GALEGO
Se entregar porra nenhuma!

ENOQUE
Porra nenhuma!
Enoque prepara uma carreira de cocaína.

MARCÃO
Eu falei pra você não se meter com o
Suel, eu falei!

GALEGO
Você tem que fugir logo, meu irmão.
ROBINSON
É, você pega esse carro que já está
contigo mesmo, vai pro interior de
Minas.
Galego aspira a droga.
MARCÃO
Não, o Maverick não que tem que devolver
amanhã! Vai fazer o seguinte, vai pra
mais longe. Vai pro Nordeste.
Enoque aspira a droga.
GALEGO
Caralho, Marcão! Tem neguinho que se
esconde ali em Niterói mesmo.
ENOQUE
Porque você não pinta o cabelo de preto
e fica aqui mesmo?
Reação de todos.
EXT. RUAS DO SUBÚRBIO/ CARRO DE MARCÃO - DIA
Máiquel dirige o carro velho de Marcão pelas ruas.

EXT. BAR DO GONZAGA/ CARRO DE MARCÃO - DIA


De dentro do carro vemos Máiquel passando em frente ao bar
do Gonzaga, que está na porta e faz-lhe um sinal, pedindo
para parar.

GONZAGA
Ei, Máiquel! Máiquel!!
Máiquel pára o carro um pouco mais adiante, tentando dizer
que está sem tempo. Gonzaga corre em sua direção excitado.

INT. BAR DO GONZAGA - DIA


Máiquel está no bar do Gonzaga, que lhe serve um copo de
uísque.
GONZAGA
(Enquanto prepara um uísque)
O Suel era um ladrão filho da puta.
Me levou várias caixas de bebida e disse
que se eu desse parte à polícia ele
mandava tocar fogo aqui no bar...
Uma viatura da polícia civil estaciona na porta. Gonzaga
embrulha algumas empadinhas.
GONZAGA
Ninguém gostava dele aqui no bairro.
Ainda por cima o puto era de menor e não
podia ser preso. Tinha mesmo é que
morrer.
Policiais entram, Máiquel os vê e abaixa a cabeça.
GONZAGA
Vai, toma o seu uisquezinho...
MÁIQUEL
(nervoso, falando baixo)
Eu vou tomar só uma coca-cola, sem gelo.
Gonzaga entrega o embrulho a um dos policiais.

GONZAGA
(Para os policiais, orgulhoso)
Foi ele que matou o Suel.
Reação de Máiquel, virando o rosto. Os policiais aproximam-
se de Máiquel. Depois de olhar Máiquel algum tempo, um dos
policiais bate no ombro dele.
POLICIAL
Valeu, aí. Ajudou a tirar o lixo da rua.

Os policiais deixam o bar. Máiquel continua de cabeça baixa.

EXT. CASA DE MÁIQUEL - DIA


Máiquel chega à porta de sua casa e encontra diversos
presentes. Ele abaixa para pegá-los.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - DIA


Máiquel, sentado na mesa da sala, examina os presentes:
experimenta uma camisa que ele tira da embalagem, coloca
depois um par de óculos escuros.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ QUARTO/ SALA - NOITE


Máiquel está na cama, olhando para o teto.

EXTREME CLOSE do líquido amarelo da Novalgina misturando-se


à água. Ele bebe depois o remédio no copo.
A campainha toca. Máiquel vai até a porta e vê pelo olho
mágico Marcão, Galego, Enoque e Robinson do lado de fora.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE

Máiquel, Robinson, Marcão e Galego estão sentados em volta


de uma mesa. Eles sentem um cheiro ruim.

ENOQUE
Quem enfartou aí, hein, bicho? Baixo
astral...
GALEGO
Baixo astral..
Todos protestam.
ENOQUE
Puta que pariu! Caralho!
Marcão ri.
JUMP CUT. Todos jogam sueca.
ROBINSON
Bati.

Robinson coloca as cartas sobre a mesa.

ROBINSON
O morto, Máiquel.

Enoque cheira pó.

GALEGO
Conta aí pra gente como é que você
pipocou o cara.

MÁIQUEL
(Imitando Suel)
Pô, o cara veio meio assim, né. Fazendo
manha..

FLASHBACK da morte de Suel com Érica chorando sobre o seu


corpo.
MÁIQUEL
Tinha uma namorada, não tinha.. onde
será que ela anda.
GALEGO
Ela que se foda.

ENOQUE
(sem conseguir falar)
Eu, eu... eu...
MÁIQUEL
Fala Enoque! Fala rapaz!
Toca a campainha. Todos olham em direção à porta. Máiquel
volta da porta para o sofá.
MÁIQUEL
Não era ninguém.
GALEGO
Como não era ninguém?
MÁIQUEL
Ué, não era ninguém...

A campainha volta a tocar, todos ficam em atitude de


expectativa. Máiquel não vê ninguém pelo olho mágico. Ele
abre a porta e encontra uma garotinha com um porco no colo.
GAROTA
O seu Baldani mandou entregar.
Garota entrega o porco para Máiquel, que é obrigado a
segurá-lo.

GAROTA
Mandou também dar os parabéns. Parabéns
pra você. Tchau.

A garota se retira, deixando o animal nos braços de Máiquel,


que logo entra. Todos ficam mudos olhando para o porco.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Máiquel assiste na televisão a uma reportagem sobre Bill
Clinton na Mangueira. Ele bebe uma latinha de coca-cola, sem
perceber que o porco está comendo seu tênis.
NARRADOR DE TV
A visita do presidente dos Estados
Unidos, Bill Clinton, foi marcada pela
quebra de protocolo. Ao conhecer a vila
olímpica da Mangueira a comitiva
americana atrasou meia-hora. Eles foram
aplaudidos pela nata do samba carioca. O
primeiro escalão da verde e rosa ouviu
os discursos de dois ilustres. Pelé
conseguiu que Bill Clinton se tornasse o
primeiro presidente mangueirense dos
Estados Unidos.
Máiquel vê o animal mastigando seu tênis e o agarra,
levantando-o até a sua altura.
MÁIQUEL
Olha aqui! Fica quieto!
O porco não pára de gritar. Máiquel imita seu som, fazendo
com que o animal finalmente fique em silêncio.
MÁIQUEL
Também faço. Vamos fazer uma combinação?
Você não come o meu tênis e eu não te
como.
Máiquel olha o porco por alguns instantes, analisando-o.
MÁIQUEL
Teu nome agora é Bil. Tá bom?

INT. CASA DE MÁIQUEL/ BANHEIRO - DIA


Máiquel está sentado na banheira, se ensaboando. Vemos um
movimento na água, seguido por um som de Bil.
MÁIQUEL
Quem foi? Quem foi?

Ele começa a lavar Bil com sabão e água.

MÁIQUEL
Quem é o Bil? Quem é o Bil? (pausa) Bil,
o papai vai sair agora pra comprar papa.
Comprar papa pro Bil.

EXT. RUA DO SUBÚRBIO/ LOJA DE ANIMAIS - DIA


Máiquel compra ração na loja de animais. O dono da loja, SEU
HUMBERTO, entrega o saco para Máiquel mas não aceita o seu
dinheiro quando ele tenta pagar. Máiquel caminha então pela
rua. Passa pela frente de três crianças com as quais brinca,
dando tiros com a mão.

EXT. PRACINHA - DIA


Máiquel joga bola descalço com três meninos.

INT/EXT. CARRO DE MARCÃO/RUAS - NOITE


Máiquel dirige com Cledir no carro, que acaricia o seu
cabelo.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA/ BANHEIRO - NOITE


Máiquel assiste na televisão a um programa das facas ginzu.
Ele sente dor de dentes. Despeja um jato de Novalgina dentro
de uma latinha de coca-cola e toma. Olha para seu tênis e o
encontra mastigado. Olha depois pro prato de ração cheio,
intacto. Máiquel se levanta e procura Bil pela casa,
encontrando-o no banheiro. Ele o agarra.
MÁIQUEL
Bil! Me escuta! Você não está cumprindo
o nosso trato!
A campainha toca. Máiquel coloca Bil no chão e vai atender.
É Cledir, que entra:

CLEDIR
Oi.
MÁIQUEL
Oi.
CLEDIR
Você tá falado aqui no bairro, hein.

Máiquel ri envergonhado.

CLEDIR
Ih, o que aconteceu com aquele tênis?

MÁIQUEL
Ah, foi o Bil.

CLEDIR
Cachorro?

MÁIQUEL
Não, o porco.
CLEDIR
Porco? Você arranjou um porco? Que
engraçado. Cadê ele?
MÁIQUEL
Está ali no banheiro. É um
leitãozinho... pra comer. Pra que você
acha que eu ia ter um porco dentro de
casa?
Máiquel liga o aparelho de som. Toca uma música romântica.
Os dois se abraçam.

CLEDIR
Ah, não come não, porco é tão fofo.
Os dois se beijam dançando. Máiquel sente uma dor na boca.

CLEDIR
O que foi?

MÁIQUEL
Uma dor de dente.
Cledir beija a bochecha de Máiquel.

CLEDIR
Passou?
MÁIQUEL
Passou. Você gosta de carne de porco?
CLEDIR
Ah, lombinho é bom, né?
Os dois continuam dançando abraçados.
CLEDIR
Sabe que eu prefiro você assim,
lourinho? Ficou bom. Depois tem que
passar lá no salão pra fazer a raiz.

INT. SALÃO DE BELEZA - NOITE


Cledir se joga no colo de Máiquel, e seguem-se imagens dos
dois fazendo sexo em vários locais do salão. Tudo acontece
de uma forma vigorosa, derrubando produtos de beleza,
quebrando vários vidros coloridos que estão na bancada.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Máiquel e Cledir continuam dançando. Máiquel sente dor mais
uma vez e afasta o rosto.

CLEDIR
Tô achando que você tem que procurar um
dentista, hein.

EXT. CONSULTÓRIO DO DR. CARVALHO/ FACHADA - DIA


Máiquel chega a um prédio comercial, onde se vê uma placa
com a inscrição "Dr. Carvalho - Cirurgião Dentista."

INT. CONSULTÓRIO DO DR. CARVALHO/ GABINETE - DIA


Máiquel está sentado na cadeira do dentista. Dr. CARVALHO,
um homem corpulento e corado, se aproxima. Máiquel nota que
ele manca ao caminhar.
CARVALHO
Arranquei um dente de um infeliz e ele
não quis pagar, veja só, fui cobrar e
ele me deu um tiro no joelho, e ficou
dizendo que todo mundo devia a ele...
carro, boceta, colégio, filé mignon... o
cara é maluco...
(pausa)
Odeio o Rio de Janeiro, a violência está
transformando esta cidade uma selva. A
bandidagem, meu filho, corre solta...

Dr. Carvalho curva-se sobre Máiquel, com um espelhinho na


mão e com uma lanterninha presa à testa.
CARVALHO (cont.)
Eu sou a favor da pena de morte, porque
essa história de direitos humanos é uma
piada, porque eles não são humanos, os
seqüestradores, os estupradores... Pra
mim o sujeito já nasce com esses
impulsos criminosos.

Dr. Carvalho examina a boca de Máiquel.


MÁIQUEL (V.O.)
Eu estava com vergonha de abrir a boca,
meus dentes todos fodidos, o Dr.
Carvalho com o seu jaleco branco devia
estar enojado ao ver toda aquela
podridão.

CARVALHO
Os seus dentes estão cariados, meu
filho, todos.
MÁIQUEL
Quanto custa arrancar esse que está
doendo?
CARVALHO
Mas eu posso tratar dos seus dentes.
Você é muito moço para usar dentadura...
MÁIQUEL
Eu não sei se eu tenho dinheiro pro
tratamento....

CARVALHO
Foi você que matou Suel, não foi? Diga,
foi? (pausa) Você não precisa pagar,
rapaz. Eu gostei de você, quer dizer, eu
gostei do que você fez com Suel, porque
aquele mulato tinha que morrer. Pra
falar a verdade eu não gosto de preto,
não gosto de mulato, eu sou racista
mesmo. Todo mundo é racista, esses
hipócritas não têm coragem de assumir.
Eu vou te dizer uma coisa:
Máiquel olha para Dr. Carvalho.
CARVALHO (cont.)
Você tem um problema, eu sou um dentista
e tenho um problema. A gente pode se
ajudar. Você me faz um favor e eu faço
um favor a você. Que tal? JUMP CUT
INSERT - PORTA RETRATO: Fotografia de Dr. Carvalho com a
mulher e a filha.
Máiquel à mesa de consulta, com Dr. Carvalho. Ele mostra o
porta-retrato.
CARVALHO (cont.)
Essa é minha filha, tem dezessete anos,
é uma criança. Foi estuprada. Eu não dei
parte à polícia... sabe como é, a
humilhação.
Ele olha para Máiquel.

CARVALHO (cont.)
Máiquel, quero que você mate o canalha
que fez mal à minha filha.

EXT. CONSULTÓRIO DO DR. CARVALHO/ RUA - DIA


Máiquel caminha por rua apinhada de GENTE, não vê as LOJAS
nem as PESSOAS que passam ao seu lado.

MÁIQUEL (V.O.)
Eu não achava nada boa a idéia de matar
outro cara. Meu dente doía pra caralho.

