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CRISTIANE DUPRET

ADENDO
LEI Nº 12.015/2009

Niterói, RJ
2009
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

Capítulo 32

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

1. REFORMA PROMOVIDA PELA LEI N° 12.015/2009

No dia 10 de agosto de 2009, data de sua publicação, entrou em vigor a Lei n°


12.015/09, que realizou várias alterações no Título VI do Código Penal. Antes da
reforma, o Título previa os crimes contra os costumes. Até mesmo para uma
adequação à Evolução Social, o referido Título passou a tutelar a Dignidade Sexual,
prevendo vários capítulos que preveem crimes contra tal dignidade.
O Professor Geraldo Prado, conforme julgado que citaremos adiante, critica o
termo “costumes” e sustenta que o legislador deve utilizar a nomenclatura “dignidade
sexual”.
Com a referida alteração, a lei buscou tutelar parcela do princípio basilar previsto
como fundamento em nossa Constituição Federal, em seu art. 1º, III – Dignidade da
pessoa humana.
Dessa forma, podemos apontar como objeto jurídico (bem jurídico tutelado) a
dignidade sexual. Todos os crimes que estudaremos neste capítulo preveem condutas
ofensivas à dignidade sexual.

2. ESTRUTURA DO TÍTULO VI ANTES E APÓS A REFORMA PROMOVIDA PELA


LEI N° 12.015/2009
Para facilitar o estudo e o entendimento globalizado das alterações promovidas
pela Lei n° 12.015/2009, traçamos uma comparação entre os capítulos do Título VI
antes e depois da reforma.
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COM A REFORMA, o Título VI passou a ter a seguinte estrutura:

Com a análise das estruturas acima definidas, podemos identificar como


principais alterações da Lei n° 12.015/2009:
1) Alteração do crime de estupro, que passou a abranger a antiga conduta de
atentado violento ao pudor, com a revogação do art. 214.
2) Alteração do crime de posse sexual mediante fraude (art. 215), que passou a
abranger a antiga conduta de atentado ao pudor mediante fraude, tendo
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havido revogação do art. 216 e passando o art. 215 a caracterizar violação


sexual mediante fraude
3) Foi incluído o § 2º no crime de assédio sexual (art. 216-A), para punir de
forma mais gravosa o crime quando o sujeito passivo for menor de 18 anos.
4) Foi criado o capítulo dos crimes sexuais contra vulnerável (Capítulo II), que
substituiu o capítulo da sedução e corrupção de menores, que desde 2005
apenas abrangia o crime de corrupção de menores (art. 218), já tendo sido a
sedução revogada pela Lei n° 11.106/2005.
5) Passou a existir o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A), a corrupção de
menores passou a possuir como sujeito passivo apenas o menor de 14 anos.
Foram incluídos os arts. 218-A, que prevê a satisfação de lascívia mediante
presença de criança ou de adolescente, e o art. 218-B, que prevê o
favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de
vulnerável.
6) Foram revogados os arts. 223 (passando a forma qualificada do estupro para
o próprio art. 213), 224 e 232.
7) Foi alterado o art. 225, que passou a prever hipóteses de ação penal pública
incondicionada e condicionada à representação.
8) Foi incluído o Capítulo VII, que traz novas disposições gerais.
9) Foi revogada a Lei n° 2.252/1954, passando o crime de corrupção de
menores com finalidade infracional a estar previsto no art. 244-B do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), incluído pela Lei n° 12.015/2009.
10) Foi alterada a Lei n° 8.072/1990, em seus incisos V e VI, para prever como
hediondos o estupro e o estupro de vulnerável

Passaremos agora à análise dos crimes contra a dignidade sexual.

ESTUPRO – ART. 213


“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave
ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com
ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1° Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a


vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2° Se da conduta resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” (NR).

1.TIPICIDADE OBJETIVA, ELEMENTO SUBJETIVO E BEM JURÍDICO TUTELADO


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O estupro passou a prever de forma conjunta as antigas condutas antes


descritas nos antigos arts. 213 e 214, passando ainda a englobar o constrangimento
da mulher em relação ao homem para a prática da conjunção carnal, corrigindo antiga
proteção deficiente ao homem que fosse sujeito passivo do referido constrangimento.
Na verdade, nenhuma conduta antes prevista nesses artigos foi descriminalizada, não
se podendo falar em abolitio criminis, mas, sim, em continuidade normativo-típica,
além de correção legislativa para incluir o homem como sujeito passivo do estupro.
Quanto ao elemento subjetivo, entendemos que o estupro é um tipo congruente,
não sendo necessário qualquer elemento subjetivo especial, mas tão-somente o dolo –
elemento subjetivo geral – de constranger alguém a praticar conjunção carnal, ou
praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
No entanto, deve-se ter cuidado na tipificação, sob pena de se inviabilizar a tentativa.
Atente-se para o ato ao qual a conduta do agente era direcionada. Dessa forma,
seria possível a tentativa se o agente iniciasse atos dirigidos à prática de conjunção
carnal e não atingisse a consumação por circunstâncias alheias à sua vontade, ainda
que os atos que se dirigiam à conjunção carnal fossem libidinosos. Entendimento em
sentido contrário tornaria o art. 213 passível de tentativa apenas nas situações em que
a violência ou grave ameaça fosse empregada, mas nenhum ato fosse praticado, isso
se o emprego da violência ou grave ameaça for entendido como início de execução.
Inaugurando o Capítulo I do Título VI, o art. 213 do Código Penal possui como
bem jurídico tutelado, de forma específica, a liberdade sexual do homem e da mulher.
Atualmente, não existe mais a antiga separação entre estupro (antes era previsto
como o constrangimento exercido mediante violência ou grave ameaça para que a
mulher mantivesse conjunção carnal) e atentado violento ao pudor (previsão antes
contida no art. 214, quando o constrangimento mediante violência ou grave ameaça
era direcionado a alguém para que essa pessoa praticasse ou permitisse a prática de
ato libidinoso diverso da conjunção carnal). O legislador uniu as duas condutas no
mesmo artigo, cuja nomenclatura permanece a mesma (estupro), porém com uma
abrangência muito maior.

2. HEDIONDEZ

Quando entrou em vigor a lei de crimes hediondos, era praticamente pacífico na


doutrina e na jurisprudência, que o estupro, seja qual fosse a modalidade, seria crime
hediondo:

“‘Habeas corpus’. Estupro. Tentativa. Nulidade: ilegitimidade de


parte: representação da ofendida. Auto de exame de corpo de
delito: presunção de veracidade. Idade da vítima: comprovação.
Regime de execução da pena. Lei nº 8.072/90. 1. Não há como
prosperar o argumento da nulidade do processo por ilegitimidade
ativa se a mãe da ofendida, menor à época dos fatos,
manifestou a vontade de ver o prosseguimento do inquérito
policial instaurado e juntou atestado de pobreza, elementos
suficientes para justificar a atuação do Ministério Público,
sobretudo porque resultou constatado, pelo auto de exame de
corpo de delito, que o crime ocorreu com violência real,
propiciando a ação penal pública incondicionada (Súmula 608).
2. Prevalece a presunção de veracidade do contido no auto de
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exame de corpo de delito subscrito por dois peritos médicos


nomeados pela autoridade policial responsável pelo inquérito,
que dizem, sob compromisso, haver sido procedido ao exame da
vítima na data em que ocorreu a tentativa de estupro. 3.
Irrelevante a falta de juntada, nos autos, da certidão de
nascimento da vítima; primeiro porque se admite que a prova da
idade e da filiação possa ser feita por outros elementos idôneos;
segundo porque, sendo o caso de ação penal pública
incondicionada, a menoridade da vítima não compromete a
titularidade da ação. 4. O regime fechado imposto pelo art. 2º,
§ 1º, da Lei nº 8.072/90, aplica-se ao estupro simples e ao
estupro tentado.” (STF – HC 73649-RS – 18/3/1996)

Posteriormente, em 1999, surgiu decisão do STF, cujo relator foi o Min. Nery
da Silveira, de que só seriam hediondos os crimes que resultassem em lesão
grave ou morte.

Quando o STF decidiu dessa forma, a jurisprudência se modificou, e o STJ,


seguindo a orientação do STF, passou a entender que só seria hediondo se resultasse
em lesão grave ou morte.

Em 2002, por meio do HC n° 81288, o STF iniciou a modificação de sua


jurisprudência, passando a entender, novamente, que os crimes de estupro e
atentado violento ao pudor são sempre hediondos, em suas formas simples e
qualificada. O STJ seguiu essa posição. Então, ultimamente, vinha sendo decidido,
tanto pelo STF quanto pelo STJ, que o estupro seria sempre crime hediondo, assim
como o art. 214.

O fundamento para o entendimento anterior era a própria Lei n° 8.072: Estupro –


art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único. Quando o
legislador previu “e sua combinação” e deixou de mencionar o caput após o art. 213, o
STF entendeu que ele só reconheceu como hediondo o estupro combinado com o art.
223, a interpretação foi de que, como entre parênteses o artigo colocou a combinação,
só dessa forma, seria hediondo. No entanto, o inciso III diz que é hediondo o crime de
extorsão qualificada pela morte. Quando o legislador quis colocar como hediondo o
crime qualificado, ele, expressamente, colocou dessa forma.

Após a reforma promovida pela Lei n° 12.015/2009, a questão ficou mais


clara, no sentido de que o crime sempre será considerado hediondo, uma vez
que o próprio estupro de vulnerável, crime que pode ocorrer sem violência ou grave
ameaça, é hediondo. Além disso, o legislador incluiu na tipificação o caput do art. 213,
diferentemente da previsão anterior. Assim, o estupro sempre será considerado crime
hediondo. Atualmente, os incisos V e VI da Lei n° 8.072/90 preveem expressamente o
estupro e o estupro de vulnerável.

3. SUJEITO ATIVO DO CRIME DE ESTUPRO

Atualmente pode ser o homem ou a mulher, uma vez que o estupro é a conduta
de constranger alguém. Qualquer pessoa pode constranger alguém a praticar
conjunção carnal ou ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Entendemos que o
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crime de estupro é um crime comum. Chegamos a essa conclusão após a análise


cuidadosa e comparativa com outros tipos penais. Se entendermos que quanto à
conjunção carnal, o crime somente pudesse ser praticado por homem, a prática do
constrangimento pela mulher levaria tão-somente ao crime de constrangimento ilegal
(punido com pena máxima de um ano). Assim, teríamos de estender esse raciocínio
para o estupro de vulnerável, desprotegendo a criança ou adolescente do sexo
masculino, menor de 14 anos, o que feriria preceitos constitucionais protecionistas da
infância e juventude. Seria possível, ainda, que uma mulher fosse punida com pena
maior ao induzir um homem a satisfazer a lascívia de outrem se empregasse contra
ele violência ou grave ameaça para a prática de conjunção carnal. Concluímos que a
reforma, possibilitou ao legislador corrigir certas desigualdades, podendo o homem
figurar como sujeito passivo, até por ser detentor do mesmo bem jurídico, que passou
a ser tutelado no Título V – Dignidade sexual, parcela da dignidade da pessoa
humana.

Antes da reforma, existia a seguinte controvérsia: A mulher pode ser partícipe?


