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Lágrima de preta

Pelo sonho é que vamos


Encontrei uma preta
Pelo sonho é que vamos, que estava a chorar,
comovidos e mudos. pedi-lhe uma lágrima
Chegamos? Não chegamos? para a analisar.
Haja ou não haja frutos,  
pelo sonho é que vamos. Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
Basta a fé no que temos. num tubo de ensaio
Basta a esperança naquilo bem esterilizado.
que talvez não teremos.  
Olhei-a de um lado,
Basta que a alma dêmos, do outro e de frente:
com a mesma alegria, tinha um ar de gota
ao que desconhecemos muito transparente.
e ao que é do dia-a-dia.  
Mandei vir os ácidos,
Chegamos? Não chegamos? as bases e os sais,
Partimos. Vamos. Somos. as drogas usadas
Sebastião da Gama em casos que tais.
 
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Do que os homens! Morder como quem beija!  
É ser mendigo e dar como quem seja Nem sinais de negro,
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! nem vestígios de ódio.
  Água (quase tudo)
É ter de mil desejos o esplendor e cloreto de sódio.
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja, António Gedeão
É ter garras e asas de condor!
 
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!
 
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

O TEXTO POÉTICO

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