EXT. CASA DE MÁIQUEL/ CORREDOR EXTERNO - NOITE


Máiquel se aproxima de sua casa e vê alguém, sentado na
soleira da porta, que ele não consegue identificar pela
distância. Ele diminui o passo, receoso, continua andando
até que percebe que é uma menina encostada na porta
dormindo, com uma mochila. Máiquel acorda a menina.
ÉRICA
(Levantando-se assustada)
Eu não tenho onde ficar não. Vou morar
aqui na sua casa.
MÁIQUEL
Aqui?
ÉRICA
O Suel tomava conta de mim, agora você é
que tem que tomar conta de mim. Não
adianta me mandar embora que eu não vou.
MÁIQUEL
Quantos anos você tem?

ÉRICA
Quinze.
Máiquel caminha em direção à porta, mas Érica fica à sua
frente impedindo-o de entrar.
ÉRICA
Se você não me deixar entrar, eu vou
ficar aqui, bem na sua porta e toda vez
que você sair eu vou dar um jeito de
entrar. A mãe do Suel me botou pra fora
de casa, eu não tenho pra onde ir não.
Agora você que vai ter que me sustentar,
vai ter que me dar casa, comida, roupa,
vai ter que me dar o tudo que eu
precisar. Para se livrar de mim vai ter
que me matar, que nem você matou o Suel.
Daqui eu não saio. Ponto final.

MÁIQUEL
(Falando consigo mesmo)
Porra, eu já tenho um porco morando
comigo.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Érica está na mesa da sala tirando coisas de sua mochila.
Máiquel olha para a menina sem saber o que dizer. Ela
encontra um chiclete, que coloca na boca. Máiquel percebe as
formas sensuais de seu corpo.
ÉRICA
Gostei daqui.

MÁIQUEL
Pode ficar aí até a gente encontrar um
outro lugar. Pode dormir na cama que eu
durmo aqui no sofá.

INT. CONSULTÓRIO DO DR. CARVALHO - DIA


Máiquel está na sala do dentista. Dr. Carvalho inicia uma
limpeza em seus dentes.
CARVALHO
Eu não sei como é a alma de um
bandido..mas a alma de um homem bom, de
um homem honesto é um inferno. Sai por
aí e vê o que você encontra.
POV MÁIQUEL - Na parede, pôsteres com imagens de dentaduras,
implantes, etc.
CARVALHO (cont.)
Muro com caco de vidro, grade, arame
farpado, carro blindado... Nós só
pensamos em nos defender. Ninguém hoje
mais obedece a sinal de trânsito,
ninguém. Não se sai mais de noite de
casa, ninguém abaixa o vidro do carro de
noite. Nós temos medo.

Dr. Carvalho pega um espelho e põe em frente ao rosto de


Máiquel.

CARVALHO
Bom, eu fiz o que eu prometi. Você tem
alguma novidade para mim?

EXT. LOJA DE ANIMAIS - DIA


Máiquel, comendo um quibe e tomando uma coca-cola, observa
do outro lado da rua Ezequiel arrumando o exterior da loja
de animais enquanto Seu Humberto lê o jornal.

MÁIQUEL (V.O.)
Sei onde ele trabalha, numa loja de
animal. Mora com a mãe, uma senhora
doente. Parece que ele cuida bem dela.

CARVALHO (V.O.)
Todo mundo tem mãe, meu filho. Até o
Nero, o imperador, tinha mãe.

INT. CONSULTÓRIO DO DR. CARVALHO - DIA


Dr. Carvalho põe novamente o espelho na frente de Máiquel,
que olha seu rosto refletido sobre o corpo robusto do
dentista. Sorri, sem alegria.
CARVALHO
Olha o teu novo sorriso... Sorri, meu
filho, mostra o dente, ri. Isso... Eu é
que não posso mais sorrir. Essa dor que
me consome... minha pobre filhinha.
Máiquel pega o espelho das mãos do Dr. Carvalho e examina os
próprios dentes.
MÁIQUEL
Vou precisar de dinheiro pra comprar uma
arma nova. A espingarda que eu tenho é
difícil de carregar.

EXT. CASA DE MÁIQUEL/ CORREDOR EXTERNO - DIA


CÂMERA REMOTE mostra pelo lado de fora Máiquel entrando em
casa.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - DIA


Máiquel entra na sala. Érica está sentada no chão dando
miolo de pão para Bil. Máiquel não responde. Afasta-se, vai
para o banheiro.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ BANHEIRO - DIA


Máiquel está em frente ao vaso sanitário, urinando. Neste
momento Érica abre a porta e se encosta no batente.

ÉRICA
Por que você matou o Suel?
MÁIQUEL
(Levando um susto ao ver a
menina)
Sai daí.
ÉRICA
Eu não estou olhando.

MÁIQUEL
Sai daí e fecha a porta, Érica.
Érica fecha a porta. Máiquel urina. Ao sair do banheiro
Érica está parada do lado de fora.
ÉRICA
Por que você matou o Suel, hein? O Suel
não te fez nada.

MÁIQUEL
(Irritado)
Olha aqui, Érica, você pode ficar aqui
na minha casa, pode comer a minha
comida, pode usar a minha roupa, me
pedir dinheiro, brincar com o meu porco,
dormir na minha cama enquanto eu durmo
no sofá, agora não me enche o saco com
essa pergunta?

INT/EXT. GALPÃO DE CAJU/ RUA - DIA


Máiquel desce do ônibus e caminha por uma rua deserta até um
galpão. Ele bate na porta, que é logo aberta discretamente
por um homem.
HOMEM
Quer falar com quem, meu irmão?
MÁIQUEL
Caju.

O homem coloca a cabeça pra fora, certifica-se de que


Máiquel está sozinho e o deixa entrar. Máiquel segue o homem
por um corredor escuro e repleto de sucatas, restos de
motores, etc.

INT. GALPÃO DE CAJU - DIA


Caju mostra para Máiquel várias armas dispostas sobre uma
mesa.

CAJU
(Manuseando as armas)
Esta es una AR-15, andou na moda muito
tiempo aqui no Rio, é bom pra fazer
firula. Ahora la municion es una foda de
achar. Uzi, o manejo desta es muito bom,
me gusta mucho esta metranca. Me gusta
mucho. 12 Pump pistol.

MÁIQUEL
Não, eu queria uma coisa mais leve, sei
lá, uma pistola. Um trinta e oito.
CAJU
Jo sei o que tu quieres, tu quieres una
cosa pequeña, que possas carregar
escondida no cinturon, que imponha
respeito, no es isto?
Caju tira uma arma de dentro de uma caixa.
CAJU (cont.)
Leva una quarenta e cinco, semi-
automática. Bateu, derruba. E munição
pra esta não falta. Segura.
Caju dá a arma para Máiquel.

CAJU
Segura.
Máiquel segura a arma.

CAJU
Está sentindo a força? Não es como
colocar una coroa na cabeça? Me diga.
Máiquel empunha a arma concentrado.

INT. LANCHONETE DA ESQUINA - ENTARDECER


Máiquel, sentado na mesa de uma lanchonete, observa a loja.
Abre uma lata de coca e bebe. Bebe três latas de coca-cola,
em três planos diferentes, dando idéia de passagem de tempo.
Escurece. Sua mesa está cheia de latas.

A loja de animais é fechada por Ezequiel.

INT/EXT. ÔNIBUS - NOITE


Máiquel e Ezequiel dentro do ônibus LOTADO. Ezequiel toca a
campainha para descer.

EXT. RUAS POBRES DO SUBÚRBIO - NOITE


Máiquel segue Ezequiel por uma rua com pouco movimento,
entra numa esquina e a rua vai ficando deserta. Ezequiel
pára e olha para trás.
EZEQUIEL
Você é o Máiquel, não é? (pausa) Qual é
o assunto, cara?
MÁIQUEL
(Depois de curta hesitação)
Nada não.
Máiquel vira as costas e afasta-se. CÂMERA ACOMPANHA.
MÁIQUEL (V.O.)
Nessa época, eu ainda não tinha
aprendido a odiar. Falavam do Ezequiel
como se ele fosse o diabo, mas tudo que
eu via na minha frente era um pobre
coitado.
Ouve-se um ESTAMPIDO DE TIRO. Máiquel se assusta, vira-se e
vê Ezequiel com um REVÓLVER na mão trêmula. Máiquel saca a
ARMA e atira em Ezequiel. Este é atingido no peito, cai.
Ezequiel está se contorcendo no chão, gravemente ferido.
Máiquel se aproxima, encosta a arma na cabeça de Ezequiel e
puxa o gatilho. A arma engasga. Ele aperta o gatilho
seguidas vezes sem sucesso. Máiquel, ajoelhado ao lado de
Ezequiel, concentra-se em checar sua arma. Tira o pente e
recarrega novamente, destrava o pino, engatilha a arma.
SOM DE ESTAMPIDO DE ARMA
EXT. RUA DO SUBÚRBIO - NOITE
Máiquel andando na rua acelerado. Sua camisa está manchada
de sangue.

EXT. CASA DE MÁIQUEL/ CORREDOR EXTERNO - NOITE


Máiquel atravessa o corredor externo, caminha em direção à
porta e a destranca. Ele entra.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Máiquel chega em casa com sua camisa manchada de sangue.
Surpreende-se encontrando Érica e Cledir no sofá.

ÉRICA
Oi.
MÁIQUEL
Oi.
CLEDIR
Você não ia me apresentar a essa sua
amiga que está morando na sua casa?

MÁIQUEL
Ela não é amiga. É uma conhecida. Vou
tomar um banho.

CLEDIR
Espera, quero falar uma coisa importante
com você.
(vê o sangue na camisa de
Máiquel)
O que foi isso na sua camisa?
MÁIQUEL
Não foi nada. Me machuquei.
Máiquel sai em direção ao banheiro.
ÉRICA
Ele está com raiva de mim. Só que eu já
falei que eu não vou embora.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ QUARTO/ SALA - NOITE


Máiquel e Cledir estão sentados na cama, ele acabando de
vestir sua camisa. Érica aparece no fundo, lendo no sofá da
sala.
CLEDIR
Promete que ela vai embora?
MÁIQUEL
Prometo.

CLEDIR
Não notou nada de diferente? Olha bem.
(se exibindo para Máiquel)
Eu engordei três quilos. Dá pra ver?

Máiquel ri sem animação.

CLEDIR
Adivinha? Estou grávida.

Cledir se joga sobre Máiquel. Érica observa tudo da sala.


CLEDIR
Se a gente casar em março, o bebê nasce
em novembro. Aí eu aproveito as minhas
férias. Sabe aquele padre que eu te
falei? Ai, eu adoro o padre Oscar. Na
Igreja Nossa Senhora da Conceição eles
fazem casamento com 15, 20 noivas, é a
coisa mais linda do mundo, Máiquel.
(menos agitada)
Mas acho que de repente é melhor a gente
casar só a gente mesmo, né. Senão vão
ficar comparando vestido. Vai, diz
alguma coisa!
(sem deixar ele falar)
Eu pensei também que a gente podia morar
na casa da minha mãe, o que você acha?
Não gosto muito desta casa. A gente
arruma aquele quartinho lá dos fundos.
Mas me diz, já não estou com cara de
grávida?

INT. CASA DE MÁIQUEL/ BANHEIRO - NOITE


Érica, de short e top, dentro da banheira, dando banho no
porco. Máiquel observa, sentado na privada, de roupa.

ÉRICA
Casamento assim, na igreja?
MÁIQUEL
Na igreja.
ÉRICA
De vestido de noiva? De véu e grinalda?
MÁIQUEL
Sei lá se tem véu e grinalda!
ÉRICA
Você está puto comigo ou está puto com
você mesmo porque vai se casar?

MÁIQUEL
Eu quero casar. Eu gosto da Cledir,
Érica. Fui eu que pedi ela em casamento.
Amanhã eu vou lá na casa da mãe dela pra
resolver tudo. Quero mudar, quero ser um
homem normal, quero ter uma família,
quero ter filho, quero ir à igreja no
domingo.

ÉRICA
Que coisa mais ridícula, Máiquel! E onde
é que você vai arranjar dinheiro para
cuidar da gente? Você está desempregado.

INT. OFICINA DO MARCÃO - DIA


Máiquel está na oficina. Robinson e Marcão estão
trabalhando, debruçados sobre um carro. Enoque joga gameboy
enquanto Galego circula pela oficina. Ao longo da cena, o
carro vai sendo "depenado".
MARCÃO
Nós somos uma revendedora DES-
autorizada. Você quer entrar nessa, tudo
bem. Agora, o esquema é esse.
MÁIQUEL
Tô noutra, Marcão, tô noutra. Tô
precisando de uma carteira assinada, eu
vou casar, meu irmão. Vou ter um filho.
ROBINSON
Por que tem que casar agora? Chega para
ela e fala assim, ó: tô desempregado,
sem dinheiro. Entra num acordo com ela.
Fala pra ela assim: vamos tirar esse
bebê junto...
MÁIQUEL
Robinson, eu quero casar, meu irmão.
Quero trabalhar.

MARCÃO
Pra mim, só engravida mulher burra,
e mulher burra tem que pagar o pecado
sozinha. Larga lá criando o moleque.
GALEGO
Vai ver o filho nem é teu, porra. A
vadia sai dando por aí...
MÁIQUEL
Vadia não, hein! Vadia não.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - DIA


Máiquel e Cledir, vestidos mais formalmente, estão sentados,
lado a lado, no sofá.