Pode ser coautora? Pode ser autora mediata? Pode responder sozinha pelo crime de
estupro?

Ela não pode ser autora direta porque o estupro implica penetração pênis-vagina.
Qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal era considerado atentado
violento ao pudor. Como se exigia a penetração, só o homem poderia ser sujeito ativo
direto do crime de estupro. O que não impedia, para parte da doutrina, que a mulher
pudesse responder por estupro, como autora mediata, coautora ou partícipe, seja pela
teoria do domínio do fato, seja porque, para alguns, ela praticaria o verbo núcleo do
tipo: “constranger”. Para Luiz Regis Prado, a mulher poderia ser apenas partícipe, mas
sua posição era minoritária.1 Cezar Roberto Bittencourt admitia a coautoria,
participação e autoria mediata pela mulher, citando o exemplo do homem que é
coagido por uma mulher a praticar o crime.2 Nesse caso, ela responderá sozinha pelo
crime de estupro.

Rogério Greco discorre sobre a autoria de determinação citando Zaffaroni e


Pierangeli,3 que afirmam que o crime de estupro é de mão própria, não se podendo
falar em autoria mediata ou coautoria nos delitos de mão própria. Para isso, cita o
seguinte exemplo: uma mulher hipnotiza um homem e determina que ele mantenha
conjunção carnal com outra mulher, a qual ela dá sonífero. Nesse caso, afirmam
Zaffaroni e Pierangeli, o homem não poderia responder, pois não há por parte dele
conduta dolosa ou culposa. A mulher não poderia ser partícipe, adiante da teoria da
acessoriedade limitada. Então, ela ficaria impune? Para isso, serviria a autoria de
determinação, que permite a punição da mulher.

No entanto, vale lembrar que, para a maioria da doutrina, o estupro era crime
próprio, e não de mão própria. Para Cezar Roberto Bittencourt, tratava-se de crime
comum.4 Com a reforma, a mulher responderá normalmente por crime de estupro.

Atualmente, com a nova redação do art. 213, o crime é comum, podendo ser
praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher), com apenas uma restrição quanto
ao sujeito passivo: se este for vulnerável (menor de 14 anos, quem por enfermidade

1
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
2
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit.
3
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:
parte geral, p. 676.
4
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit.
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ou doença mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato ou


ainda quem por qualquer outra causa não possa oferecer resistência), o crime será o
previsto no art. 217-A (estupro de vulnerável), independentemente de violência ou
grave ameaça. O art. 217-A, que estudaremos mais adiante, também constitui crime
hediondo.

Entendendo o estupro (em sua primeira modalidade) como crime de mão própria,
esclarece Rogério Greco:

“Quando a conduta for dirigida à conjunção carnal, o crime será


de mão própria no que diz respeito ao sujeito ativo, pois que
exige uma atuação pessoal do agente, de natureza indelegável,
e próprio com relação ao sujeito passivo, posto que somente a
mulher poderá figurar nessa condição; quando o comportamento
for dirigido a praticar ou permitir que se pratique outro ato
libidinoso, estaremos diante de um crime comum, tanto com
relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo”.5

Outra indagação que se encontra presente em toda a doutrina é se o marido


pode ser sujeito ativo de crime de estupro contra a esposa. Atualmente, já está
pacificado que sim. Quando da edição da lei, era bastante controvertido. Os
doutrinadores tradicionais diziam que, a partir do momento em que o marido
constrangesse a mulher, ele estaria em exercício regular de direito, cobrando o débito
conjugal. A mulher só estaria autorizada a não praticar o ato sexual se tivesse motivo
justificado, qual seja, ela está impossibilitada, o marido está com doença venérea, aí,
sim, ela poderia se recusar. Atualmente, ninguém sustenta na doutrina que o marido
pode obrigar a mulher à prática do ato sexual. No entendimento passado, o marido
praticava fato típico, mas não ilícito. Esse entendimento não era defendido quanto ao
ato libidinoso diverso da conjunção carnal, porque a mulher não estaria obrigada a
isso, mas, sim, ao ato apto à reprodução.

As formas qualificadas de estupro passaram a integrar o próprio art. 213


(em seus parágrafos), tendo sido revogado pela Lei n° 12.015/2009 o art. 223, que
previa as formas qualificadas.

Entendemos que o tipo penal do novo art. 213 não pode ser considerado misto
alternativo. Dessa forma, embora exista entendimento em sentido contrário,
entendemos que haverá continuidade delitiva caso o agente constranja alguém a
praticar conjunção carnal e, posteriormente, ato libidinoso diverso da conjunção carnal,
devendo responder duas vezes pelo art. 213 na forma do art. 71. Entendemos tratar-
se de tipo penal misto cumulativo. Tal entendimento não impede a aplicação do
princípio da consunção nos casos em que o ato libidinoso diverso da conjunção carnal
seja praticado como meio para a conjunção carnal.
4. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA

Se a vítima consente na prática do estupro, exceto no estupro de vulnerável (art.


217-A, em que o consentimento é irrelevante), qual a natureza desse consentimento?
Exclusão da tipicidade, porque o dissenso da vítima faz parte do tipo (há a elementar
constranger). Sempre que a vítima não consentiu, embora não tenha reagido, há
estupro. Se o cidadão usou qualquer tipo de ameaça que tenha influenciado na

GRECO, Rogério. Adendo ao Curso de direito penal. Disponível em:


www.editoraimpetus.com.br. Acesso em: 20/11/2009
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vontade da vítima (ex.: contou para o marido que a mulher saiu com outro), há
estupro, ainda que a ameaça não seja de mal injusto, bastando que seja grave.

Ressalte-se que o consentimento não tem validade quando a vítima é menor de


14 anos, quando por enfermidade ou doença mental não tenha o necessário
discernimento para a prática do ato e ainda quando, por qualquer outra causa, não
pode oferecer resistência (art. 217-A), por caracterizar a nova figura típica de estupro
de vulnerável, cujo critério é objetivamente fixado pelo legislador.

5. QUESTÃO DE EXTREMA IMPORTÂNCIA ANTES DA REFORMA: A


CHAMADA VIOLÊNCIA PRESUMIDA DEVE SER ADMITIDA DE FORMA
ABSOLUTA OU RELATIVA? (A TESE AINDA PODE SER UTILIZADA
PARA OS CRIMES COMETIDOS ANTES DE 10 DE AGOSTO DE 2009
POR CARACTERIZAR INTERPRETAÇÃO BENÉFICA AO RÉU)

A redação do inciso deixava transparecer que independe de o agente conhecer


essa circunstância, parecendo ser absoluta a presunção.

Muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência sobre a natureza da presunção.


O posicionamento que predominava nos nossos Tribunais Superiores (STJ e STF) era
no sentido de que a presunção seria absoluta, não sendo admitida prova em contrário.
Assim, ainda que o agente lograsse êxito em comprovar que a vítima já possuía vasta
experiência sexual, o crime de estupro continuaria existindo. É importante lembrar que
a negativa em aceitar a tese de presunção relativa não se confunde com outra tese de
defesa que poderia ser plenamente aceita: a existência de erro de tipo. Ou seja, caso
o agente se enganasse justificadamente sobre a idade da vítima, haveria erro sobre
elemento constitutivo do tipo legal de crime, o que levaria à exclusão do dolo.

Caio conheceu Tícia em uma boate, às 2 horas da manhã. Tícia é alta, tem o corpo
avantajado e está maquiada e de salto alto. Caio acreditou tratar-se de jovem com
mais de dezoito anos, o que, de fato, era aparente. No final da madrugada, Tícia
concordou em se dirigir a um motel com Caio, onde mantiveram conjunção carnal. Ao
deixar Tícia em casa, Mévio (pai de Tícia) abordou o rapaz, que acabou confessando
ter mantido conjunção carnal com Tícia. Mévio informou a Caio a idade de Tícia. No
caso de responder a processo por crime de estupro com violência presumida (art. 213
c/c 224, “a”, do CP), haveria alguma tese defensiva que pudesse ser acolhida?

Resposta: A tese seria, como vimos acima, a alegação de erro de tipo, nos termos do
art. 20 do Código Penal, ficando excluído o dolo de Caio. Tal tese não se confunde
com a alegação de relatividade da presunção de violência, pois nesse último caso o
agente conhece a idade da vítima, mas esta já possui vasta experiência sexual. A tese
de erro de tipo não pode ser combatida nos casos como o acima narrado, pois
caracteriza a inexistência de dolo. Não se pode permitir uma responsabilidade penal
objetiva.

Em 1996, no julgamento do famoso HC n° 73.662 (STF), o Ministro Marco Aurélio


afirmou que a presunção era de violência relativa. No entanto, a fundamentação nos
leva a verificar que o que de fato foi reconhecido no voto se tratava de erro de tipo,
pois a vítima de 12 anos aparentava possuir mais idade. Logo, a promiscuidade
afirmada pelo Ministro em relação à vítima atuou de forma conjunta com sua
aparência. No entanto, em outros votos, o Ministro Marco Aurélio reafirmou sua
opinião no sentido de que a presunção era relativa.
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Embora o entendimento majoritário dos nossos Tribunais superiores seja de que


a presunção é absoluta, recentemente o STJ absolveu agente que praticou conjunção
carnal com consentimento de menor de 14 anos. No julgado, foi feita uma análise
comparativa de algumas disposições do ECA de que se a partir dos 12 anos já poderia
o menor responder com medida socioeducativa pelo ato infracional, já poderia ter ele
condições de dar seu consentimento em relação sexual. Com esse raciocínio, a
presunção foi tida como relativa.6

6. AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES – ART. 225,


CÓDIGO PENAL X SÚMULA N° 608 STF – ANTES DA REFORMA

• Se praticado mediante violência real

Em ação penal pública incondicionada, o STF adotou o entendimento de


Fragoso, que defendia a hipótese de crime complexo (constrangimento ilegal + Lesão
corporal), devendo prevalecer o art. 101 do Código Penal (Súmula 608, STF). Pode
ser aplicada ao atentado violento ao pudor por analogia.7 O art. 101 do Código Penal
determina que se um dos crimes componentes do crime complexo for de ação penal
pública incondicionada, o todo também será. Sendo o art. 146 (constrangimento ilegal)
de ação penal pública incondicionada, o estupro praticado mediante violência real
também o será.

Consoante o quadro abaixo:

Estupro
Art.213 – ação penal pública
incondicionada

Constrangimento ilegal Lesão corporal


Art. 146 – ação penal pública Art. 129
incondicionada

Fragoso sustentava a ação penal pública incondicionada por se tratar de crime


complexo, embora parte da doutrina e da jurisprudência ainda defenda a ação penal
privada, por entender que prevalece o art. 225, diante do princípio da especialidade.
Bittencourt sustenta que é ação penal de iniciativa privada exclusivamente.8 Apenas
nos casos de forma qualificada admite-se a ação penal pública incondicionada (art.
103, CP).

• Se praticado mediante grave ameaça

Ação penal privada – não é crime complexo; incide a regra do art. 225 do Código
Penal (ver os parágrafos do art. 225, miserabilidade e abuso de autoridade, casos
em que a ação penal será pública condicionada à representação e pública
incondicionada, respectivamente).

6
Informativo STJ n. 400.
7
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ob. Cit.
8
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit.
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“‘Habeas corpus’. Processo penal. Lei 9.099/95. Revisão da


súmula STF 608. Ação penal. Natureza. Representação.
Retratação tácita. Ausência de representação específica para o
delito de estupro. Decadência do direito de queixa.
Descaracterização dos delitos de estupro e atentado violento ao
pudor. Progressão de regime. 1. O advento da Lei 9.099/95 não
alterou a Súmula STF 608, que continua em vigor. O estupro
com violência real é processado em ação pública
incondicionada. Não importa se a violência é de natureza leve ou
grave. 2. O Ministério Público ofereceu a denúncia após a
representação da vítima. Não há que se falar em retratação
tácita da representação. 3. Nem é necessária representação
específica para o delito de estupro, quando se trata de delito de
estupro com violência real. 4. No caso, inexiste decadência do
direito de queixa por não se tratar de ação penal privada. 5. A
jurisprudência do Tribunal pacificou-se no entendimento de que
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor caracterizam-
se como hediondos. Precedentes. Inviável a progressão do
regime. Habeas conhecido e indeferido.” (STF – HC 82206 / SP
– 8/10/2002)

• Estupro e antigo crime de atentado violento ao pudor qualificados

Ação penal pública incondicionada. Atente-se para o fato de que o art. 225
dispõe: “Nos crimes previstos nos capítulos anteriores”.

O art. 223 está no mesmo capítulo do art. 225, logo incide a regra geral da ação
penal (art. 100, caput, CP) e a ação penal será pública incondicionada.

• Violência presumida

Não se pode fazer o mesmo raciocínio anterior, pois o art. 224 é apenas uma
norma de extensão, distinta do art. 223, que comina uma pena. Assim, quando houver
violência presumida, consoante entendimento majoritário da doutrina e da
jurisprudência, a ação penal será privada, incidindo a regra do art. 224. Os crimes
continuam previstos nos capítulos anteriores.

7. AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES – ART. 225, CP X


SÚMULA N° 608 STF – APÓS A LEI N° 12.015/2009 – PRINCÍPIO DA
PROIBIÇÃO À PROTEÇÃO DEFICIENTE

Após a reforma, estabelece o art. 225 que os crimes serão de ação penal pública
condicionada à representação nos Capítulos I e II, mas logo no parágrafo único exclui
a representação para os casos de crime contra vulnerável. Considerando que no
Capítulo II só temos crimes contra vulnerável, a ação penal será pública
incondicionada em todos os casos dos crimes do Capítulo II, assim como será
incondicionada em qualquer crime quando se tratar de vítima menor de 18 anos.
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No entanto, concordamos com o Professor Artur de Brito Gueiros Souza,9 no que


tange à inconstitucionalidade do art. 225 por ofensa à Proporcionalidade, em sua
vertente de proibição à proteção deficiente da nova redação do art. 225:

“Em que pese o caráter positivo da referida inovação legislativa,


particularmente no que diz respeito a um melhor tratamento
dogmático da exploração sexual de crianças e adolescentes em
nosso ordenamento jurídico, é forçoso reconhecer a existência
de grave equívoco do legislador, consistente na nova redação do
art. 225, do Código Penal [...]

Em síntese, o estupro qualificado pelos resultados lesão corporal


de natureza grave e morte era crime de ação penal pública
incondicionada (artigo 100, CP). Na atualidade, passou a ser
crime de ação penal pública condicionada à representação
(artigo 100, § 1º, CP).

[...]

Desse modo, enquanto que, para a forma básica de estupro, o


atual artigo 225 importou em novatio legis in pejus, para as
formas qualificadas pelos resultados lesão corporal de natureza
grave e morte, o novo regime legal importou em novatio legis in
mellius. Por se tratar de novatio legis in mellius, a nova regra
retroage em benefício daqueles que estão a responder pelo
delito de estupro (e atentado violento ao pudor), perpetrados de
forma qualificada – artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal,
e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal – antes da edição
da Lei n. 12.015/09.

[...].

Tratando-se, no particular, de inovação legislativa favorável ao


réu, verifica-se que as ações penais por estupro (e atentando
violento ao pudor), qualificadas pelo resultado lesões corporais
ou morte (antigo artigo 223, do CP), em tramitação na justiça
brasileira, passaram a depender da ‘anuência’ da vítima ou de
seu representante legal, situação que anteriormente não existia.

[...].

Tratando-se, no particular, de inovação legislativa favorável ao


réu, verifica-se que as ações penais por estupro (e atentando
violento ao pudor), qualificadas pelo resultado lesões corporais
ou morte (antigo artigo 223, do CP), em tramitação na justiça
brasileira, passaram a depender da ‘anuência’ da vítima ou de
seu representante legal, situação que anteriormente não existia.

Como cediço, o direito de representação está regulado no artigo


103, do CP, e deve ser
exercitado no prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que
veio a saber quem é o autor do crime, sob pena de decadência.

9
Professor de Direito Penal da UERJ, Procurador Regional da República da 2ª Região.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

Evidentemente, os processos em curso apresentam a


identificação dos acusados da prática de estupro (e atentado
violento ao pudor) qualificado. Por esta razão, o referido prazo
decadencial passa a fluir não mais da ‘ciência da autoria’, mas,
sim, da entrada em vigência da lei nova, ou seja, do dia 10 de
agosto de 2009.

[...].

Diante disso, por já se encontrar plenamente em vigência a Lei


n. 12.015/09, tem-se que a melhor solução para a situação
acima descrita é o reconhecimento da inconstitucionalidade do
novo artigo 225, do CP, por afronta ao Princípio da Proteção
Deficiente de bens jurídicos.

Caso não se reflita sobre a presente questão, em breve haverá


um verdadeiro ‘caos’ nas varas criminais e nos Tribunais
brasileiros, não só por conta da propositura de inúmeros habeas
corpus em favor de acusados de estupro qualificado, como,
igualmente, pela provável dificuldade de localização, em tempo
hábil, das vítimas ou parentes de vítimas de estupro e atentado
violento ao pudor que redundaram em lesões graves ou mortes.

Por esta razão, na data de 18 de agosto passado, subscrevemos


ao Exmo. Procurador-Geral da República – Dr. Roberto Monteiro
Gurgel Santos – uma representação de inconstitucionalidade da
Lei n. 12.015/09, para que o E. Supremo Tribunal Federal possa,
o quanto antes, analisar a gravidade da citada inovação
legislativa, em benefício de toda a nossa Sociedade.”10

Como o princípio da proteção deficiente já foi citado em julgado do STF para


reconhecer a inconstitucionalidade incidental de alguns dispositivos legais, remetemos
o leitor ao item da jurisprudência atinente ao tema. De acordo com esse princípio,
haveria afronta à Constituição Federal sempre que determinado dispositivo legal
impedisse ou dificultasse a proteção de bem jurídico tutelado garantido pela
Constituição Federal. Dessa forma, o Professor Lenio Streck fala no princípio da
proibição à proteção deficiente como um duplo viés do princípio da proporcionalidade:
proteção positiva e proteção contra as omissões estatais. Neste último caso, a
inconstitucionalidade seria decorrente da proteção insuficiente de um direito
fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas
sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos.11

O princípio da proteção deficiente seria decorrente, portanto, do princípio da


proporcionalidade, que serve para verificação de análise da razoabilidade legislativa,
pois o legislador não possui poderes ilimitados e autoritários de legislar. Se o ato

10
SOUZA, Artur de Brito Gueiros. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 12.015/09 (a nova
redação do art. 225, do CP, e o princípio da proteção deficiente. Disponível em:
http://www.lfg.com.br/artigos/Blog/inconstitucionalidade_lei.pdf. Acesso em: 29 nov. 2009.
11
STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de
excesso (Übermassverbot) à proibição da proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como
não há blindagem contra normas penais inconstitucionais.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

legislativo ofender direitos fundamentais, seja pelo excesso (proteção positiva) ou pela
omissão (proteção negativa), há de se reconhecer a inconstitucionalidade.

Não somente no aspecto de causar verdadeiro tumulto, mas também para evitar que
determinadas condutas não sejam punidas, deve ser considerado o princípio da
proibição à proteção deficiente, de forma que seja considerado inconstitucional o art.
225 nos casos em que ocorra violência, de forma que opinamos pela continuidade do
disposto no enunciado da Súmula n° 608 do STF. Nesse sentido, o ilustre Professor
Rogério Greco:

“Em que pese a nova redação legal, entendemos ainda ser


aplicável a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que diz:
‘Súmula 608. No crime de estupro, praticado mediante violência
real, a ação penal é pública incondicionada’.
Dessa forma, de acordo com o entendimento de nossa Corte
Maior, toda vez que o delito de estupro for cometido com o
emprego de violência real, a ação penal será de iniciativa pública
incondicionada, fazendo, assim, letra morta parte das
disposições contidas no art. 225 do Código Penal, somente se
exigindo a representação do(a) ofendido(a) nas hipóteses em
que o crime for cometido com o emprego de grave ameaça.”12

Caso seja considerada a letra da lei, nos casos em que a vítima morresse em
decorrência da conduta do agente no crime de estupro, sendo a morte a título de culpa
e não deixando a vítima quem pudesse oferecer representação (cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão), o sujeito ativo do estupro ficaria impune. Antes da reforma, a
ação penal privada ou pública condicionada no caso de miserabilidade, não se
aplicava às formas qualificadas de estupro, que estavam no art. 223, mas agora com a
reforma, a Lei n° 12.015/2009 revogou o art. 223, trazendo as formas qualificadas para
dentro do art. 213. Sendo assim, em tese, as disposições do atual art. 225 se
aplicariam também às formas qualificadas do estupro, o que sem sombra de dúvida,
acarreta em uma proteção deficiente ao direito à dignidade sexual, direito da vítima
que consubstancia parcela de seu direito à dignidade da pessoa humana, de índole
constitucional (art. 1º, III, da CF). Concluindo, em caso de estupro praticado mediante
violência e ainda em suas formas qualificadas, deve a ação penal ser pública
incondicionada. A atual inconstitucionalidade parcial do art. 225 não tem o condão de
repristinar a regra anterior. Assim, incide a regra geral relativa à ação penal quando há
omissão legislativa. A ação penal só deve depender de representação quando o
estupro for praticado mediante grave ameaça.

Em voto proferido no RE 418.376-5 MS, julgado pelo Pleno do STF em 2006, o


Ministro Gilmar Mendes mencionou hipótese de proteção insuficiente. Tratava-se de
caso de tutor que por mais de um ano manteve relações sexuais com sua tutelada,
sobrinha de sua esposa. A menina tinha 9 anos de idade. O sujeito ativo, condenado
por estupro com violência presumida, alegava a extinção da punibilidade pelo convívio
marital com a menina, que inclusive tinha engravidado. Na época do fato, a Lei n°
11.106 (que revogou a extinção da punibilidade pelo casamento da vítima com o
agente) ainda não tinha entrado em vigor. O pedido foi julgado improcedente sob
vários fundamentos. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes mencionou que
reconhecer a União Estável entre o tutor e sua tutelada, menina de 09 anos, com base

12
GRECO, Rogério. Curso de direito penal, adendo disponível no site da Editora Impetus, p.
23.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

na CF seria negar a proteção que a norma constitucional visava, ignorando inclusive


os direitos das crianças, trazidos no art. 227. Isso seria caracterizar e autorizar uma
proteção insuficiente:

Acreditamos que o princípio da proibição à proteção deficiente deve ser utilizado de


forma a proibir a negativa de proteção, seja pelo Estado ou pelo Poder Judiciário, a
direitos e garantias constitucionais, pois isso seria ofender claramente a
proporcionalidade em sua vertente negativa.