MÁIQUEL
Cledir, eu queria falar com você.

Cledir coloca a mão de Máiquel em sua barriga, visivelmente


maior.
CLEDIR
Olha como cresceu, olha como está
grande.
MÁIQUEL
(Sem convicção)
É verdade, cresceu mesmo.

CLEDIR
Minha mãe já vem, está se arrumando.
Olha, a gente só fala do casamento, não
precisa falar da gravidez, tá bem?

Máiquel concorda.
CLEDIR
Sua mão tá gelada..Você está nervoso?

MÁIQUEL
Cledir, eu andei pensando....

Cledir beija a mão de Máiquel e depois sorri.


MÁIQUEL
Eu andei pensando e eu acho melhor....

Nesse instante a MÃE DE CLEDIR entra na sala, carregando uma


bandeja com um bolo. A mãe de Cledir, entusiasmada, coloca o
bolo em cima da mesa.
MÃE DE CLEDIR
Pronto, pronto, pronto. Estou chegando!
Ai, Máiquel estou tão feliz de ter você
aqui na minha casa!
Máiquel ameaça se levantar.
MÃE DE CLEDIR
Senta, meu filho. Agora já posso te
chamar de meu filho, né? Ah, vamos
registrar esse momento!

A Mãe de Cledir está com uma máquina fotográfica a tiracolo,


que coloca sobre a prateleira, acionando o automático. A mãe
corre para junto de Máiquel e Cledir, colocando-se no meio
dos dois. O flash dispara.

Todos comem o bolo. A Mãe fica olhando orgulhosa para


Máiquel.
MÃE DE CLEDIR
Estou tão feliz de ver vocês dois
juntos. Obrigada, meu Deus. (pausa) As
cocas do Máiquel! Vou buscar.
A mãe levanta-se agitada, nervosa. Ela vai para cozinha,
serelepe.
CLEDIR
Sem gelo, hein, mãe. Ele gosta sem gelo.

MÃE DE CLEDIR
Eu sei, você falou tanto que eu esqueci!
MÁIQUEL
(para Cledir)
Eu queria te contar...
CLEDIR
Viu como ela está feliz? Ela adorou
você.

MÁIQUEL
Eu preciso te contar uma coisa,
Cledir... eu... sei que esse momento é
especial pra você...
CLEDIR
Fala!

MÁIQUEL
Eu acho, Cledir, que ainda não está na
hora...
Ao mesmo tempo em que Máiquel fala, num dos cantos do
quadro, surge da cozinha, sem ser percebida pelos dois, a
mãe de Cledir que entra cambaleando na sala, carregando uma
bandeja cheia de copos. Tenta dizer alguma coisa.
CLEDIR
(gritando)
MÃEEEEEEE!
Cledir levanta correndo.

EXT. CASA DE CLEDIR/ QUINTAL - DIA


Estamos na festa de casamento. Estão presentes Marcão,
Robinson, Galego e Enoque, todos bem vestidos, algumas
COLEGAS do Salão, ROSA, tia de Cledir, Seu Humberto, Érica,
vinte pessoas no máximo. Na mesa um enorme bolo encimado por
duas figuras modeladas em açúcar, o noivo e a noiva. Cledir
usa um vestido de noiva, com véu curto e grinalda. Todos
cumprimentam o casal. Máiquel e Marcão passam a mão na
barriga grande de Cledir. Os dois se beijam, todos batem
palmas.
Ele coloca uma pulseira no braço dela.

TIA ROSA
Que bom gosto que ele tem!
Detalhe da pulseira.

Cledir dá um beijo apaixonado em Máiquel.


Érica mantém-se à distância, lendo um dicionário, enquanto
todos fazem um brinde.

TODOS
Viva o Máiquel!! Viva!
Uma roda se forma em volta de Robinson, já bêbado:
ROBINSON
Vou falar um verso! Silêncio, silêncio.
A vida é um túnel ao ar livre.

Todos riem. Cledir vai para o centro da roda.


CLEDIR
O amor... Ai, eu não sei fazer verso!

Todos gritam e riem, Cledir cai nos braços de Máiquel. Érica


assiste à tudo aquilo séria.
MÁIQUEL
Quando eu penso na Cledir penso num
mundo de quatro letras: amor.
JUMP CUT
Máiquel, Robinson e Marcão conversam numa mesa.
MARCÃO
E a lua-de-mel?

MÁIQUEL
A gente vai pra Araruama. Alguém já foi?

MARCÃO
Não..

MÁIQUEL
Sem dinheiro...
Humberto aproxima-se e senta.

MÁIQUEL
Humberto! Esse aqui é o Marcão, esse
aqui é meu primo Robinson.
HUMBERTO
Está precisando de um trabalho?
Máiquel balança a cabeça positivamente.
HUMBERTO
(Confidenciando)
É por que o cara que estava trabalhando
comigo lá sumiu. Sumiu. Você gosta de
bicho?

MÁIQUEL
Gosto.
HUMBERTO
Então o emprego é seu.

Tia Rosa grita, chamando Máiquel.


TIA ROSA
Máiquel, vem cortar o bolo, vem!
Máiquel está ao lado de Cledir, prestes a cortar o bolo. Ela
parece fazer um pedido antes de cortá-lo.

MÁIQUEL (V.O.)
Cledir estava linda, a aliança no
dedo...

EXT. RUA DO SUBÚRBIO/ FEIRA - DIA


Máiquel e Cledir fazem feira, ele empurra o carrinho.
MÁIQUEL (V.O.) (CONT'D)
..naquele momento percebi que queria ser
um homem normal..um homem que trabalha e
ama a sua esposa e seus filhos... Era
isso que eu queria, ser um homem normal.

EXT. CASA DE CLEDIR/ QUINTAL - DIA


Cledir corta o bolo com Máiquel ao seu lado. Todos aplaudem,
os dois se beijam.

INT/EXT. LOJA DE ANIMAIS - DIA


Máiquel limpa gaiolas. Humberto observa.

HUMBERTO
Muita merda, né? Esses bichos só sabem
cagar... Vai te acostumando, você vai
ter que limpar muita merda de neném.
Casamento é isso, merda de neném. E
merda de neném é que nem areia movediça:
você enfia o pé, quer sair mas a merda
não deixa.

MÁIQUEL
Nem todo casamento é igual, né, Seu
Humberto.
HUMBERTO
Todo casamento é igual, o que muda é a
merda. Tem merda porosa, merda
laqueada... A mulher só é boazinha até o
dia do casamento. Depois, viram umas
vacas gordas vingativas. Não perdoam o
fato de a gente ter casado com elas.
Dr. Carvalho entra na loja.

CARVALHO
(Para Humberto, falsamente
cortês)
O cidadão tem biscoito para cachorro?

HUMBERTO
Que marca?
CARVALHO
Qualquer uma... A mais cara.
Seu Humberto olha de forma hostil para Dr. Carvalho.
Enquanto Humberto procura, Dr. Carvalho trava um diálogo em
tom baixo com Máiquel.
CARVALHO
(Olhando em torno, com desdém)
Então é aqui que você trabalha, meu
filho? O que você ganha aqui dá para
sustentar a sua família? Você fez um
serviço tão bem feito, rapaz. Você tem
um futuro brilhante pela frente.

MÁIQUEL
Dr. Carvalho, vamos conversar lá fora?
Máiquel conduz Dr. Carvalho até calçada em frente à loja.

CARVALHO
Você foi embora sem que eu pudesse
demonstrar toda a minha gratidão, meu
filho. Há tão pouca gente em que se
possa confiar hoje em dia. (pausa) O que
é, arrependido? De ter virado um herói?
De ter alijado do convívio social um
monstro?
Dr. Carvalho retira um envelope pardo e grosso do bolso.

CARVALHO
Toma, isso é seu.
Máiquel pega o envelope.

CARVALHO
A gente se vê.
Humberto aproxima-se com dois pacotes de biscoito nas mãos.

HUMBERTO
Esse sujeito é seu amigo?

MÁIQUEL
É o meu dentista.
HUMBERTO
Cara escroto.

INT. CASA DO DR. CARVALHO/ ESCRITÓRIO - NOITE


MÚSICA DE FRANK SINATRA. A casa do Dr. Carvalho tem o luxo
do pequeno-burguês consumista. Carvalho, SÍLVIO e VEREADOR
ZILMAR estão em frente ao equipamento de circuito interno de
TV, tomando uísque.
CARVALHO
Está vendo, Zilmar? Eu daqui vejo todas
entradas da casa. Cada monitor tem uma
câmera. Eu sei quem entra, eu sei quem
sai. É uma maravilha. Tem dias que eu
fico tomando meu uisquinho daqui...
Sabe, Sílvio? Eu tomo o meu uisquinho e
eu fico só esperando, esperando um dia
chegar alguém...

VEREADOR ZILMAR
Peraí, Carvalho. Você acha que essa
porra aí pode dar resultado?
SÍLVIO
O Soares tinha carro blindado, porta
blindada... você viu o que aconteceu com
ele? se fodeu.
VEREADOR ZILMAR
Eu estou falando, o cara encosta um
revólver na sua cabeça, aí o que
acontece? Você se caga todo. Aí abre
porta, cofre, abre o cacete...
SÍLVIO
Eu sei é que se o bandido quiser entrar
na sua casa ele entra, aí leva o seu
carro, leva seus dólares, leva o seu
ouro, o caralho!

CARVALHO
(olhando o monitor)
Só uma coisa que resolve. Olha aí: tá
chegando o nosso convidado.
Máiquel e Galego aparecem no monitor de Dr. Carvalho. Os
dois entram.
JUMP CUT
Dr. Carvalho, Sílvio, Zilmar, Máiquel, Galego, em volta de
uma mesa de vidro, continuam bebendo.
CARVALHO
Temos que ser realistas. A polícia é
incompetente, a polícia é corrupta, não
se pode esperar nada da polícia.
VEREADOR ZILMAR
Tá bom, Carvalho! Eu estou esperando
alguma coisa da polícia! Eu!
CARVALHO
Lembra daquele crioulo enfurecido dentro
daquele ônibus? A polícia toda contra um
menor abandonado. E você lembra o que
ele dizia, o garoto? Eu sou filho do
demônio!

Uma garota de botas, maquiada, blusinha deixando o umbigo de


fora, junta-se ao grupo. É Gabriela, filha de Carvalho.
GABRIELA
(sedutora)
Oi.

Dr. Carvalho olha de maneira reprovadora para a roupa que


Gabriela está vestindo.

CARVALHO
(Impaciente)
Filha, por favor, seu pai está
conversando negócios com os amigos aqui,
volte para o seu quarto.

Máiquel e Gabriela trocam olhares. Ela deixa a sala.


SÍLVIO
Máiquel, o Carvalho me falou do quanto
você pode ser útil, me falou da sua
credibilidade junto à comunidade, que
você é um sujeito de confiança que
enfrenta qualquer parada. Só este mês eu
fui assaltado duas vezes. Por um tal de
Neno. O sujeito está infernizando a vida
da minha família, a vida das minhas
empresas... A polícia não faz nada com
medo da imprensa, que também é uma
merda, com medo das ONGs. Esses padrecos
vêm falar em direitos humanos,
protegendo pivetes de 14, 15. A gente
tem que se defender. Eu quero que você
mate esse bandido.
MÁIQUEL
Matar?
SÍLVIO
Sim, matar. Quanto é que você quer para
tirar esse sujeito do meu caminho? O
nome dele é Neno.
Reação de Máiquel, sem saber o que dizer.
CARVALHO
Vai meu filho, pede, o Sílvio paga o que
você quiser.
Todos ficam olhando para Máiquel calado.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Máiquel entra em casa e vê os objetos de Érica sobre o sofá.
Vê a porta do banheiro entreaberta. Ouve o barulho do
chuveiro.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ BANHEIRO – NOITE


Máiquel contempla fascinado o corpo da menina. Érica, sem
perceber que está sendo observada no chuveiro, toma banho.
Vemos o corpo delineado por trás da cortina. Érica sai do
chuveiro, o cabelo molhado, o corpo molhado e uma
correntinha no pescoço. Ela anda lentamente na direção de
Máiquel, até ficar bem próxima dele. Os dois se olham,
atraídos um pelo outro.
ÉRICA
Gostou?
MÁIQUEL
Eu vim pegar o Bil. Convenci a Cledir de
deixar ele lá.

EXT. RUA DO SUBÚRBIO - NOITE


Máiquel anda puxando Bil por uma coleira.

INT.CASA DE CLEDIR/ QUARTO - NOITE


Bil está deitado no chão. Vemos Cledir retocando a pintura
do cabelo de Máiquel. A sua barriga está enorme.
CLEDIR
Toma.
Cledir passa para Máiquel um pote com a tintura de cabelo.
MÁIQUEL
Tem um cobertor velho?
CLEDIR
Pra que?
MÁIQUEL
Pro Bil.
CLEDIR
Pro porco?! E porco lá sente frio,
Máiquel? Que idéia...
Cledir continua pintando o cabelo de Máiquel.

MÁIQUEL
Como você sabe que porco não sente frio?

CLEDIR
Ah?

MÁIQUEL
Como você sabe que porco não sente frio?
CLEDIR
Pelo amor de Deus!