8. MAIS DE UMA CONJUNÇÃO CARNAL NO MESMO CONTEXTO

Se o agente constranger a mulher à conjunção carnal e praticar mais de uma


relação sexual em um mesmo contexto, seria mais de um estupro?
O crime é constranger mulher à conjunção carnal, e não ter conjunção carnal.
Se o constrangimento foi o mesmo, um só, houve apenas um crime. Se
reconhecermos dois crimes, haveria continuidade delitiva, mas pode-se chegar à
mesma pena que se aplicaria se fosse reconhecida a continuidade delitiva por meio da
dosimetria da pena, considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código
Penal.
Outra hipótese também a ser indagada é no que tange à existência de várias
conjunções carnais em concurso de agentes. Haveria vários crimes de estupro em que
cada sujeito seria autor do seu crime e partícipe dos demais ou de um único crime? Se
os sujeitos envolvidos praticam cada qual conjunção carnal com a vítima e ainda
colaboram com a conduta dos demais (ex.: segurando a vítima), devem responder
cada qual por um crime de estupro majorado pelo concurso de agentes (art. 226, I) e
ainda como partícipe dos demais. É que não existe bis in idem na aplicação da causa
de aumento, pois, em cada estupro, é óbvio que a presença de vários agentes torna o
crime ainda mais grave e aumenta o temor e o constrangimento da vítima. Entre os
vários crimes poderá ser reconhecida a continuidade delitiva.

9. ART. 214 X ART. 61 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS (LCP)

Principalmente agora, após a reforma, sem dúvida muitas situações desafiarão o


princípio da proporcionalidade, mas desta vez sob o aspecto do excesso cometido
pelo legislador. Não podemos equiparar, por exemplo, o coito anal com um beijo dado
à força. Em determinadas situações, não é justificável que se reconheça na conduta
gravidade suficiente a justificar uma pena mínima de 8 anos. Parte da doutrina
sustenta que, nessas situações, poderia ser reconhecida a contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor. No entanto, em algumas situações, não podemos
reconhecer tal tipicidade, por ausência de elementar do tipo contravencional. Dessa
forma, a importunação que não seja pública não pode caracterizar contravenção
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

penal. Imagine que um jovem puxe uma jovem que está passando e lhe “roube” um
beijo lascivo.
Estaríamos diante de um ato libidinoso? Sim. Mas seria justificável utilizar a
mesma pena mínima que seria utilizada para atos bem mais gravosos? Ainda que
procuremos justificar que o juiz poderia na dosimetria aplicar pena maior se o ato
fosse mais grave, ainda assim não é proporcional a pena mínima de seis anos nesse
caso. Dessa forma, entendemos que, em respeito ao princípio da proporcionalidade, o
art. 213 apenas abrange os atos libidinosos que possam se equiparar, em gravidade, à
conjunção carnal, não podendo condutas de gravidades absolutamente distintas
fazerem parte do mesmo tipo penal. Assim, opinamos que o estupro previsto no art.
213 do Código Penal não tem o condão de alcançar qualquer espécie de ato
libidinoso, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade, em seu viés de
proibição ao excesso legislativo. Reformar o art. 213 entendendo que não existe
nenhuma modificação no que tange aos antigos conceitos de estupro e atentado
violento ao pudor seria verdadeiro retrocesso.

10. ART. 213 E ART. 130 DO CÓDIGO PENAL


Se o cidadão que estupra uma mulher sabe que está com doença venérea, por
qual crime ele responde? Poderia haver concurso entre o estupro e o perigo de
contágio de moléstia venérea?
Vimos que a Lei n° 12.015/2009 incluiu o Capítulo VII no Título VI, passando a
prever duas causas de aumento de pena, de um sexto até a metade, dentre elas
quando o agente transmite doença sexualmente transmissível de que sabe ou deve
saber estar contaminado. Ressalte-se que a causa de aumento de pena só será
aplicada se houver a transmissão, o que ocasionará, em caso de estupro, um aumento
mínimo de um ano [6 anos + 1/6 (um ano)]. Se não houver transmissão da doença,
mas tão-somente exposição a perigo, sabendo ou devendo saber o agente que está
contaminado, entendemos possível o concurso formal com o crime do art. 130 do
Código Penal – perigo de contágio de moléstia venérea na forma do art. 70 (concurso
formal). Se ele quer transmitir a doença, o concurso formal será impróprio e as penas
serão somadas. No entanto, ainda que o concurso formal seja próprio, as penas
deverão ser somadas, pois a soma será mais benéfica ao réu (art. 70, parágrafo único
do CP).
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Cristiane Dupret

VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE – ART. 215

“Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter


vantagem econômica, aplica-se também multa.”

O art. 215 já havia sofrido alteração em 2005, promovida pela Lei n° 11.106, que
retirou de sua redação a qualificação da mulher como honesta. Com o advento da Lei
n° 12.015/2009, o tipo penal teve sua nomenclatura alterada – de posse sexual
mediante fraude para violação sexual mediante fraude, que passou a abranger os arts.
215 e 216 (atentado ao pudor mediante fraude). A pena para a conduta descrita no
caput passou a ser a pena que antes era prevista para o crime qualificado. A
qualificadora de prática contra mulher virgem e menor de 18 e maior de 14 foi retirada,
passando a existir previsão, no parágrafo único, de aplicação cumulativa com multa
nos casos em que houver o fim de obter vantagem econômica.

Ao que nos parece, é curiosa e eivada de equívoco a nova hipótese trazida pelo
legislador que permite a configuração do crime de violação sexual mediante fraude
quando o agente conseguir a prática do ato (conjunção carnal ou outro ato libidinoso)
mediante outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima.
A disposição se torna confusa ao compararmos tal meio empregado com o
conceito de vulnerável previsto no art. 217-A – pessoa que por qualquer outra causa
não possa oferecer resistência. As hipóteses parecem extremamente semelhantes
para justificarem uma diferença tão absurda na pena. Pela leitura do artigo,
poderíamos entender que a prática do art. 215 dependeria de alguma conduta
empregada pelo sujeito ativo, enquanto haveria estupro de vulnerável se ele apenas
se aproveitasse de uma condição pessoal da vítima que a leve a não oferecer
resistência. Isso nos parece desproporcional, pois nos casos em que o agente impedir
a resistência, sem empregar violência ou grave ameaça, o crime seria de violação
sexual mediante fraude? E, nos casos em que ele se aproveita da vítima que não pode
oferecer resistência, o crime seria de estupro de vulnerável (cujo tipo penal também
não exige violência ou grave ameaça)? Existe uma diferença considerável nas penas
cominadas aos dois crimes. Dessa forma, deveria responder com a pena menos grave
(a do art. 215) aquele que se valesse de situação em que a vítima se encontre e que
lhe impeça resistência. A semelhança entre as condutas deveria ter sido observada
pelo legislador, para que fosse dado tratamento semelhante a hipóteses semelhantes,
sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade e da isonomia.

Antes da reforma, parte da doutrina chamava a antiga posse sexual mediante


fraude de estelionato sexual.
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1. BEM JURÍDICO TUTELADO


Liberdade sexual da pessoa, proteção à parcela da dignidade da pessoa
humana.

2. SUJEITO ATIVO E PASSIVO


Trata-se de crime comum. Com respeito aos posicionamentos em sentido
contrário, concluímos pela possibilidade de tanto o homem quanto à mulher serem
sujeitos passivos e ativos do delito em exame.

3. CONCEITO DE FRAUDE
Engodo, artifício ou ardil apto a enganar o sujeito passivo. A Exposição de
Motivos, item 70, exemplifica duas formas de se empregar fraude – simulação de
casamento e substituição do marido no escuro da alcova. Ainda que o erro seja de
iniciativa do ofendido e o agente se aproveite, haverá o crime. A mera promessa de
casamento não caracteriza a fraude.
Se o sujeito simula casamento para obter a conjunção carnal, não há concurso
de crimes com o crime de simulação, por ser este expressamente subsidiário, devendo
o sujeito responder apenas pela violação sexual mediante fraude.

4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
A consumação ocorre com a prática do ato libidinoso visado pelo agente.
Ocorre tentativa se, apesar do engodo ou do outro meio empregado, a vítima
percebe antes do ato.

ASSÉDIO SEXUAL – ART. 216-A

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem


ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao
exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei no 10.224, de 15 de


2001).

§ 2° A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de


18 (dezoito) anos.”
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

1. CONCEITO DE “CONSTRANGER”

“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou


favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao
exercício do emprego, cargo ou função.”

O verbo “constranger”, nesse crime, tem sentido diverso do constrangimento do


estupro e do atentado violento ao pudor – não exige uma complementação. Trata-se
de embaraçar a pessoa, deixá-la constrangida, envergonhada.

2. LOCAL DO ASSÉDIO
O crime não abrange apenas o assédio sexual ambiental (no local de trabalho),
podendo ocorrer em qualquer local, desde que haja nexo com o trabalho do sujeito.
Pode ocorrer, por exemplo, em um restaurante durante uma comemoração da
empresa.

3. SUPERIOR HIERÁRQUICO
Relação de superioridade por força normativa ou contrato de trabalho é diferente
de “ascendência”, em que não se exige uma carreira profissional. Ex.: professor-aluno,
ocupação do mesmo cargo há mais tempo, maior influência com o chefe. É
perfeitamente possível a existência de assédio sexual sem que exista superioridade no
organograma de uma empresa, sendo possível até mesmo nas situações em que não
existe uma relação de emprego entre sujeito ativo e passivo, desde que o sujeito ativo
esteja praticando a conduta e se valendo de ascendência que possui sobre a vítima
em razão de cargo, emprego ou função. Ex.: O professor de faculdade, em razão de
seu emprego, possui ascendência sobre o aluno, pois pode prejudicá-lo dando-lhe
nota baixa ou até mesmo reprovando-o. Dessa forma, entendemos que estarão
preenchidas todas as elementares do art. 216-A se esse professor constranger um
aluno com intuito de obter favorecimento sexual, pois ele estará se valendo de
ascendência inerente ao seu emprego.

4. CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO


Cargo e função – São expressões típicas da administração pública. O emprego,
embora possa existir no âmbito público, é típico da atividade privada. É a prestação de
serviços de forma contínua ao empregador. Dessa forma, poderia se caracterizar o
crime de assédio sexual contra a doméstica, mas não contra a diarista.
E se o contrato ainda não estiver assinado, mas a pessoa efetivamente
trabalha? Pode ser vítima. A mera irregularidade não impede o crime.
A redação original continha as relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade e com abuso ou violação de dever inerente a ofício ou ministério. O
parágrafo foi vetado, com razões expostas pelo Ministro da Justiça, por meio da
Mensagem n° 424, que transcrevemos a seguir. A fundamentação principal foi a
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quebra do sistema punitivo, pois evitaria a aplicação de causa de aumento de pena do


art. 226. Contudo, o veto acabou por inviabilizar o assédio sexual nos casos
mencionados no parágrafo. Se um padre assedia sexualmente uma fiel, aproveitando-
se do seu ministério, não há crime de assédio sexual.
“Razões do veto
No tocante ao parágrafo único projetado para o art. 216-A, cumpre observar
que a norma que dele consta, ao sancionar com a mesma pena do caput o
crime de assédio sexual cometido nas situações que descreve, implica
inegável quebra do sistema punitivo adotado pelo Código Penal, e indevido
benefício que se institui em favor do agente ativo daquele delito.
É que o art. 226 do Código Penal institui, de forma expressa, causas
especiais de aumento de pena, aplicáveis genericamente a todos os crimes
contra os costumes, dentre as quais constam as situações descritas nos
incisos do parágrafo único projetado para o art. 216-A.
Assim, no caso de o parágrafo único projetado vir a integrar o ordenamento
jurídico, o assédio sexual praticado nas situações nele previstas não poderia
receber o aumento de pena do art. 226, hipótese que evidentemente contraria
o interesse público, em face da maior gravidade daquele delito, quando
praticado por agente que se prevalece de relações domésticas, de coabitação
ou de hospitalidade.” (www.planalto.gov.br)

5. SUJEITOS DO DELITO
Ativo – qualquer pessoa. Trata-se de crime especial, no entanto, já que se exige
que seja superior hierárquico ou que tenha ascendência sobre a vítima, desde que
inerentes ao cargo, emprego ou função
Passivo – qualquer pessoa que esteja subordinada hierarquicamente ao sujeito
ativo ou que possa ser prejudicado pela sua ascendência.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Há controvérsia entre ser o crime de mera conduta ou formal. O melhor
entendimento é de que o crime seja formal, pois, embora o resultado não precise
ocorrer para a consumação, ele está descrito no tipo penal – a consumação se dá no
momento em que o assediador realiza o ato de assédio. A importunação deve ser
séria, deixando a vítima perturbada, desnorteada, constrangida. Não é necessária a
obtenção do favor sexual, o que pode, inclusive, caracterizar outro crime ou o mero
exaurimento do crime de assédio. Um simples gracejo, paquera, não é considerado
assédio sexual. Não é necessária uma chantagem efetiva de demissão ou promessa
de prevalências funcionais, por exemplo. O que o legislador pune é o fato de o agente
se aproveitar de sua ascendência para obter favores sexuais. Pode ocorrer a tentativa,
mas é difícil a visualização.

ESTUPRO DE VULNERÁVEL – ART. 217 A

“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos:
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Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.


§ 1° Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput
com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer
outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2° (VETADO).
§ 3° Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4° Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”

1. DO CONCEITO DE VULNERÁVEL E SUJEITOS DO DELITO


A Lei n° 12.015/2009 inclui no Código Penal o Capítulo II, que dispõe sobre os
crimes sexuais contra vulnerável, substituindo o antigo capítulo que tratava da
sedução (revogada pela Lei n° 11.106/2005) e da corrupção de menores.
Ao trazer para o Código Penal o conceito de vulnerável, o legislador enterrou a
antiga controvérsia existente acerca da presunção de violência. Como vimos em item
anterior, vários julgados reconheciam a presunção de violência como relativa,
incluindo recente julgado do STJ (HC n° 88.664), cujo Relator foi o Ministro Celso
Limongi, embora o entendimento predominante no STF ainda fosse o da presunção
absoluta.
Ao revogar o antigo art. 224, que mencionava três hipóteses em que se falava
de uma violência presumida, a nova lei trouxe um conceito de vulnerável para cada um
dos tipos penais que formam o Capítulo II. Dessa forma, em determinadas situações,
teremos como vulnerável o menor de 14 anos, mas, em outros (como é o caso do art.
218-B, o menor de 18 anos). Dessa forma, definiremos o sujeito passivo (vulnerável)
ao tratarmos de cada um dos tipos penais em análise.
No artigo 217-A, o legislador definiu como vulnerável, no caput do artigo, a
pessoa menor de 14 anos, mas estendeu, no § 1º, a mesma pena do caput nos casos
de o sujeito passivo ser pessoa com enfermidade ou deficiência mental que não tenha
o necessário discernimento para a prática do ato, assim como quem, por qualquer
outra causa, não puder oferecer resistência.
Com base no conceito acima, pode-se afirmar que sujeito passivo do crime
previsto no art. 217-A é o vulnerável (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental
sem o necessário discernimento para a prática do ato ou quem por qualquer outra
causa não puder oferecer resistência). Trata-se de análise puramente objetiva no que
tange à idade da vítima. Atualmente, não há mais como discutir a experiência sexual
da vítima, o que pensamos estar de acordo com os ideais protecionistas da
Constituição Federal e do ECA. Não se pode basear a ausência de punição daquele
que pratica ato libidinoso com o menor na anterior experiência sexual deste, pois o
que se deve é justamente evitar que tal experiência possa existir.
Infelizmente, as pessoas vêm confundindo evolução social com ausência de
preceitos éticos. Para certas coisas, os limites são necessários e devem continuar
existindo. Se continuarmos aceitando que a evolução social cada vez mais relativize o
conceito de infância, em breve as pessoas pularão duas fases importantíssimas de
seu desenvolvimento físico, psicológico e moral: a infância e o início da adolescência.
A sociedade não pode, e muito menos a lei, aceitar e justificar que pessoas, no início
de seu desenvolvimento, sejam submetidas a atos libidinosos não condizentes com o
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seu desenvolvimento psíquico e físico. Dessa forma, acreditamos que o conceito de


vulnerável do art. 217-A estabelece ideal proteção aos menores de 14 anos, muito
embora vá desafiar inúmeras discussões doutrinárias, como veremos mais adiante.
O termo “vulnerável” constitui elemento objetivo do tipo penal, cujo conceito é
trazido pelo próprio artigo, não permitindo valoração quando preenchido o conceito
legal. Dessa forma, não há de se analisar se o menor de 14 anos era vulnerável
naquele caso concreto, mas tão-somente se ele era menor de 14 anos, o que, per se,
caracteriza a condição de vulnerável pela ficção legal absoluta.
Embora parte da doutrina venha se manifestando pela classificação do estupro e
do estupro de vulnerável como crimes de mão própria quanto à conjunção carnal, com
a devida vênia, entendemos que a mulher também pode ser sujeito ativo do crime.
Assim, uma mulher adulta que mantiver conjunção carnal com um adolescente de 13
anos estará praticando estupro de vulnerável. A nosso ver, entender em sentido
diverso seria conferir proteção diferenciada e deficiente às crianças e aos
adolescentes menores de 14 anos do sexo masculino, o que, em nosso entendimento,
não seria plausível, proporcional ou razoável.

2. DA AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA


O tipo penal em análise prevê a conduta de ter conjunção carnal ou praticar
outro ato libidinoso com o vulnerável, não sendo exigida a presença de violência ou
grave ameaça. O legislador visou tutelar o desenvolvimento, a dignidade sexual do
vulnerável, independentemente do meio utilizado para a prática do ato, sendo também
irrelevante o eventual consentimento da vítima.
Dessa forma, sendo a conduta praticada com ou sem violência ou grave
ameaça, haverá o crime. O tipo penal prevê a conduta de ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso, o que faz com que o crime esteja consumado com a
prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. Se houver prática de violência
ou grave ameaça por não se tratar de elementar do crime, será possível o concurso
entre o estupro de vulnerável e eventual lesão corporal ou ameaça. No entanto, se da
conduta praticada resultar lesão grave ou morte (a título de culpa), o crime será
qualificado.
Não é necessária nenhuma forma de constrangimento para a prática da
conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Ainda que exista consentimento da vítima, ele
é desconsiderado, não importando eventual experiência sexual anterior.

3. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Trata-se de crime material, cuja consumação se dará com a cópula vagínica
(introdução, ainda que parcial, do pênis na vagina) ou com outro ato libidinoso. Caso o
dolo do agente seja direcionado à prática da conjunção carnal, não conseguindo
atingir o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade, haverá tentativa. A mera
prática de atos libidinosos anteriores que fossem direcionados à prática da conjunção
carnal não serão aptos a caracterizar o crime consumado. É lógico que a análise será
casuística. Determinados atos não podem ser classificados como meios para a prática
da conjunção carnal, ainda que praticados antes, sendo aptos a consumar o crime.

4. DA PRÁTICA POR VULNERÁVEL


A lei visa tutelar direito específico do vulnerável, que pode ser explorado
sexualmente por pessoa que possua plena capacidade de entendimento de seus atos.
Se o ato libidinoso ocorrer entre dois adolescentes (dos 12 anos completos até antes
de completar 14 anos), entendemos que não deve o vulnerável responder por ato
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infracional análogo ao estupro. Afinal, se o legislador está utilizando uma ficção


jurídica de que o vulnerável pela idade jamais terá capacidade de discernimento, não
se pode permitir que seja valorada uma eventual capacidade parcial de forma que
permita a aplicação de uma das medidas socioeducativas previstas no art. 112 do
ECA. Não se pode fazer com que esse casal de adolescentes seja, respectivamente,
sujeito ativo e passivo do art. 217-A. Isso subverteria a sistemática da tutela de
proteção empregada. Haveria ofensa à proporcionalidade, por caracterizar excesso
arbitrário, permitir a aplicação de medida ao próprio vulnerável, pois a lei estabeleceu
que ele não possui discernimento para a prática do ato sexual, não podendo, portanto,
ser punido pela prática com outro vulnerável.

Assim, o crime em tela somente pode ser praticado por maior de 14 anos, pois,
para essa idade, o legislador conferiu certa possibilidade de discernimento, o que
podemos conferir, inclusive, com a descriminalização da antiga conduta do art. 218.
Atualmente, a tutela sexual a partir dos 14 anos apenas se volta para combater o fim
de prostituição ou exploração sexual.

5. DO ERRO DE TIPO
Haverá casos em que, de forma justificada, o agente não terá conhecimento da
idade da vítima. Imagine que um jovem conheça uma menina com corpo desenvolvido,
durante a madrugada, em uma boate. Pelo horário, aparência, desenvoltura e local, o
jovem sequer supõe que aquela menina possuía menos de 14 anos. Indagada sobre
sua idade, ela afirma que tem 18 anos. O jovem com ela mantém conjunção carnal.
Poderia ele responder por estupro de vulnerável? Não, pois a idade caracteriza
elementar do tipo. De acordo com o art. 20 do Código Penal, o erro sobre elementos
constitutivos do tipo legal de crime exclui o dolo. Trata-se de hipótese de erro de tipo,
que afastará o dolo do agente, não respondendo por crime sexual contra vulnerável.
A tese defensiva de erro de tipo não se confunde com a antiga tese de
presunção relativa de violência. Não se trata de analisar a capacidade de
discernimento para os atos sexuais ou de valorar a experiência sexual da vítima, o que
não é possível com o advento da Lei n° 12.015/2009, mas, sim, de impossibilitar uma
responsabilidade penal objetiva, pois, se o agente desconhecia a idade da vítima, é
óbvio que não havia dolo de praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com
vulnerável.