INT. LOJA DE ANIMAIS - DIA


Máiquel está limpando as gaiolas dos CACHORRINHOS.

HUMBERTO
As mulheres só querem saber da gente pra
casar e ter filho, depois ficam o resto
da vida enchendo o saco da gente.
Engordando, engordando. Eu não sei o que
é pior: as que engordam, ou as que fazem
ginástica pra ficar magrinha.
(Pausa)
Eu tenho uma teoria: mulher faz
ginástica pra ficar magrinha pra ficar
gostosa pro amante. Se um dia você
descobrir que sua mulher tá fazendo
ginástica numa academia, pode ir
cobrindo de porrada que ela está te
corneando.
Máiquel ri.

HUMBERTO
Hoje é o dia do seu aniversário. Leva um
cachorrinho desses de presente pra você.
MÁIQUEL
(Acariciando o cachorrinho que
tem nas mãos)
Vou levar esse aqui. O nome dele é
Pivete. Dei nome pra todo mundo. Pivete
porque rouba a comida de todo mundo.
(pausa)
Pensando bem, vou levar depois, o Bil
pode não gostar...
INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE
Cledir exibe uma barriga enorme. Estamos na sala da casa,
durante o jantar de aniversário de Máiquel.

Presentes Tia Rosa, Marcão, Galego e mais DUAS PESSOAS já


vistas na cena do casamento. Todos estão mais ou menos
alcoolizados, alegres. Marcão e Galego cantam um rap. Tia
Rosa coloca as velas no bolo.

CLEDIR
(para Tia Rosa)
Vamos servir o jantar? Estou morrendo de
fome.
TIA ROSA
Você apagou o fogo?
CLEDIR
Apaguei.

CLEDIR
(Para Máiquel)
Máiquel, eles não vêm mesmo. O neném
está com fome, amor.

MÁIQUEL
Porra, Cledir. Agora que está ficando
animado...

EXT. RUA DESERTA - NOITE


CLOSE DE Enoque, que está completamente drogado.
ENOQUE
A gente está indo pra...
CÂMERA corrige para Robinson.

ROBINSON
Calma, calma... Olha, meu nome é
Robinson, este aqui é o meu amigo
Enoque.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE


Cledir beija Máiquel.

CLEDIR
Tia Rosa, pode servir! Vamos sentar na
mesa, pessoal, vamos comer.
CORTA para a mesa de jantar, estão todos sentando. Cledir
aparece no fundo do plano trazendo da cozinha uma enorme
travessa com um porco assado. Todos aplaudem. Máiquel
finalmente vê o leitão e se dá conta do que aconteceu:

MÁIQUEL
Que isso, Cledir?

CLEDIR
Ué?

MÁIQUEL
Onde é que está o Bil?
Máiquel se levanta da mesa para procurar Bil.

EXT. RUA DESERTA - NOITE


CORTA PARA PLANO GERAL. O carro de Robinson está bloqueado
no meio da pista pelo carro preto de NENO. Neno está
acompanhado de PEREBA. Ambos estão armados de escopeta e
apontam as armas para Robinson e Enoque.
ROBINSON
Nós estamos indo para uma festa de
aniversário. Eu acho que vocês devem
estar procurando outras pessoas.
Neno observa friamente. Ele cruza a frente do carro até o
lado de Robinson.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE


Cledir está transtornada. Todos na mesa se olham sem saber o
que fazer. Máiquel anda pela casa nervoso procurando o
porco.
MÁIQUEL
Bil! Bil!
Ele volta até a sala e se vira para Cledir.
MÁIQUEL
(gritando)
Como é que você pode fazer isso comigo,
Cledir? Hein?!
CLEDIR
Eu ia deixar pra assar no Natal, mas eu
achei melhor... é seu aniversário.
MÁIQUEL
(gritando)
Você matou o Bil, Cledir.
CLEDIR
Ele sujava a casa toda.

MÁIQUEL
(gritando)
Sujava só o quintal e eu limpava o
quintal, eu limpava!

EXT. RUA DESERTA - NOITE


Neno se aproxima de Robinson, ainda dentro do carro
bloqueado.

MÁIQUEL (V.O.)
Você não limpava porra nenhuma!
NENO
(No mesmo tom calmo)
Eu sei quem é você, Robinson. Estou
procurando o seu amigo, Máiquel. Mas
você serve.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE.


Máiquel vê mais uma vez Bil assado sobre a mesa e começa a
chorar. A campainha toca. Galego abre a porta e Enoque entra
desesperado.
ENOQUE
Mataram o Robinson.
Reação de Máiquel e das outras pessoas. Enoque respira
fundo. Pela primeira vez vai falar com clareza, sem gaguejar
e com fluência.

ENOQUE
A gente estava vindo para cá, aí o Neno,
com aquele criolinho. Pereba. O Robinson
sacou tudo, cara. Falou: Enoque, fica
frio que é bote. Não deu outra. O cara
falou ó: a gente está na paz, indo pra
uma festa. Foda-se. O cara rodou o carro
e falou. Dançou, estou maquinado, pimba.
Dois tecos. Queimaram o Robinson! De
pertinho, do meu lado, cara. Eles
mandaram um recado pra você, Máiquel:

EXT. RUA DESERTA - NOITE


FLASH BACK. CLOSE de Neno.
NENO
(para Enoque)
Avisa pra aquele viado oxigenado pra não
se meter com o Neno. Senão eu vou
estourar a cabeça dele também.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE


Não há mais ninguém na festa. Máiquel está sozinho, sentado
diante da mesa, onde Bil permanece intacto, numa travessa
decorada, com a maçã na boca.

INT. OFICINA DO MARCÃO - NOITE


Máiquel, Marcão, Galego e Enoque estão na oficina, o último
cheirando sobre a mesa. Máiquel está deitado.

MÁIQUEL
Enoque, me dá um pouco dessa porra aí.
ENOQUE
(Surpreso)
Você quer?
Máiquel consome a droga. Todos o observam. Ele fica
impassível, não demonstra sentir o efeito da droga.

MÁIQUEL
Essa porra não faz efeito em mim não.
Máiquel cheira mais um pouco.
MÁIQUEL
Efeito nenhum.
Os três observam Máiquel sem saber o que dizer. Ele vai até
o banheiro e cheira um pouco mais, diante do espelho. Coloca
um CD no aparelho de som da oficina. Vai mais uma vez até o
espelho do banheiro e fica se observando com atenção.
MÁIQUEL
Enoque! Me dá essa merda.
Máiquel cheira novamente.
MÁIQUEL
Cadê? Me dá um papelote aí! Essa porra
não faz efeito em mim não.
Ele começa a fazer flexões no chão. Depois anda rapidamente
em direção à saída.
MÁIQUEL
Vou dar uma volta. Cambada de filhos da
puta!

Máiquel sai correndo da oficina, deixando os amigos


perplexos.

EXT. OFICINA DO MARCÃO/ RUA - NOITE


Em planos nervosos, vemos Máiquel correndo pela rua.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - NOITE


Cledir assiste à televisão. Ela está esperando, preocupada
com Máiquel.

INT. OFICINA DE MARCÃO - NOITE


Máiquel retorna e vai direto ao espelho do banheiro.

MÁIQUEL
Enoque, me dá mais um. Me dá mais um.
Marcão observa impotente. Máiquel cheira mais algumas vezes.

INT/EXT. CASA DE NENO - NOITE


Máiquel e Enoque estacionam o carro e vestem capuzes. Eles
cercam a casa pelo quintal, de onde se vê uma MULHER,
IZILDA, e Neno terminando de comer. Neno vai até a cozinha.
Os dois aproveitam para invadir a casa. Máiquel coloca a mão
sobre a boca da mulher e encosta o cano da pistola na cabeça
dela. Enoque fica de tocaia em cima da pia, esperando Neno
retornar à cozinha.
NENO
Izilda, meu amor, onde foi é que você
colocou o cigarro?
Neno é rendido.
ENOQUE
Perdeu, meu irmão. E aí?
NENO
Calma.
ENOQUE
(Enoque apontando a pistola
para Neno)
Tá lembrado de mim não, seu filho da
puta?

Neno olha para Enoque, que está com o gorro impedindo seu
reconhecimento. Pausa. Todos olham para o Enoque. Tempo.
Enoque olha para os outros. Começa a tirar o gorro, mas é
impedido por Máiquel.

ENOQUE
(mostrando o rosto)
Aqui, ó.
Máiquel cobre de volta o rosto de Enoque, que atira. Máiquel
encara o colega:
MÁIQUEL
Porra, você matou a mulher, Enoque!

ENOQUE
Foi mal, errei, pô.
Enoque atira em Neno.

INT. BAR 2 - NOITE


No bar há um homem jogando sinuca sozinho e outro bebendo no
balcão. Pereba vai até a cabine do banheiro e fecha a porta.

POV de Pereba: Marcão, com um gorro, arromba a porta e


atira. Galego vem em seguida e atira também.

INT/EXT. CARRO DE MARCÃO/RUA - NOITE


Galego dirige com Marcão ao lado.

INT. CASA DE NENO - NOITE


Neno e Izilda caídos no chão, mortos.

INT. BAR 2 - NOITE


Pereba morto dentro da cabine do banheiro.

EXT. CASA DE MÁIQUEL/ CORREDOR EXTERNO - NOITE


ÉRICA (V.O.)
Toda manhã eu colocava banana pra ele.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Érica está no sofá, triste e pensativa, com Máiquel ao lado.

ÉRICA
O Bil era muito inteligente. Como será
que se mata um porco?

MÁIQUEL
Sei lá. Tomara que o Bil não tenha
sofrido.
ÉRICA
Eu também estou triste por causa do
Robinson. Mas o Bil fazia companhia pra
gente, né...
Érica abraça Máiquel, que chora.

ÉRICA
Ninguém vai matar você não, eu não vou
deixar...

Os dois se beijam ardentemente.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ QUARTO - NOITE


Máiquel e Érica fazem sexo.

INT/EXT. LOJA DE ANIMAIS - DIA


Máiquel chega na loja. Cledir está do lado de fora,
esperando. Humberto, sentado, lê o jornal.
CLEDIR
(Mal-humorada)
Posso saber onde foi que você se meteu
ontem à noite?
HUMBERTO
(Sem parar de ler o jornal)
Eu falei, não falei?
CLEDIR
Esperei por você a noite toda. Porra,
Máiquel, você podia ter avisado. Eu sei
que você não voltou pra casa por causa
daquele porco. O Bil era um porco,
Máiquel, igual a uma galinha, existe
para ser comido.
MÁIQUEL
Não me enche o saco, Cledir.

CLEDIR
Isso é jeito de falar comigo? Eu só
assei aquele porco porque era seu
aniversário. Não sabia que você gostava
tanto dele. Eu sempre fiz tudo por você.
Não precisa me tratar como se eu fosse
um cachorro.
HUMBERTO
Então a senhora é muito bem tratada.

CLEDIR
Dá licença!
MÁIQUEL
(Saindo em direção ao carro)
Olha, eu tenho uma reunião, Humberto, tá
bom? Cledir, dá um tempo.
Máiquel vira-se e começa a andar.

CLEDIR
Dá um tempo? Pra sair com essas
vagabundas você tem tempo!? Máiquel!

Máiquel entra no carro de Marcão. Cledir nota Érica,


animada, dentro do carro, que parte.

INT/EXT. RUAS DO SUBÚRBIO/ CARRO - DIA


Marcão está ao volante, tendo ao seu lado Máiquel. Érica, no
banco de trás, lê um almanaque. Enoque está ao seu lado.

ÉRICA
Kamikaze - kami quer dizer vento e kaze
quer dizer divino. Vento divino. O
furacão que acabou com a frota mongol
que ia invadir o Japão recebeu esse
nome, Kamikaze. O vento divino salvou o
Japão dos mongóis. E na guerra contra os
americanos os pilotos suicidas
japoneses.

MARCÃO
(Interrompendo)
Esse filme eu vi. Os kamikazes se
foderam, os japoneses se foderam e os
americanos ganharam a guerra. Máiquel,
pára de dar almanaque para essa menina.
MÁIQUEL
O pior é que ela agora está querendo
aprender inglês.

INT. BAR DO GONZAGA - DIA


Máiquel, Érica, Enoque e Marcão estão sentados numa mesa
conversando.

ÉRICA
How do you do? Where is the book? The
book is on the table.

Érica ri animada.
MARCÃO
(Gozador)
Você está aprendendo inglês pra quê,
menina? Tu mal fala português.
ÉRICA
Eu não falo português não? Pergunta uma
coisa pra mim.
MARCÃO
Perguntar o quê? Eu também não sei,
porra.

ÉRICA
Sei lá, me pergunta o sinônimo de
qualquer palavra.
MARCÃO
(Gozador)
Sinônimo? Que porra é essa?

ÉRICA
Eu vou te explicar. Por exemplo. Burro:
sinônimo, Marcão.
Galego entra no bar. Dirige-se para a mesa de Máiquel.
GALEGO
Aí, o cara vai viajar amanhã.
MÁIQUEL
Érica, vai tomar uma coca, vai.
ÉRICA
Que conversa é essa? Por que eu não
posso ouvir?
MARCÃO
Conversa de kamikaze.

MÁIQUEL
Vai.
ÉRICA
Ihhh...

Érica vai para a mesa ao lado, com seu almanaque.


GALEGO
Vai ter que ser hoje à noite no baile
funk.
MÁIQUEL
Baile Funk? Pô, eu odeio baile funk.

INT. BAILE FUNK - NOITE


O enorme SALÃO está repleto de GENTE DANÇANDO. É um baile
funk típico, com MÚSICA ensurdecedora, DANÇAS de grupo
coreografadas, agitação, tumulto. No alto, Galego e CONAN,
um jovem musculoso, e mais DUAS GAROTAS dançam.

EXT. BAILE FUNK/ RUA/ CARRO - NOITE


Galego e Conan abraçados com as duas garotas saem do baile e
entram no carro. Máiquel se aproxima:
MÁIQUEL
Meninas, fora.

INT/EXT. RUAS DO SUBÚRBIO/ CARRO - NOITE


Zé Galinha cheira pó enquanto aponta uma pistola para Conan,
do lado também de Marcão. Na frente, Máiquel e Galego, que
dirige.
ZÉ GALINHA
Olha o tamanho do braço desse cara,
mané! Aí, não deve fazer porra nenhuma
pra ninguém, filho da puta. Deve ficar o
dia inteiro na academia malhando, né o
playboy. Tomando bomba, né... Mas olha,
isso é coisa de bichinha, sabia, é coisa
de bichinha de academia. Aí, tu é homem?
Então quero ver aqui, vai.. Dá um
tequinho aqui, vai. Dá um teco que eu
quero ver, vai.
Conan cheira.

ZÉ GALINHA
Isso, gosta de um poteco, ah? Aí, mané,
acho que essa brizola tá fazendo
efeito... tá me dando uma vontade de dar
uma cagada...(pausa) Isso aí: eu vou
cagar e você vai comer o meu cocô! Desde
criança eu tenho vontade de fazer alguém
comer o meu cocô, tá ligado? E vai ser
tu que vai comer o meu cocô
MÁIQUEL
Galego, encosta aí.
Galego pára o carro na beira da estrada.
MÁIQUEL
Quem teve a idéia de trazer esse cara,
hein, Marcão?
MARCÃO
O Enoque não podia vir...

ZÉ GALINHA
Cara não, amigo. Eu tenho nome.
MARCÃO
O apelido dele é Zé Galinha.
MÁIQUEL
Olha aqui, Zé Galinha. A gente não
trouxe ninguém aqui pra comer merda não.
Isso não se faz com ninguém.
ZÉ GALINHA
Amigo, se eu quiser que ele coma o meu
cocô ele vai comer o meu cocô, tá
ligado? E não é um otário que nem tu que
vai fazer ele não comer o meu cocô...
Máiquel atira na cabeça de Zé Galinha.
CONAN
Pô, valeu, hein...
Máiquel atira na cabeça de Conan.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - DIA


INSERT - NOTÍCIA DE JORNAL SENDO CORTADA
Foto de Conan.
Vemos Máiquel e Enoque selecionando matérias da seção
policial, e colando os recortes num álbum.

EXT. IGREJA/ RUA - ENTARDECER/ NOITE


Érica vaga pela rua até chegar na porta da Igreja
evangélica, onde muitas pessoas entram. SOM DO CULTO.

MARLÊNIO (O.S.)
E larga é a porta, e espaçoso o caminho
que conduz à perdição. E muitos são os
que entram por ela, porque estreita é a
porta e apertado o caminho que leva à
vida e poucos há que a encontrem.
Acautelai-vos porém dos falsos profetas,
que vêm até vós, vestidos como ovelhas,
mas interiormente são lobos devoradores.
Érica chega à porta da Igreja, de onde ela consegue ver o
PASTOR MARLÊNIO, um homem de cerca de trinta anos, de óculos
de lentes grossas. Usa um terno escuro ensebado.

MARLÊNIO
Sejam bem-vindos ao Reino de Deus. A
porta pode ser estreita, mas o coração
de Jesus é muito grande, é tão grande,
tão hospitaleiro, que dentro dele cabem
o santo e o pecador, dentro dele cabe
eu, você, cabe o mundo todo.
Quem não se aproxima de Jesus, esse sim
deve temer! É porque está de mãos dadas
com o demônio. E Deus vê tudo, Deus sabe
de tudo e pune de maneira terrível os
crimes cometidos. Portanto pensem nisso,
meus irmãos. Fiquemos na paz de nosso
senhor e salvador Jesus Cristo.
TODOS
Aleluia!

INT. CASA DO DR. CARVALHO/ SALA - NOITE


Dr. Carvalho, Vereador Zilmar e Sílvio estão sentados no
sofá folheando o álbum de Máiquel. Sobre a mesa, copos,
gelo, garrafas de uísque.
VEREADOR ZILMAR
(apontando para uma foto)
Olha aqui o filho da puta!
CARVALHO
Isso que é um álbum de fotografias,
garoto. Meus parabéns, hein.

Dr. Carvalho passa um copo de uísque a Máiquel.

SÍLVIO
É, um trabalho higiênico...

CARVALHO
Higiênico e patriótico. Por que é assim
é que se faz uma nação decente.
MÁIQUEL
Onde que é o banheiro?
CARVALHO
No final do corredor, filho, à esquerda.

INT.CASA DR.CARVALHO/ CORREDOR/ QUARTO GABRIELA - NOITE


Máiquel caminha pelo corredor, abre uma porta e entra. É o
quarto de Gabriela que, deitada na cama, só de camiseta, se
surpreende com a inesperada aparição de Máiquel.
MÁIQUEL
Eu estava procurando o banheiro..

GABRIELA
(insinuante)
O meu pai não vai gostar nada de saber
disso. Aliás, ele vai achar que foi de
propósito.

MÁIQUEL
Ele também não precisa ficar sabendo,
não é?
Gabriela se aproxima.
GABRIELA
Ele não precisa saber de nada que
acontece aqui.
Ela coloca a mão de Máiquel dentro de sua camiseta, fazendo-
o apertar seu seio.

MÁIQUEL
Eu preciso voltar para sala. Sabe onde é
o banheiro?
GABRIELA
Eu não sei se eu vou deixar você ir
embora.
MÁIQUEL
Não faz isso comigo não.

GABRIELA
Você não quer trepar comigo?

MÁIQUEL
Eu preciso voltar pra sala.

INT. CASA DO DR. CARVALHO/ ESCRITÓRIO - NOITE


Todos bebem e ouvem o depoimento do Vereador Zilmar.
VEREADOR ZILMAR
Eram dez horas da noite, minha mulher
estava viajando, eu estava vendo
televisão no quarto, de repente ouvi um
barulho no andar de baixo. Aí eu desci
para ver. Dei de cara com um negão, no
meio da sala com um revólver, rapaz, na
mão. O cara estava nervoso, ainda falei
pra ele assim "olha cara, pode levar o
que você quiser, eu estou sozinho, leva
o que você quiser. Aí ele mandou sentar
no sofá, eu perguntei a ele se podia
tomar um uísque e ele falou que também
queria tomar um uísque, eu dei um uísque
pra ele, sentou do meu lado e disse que
o apelido dele era Pedrão, que a mulher
estava grávida, que ele odiava roubar
mas que ele estava fodido, essas
desgraças que a gente está cansado de
conhecer, né? Por isso que eu falo,
entendeu...

CARVALHO
Resume a história, Zilmar, resume.
Toca o telefone celular de Máiquel. Ele atende.

MÁIQUEL
Alô... anh?.. eu estou indo para aí.
(virando-se para os outros)
A minha filha nasceu.

INT. MATERNIDADE - NOITE


Num canto da sala da maternidade estão Máiquel, Vereador
Zilmar, Dr. Carvalho, Sílvio e Enoque. Ao fundo vemos Tia
Rosa com duas amigas de Cledir.
O grupo forma uma roda. Vereador Zilmar continua.

VEREADOR ZILMAR
Bom, eu só não morri porque eu consegui
ir me arrastando até o portão, onde um
vizinho me encontrou fudidaço ali
deitado na calçada, tá?

SÍLVIO
E esse é o seu servicinho... Pedrão.

EXT. LOCAL DESERTO - AMANHECER


Máiquel, Marcão, Galego e Pedrão saem do carro. Galego
coloca a vítima de joelhos e Máiquel dá o tiro.

INT. MATERNIDADE/ BERÇÁRIO - NOITE


Máiquel, Tia Rosa, Dr. Carvalho, Sílvio, Vereador Zilmar e
Enoque vêem a bebê no colo da enfermeira, através da janela
do berçário.
CARVALHO
Eu sou o padrinho. Quem paga a conta sou
eu.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ SALA - DIA


A casa está vazia. Sobre a mesa um bilhete, que Máiquel pega
e lê.
ÉRICA (V.O.)
Fica com sua filha e com a sua mulher.
Nada mais me importa. Eu queria dar um
murro na sua cara.

INT/EXT. IGREJA - DIA


Máiquel bate na porta dos fundos da igreja. Marlênio abre.
MARLÊNIO
Pois não?
MÁIQUEL
A Érica está?
Marlênio faz sinal de sim com a cabeça e Máiquel entra.
Érica está sentada no centro da igreja, lendo a Bíblia.
ÉRICA
(lendo)
"Melhor é a tristeza do riso, que uma
tristeza..."

MÁIQUEL
Érica, vamos embora?

ÉRICA
Você já conhecia o pastor Marlênio?
MARLÊNIO
Prazer, Marlênio.

Máiquel e Marlênio apertam as mãos, num cumprimento


cerimonioso.
MÁIQUEL
Vamos.
ÉRICA
Estou lendo a Bíblia com o pastor. Nada
é mais importante do que as palavras de
Jesus.
(Lendo a bíblia)
Jesus disse "agora venho enfim sobre ti,
porque enviarei sobre ti a minha ira ”.

MÁIQUEL
(Interrompendo)
Érica, eu estou precisando conversar com
você.
MARLÊNIO
(para Érica)
Nós podemos ler a Bíblia amanhã, Érica,
não tem problema nenhum.

EXT. RUA DO SUBÚRBIO - DIA


Máiquel e Érica caminham sobre uma passarela.
ÉRICA
Eu não quero mais saber de você,
entendeu, Máiquel? Eu tinha doze anos
quando vi meu pai morrer e eu decidi que
ninguém mais ia me fazer sofrer. Você
matou o Suel e eu não me descabelei, eu
não te entreguei para a polícia, eu fui
atrás de você e falei cuida de mim e
você cuidou, aí você casou e eu não me
atirei no precipício, aí você teve uma
filha, começou a ganhar dinheiro e a
andar com figurões e a me deixar
sozinha. Isso doeu, você me deixar
sozinha. Mas o Marlênio me ensinou que
Deus está sempre perto da gente e que
quem tem Jesus no coração não precisa de
mais ninguém.

MÁIQUEL
Marlênio... esse pastor de merda está
enchendo tua cabeça de besteiras.

INT. CASA DE MÁIQUEL/ QUARTO - DIA


Máiquel e Érica estão na cama, deitados. Érica faz um jogo
de provocação e recusa.
MÁIQUEL
Eu te amo, Érica.
ÉRICA
Prova.

MÁIQUEL
O que você quer que eu faça? Quer que eu
corte um braço? Quer que eu corte a
minha perna esquerda? Quer que eu corte
o meu pau? Quer que eu corte o meu pau,
hein?
ÉRICA
Corta nada, você não faz nada por mim.
Enquanto falam, os dois se beijam, Érica negaceia, ora
rejeita ora aceita os beijos de Máiquel.
MÁIQUEL
Eu faço o que você quiser, qualquer
coisa.
Érica aceita a investida de Máiquel.

ÉRICA
Eu quero que a Cledir desapareça da
nossa vida.

INT. CASA DE CARVALHO - NOITE


Sílvio, já bêbado, conversa com Vereador Zilmar enquanto
Máiquel e Dr. Carvalho assistem.
SÍLVIO
(bêbado)
Uma loja que vende coisas para piscina,
em Miami, coisa de americano. Eles
inventaram as pílulas denunciantes, você
dá a pílula para o seu convidado, e se
ele fizer xixi na piscina, a urina fica
azul. Azul, azul.. Agora, acontece que a
mesma loja vende outra invenção dos
americanos, as pílulas que anulam o
efeito das denunciantes.

Máiquel assiste imóvel.


SÍLVIO
Você veja só o que o ser humano é capaz
de inventar, veja só... basta você tomar
uma pílula anulante antes da denunciante
e tudo bem, tudo bem, você pode mijar na
piscina de qualquer um.

Todos riem, menos Máiquel.


VEREADOR ZILMAR
Peraí, gente, gente, dá licença.. Vamos
falar de negócio? Hein, Máiquel, o
equipamento?
MÁIQUEL
Bom, o equipamento eu não sei quanto
custa, só sei que é caro porque é tudo
contrabandeado..
VEREADOR ZILMAR
Contanto que você faça bem o serviço,
dinheiro não é problema, não é, Sílvio?

INT. CASA DE MÁIQUEL - DIA


Máiquel chega em casa, procura Érica. Ela não está.

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - DIA


Máiquel recorta uma notícia do jornal enquanto Cledir tenta
fazer Samanta dormir. Ouve-se a campainha. Cledir abre a
porta. É Érica. Cledir olha para Érica e, deixando a porta
aberta, dá as costas. Um breve silêncio constrangedor toma
conta da sala.
MÁIQUEL
Onde é que você tem andado, Érica? Não
te vejo em casa.
Reação de Cledir, estranhando a preocupação de Máiquel.
ÉRICA
Eu estou trabalhando na Igreja do
Poderoso Coração de Jesus. Vim devolver
a chave da sua casa. Eu estou me mudando
para lá.