6. DO ELEMENTO SUBJETIVO
O tipo penal exige o elemento subjetivo geral – dolo de praticar conjunção carnal
ou outro ato libidinoso com vulnerável.
Em uma análise que não venha causar mais danos que proteção a alguns
vulneráveis, entendemos que se trata de delito de tendência, havendo elemento
subjetivo especial de se aproveitar da condição de vulnerável. Dessa forma, por
ausência de elemento subjetivo especial, acreditamos não haver o crime quando, por
exemplo, um jovem de 18 anos namora uma menina menor de 14 anos com
consentimento dos pais, desde que não esteja presente nenhuma forma de
exploração. Ainda que rechaçada tal tese, ainda poderia o jovem ter como tese de
defesa a seu favor o erro de proibição, em virtude do consentimento dos pais da
jovem, fazendo com que não esteja presente a potencial consciência da ilicitude,
excluindo a culpabilidade, tornando o injusto penal inculpável.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

CORRUPÇÃO DE MENORES – ART. 218

“Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer


a lascívia de outrem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único – vetado.”

1. FORMAS DE CORRUPÇÃO – ANTES E DEPOIS DA REFORMA


Antes da reforma promovida pela Lei n° 12.015/2009, a corrupção poderia
atingir três formas: praticar (corrupção física – o agente desperta na vítima a
concupiscência), induzir a praticar ou presenciar ato de libidinagem (corrupção moral,
através da palavra, discurso, fotografia, etc.), sendo a conduta anteriormente punida
com pena de reclusão de 1 a 4 anos.
Havia controvérsia quanto a hipótese de a vítima já ser corrompida. Para uma
primeira posição, haveria crime impossível. Não se pode corromper aquele que já está
corrompido. Haveria impropriedade absoluta do objeto material. Para uma segunda
posição, dependeria do grau de corrupção. A corrupção não é sempre completa.
Alguém pode estar no início da corrupção e ser mais corrompido.
Havia crítica pelo fato do legislador não ter previsto o menor de 14 anos. No
caso de praticar, haveria estupro ou atentado violento ao pudor por violência
presumida, dependendo do ato de libidinagem praticado. No caso de induzir a praticar,
poderia caracterizar auxílio aos crimes acima mencionados, mas, no caso de induzir a
presenciar, se a vítima fosse menor de 14 anos, não constituiria o crime.
Com a nova redação do atual art. 218, podemos falar em abolitio criminis da
maioria das condutas antes previstas. Embora o artigo não tenha sido revogado, não
houve qualquer continuidade típico-normativa em relação à conduta de praticar ato de
libidinagem com maior de 14 e menor de 18, exceto se for menor em situação de
prostituição ou exploração sexual, conforme veremos no art. 218-B. Quanto à conduta
de induzir a presenciar o ato, também não existe fato típico na mera conduta
direcionada ao maior de 14 e menor de 18 anos.

Para que o leitor consiga entender melhor a nova sistemática prevista no


Capítulo II, vamos estudar conjuntamente as várias modalidades de corrupção do art.
218 para, depois, definirmos os aspectos principais de cada uma delas.

O atual art. 218 passou a prever como sujeito passivo não mais o maior de 14 e
menor de 18 anos, mas justamente o contrário: o menor de 14 anos. A conduta não é
mais de praticar o ato com o menor ou de induzi-lo a praticar ou presenciar. As
condutas que restaram do antigo artigo foram divididas entre os arts. 218, 218-A e
218-B, e na maioria deles tivemos uma substancial alteração no que tange ao sujeito
passivo.
Dessa forma, quanto à conduta de praticar ato de libidinagem com maior de 14 e
menor de 18 anos – atualmente apenas constitui crime no art. 218-B, § 2º, ou seja,
quando o menor se encontrar nas situações descritas no caput do art. 218-B
(prostituição ou exploração sexual).
Já se a prática de ato libidinoso for realizada pela pessoa que esteja
contracenando com menor de 18 e maior de 14 anos em filmagem ou fotografias de
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

sexo explícito ou pornográficas, estará praticando o crime previsto no art. 240, § 1º do


ECA:

“Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por


qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo
criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1° Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou


de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente
nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses
contracena.”

Em outras situações, o legislador permitiu o consentimento do adolescente,


sendo a conduta considerada atípica. Ressalte-se que estamos falando em uma
validação de consentimento. Se houver qualquer vício nesse consentimento, seja por
fraude, violência ou grave ameaça, haverá crime.
Se qualquer ato libidinoso for praticado com menor de 14 anos, o crime será de
estupro de vulnerável (art. 217-A).
Quanto à antiga previsão de induzir a presenciar ato de libidinagem, a conduta
passou a ser dirigida ao menor de 14 anos, sendo exigido elemento subjetivo especial,
no art. 218-A, não atingindo mais o menor de 18 e maior de 14, havendo em relação a
tais sujeitos passivos abolitio criminis para o sujeito ativo que os induziu a presenciar,
não havendo qualquer continuidade típico-normativa.
Quanto à antiga conduta de induzir a praticar, esta passou a ser direcionada ao
menor de 14 anos, mas, para ser tipificada corretamente, a conduta deve ser
analisada com cuidado. Se o agente está induzindo o menor de 14 anos a satisfazer a
lascívia de outrem, o induzimento à prática do ato pode ser meio para a prática do art.
218, desde que o ato não seja a conjunção carnal ou outro ato libidinoso em que
exista conta pessoal da vítima com o agente que quer sua lascívia satisfeita, pois,
quando houver um vínculo psicológico (liame subjetivo, ainda que unilateral) com
aquele que pretende ter a conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com o
menor, preenchidos os demais requisitos do concurso de agentes, ambos (o que
praticar e o que convencer o menor a praticar) responderão por estupro de vulnerável
em concurso de agentes. É possível, ainda, que a conduta caracterize crime previsto
no art. 227, como veremos adiante, caso a vítima já tenha completado 14 anos.

Passemos a analisar cada uma das previsões dos arts. 218, 218-A e 218-B.

2. TIPICIDADE OBJETIVA E SUJEITOS DO DELITO


A corrupção de menores prevista no atual art. 218 do Código Penal se refere
tão-somente à corrupção sexual. Pune-se a conduta de induzir o menor de 14 anos a
satisfazer a lascívia de outrem. Trata-se de uma modalidade especial do crime
previsto no art. 227 do Código Penal (induzimento à satisfação da lascívia de outrem),
mas como sujeito passivo menor de 14 anos. Sendo assim, aquele que induz qualquer
pessoa que tenha a partir de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem, também estará
praticando crime, porém será o previsto no art. 227 do Código Penal, que se encontra
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

no capítulo referente ao lenocínio. O art. 218 trouxe para o Capítulo II o crime de


lenocínio.
A Lei n° 12.015/2009 incluiu crime de corrupção também no ECA, mas
relacionado à prática de ato infracional, cuja previsão anterior se encontrava na Lei n°
2252/54, que foi revogada. Não houve abolitio criminis no que tange à conduta antes
prevista na Lei n° 2.252/54, pois a Lei n° 12.015/2009 estabeleceu continuidade
normativa, tendo apenas organizado melhor a sistemática na tipificação dos crimes
contra crianças e adolescentes.
O crime é comum no que tange ao sujeito ativo, podendo ser praticado por
qualquer pessoa. Aquele que pratica o lenocínio é chamado de “proxeneta”.

3. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Trata-se de crime material, sendo necessária a prática de ato pelo menor de
14 anos (a prática de ato com o menor caracteriza o concurso de agentes no art. 217
A), tendente a satisfazer a lascívia de outrem, ainda que esta não seja satisfeita. A
satisfação da lascívia é mero fim especial que se pretende alcançar, não sendo
necessária para a consumação do delito, que possui como resultado naturalístico a
prática do ato pelo menor (qualquer ato tendente a satisfazer a lascívia de outrem). O
crime estará consumado se a vítima for convencida, mas o ato não chega a ser
praticado. Relembramos o leitor de que a presença de liame subjetivo, ainda que
unilateral com aquele que pretende a prática do ato, poderá levar o sujeito a responder
como partícipe do estupro de vulnerável, e não como autor do art. 218. Não se trata de
eventual quebra da teoria monista, mas, sim, de delito subsidiário, que só estará
presente se o agente, com sua conduta, não puder responder como partícipe ou
coautor do estupro de vulnerável.
Outro fator importante é que não haverá o crime do art. 218 se o agente induz o
menor de 14 anos a satisfazer a lascívia própria, e não a de outrem.
Caso o agente garantidor tenha conhecimento do ato a ser praticado pelo
menor, tendente a satisfazer a lascívia de outrem e não impede a prática do ato
quando pode fazê-lo, responderá pelo crime do art. 218 por omissão, na forma do art.
13, § 2º, do Código Penal.
O agente que pratica o ato com menor de 14 anos pratica estupro de vulnerável.
Aquele que induz o menor de 14 anos a praticar ato libidinoso para satisfazer lascívia
própria (ex.: induz o menor de 14 anos a se masturbar em sua frente, para satisfazer-
lhe a lascívia) não pratica crime previsto no Código Penal. Trata-se de lacuna deixada
pelo legislador, pois o crime de estupro de vulnerável prevê a conduta de ter
conjunção carnal ou praticar ato libidinoso, mas não a conduta de presenciar o ato; já
o art. 218 só menciona a lascívia de outrem, não podendo ser a própria. Por sua vez,
veremos que o art. 218-A prevê a conduta de praticar o ato na presença do menor ou
de induzi-lo a presenciar, mas nenhum dos tipos penais em análise prevê a conduta
de presenciar o ato praticado pelo menor. No entanto, se a vítima for menor de 12
anos, poderá a conduta caracterizar o crime previsto no inciso II do art. 241-D do ECA:

“Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio


de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.


Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de


sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato
libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim


de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou
sexualmente explícita.” (Grifo nosso)

É possível, ainda, que o agente venha a responder pelo crime do art. 240 do
ECA se registrar, por qualquer meio, a prática do ato, e nessa situação inclui-se como
sujeito passivo a criança e o adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica:

“Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por


qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo
criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”

SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE A PRESENÇA DE CRIANÇA OU DE


ADOLESCENTE – ART. 218-A

“Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14


(catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou
outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de
outrem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”

1. TIPICIDADE OBJETIVA E SUJEITOS DO DELITO


Trata-se de tipo penal misto alternativo, que prevê as condutas de praticar
conjunção carnal ou outro ato libidinoso na presença do menor de 14 anos, assim
como a conduta de induzir o menor a presenciar tais atos, desde que presente o fim
especial de satisfazer a própria lascívia ou a de outrem. Antes da reforma, tal conduta
não era considerada criminosa, pois, como visto, havia uma lacuna que deixava tal
conduta impune quando era direcionada ao menor de 14 anos.
A mera prática de ato libidinoso na presença de menor de 18 anos e a partir dos
14 anos passa a ser atípica.
O menor pode presenciar o ato por qualquer meio, inclusive pela internet. Assim,
se por meio de web cam o agente pratica ato libidinoso ou conjunção carnal na frente
do menor, estará consumado o crime. Presenciar diz respeito a ato presente, não
estando caracterizado o crime quando o agente induz o menor a assistir a filmagem
pornográfica. Nesse caso, é possível a existência de crime previsto no inciso II do art.
241-D, transcrito acima, desde que o agente tenha a intenção de praticar ato libidinoso
com a criança. Destaca-se que o referido artigo apenas possui como sujeito passivo a
criança. Quanto ao adolescente, a conduta seria atípica.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

2. TIPICIDADE SUBJETIVA, CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Além do elemento subjetivo geral – o dolo –, exige-se ainda o elemento subjetivo


especial, consubstanciado pelo especial fim de agir de satisfazer a lascívia própria
ou de outrem. Diferente do artigo anterior, aqui o agente pode visar à satisfação da
própria lascívia, desde que mediante a prática do ato na frente do menor ou ainda pelo
induzimento para que o menor presencie o ato. Não existe punição por modalidade
culposa. Caso os pais pratiquem o ato na frente do filho menor sem perceber a
presença do mesmo não responderão pelo delito do art. 218-A.
Trata-se de delito de intenção. No entanto, não é necessária a satisfação da
lascívia, sendo suficiente a prática do ato na presença do menor. O delito é de mera
conduta, estando consumado com a mera prática do ato na presença do menor; não
estará consumado, no entanto, com o mero induzimento, sendo material em sua
segunda modalidade (induzir a presenciar). Será possível a tentativa quando, havendo
o convencimento do menor a presenciar o ato, este não presencie o ato por
circunstâncias alheias à vontade do agente.

3. DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA


Há casos em que famílias inteiras moram no mesmo cômodo e, muitas vezes, os
pais esperam os filhos dormirem para praticar atos libidinosos, mesmo com a
possibilidade de que o menor acorde a qualquer momento e presencie o ato. Os pais
estão praticando crime se o menor acorda e presencia o ato? Entendemos que não,
primeiramente, por ausência de elemento subjetivo especial, pois os pais não
pretendem satisfazer a lascívia própria ou de outrem com o fato de o menor presenciar
o ato. Além disso, como tese subsidiária, teríamos uma excludente supralegal de
culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa.

FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO


SEXUAL DE VULNERÁVEL – ART. 218-B

“Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra


forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos
ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir
ou dificultar que a abandone:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1° Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem


econômica, aplica-se também multa.

§ 2° Incorre nas mesmas penas:

I – quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com


alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na
situação descrita no caput deste artigo;

II – o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que


se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

§ 3° Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da


condenação a cassação da licença de localização e de
funcionamento do estabelecimento.”

1. ASPECTOS GERAIS
A inclusão deste artigo visa reforçar o combate ao incremento da prostituição de
crianças e adolescentes na mesma esteira já seguida pelo ECA. Trata-se de
modalidade especial de favorecimento da prostituição, que antes apenas era prevista
no Código Penal no art. 228, que se encontra dentro do Capítulo VI, que dispõe sobre
o lenocínio e tráfico de pessoas.
Com a inclusão do referido artigo, a Lei n° 12.015/2009 acabou por revogar
tacitamente o art. 244-A do ECA, que assim dispõe:

“Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos


no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração
sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

§ 1° Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o


responsável pelo local em que se verifique a submissão de
criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.

§ 2° Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da


licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.”

O art. 218-B contém todas as condutas antes descritas do art. 244-A do ECA,
sendo ainda mais amplo. O ECA prevê a conduta de submeter, o Código Penal vai
além, tipificando ainda a conduta de induzir, atrair, facilitar e ainda dificultar ou impedir
que o menor abandone a prostituição. Da mesma forma, o art. 244-A do ECA prevê a
punição do proprietário, gerente ou responsável, assim como estabelece a cassação
da licença de localização e funcionamento como efeito obrigatório da condenação. O
legislador trouxe, ainda, a possibilidade de aplicação cumulativa de multa caso haja
intuito de lucro.

Podemos perceber que o art. 218-B foi mais amplo também em seu conceito de
vulnerável. Nos arts. 217-A, 218 e 218-A, é considerado vulnerável pela idade o menor
de 14 anos. No art. 218-B, a proteção se estende até os 18 anos incompletos.
Diferentemente das modalidades anteriores previstas no art. 218 e 218-A, o legislador
ainda previu como vulnerável um dos já mencionados do estupro de vulnerável: aquele
que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuir o necessário discernimento
para a prática do ato.

2. TIPICIDADE OBJETIVA, SUBJETIVA E SUJEITOS DO DELITO


Trata-se de tipo penal misto alternativo, que prevê as condutas dolosas de
submeter, atrair, induzir e ainda facilitar, assim como dificultar ou impedir que o
vulnerável abandone a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Caso o
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

agente pratique mais de uma conduta descrita no tipo penal, responderá por um único
crime. Na modalidade de submeter, exige-se a habitualidade como elemento subjetivo
especial. Dessa forma, seria possível a consumação do crime no dia de inauguração
de um estabelecimento de prostituição infantil, desde que comprovada a intenção de
habitualidade. Entendemos que a habitualidade constitui elemento subjetivo especial
do tipo penal, não sendo necessária a efetiva reiteração de condutas para a
consumação do crime.
Caso alguém mantenha estabelecimento destinado à prostituição ou outra forma
de exploração sexual de crianças e adolescentes, o delito em análise é especial sobre
o previsto no art. 229 do Código Penal, que deve ser aplicado quando a exploração
sexual estiver voltada para pessoas que não estejam previstas no conceito de
vulnerabilidade.
O artigo estabelece que o proprietário, o gerente e o responsável pelo
estabelecimento também respondem pelo crime. No entanto, é importante destacar
que não se trata de hipótese de responsabilidade penal objetiva. Somente haverá
responsabilidade penal nos casos em que o proprietário tiver ciência do comércio
carnal que era exercido no local, ou seja, se agir com dolo, não sendo permitida sua
punição sequer a título de culpa, tendo em vista que o tipo penal não prevê
modalidade culposa. Quanto ao gerente ou responsável, é bem mais difícil que não
tenham conhecimento desse comércio.
O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito passivo
do delito é apenas o vulnerável. Eventual alegação de erro de tipo pode ocasionar a
desclassificação para o crime previsto no art. 228 ou, ainda, conduzir à atipicidade da
conduta.

3. DO EFEITO DA CONDENAÇÃO
O Código Penal destina dois artigos, na parte geral, para tratar dos efeitos da
condenação. O art. 91 prevê os efeitos genéricos e automáticos da condenação,
enquanto o art. 92 prevê os efeitos específicos e não automáticos da condenação, que
dependem de menção fundamentada do juiz na sentença. No entanto, tal previsão não
afasta a possibilidade de efeitos específicos trazidos em leis especiais ou até mesmo
na parte especial do Código Penal, como fez o legislador ao incluir o art. 218-B e seu §
3º.
No entanto, não significa que a aplicação do efeito obrigatório e automático do
art. 218-B exclua a aplicação dos efeitos previstos nos arts. 91 e 92 do Código Penal,
que continuam sendo plenamente aplicados.

4. EXPLORAÇÃO SEXUAL E PROSTITUIÇÃO


O legislador trouxe a previsão de forma apartada da exploração sexual e da
prostituição.
O Professor Rogério Greco esclarece:

A partir do I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual


Comercial de Crianças e Adolescentes, realizado em Estocolmo,
em 1996, foram definidas quatro modalidades de exploração
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

sexual, a saber: prostituição, turismo sexual, pornografia e tráfico


para fins sexuais.13

Dessa forma, não é necessário o lucro obtido pelo menor para que o agente
responda pelo crime. De qualquer forma, considerando sua figura de vulnerável e a
proteção a sua dignidade sexual, haverá o crime.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Entendemos a habitualidade como elemento subjetivo especial. Ou seja, basta
que o agente tenha a intenção de habitualidade. Desta forma, mesmo sendo o crime
habitual, entendemos possível sua consumação com uma única conduta, ou seja, até
mesmo no dia da inauguração do estabelecimento, quando estivermos diante da
modalidade “submeter”. Logo, seria possível a tentativa quando a casa estivesse
pronta para a inauguração, ainda que nenhum ato de prostituição ou exploração
sexual tenha sido ainda praticado dentro dela, havendo impedimento por
circunstâncias alheias a sua vontade.
Na modalidade de submeter, o crime também é permanente.
Nas modalidades de atrair e induzir, o crime estará consumado quando a vítima
se instalar em uma vida de prostituição ou exploração sexual, bastando a prática de
um ato. Não se trata de crime formal, não bastando o mero induzimento ou atração.
Nas modalidades de dificultar ou impedir, o crime estará consumado no primeiro
momento em que a vítima tentar abandonar a prostituição ou exploração sexual e não
conseguir. Ainda que a vítima consiga abandonar posteriormente, o crime já estará
consumado.

6. DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU


OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

Este capítulo sofreu várias alterações pela Lei n° 11.106/2005, a começar pelo
tráfico de pessoas, pois antes da reforma era incriminado apenas o tráfico de
mulheres.
Em agosto de 2009, sofreu também algumas alterações pela Lei n°
12.015/2009, começando pelo próprio titulo dado ao Capítulo VI, que passou a prever
a prostituição ou outra forma de exploração sexual. Além da nomenclatura, houve
algumas alterações pontuais nos arts. 228, 229, 230 e 231, além da inclusão de
causas de aumento nos arts. 234-A e B.

7. LENOCÍNIO
O lenocínio em sentido amplo configura as cinco figuras delitivas incluídas no
Capítulo V, arts. 227 a 231: atividade criminosa que abrange o ato de mediar, facilitar
ou promover atos de libidinagem como o de aproveitar-se, de qualquer forma, da
prostituição alheia.
Parte da doutrina classifica o lenocínio em principal (quando induz a satisfazer a
lascívia alheia ou prostituir-se) e acessório (quando já encontrando a vítima
corrompida ou prostituída, apenas facilita ou explora a concreção dos atos libidinosos).

13
GRECO, Rogério. Adendo disponível em www. Editoraimpetus.com.br
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

Com a reforma promovida pela Lei n° 12.015/2009, passamos a ter modalidades


de lenocínio previstas no Capítulo II, que dispõe sobre os crimes sexuais contra
vulnerável: art. 218, 218-A e 218-B.

MEDIAÇÃO PARA SATISFAZER A LASCÍVIA DE OUTREM – ART. 227


“Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena – reclusão, de um a três anos.
§ 1° Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito)
anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja
confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
§ 2° Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça
ou fraude:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, além da pena correspondente à
violência.
§ 3° Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também
multa.”

1. INDUZIR
Para caracterizar o crime, a mediação deve se dar mediante promessa, súplica
ou dádivas, de forma que a conduta do agente seja apta a convencer a vítima à prática
do ato. A simples sugestão ou opinião não é apta para caracterizar o crime. Ressalte-
se que o sujeito que praticar atos de execução de outro crime sexual pode responder
por ele. Assim, se a vítima for menor de 14 anos, os agentes são coautores de estupro
de vulnerável.
Embora o art. 227 não tenha sofrido alteração pela Lei n° 12.015/2009, o leitor
deve atentar para a nova previsão do art. 218, que é especial em relação ao art. 227.
Dessa forma, se o agente induzir menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem,
o crime será o previsto no art. 218. Caso a vítima seja maior de 14 anos e menor de
18, haverá a prática da forma qualificada do art. 227. Caso a conduta seja praticada na
data de aniversário de 14 anos da vítima, o crime será o previsto no caput do art. 227.