CLEDIR
Aonde é que você disse que está morando?

ÉRICA
Na Igreja do Poderoso Coração de Jesus.
O Marlênio arranjou para mim.
(para Máiquel)
Você sabe onde é.

CLEDIR
Quem é Marlênio?
MÁIQUEL
O que você está fazendo lá, Érica?
CLEDIR
Não te interessa, o problema é dela.
Quem é o Marlênio?

ÉRICA
Isso mesmo, não te interessa.
CLEDIR
Quem é esse Marlênio?
ÉRICA
É o meu pastor. Eu limpo a igreja, lavo,
cozinho, preencho e carimbo as
carteirinhas...
MÁIQUEL
Que carteirinhas?
ÉRICA
A carteirinha dos fiéis.
CLEDIR
(Sempre irritada)
Deixa a Érica ir morar na igreja, fazer
o que bem entender, está mesmo na hora
dela sumir da nossa vida.

Cledir coloca o bebê no berço, Érica e Máiquel trocam um


olhar de cumplicidade.
MÁIQUEL
Por que que ela não pode ficar aqui? O
que ela fez de errado?
Reação de Cledir.

CLEDIR
Escuta aqui, eu não sou tonta não,
ouviu? Érica, não quero mais ver você.
Some da vida do meu homem, entendeu? Te
manda! Vai!

Érica olha significativamente para Máiquel, como se


perguntando pelo pacto deles. Ela vai embora.
CLEDIR
Você está tendo alguma coisa com ela?

Máiquel não responde.


CLEDIR
Tu tá trepando com a pirralha?

MÁIQUEL
Não, Cledir.
Máiquel se levanta e tenta andar em direção ao quarto.

CLEDIR
Está trepando sim! Está trepando com a
pirralha!! Como é que você faz isso
comigo?

Cledir começa a gritar e tenta agredir Máiquel. Ele se


tranca no quarto enquanto Cledir bate do lado de fora.
MÚSICA de ritmo frenético. A cena tem uma montagem com
vários cortes no mesmo eixo. Cledir continua a bater na
porta. A música aumenta sua veemência.
O SOM DAS BATIDAS de Cledir na porta vai aumentando de
intensidade. Máiquel coloca as mãos nos ouvidos mas o som
não diminui, parece aumentar, ecoando pela sua cabeça.
CLEDIR
Abre essa porta!

CÂMERA acompanha Máiquel cambaleando pelo quarto com as mãos


cobrindo os ouvidos.
Máiquel abre a porta. Cledir surge vociferante, o rosto
crispado, não se entende o que ela diz.
Máiquel agarra Cledir pelo pescoço, impele violentamente o
corpo da mulher contra a parede. Cledir bate com a cabeça e
cai. Máiquel vaga desorientado pelo apartamento, fica imóvel
no sofá da sala enquanto o corpo de Cledir continua caído no
chão.

INT/EXT. IGREJA - NOITE


Máiquel salta do carro, em frente à igreja, e ouve uma voz
vindo de dentro. Ele se aproxima segurando Samanta.
ÉRICA (O.S.)
...ressuscitai os mortos, expulsai os
demônios. Eis que vos envio, como
ovelhas ao meio dos lobos; portanto sede
prudentes como as serpentes e símplices
como as pombas".

CÂMERA ACOMPANHA Máiquel, com Samanta nos braços, que entra


na igreja vazia e se surpreende vendo Érica num pequeno
tablado, treinando sua pregação com uma Bíblia.
MÁIQUEL
Érica, preciso falar com você.
ÉRICA
Você não está vendo que estou ocupada? O
Marlênio me disse que eu vou ser pastor
assistente. Não quero conhecer seu
filho, não. Vai embora.
MÁIQUEL
É uma menina. Samanta. Você está
sozinha? Eu preciso falar com você.

INT/EXT. RUAS DO SUBÚRBIO/ CARRO - NOITE


Máiquel, Érica e Samanta, que dorme no banco de trás, estão
no carro em movimento.
ÉRICA
(Em tom de pregação)
Deus vê tudo, sabe tudo e vai nos punir
de maneira terrível pelo crime cometido.
(rezando)
Pai nosso que estais no céu, santificado
seja o vosso nome, venha a nós o vosso
reino, seja feita a vossa vontade, assim
na terra como no céu.

EXT. ESTRADA DESERTA - AMANHECER


Num plano-seqüência, CÂMERA mostra o carro de Máiquel
estacionado, com o porta-malas aberto e Samanta dormindo no
banco de trás.
Máiquel abre uma cova onde coloca o corpo de Cledir.
Máiquel, preocupado, olha para todos os lados.

MÁIQUEL
Érica, fecha a porta... Olha aí!

Érica sai do carro e olha para os lados enquanto Máiquel


tapa a cova.

INT. CASA DE CLEDIR/ QUARTO - AMANHECER


Érica se despe e deita. Máiquel se deita também, e fica
olhando para o teto. Ela enfia o rosto no travesseiro e
sente um cheiro bom.
ÉRICA
Esse era o cheiro dela?
Máiquel, sem desviar o olhar do teto:
MÁIQUEL
Era.
ÉRICA
Estranho, dormir na cama da Cledir
depois que...

Tempo. Os dois em silêncio. Máiquel se levanta.


ÉRICA
Onde você vai?

MÁIQUEL
Vou dar uma volta. Não consegui dormir
aqui não.
Máiquel sai. Érica pega um almanaque e começa a ler.

INT. CASA DE CLEDIR/ QUARTO - DIA


A primeira claridade do dia entra pela janela. Érica está
dormindo com o almanaque ao lado. Acorda com o barulho de
alguém chegando. Afinal Máiquel aparece na porta do quarto
carregando o corpo de Cledir, ainda envolto na colcha suja
de terra.
MÁIQUEL
(Com o corpo de Cledir nos
braços)
Eu não podia deixar ela lá, era muito
perigoso. E já estava amanhecendo,
trouxe ela de volta.

ÉRICA
(Com compaixão)
Ela está tão suja...

MÁIQUEL
Vamos botar ela num saco de lixo
grande..
ÉRICA
Você quer colocar a Cledir num saco de
lixo? Deixa ela nessa colcha mesmo, tão
bonitinha... Olha só o rosto dela, vê
como ela está infeliz? Toda suja...

INT. CASA DE CLEDIR/ BANHEIRO - DIA


Érica e Máiquel segurando Cledir nua no chuveiro, com a água
ligada. Érica ensaboa Cledir.

ÉRICA
Até morta ela é bonita...O rosto dela é
mais bonito que o meu? (Pausa)
E o corpo dela, é mais bonito que o meu?

MÁIQUEL
Anda logo, Érica!

INT. CASA DE CLEDIR/ QUARTO -DIA


Cledir está estendida na cama do casal. Máiquel e Érica
sentam-se nas beiras da cama.

ÉRICA
Ela vai dormir na cama com a gente?

INT. CASA DE CLEDIR/ SALA - DIA


Máiquel carrega um saco de lixo preto, com o corpo de Cledir
dentro. Máiquel tem dificuldade de carregá-la e deixa o
corpo cair no chão. Ele o levanta novamente e leva pra fora
de casa.

EXT. CASA DE CLEDIR/ RUA - DIA


Máiquel acaba de colocar Cledir no porta-malas do carro,
quando chega um carro da polícia civil, com DOIS HOMENS
dentro. Um deles, o mais corpulento, o DELEGADO SANTANA,
quarenta anos, salta do carro, que logo parte. Ele se
aproxima.

SANTANA
Você que é o Máiquel?
MÁIQUEL
Sou...

SANTANA
Delegado Santana, 45ª DP. Está de saída?
MÁIQUEL
Estou, tenho umas coisas pra resolver.
SANTANA
Esse carro é teu?

Érica observa tudo da janela de casa. Máiquel, tenso, tenta


se desvencilhar da situação.
SANTANA
(Batendo com a mão sobre a
mala)
Se tem uma coisa boa no Del Rey é a
mala. Já tive um. Me dá uma carona?
Santana entra no carro sem esperar pela resposta de Máiquel.

INT/EXT. RUAS DA PERIFERIA/ CARRO - DIA


Máiquel dirige nervoso, com Santana ao seu lado. O corpo de
Cledir está na mala.
SANTANA
Quem me deu o seu endereço foi o Dr.
Carvalho. Eu tenho acompanhado aí o seu
trabalho.
Máiquel freia o carro no sinal. Ouve-se um BARULHO no porta-
malas. É o corpo de Cledir se movimentando. Reação de
Santana.
MÁIQUEL
(Hesitante)
Eu estou com um...um...
Santana dá um sorrisinho cúmplice, entendendo a situação.
SANTANA
O pessoal aqui do bairro esta todo do
seu lado e você sabe disso. Os
comerciantes te respeitam.
(Pausa, pensativo)
Eu tenho uma proposta a te fazer.

INT. BOATE - NOITE


Máiquel e Santana estão sentados numa mesa. No prato de
Santana, um pedaço grande de carne vermelha, sangrenta.
Enquanto Santana come vorazmente, fala com Máiquel mas não o
escutamos. Entra V.O. de Máiquel:
MÁIQUEL (V.O.)
O delegado Santana me propôs sociedade
numa firma de Vigilância Patrimonial. A
idéia era muito simples: todo mundo
precisa de segurança, os pequenos
comerciantes, os grandes comerciantes,
os industriais, as multinacionais, os
milionários. Ele organizava a firma,
arranjaria funcionários, contador,
advogado, tudo.
SANTANA
(com a boca cheia de carne)
Só que meu nome não pode aparecer. Você
entra com o seu trabalho e a sua...
equipe? (Pausa) Meu nome está fora, tá
legal? O que foi que houve, está
preocupado com alguma coisa?
MÁIQUEL
Minha mulher, a Cledir. Ela sumiu de
casa.

SANTANA
Como é que é? Sumiu?

MÁIQUEL
Sumiu.

INT. ESCRITÓRIO DA SESEPA - DIA


Dr. Carvalho entra com Máiquel, apresentando o lugar.
CARVALHO
Aqui é o seu escritório. Gostou? É um
conjunto pequeno, mas no momento você
não precisa de mais do que isso.
Sentam-se. Máiquel não responde.
CARVALHO
Gostou ou não gostou, meu filho?
MÁIQUEL
Gostei. É legal.

CARVALHO
A proposta aqui é segurança para o
bairro. Quer dizer, para o comércio,
para os que têm grana, entendeu, meu
filho?

MÁIQUEL
É, o Santana me falou...
Dr. Carvalho faz um gesto dissimulado, para Máiquel não
prosseguir.
CARVALHO
O Santana não existe aqui. A dona Leonor
só cuida da fachada. Agora outra coisa:
você precisa usar um paletó, uma camisa
boa, se impor, meu filho.

INT. ÁTILA TRANSPORTES/ ESCRITÓRIO - DIA


Máiquel, com um documento na mão, está sentado em frente a
uma mesa, onde está ÁTILA, o dono da empresa.
MÁIQUEL
(Com texto decorado)
A nossa empresa cuida de.. A nossa
organização proporciona serviços pra
mais de trinta empresas. Aqui está a
relação delas. Se quiser ligar pra
confirmar.
Máiquel entrega o papel para Átila, que passa os olhos
rapidamente.
ÁTILA
Senhor Máiquel, eu tenho esquema já
próprio aqui, eu trabalho com pessoal
especializado, gente de primeira, a
rapaziada segura tudo aqui que eu
preciso. Lamento ter feito o senhor
perder o seu tempo.
MÁIQUEL
Obrigado pelo seu tempo. E fica com o
meu telefone... qualquer coisa... se
você precisar a gente está às ordens.
ÁTILA
OK.

INT/EXT. BAR BACAMARTE/ RUA - NOITE


Máiquel e Galego apanham escopetas na mala do carro. Colocam
capuzes encobrindo o rosto. Entram no bar. Apenas algumas
mesas estão ocupadas.

GALEGO
(Gritando)
Todo mundo pro chão, cumpadre, pro
chão!! Bota a cara no chão, filho da
puta!

Máiquel rende Verli, que estava sentado numa das mesas do


bar.
GALEGO
Bota a cara no chão, meu irmão. Bota a
cara no chão senão eu vou dar um teco!
Máiquel e Galego fogem levando Verli.

EXT. REDUC - NOITE


Os três homens saltam do carro.
MÁIQUEL
(Para Verli)
Ajoelha.
VERLI
(ajoelhando-se)
Que isso, cara. Vai me matar à toa,
irmão. Eu já dei mole mas não vou dar
mais mole não, irmão.

MÁIQUEL
Você conhece a empresa de transporte
Átila?
VERLI
Tô ligado, conheço, fica lá na Gamboa,
irmão.
Máiquel abaixa a arma.

EXT. RUAS DO SUBÚRBIO - NOITE


Esta seqüência de cenas mostra a ascensão de Máiquel e seus
comparsas:
Verli e Galego assaltando a Átila transportes.

Átila transportes colando o logotipo da SESEPA em sua


janela.

Galego cheirando no escritório da SESEPA. Máiquel, Marcão e


Galego atirando. Os três contando dinheiro.

MÁIQUEL (V.O.)
Até matar o primeiro cara a gente pensa
que existe essa história de aprender a
matar. Aprender a matar é como aprender
a morrer, um dia você morre e pronto.
Ninguém aprende a matar. Todo mundo
nasce sabendo. Se você tem um arma na
mão, é isso, você já sabe tudo.
Máiquel, Marcão e Érica sobre uma moto;
os três mais Enoque numa loja de carros.
Máiquel, Marcão, Galego e Enoque
executam uma vítima. A gangue caminhando
contra um muro azul; chegando ao Bar do
Gonzaga; tirando fotografias na oficina.

EXT. RUA COMERCIAL/ SAPATARIA - DIA


Máiquel, de terno, fala ao celular enquanto anda na rua.

MÁIQUEL
Está desconfiada de quê? Érica, a tia da
Cledir que se foda, Érica! (Pausa) Como
é que ela pode estar desconfiada?

EXT. SHOPPING - NOITE


MÁIQUEL (V.O.)
Sai! Vai comprar o que você quiser,
porra!
Máiquel, Érica, Galego e Marcão passeiam
pelo shopping. Entram numa loja, comem
numa lanchonete, depois experimentam
roupas.

INT. BOATE - NOITE


Máiquel abraça Santana na boate. Vemos depois ele dançando
com algumas mulheres.
INT/EXT. CASA NOVA DE MÁIQUEL - DIA
Uma companhia de mudanças descarrega caixas na nova casa de
Máiquel. Dentro, Marcão discute com um técnico a respeito do
aparelho de televisão:

MARCÃO
Aí, meu irmão, você acha que eu ia
comprar uma telinha desse tamanho?
Quantos metros tem essa porra? Quantas
polegadas tem? Isso aqui é home-theater,
porra?

Marcão imita a coreografia da funkeira na TV, Máiquel e


Érica riem.

Vemos depois Máiquel e Marcão jogando Érica na piscina.

INT. CLUBE/ SALÃO - NOITE


As cadeiras do salão estão todas ocupadas. Vemos uma faixa
pendurada com a mensagem: "Associação Comercial saúda o
nosso Homem do Ano." Vereador Zilmar, no palco, se prepara
para entregar o prêmio a Máiquel.

VEREADOR ZILMAR
Boa noite, senhoras e senhores, estamos
aqui reunidos para ouvir as palavras do
nosso Homem do Ano, eleito pelo Clube
Recreativo da Baixada, o doutor. Máiquel
Jorge!
Máiquel é aplaudido por todos no salão. Ele sobe ao palanque
para fazer seu discurso de agradecimento. Vereador Zilmar
entrega a estatueta de "Homem do Ano" para Máiquel, agora à
frente do microfone.
MÁIQUEL
(lendo o texto)
Esta homenagem me deixa profundamente
honrado. É dever de todos nós lutar sem
trégua para que as pessoas que querem
viver em paz, comerciantes,
trabalhadores, moradores, pais e mães de
família, passam ter a necessária
tranqüilidade e segurança.
Marcão chega apressadamente e senta-se na mesa de Galego,
Enoque e Érica.
ÉRICA
(para Marcão)
Ei, onde é que você estava?
MÁIQUEL
(ainda no microfone)
...se fiz alguma coisa por vocês, não
fiz mais do que a minha obrigação. E
prometo que não vou parar.

Aplausos entusiásticos. Dr. Carvalho, Vereador Zilmar e


Sílvio aplaudindo. Dr. Carvalho e Santana, que assiste tudo
em pé num canto do salão, trocam olhares.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ SALA - DIA


Máiquel admira a estatueta sobre um móvel da sala. Ele
admira o objeto por alguns instantes. Érica está sentada na
escada da sala com uma mala, ela está vestindo uma camisa
que tem escrito "be happy, be happy".
ÉRICA
Sabe o que tem aqui nessa mala? As
roupas da Cledir.

MÁIQUEL
Eu falei para você jogar isso fora,
Érica

ÉRICA
Não consigo. Outro dia eu ia jogar fora,
só que aí eu achei essa camiseta aqui,
olha.
(segurando a própria camisa)
Você não sabe inglês, você não sabe o
que isso significa.
A campainha da porta toca. Érica abre a porta. É Marlênio.
Ele entra. O telefone de Máiquel toca, ele atende.

MÁIQUEL
(Ao telefone)
Alô. Fala, Galego. Calma, rapaz. Fala
devagar. Espera aí, Galego.
(Para Érica, chamando-a)
Érica, Érica! Vem cá, vem! O que esse
cara está fazendo aqui dentro?

ÉRICA
Eu convidei para tomar um cafezinho.
Máiquel irrita-se com Érica.

MÁIQUEL
(desligando o celular)
Galego, eu já vou praí.
(para Érica)
Eu não gosto desse cara. O que ele está
fazendo aqui dentro?
ÉRICA
Coitado, Máiquel, a igreja está
precisando de dinheiro.

MÁIQUEL
E você vai dar dinheiro para esse merda
agora? É isso?

ÉRICA
Você não disse que está ganhando rios de
dinheiro, que era para eu pedir o que eu
quiser? Pois é, eu quero dar dinheiro
para a Igreja.

Furioso, Máiquel retira-se da casa, passando pela sala sem


se despedir de Marlênio, que, educadamente, esboça um
cumprimento.

INT. ESCRITÓRIO DA SESEPA/ SALA E ENTRADA - NOITE


Máiquel e Galego estão conversando. Galego cheira.

MÁIQUEL
Eu não acredito que vocês não vão dar
conta dessa porra sozinhos! Eu estou na
administração dessa porra, Galego! Não
estou mais na rua, onde é que estão os
caras?
GALEGO
Não sei, meu irmão.. O Enoque sumiu e o
Marcão não aparece tem dois dias. Aliás,
esse serviço é pra mais gente, hein.
O telefone toca. Máiquel atende.

MÁIQUEL
(ao telefone)
Puta merda! Mas você não é delegado,
caralho? Não resolve isso?
(pausa)
Ele sabe de tudo, mas não vai
contar nada.
(pausa)
Olha, faz uma coisa: arruma um jeito de
eu falar com ele. Falou?
Máiquel desliga o telefone e se senta.
MÁIQUEL
Marcão foi preso com um quilo de
cocaína, que porra é essa, Galego?

INT. DELEGACIA/ SALA - DIA


Marcão é trazido por um guarda. Ele e Máiquel conversam.

GUARDA
Cinco minutos, hein.

MARCÃO
Alguém me dedurou. Alguém está querendo
me foder, Máiquel.
MÁIQUEL
Quem?
MARCÃO
Eu sei lá. Algum invejoso. Eu venci.
Tenho carro do ano, ando bem vestido.
Tem gente aí que não suporta ver um
crioulo subir na vida, Máiquel.
MÁIQUEL
Que porra é essa? Um quilo de cocaína?

MARCÃO
Máiquel, não tem mais jeito. Arruma um
jeito de me tirar daqui. Fala com
Santana.

INT/EXT. OFICINA DO MARCÃO/ RUA/ CARRO - ENTARDECER


Várias viaturas da polícia, entre elas um rabecão, estão na
porta da oficina. Um número grande de curiosos cerca o
local. Percebemos que quem coordena os demais policiais é o
DETETIVE MAX. Depois de algum tempo, vemos DOIS POLICIAIS
carregando um corpo envolto num plástico preto.
SANTANA (V.O.)
O pessoal da Entorpecentes foi procurar
droga enterrada no quintal do Marcão e
encontrou um cadáver. Porra, eu não
posso acreditar que vocês fizeram uma
cagada dessas.

INT. BOITE - NOITE


Máiquel e Santana conversam.
MÁIQUEL
Eu estou sentindo um cheiro de merda.
SANTANA
Não tem problema não, é só o Marcão não
abrir o bico que dá tudo certo.

MÁIQUEL
Você não está entendendo, Santana. É
cheiro de merda, você deve ter pisado na
merda.

Santana verifica o Sapato, percebe que está sujo. Pega um


guardanapo de jornal para limpá-lo.
SANTANA
(limpando)
Puta que pariu, aquele crioulo é muito
burro mesmo.
MÁIQUEL
É burro mas você vai tirar ele de lá.
Isso não foi coisa nossa.
SANTANA
Eu não posso fazer nada. Eu já te disse
isso mais de mil vezes. O Marcão foi
preso numa outra jurisdição.
MÁIQUEL
Jurisdição.. que porra é essa, Santana?
Você é delegado dessa porra ou não é...
SANTANA
Calma, cara. Acontece que existe uma
coisa chamada lei. Policial honesto. E
além do mais, mesmo que eu quisesse, não
dá para livrar a cara de um sujeito
burro que enterra um corpo no quintal
dele, porra.
MÁIQUEL
Não foi o Marcão.
Santana olha para Máiquel, surpreso com o tom categórico de
Máiquel.
MÁIQUEL
Conheço o Marcão. Não foi o Marcão.

SANTANA
Quem foi então? Que corpo é aquele,
hein?
Reação de Santana, desconfiado.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ QUARTO - NOITE


ÉRICA
Essa noite eu sonhei com Jesus Cristo.
Ele tocou a campainha aqui de casa, eu
abri a porta, ele entrou e disse: Érica,
você e o Máiquel devem se entregar para
a polícia.

MÁIQUEL
(Rindo)
Jesus sempre quer que a gente se
entregue.(pausa) Quer comer alguma
coisa?
ÉRICA (O.S.)
Leite com Nescau.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ COZINHA - NOITE


Máiquel abre a geladeira.

Érica entra na cozinha, trazendo um quadro com a imagem de


Jesus Cristo, o mesmo da casa da mãe de Cledir.
ÉRICA
Você não acha que eu pareço com ele?

Érica tapa a barba de Cristo com a mão.


ÉRICA
Olha só. Impressionante? Igualzinho.

Máiquel dá o copo com leite para Érica. Ela bebe o leite.


ÉRICA
(Ingênua)
Máiquel, eu preciso te dizer uma coisa.
Eu contei para o Marlênio que a gente
matou a Cledir.

INT. IGREJA - DIA


A Igreja está cheia de gente e CHOVE do lado de fora. Um
culto está em andamento. Máiquel entra e senta em um dos
últimos bancos. Marlênio parece estar possuído. Veste um
terno velho e está suado. Fala para os presentes com ênfase
exagerada, quase ódio.
MARLÊNIO
É a fé que está aqui!
(bate na própria cabeça)
É a fé que está aqui no seu coração.
(bate no próprio peito)
É a fé que expulsa o demônio. É a fé que
apaga o foguo do inferno, é a fé que
limpa a sua alma, é a fé que purifica o
seu corpo.

Marlênio pára a pregação e arfando, assume um tom mais


calmo.

MARLÊNIO
É a fé que salva! Eu peço que todos se
levantem. Isso, vamos dar as mãos...e
agora de mãos dadas, eu quero uma oração
de fé, de fé, ao nosso senhor Jesus.
Todas as pessoas começam a rezar o Pai-nosso. Marlênio se
aproxima de Máiquel.

MÁIQUEL
(falando baixo, mas com
urgência)
A Érica não está passando bem. Pediu
para eu te buscar.

INT/EXT. RUAS SUBÚRBIO/ ESTRADA LAMACENTA/ CARRO - DIA


O carro de Máiquel percorre as ruas da cidade. Está
chovendo. A cena se desenrola toda dentro do carro, que vai
ficando com os vidros embaçados não permitindo que se veja
muita coisa do lado de fora. O carro entra por uma estrada
lamacenta.

MÁIQUEL
(Calmo)
Padres não podem sair por aí contando o
que ouviu no confessionário, sabia?
MARLÊNIO
Eu não sou padre. Sou um pastor. A Érica
me garantiu que vocês iam se entregar
para a polícia. Dei dois dias a ela.
Máiquel esmurra Marlênio na boca. Marlênio bate com a cabeça
no vidro. Sua boca está sangrando.

MARLÊNIO
(Limpando o sangue da boca)
Se vocês confessarem tudo, se mostrarem
arrependimento pelo crime cometido,
vocês serão salvos do fogo do inferno.
Máiquel agarra a cabeça de pastor e a empurra violentamente
contra o painel do carro.

MARLÊNIO
(Falando com dificuldade)
Deus não nos destinou para o ódio e a
ira.

Máiquel golpeia o rosto e o corpo de Marlênio com violência.


O pastor não se defende. Máiquel abre a porta do carro e
pela primeira vez vemos o exterior nesta cena. Ele empurra o
corpo de Marlênio pára fora do carro, em meio a um lamaçal.
Chove fortemente.
MÁIQUEL
Se eu achar que eu devo mais alguma
coisa, eu volto aqui e te mato.

A chuva cai sobre o corpo caído de Marlênio.

INT. BAR DO GONZAGA - DIA


Máiquel abre uma lata de coca-cola. Ainda chove muito do
lado de fora. Gonzaga percebe o ferimento na mão de Máiquel.
GONZAGA
O que foi isso na sua mão?
MÁIQUEL
Não foi nada.
Gonzaga coloca os óculos e examina a mão de Máiquel.
GONZAGA
Eu vou chamar um farmacêutico.
MÁIQUEL
Não precisa, Gonzaga.
Gonzaga ignora e sai.
Gonzaga volta com o FARMACÊUTICO, que começa a fazer um
curativo no machucado de Máiquel.
FARMACÊUTICO
(fazendo curativo em Máiquel)
Eu tinha sido assaltado mais de dez
vezes, cheguei até a levar um tiro. Mas
depois que me associei à SESEPA eles me
deixaram em paz. Posso deixar a farmácia
aberta a noite inteira, que eles não têm
coragem de fazer nada. Eu queria
agradecer ao senhor, Seu Máiquel. Muito
obrigado, viu. (pausa) Tem uma coisa que
eu queria falar com o senhor... O senhor
decretou o toque de recolher aqui no
bairro depois das dez horas. Não é bom,
as escolas noturnas têm que dispensar os
alunos mais cedo.

MÁIQUEL
Vou mandar acabar o toque de recolher
hoje mesmo. Pode avisar pra todo mundo.
GONZAGA
E o gramado do parque? Você bem que
podia mandar liberar o gramado do parque
para as crianças jogarem bola.
MÁIQUEL
Eu proibi criança de jogar no gramado do
parque?
GONZAGA
Proibiu. Alguém lhe disse que estavam
estragando o gramado do parque e você
proibiu.
MÁIQUEL
Não, não, não... Eu proibi marmanjo de
jogar bola. Criança pode, criança
criança, até 10, 12 anos. Sabe que eu
gosto de criança.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Máiquel escuta os recados da secretária eletrônica: um amigo
de Dr. Carvalho pedindo ajuda, seguido por um recado de
Santana.
AMIGO DE CARVALHO (V.O.)
Meu nome é Paulo César, o Carvalho me
deu seu telefone. Já deixei recado na
SESEPA. Eu queria marcar uma reunião com
você aqui na revendedora. Meu telefone é
287-3594.
SANTANA (V.O.)
Máiquel, preciso falar com você sobre o
nosso amigo. Me encontra às 10 na boate,
tá legal?
INT. BOATE - NOITE
SANTANA
(enfático)
Máiquel, escuta bem, o Marcão ia abrir o
bico, ia foder com a gente. Ele estava
dizendo lá na prisão que ia levar muita
gente com ele. Essa gente era você e era
eu, porra. Você tem um futuro
maravilhoso pela frente, cara. E aquele
crioulo traidor ia te destruir.

MÁIQUEL
Mandou matar o Marcão, Santana?
SANTANA
O que você queria que eu fizesse, cara?

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ SALA - NOITE


Érica está em estado de choque. Máiquel fica andando pela
sala.
ÉRICA
Eu não acredito. Primeiro o Robinson,
agora o Marcão... Máiquel, você não pode
viver mais nesse mundo, vamos confessar
tudo para a polícia e escapar do fogo do
inferno.

MÁIQUEL
Eu estou no inferno há muito tempo,
Érica.
Toca a campainha, surpreendendo os dois. Máiquel abre a
porta até a metade e vê um homem. Eles se olham por alguns
instantes.
MÁIQUEL
Pois não?
MAX
(mostrando a insígnia)
Meu nome é Max. Sou investigador da
polícia. Posso entrar?
Máiquel se afasta da porta, permitindo a passagem de Max,
que entra na casa observando todo ambiente, vê Érica em pé
num canto. Os dois trocam olhares.
MÁIQUEL
Essa é Érica, minha irmã. Está um pouco
nervosa, né, Érica? com o
desaparecimento da minha irmã, ahnn, da
minha esposa. Sumiu, me abandonou.
MAX
É justamente sobre isso que eu gostaria
de falar com o senhor.

Érica fica assustada. Máiquel não sabe conduzir a situação.


ÉRICA
Vocês acharam a Cledir?

MÁIQUEL
Érica, deixa que eu falo com ele! Ué..?
MAX
Há quanto tempo sua mulher sumiu de
casa?
MÁIQUEL
Há um mês, mais ou menos.

Max tira do bolso a pulseira de Cledir, que Máiquel deu no


dia do casamento.
MAX
O senhor reconhece essa pulseira?
Reação de Érica.
MÁIQUEL
É a pulseira da minha mulher. Onde foi
que vocês acharam?
Máiquel pega a pulseira e a avalia por alguns instantes.
MAX
Ela foi achada num cadáver que
encontramos enterrado no quintal do
traficante Marcos Sousa, vulgo Marcão.
Nós pensamos que talvez fosse da sua
mulher...
Pausa geral. Máiquel, Érica e Max olham-se, mudos. Máiquel
começa a chorar.
MÁIQUEL
(entre soluços)
A Cledir está morta? Está morta? Vocês
encontraram o corpo dela?
Max pega a pulseira na mão de Máiquel.
MÁIQUEL
Deixa eu ver de novo.
Max dá a pulseira para Máiquel que a segura apertando com as
mãos, chorando.

MÁIQUEL
Posso ficar com ela?

Max, negando com a cabeça, tira a pulseira das mãos de


Máiquel.

MAX
Não.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/ QUARTO - NOITE


No quarto, Érica está apanhando roupas num armário, fazendo
as malas.
MÁIQUEL
O que que foi, Érica? Você está com medo
desse tira que estava aí? Ninguém vai
conseguir provar nada!
ÉRICA
(Sem parar de fazer as malas)
Eu estou com medo de você, Máiquel. Você
mudou, tá? Você gostava de sair por aí
comigo, gostava de se divertir, gostava
de dar risada, agora é tudo uma droga,
você não senta, você não fica de costas,
você não dorme nunca.
MÁIQUEL
Eu faço tudo por você, Érica. Eu te amo.

ÉRICA
(Ato de contrição)
Senhor, ouve-me depressa, mereci ser
castigada, perdoai-me senhor, eu não
quero mais pecar. Senhor, ouve a minha
oração e chegue a ti o meu clamor. Não
escondas de mim teu rosto no dia da
minha angústia, inclina para mim os teus
ouvidos; no dia em que eu clamar, ouve-
me depressa. Senhor, ouve-me depressa,
mereci ser castigada, perdoai-me senhor,
eu não quero mais pecar.

INT. BAR - DIA


Máiquel, Santana, Sílvio e Vereador Zilmar conversam numa
mesa de bar.
SANTANA
Você fez uma cagada, você sabe que fez
uma cagada, não sabe?

Máiquel não responde.


VEREADOR ZILMAR
Então você mata a sua mulher, e enterra
a pobre numa...

MÁIQUEL
(cortando)
Foi sem querer, quando eu empurrei a
Cledir ela bateu a cabeça na parede...
SANTANA
Agora não adianta mais, você não vai ter
como explicar isso não.

SÍLVIO
A situação está uma merda. (Pausa) A
gente veio aqui te propor um esquema,
uma coisa boa para você.

MÁIQUEL
Olha, eu vou logo avisando: eu não vou
preso, e nem morto.

SÍLVIO
Ouve o nosso plano, porra! Você vai ser
preso de qualquer maneira então é melhor
que seja pelo Santana. Você depois de
algum tempo deixa de ser notícia, o fogo
se apaga, as pessoas esquecem. Lembra
aquele sujeito que matou pai, mãe,
irmão, avó, a família inteira? Agora,
ninguém mais se lembra dele. Daqui a
pouco aparece um estuprador de
garotinhas e toma o teu lugar na
manchete.
SANTANA
Vou arranjar umas testemunhas falsas, e
vou colocar no inquérito que tudo foi
uma sacanagem armada por um bandidinho
amiguinho seu. Ninguém vai provar porra
nenhuma contra você.
VEREADOR ZILMAR
Você inclusive vai ficar preso por pouco
tempo, porque o nosso advogado está
pedindo ao juiz o relaxamento da tua
prisão preventiva, entendeu?
MÁIQUEL
Eu não vou preso, não tem jeito, porra!

SANTANA
Máiquel, olha pra mim!
Quem matou a Cledir foi o
Marcão, O.K.? Está tudo bem, cara.

Máiquel continua irredutível.

VEREADOR ZILMAR
Então você não quer ser preso, né? Tudo
bem.
(observando Máiquel)
Então acho que você vai ter que passar
uns tempos na casa do Carvalho, em
Angra.

INT. OFICINA DO MARCÃO - DIA


Máiquel, Galego, Enoque conversam.

ENOQUE
Porra, Angra?
MÁIQUEL
Angra. Estou armando tudo com o Santana.
Porra, vou dar um tempo, pegar uma cor.
Vai dar tudo certo.
GALEGO
Esse babaca vai livrar a cara com a tua
prisão e ainda vai virar herói. Vai
acabar com você como acabou com o
Marcão.

MÁIQUEL
Marcão, Marcão! O cara nunca precisou do
Marcão, Galego! Porra! De mim ele
precisa. A SESEPA dá muita grana para
esse cara. Porra, Galego, você nunca
gostou do Santana, meu irmão. Os caras
estão querendo me ajudar, vou pra
Angra...
GALEGO
Põe uma coisa na tua cabeça: A SESEPA se
fodeu, meu irmão, vai perder todos os
clientes, esse investigador, o Max, tem
cara de não gostar de grana! Vai pegar
você, o dentista, o Santana, vai por
mim, o lance é sair fora já!
MÁIQUEL
Eu estou recebendo carta para caralho de
nego que gosta de mim, meu irmão,
ninguém quer me ver preso.

GALEGO
Alguém importante mandou carta? Só carta
de zé povinho, vai por mim o lance são
os caras com a grana, e para esses você
é puro veneno.

INT. CASA NOVA DE MÁIQUEL/SALA - NOITE


Máiquel está ao lado da secretária eletrônica, escutando um
recado de Érica.
ÉRICA (V.O.)
Eu nunca mais quero ver você, seu
idiota. Nem que a vaca tussa. O Marlênio
arranjou um lugar para mim, longe daqui,
você nem precisa me procurar porque você
não vai me achar. Levei a Samanta. Você
não dava a mínima para ela. Eu também
peguei vinte mil dólares que estavam no
cofre, sinto muito, mas eu tive que
fazer isso.

Close de Máiquel.

INT/EXT. PONTE RIO-NITERÓI/ CARRO - DIA


Máiquel dirige pela ponte, num dia em que o céu tem nuvens
negras. Seu cabelo já começa a ficar negro perto da raiz.
ÉRICA (V.O.)
Tomara que você se foda, é o que eu
desejo, que a sua vida vire uma merda e
que você nunca consiga me esquecer e que
só arranje namorada estúpida. Até nunca
mais.

INT. CASA ANGRA - DIA.


Máiquel chega, abre a janela da casa e fica olhando o mar.

EXT. CASA ANGRA/ PRAIA - ENTARDECER.


Máiquel vai para a frente da casa, perto da areia, e fica
contemplando a paisagem perto já escurecendo.

INT. CASA DE ANGRA -DIA


Máiquel senta-se na sala e vê a primeira página do jornal do
dia, em que Santana aparece denunciando uma "empresa de
matança". Máiquel vê várias fotos em porta-retratos, fotos
de Dr. Carvalho e família, outra de Dr. Carvalho com
Santana. Máiquel fica interessado especialmente por esta
última, dos dois juntos na churrascaria.

SUPERCLOSE de Máiquel, olhando para a foto, como se tentasse


descobrir alguma coisa.

INSERT - FOTO DE SANTANA E DR. CARVALHO NA CHURRASCARIA

INT/EXT. CARRO DE MÁIQUEL - NOITE


Máiquel volta dirigindo para o Rio.

INT. BOITE - NOITE


Santana está sentado numa mesa da boite, com uma garrafa de
uísque.
SANTANA
Oi, rapaz. Está por aí? Senta aí. Toma
um uísquezinho, não?
JUMP CUT
Santana aparece morto, com a cabeça deitada sobre uma poça
de sangue na mesa da boite.

INT. CASA DO DR. CARVALHO/ ESCRITÓRIO - NOITE


Através do circuito interno de TV, vemos Máiquel chegando à
casa de Dr. Carvalho. CÂMERA sai do monitor até mostrar
Máiquel entrando no escritório, onde Dr. Carvalho está
sentado na poltrona sozinho, ouvindo música e observando os
monitores do circuito interno de TV. Dr. Carvalho não se
assusta ao ver Máiquel. Os dois se encaram. Dr. Carvalho
olha resignado para Máiquel, que aponta uma pistola em sua
direção.

JUMP CUT
Vemos no circuito interno de TV o carro de Máiquel indo
embora. Dr. Carvalho aparece então morto em sua poltrona,
com um tiro no peito.

INT/EXT. ESTRADA/ CARRO - AMANHECER


Máiquel percorre de carro uma estrada deserta. O dia está
raiando. CLOSE de Máiquel.

EXT. POSTO DE GASOLINA - AMANHECER


Máiquel salta do carro e entra no banheiro do posto de
gasolina.

INT. POSTO DE GASOLINA/ BANHEIRO - AMANHECER


Máiquel pinta o cabelo de preto. Ele fica depois se
observando no espelho do banheiro.

INT/EXT. ESTRADA/ CARRO - AMANHECER


Máiquel, de cabelo preto, dirige seu carro.

MÁIQUEL (V.O.)
A vida é uma coisa engraçada, se você
deixar, ela vai sozinha, como um rio.
Mas você também pode botar um cabresto e
fazer da vida o seu cavalo. A gente faz
da vida o que quer. Cada um escolhe a
sua sina. Cavalo ou rio.

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