2. ELEMENTO SUBJETIVO
Elemento subjetivo geral – o dolo, embora alguns sustentem tratar-se de delito
de intenção, cujo elemento subjetivo especial é a intenção de ver satisfeita a lascívia
de outrem. Nesse sentido, Luiz Regis Prado14 e Mirabete.15

3. OUTREM (CONTROVÉRSIA)

14
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
15
MIRABETE, Julio Fabbrinni. Ob. Cit.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

Segundo Magalhães Noronha,16 Luiz Regis Prado17 e jurisprudência majoritária,


pode ser para satisfazer lascívia de várias pessoas, desde que determinadas. Nelson
Hungria já falava especificamente em pessoa determinada, o que gerava a idéia de
ser apenas um destinatário.18

4. SUJEITOS DO DELITO
Qualquer pessoa. Eventual qualidade especial qualifica o crime. Dessa forma, a
pena será de reclusão de dois a cinco anos se o agente for ascendente, descendente,
cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada a
vítima para fins de educação, de tratamento ou de guarda.
Aquele que tem sua lascívia satisfeita não é coautor, pois a finalidade exigida
pelo tipo é satisfação da lascívia alheia.
Sujeito passivo pode ser qualquer pessoa determinada. Caso o agente induza
alguém a satisfazer lascívia de número indeterminado de pessoas, seu crime será o
previsto no art. 228.

Nada impede que seja praticado ato de libidinagem entre a vítima e o agente,
desde que outrem assista e satisfaça sua lascívia. A pessoa que vai ter sua lascívia
satisfeita deve ser determinada.
Quem tem sua lascívia satisfeita pode responder por outro crime, mas não pelo
art. 227, pois a lascívia satisfeita deve ser de outrem. Se a vítima tiver 13 anos, por
exemplo, pode responder por estupro de vulnerável se praticar algum ato libidinoso
com o menor.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
Para Bittencourt, com a efetiva satisfação da lascívia alheia.19 Para Luiz Regis
Prado, com quem concordamos, quando a vítima vem a praticar atos libidinosos com o
destinatário do lenocínio, bastando que no momento do induzimento tenha existido
finalidade de satisfação da lascívia de outrem. A tentativa é possível, embora seja
difícil sua constatação.20 Capez e Luiz Regis Prado citam o exemplo de meio idôneo
para induzir a vítima, mas esta é impedida antes de praticar os atos libidinosos.21

6. FORMAS QUALIFICADAS
6.1. Idade
§ 1° – primeira parte: se for maior de 14 e menor de 18. O Art. 232 foi revogado
pela Lei n° 12.015/2009, não havendo mais de se falar em presunção de violência até
os 14 anos, mas sim de prática de crime específico, qual seja, o previsto no art. 218.

6.2. Relação de autoridade

16
NORONHA, Edgard Magalhães. Ob. Cit.
17
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
18
HUNGRIA, Nelson. Ob. Cit.
19
BITTENCOURT, Ob. Cit.
20
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
21
CAPEZ, Fernando; PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
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Cristiane Dupret

§ 1° – inclui o chamado lenocínio familiar – ascendente ou descendente, cônjuge


ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins
de educação, guarda ou tratamento. A enumeração é taxativa: desta forma, não
alcança a irmã em relação a irmão. O pai adotivo inclui-se, no entanto, pois em tudo é
equiparado ao pai natural.

6.3. Violência (vis corporalis), grave ameaça (vis compulsiva) ou fraude (ardil,
artifício)
§ 2° – Aqui, destaca-se uma importante controvérsia: quando o tipo penal, em
seu preceito secundário dispõe “além da pena correspondente à violência”, estaria
trazendo a obrigatoriedade de aplicação de concurso material de crimes?
Para Nelson Hungria e Luiz Regis Prado, o dispositivo estaria reconhecendo
expressamente o concurso material entre o art. 227 e o crime de violência (ex.: lesão
corporal). Bittencourt manifesta-se em sentido diametralmente oposto, afirmando que
não se deve confundir concurso de crimes com sistema de aplicação de penas. Para
ele, o primeiro relaciona-se à teoria do delito e o segundo, à teoria da pena. Afirma,
portanto, a hipótese de que em havendo a prática do art. 227 com emprego de
violência, mediante uma só ação e pluralidade de crimes, o concurso será formal, mas
independente de haver ou não desígnios autônomos (art. 70, 2ª Parte, CP), deve ser
aplicado o cúmulo material, o que não transforma a hipótese em concurso material de
crimes, no que concordamos.
Quanto à fraude, Luiz Regis Prado cita o exemplo do sujeito que induz alguém a
fazer exames ginecológicos e a conduz a quem quer ter sua lascívia satisfeita, que
tocará a vítima, mas ela acredita que está apenas sendo examinada.22

6.4. Fim de lucro


§ 3° – é o denominado lenocínio questuário ou mercenário.

FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO


SEXUAL – ART. 228

“Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma


de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que
alguém a abandone:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1o Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,


enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

22
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
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Cristiane Dupret

§ 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave


ameaça ou fraude:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, além da pena


correspondente à violência.

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também


multa.” (Grifos nossos)

1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 12.015/2009


A primeira modificação se deu na nomenclatura do artigo, tendo sido incluída
“outra forma de exploração sexual”. Dessa forma, passou a estar prevista no caput
também, além de ter sido incluído o verbo “dificultar”. Antes da reforma, era crime
impedir o abandono da prostituição. Agora, além de impedir, o mero ato de dificultar já
constitui crime.
A pena permaneceu a mesma – reclusão de dois a cinco anos.
Nas formas qualificadas, antes da reforma havia mera remição no § 1º ao artigo
anterior. Com a reforma, passou a estar previsto o crime praticado por ascendente,
padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor
ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado,
proteção ou vigilância. Dessa forma, houve supressão de qualificadora quando o crime
foi praticado por descendente, mas entrou a figura do enteado como qualificadora.
Passam a responder pela forma qualificada a madrasta e o padrasto, assim como o
preceptor ou o empregador da vítima. Passa a existir, ainda, a previsão expressa de
crime qualificado quando praticado por quem assumiu voluntariamente a custódia.

2. CONCEITO DE PROSTITUIÇÃO
O referido conceito desafia controvérsia na doutrina. Luiz Regis Prado menciona
a prostituição como comércio carnal do próprio corpo. Não se deve confundir a
prostituição com a vida desregrada de mulher que se relaciona sexualmente com
várias pessoas.23 Já para Maggiori, o que define a prostituição é a pluralidade de
relações sexuais promíscuas, e não o intuito de lucro.24
A prostituição se caracteriza, basicamente, pela habitualidade na prática de atos
libidinosos com número indeterminado de pessoas, havendo controvérsia quanto à
necessidade de intuito lucrativo. A habitualidade se refere ao conceito de prostituição,
e não as condutas descritas no tipo penal.

3. SUJEITOS DO DELITO, CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


O crime é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Eventual
qualidade especial do sujeito ativo pode ser apta a qualificar o crime. Sujeito passivo é
a pessoa que é atraída para a prostituição. Já nas modalidades de dificultar ou
impedir, a pessoa já prostituída é sujeito passivo. A consumação se dá com o início de
uma vida de prostituição nas primeiras modalidades ou com o seu prosseguimento,
nas modalidades de dificultar ou impedir. Ressalte-se que é desnecessário o início do

23
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
24
MAGGIORI, Ob. Cit.
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Cristiane Dupret

comércio carnal como prostituta, não sendo necessário, portanto, que a vítima atenda
o primeiro cliente. A tentativa ocorre quando a vítima, embora com a atividade
persuasiva, não se insere no estado de prostituição. Antes da reforma, a tentativa se
dava também quando, na modalidade impedir, ela conseguisse abandonar a
prostituição. Com a inclusão do verbo “dificultar”, o crime estará consumado. ainda
que ela consiga abandonar a prostituição ou exploração sexual.

4. CONFLITO APARENTE DE NORMAS


4.1. Favorecimento da prostituição e casa de prostituição
O primeiro é induzir, atrair pessoa determinada ou dificultar ou impedir que ela
abandone a prostituição, ao passo que, no segundo crime, o favorecimento é genérico,
de forma que, diante do concurso aparente de normas, incidirá o crime previsto no art.
229.

4.2. Favorecimento da prostituição e rufianismo


Nas hipóteses em que a vítima é induzida pelo agente e vem a se prostituir,
tirando o agente proveito financeiro disso, deve ele responder apenas pelo crime do
art. 228, § 3°, pois constituiria bis in idem se ele respondesse pelos dois crimes.

4.3. Submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual


Art. 218-B do Código Penal, que revogou tacitamente o art. 244-B do ECA.
Nesse caso, pode haver um conflito aparente de normas entre o art. 228, § 1°, e o art.
218-B do Código Penal, devendo este último prevalecer em virtude do princípio da
especialidade, pois se trata de crime contra vulnerável, que abrange vítima menor de
18 anos e ainda quem tenha enfermidade ou deficiência mental que impeça o
necessário discernimento para a prática do ato.

5. JURISPRUDÊNCIA ATINENTE AO TEMA


“Favorecimento à prostituição. Prisão em flagrante delito por policiais
federais. Apelante responsável pela realização de festa na Baía de
Guanabara com cerca de 40 (quarenta) mulheres brasileiras e 35 (trinta e
cinco) norte-americanos. Testemunhas de acusação que afirmam que as
mulheres que estavam no interior da embarcação eram “garotas de
programa”. Apelante que não nega ter cobrado valor monetário aos homens
para participarem do evento. Confirmação por testemunha de que nestas
festas ocorriam shows de ‘strip tease’ com encontros sexuais dentro das
cabines, combinado à parte o preço do programa. Ilícito que não torna
indispensável a configurar-se a prática de sexo. Delito consumado.
Inexistência de crime impossível. Laudo de exame videográfico constatando
que a fita exibida perante o juízo era matéria jornalística, correspondente a
reportagem veiculada pela Rede Globo de televisão sobre a prisão de 29
(vinte e nove) turistas americanos acusados da prática de turismo sexual no
Brasil. Pena bem dosada acima do mínimo legal – 03 (três) anos de reclusão.
Regime aberto. Apelante estrangeiro, com visto temporário que estimula o
turismo sexual. Inocorrência de substituição da pena por restritiva de direitos.
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Não-preenchimento do requisito subjetivo ao não respeitar as normas do país


que o acolhe. Exceção de suspeição dos Drs. Promotores de Justiça e do
Magistrado de 1° grau em apenso, rejeitada. Inequívoca ciência do excipiente
que prosseguiu no processo. Acrescido de que recebidos os autos com a
decisão no mesmo dia em que houve audiência, 5/9/2005, com expedição de
mandado de prisão. Recurso conhecido e improvido.” (TJRJ –2006.050.04826
– Rel. Des. Rosita Maria de Oliveira Netto – Sexta Câmara Criminal –
Apelação Criminal – Julgamento: 25/1/2007)
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CASA DE PROSTITUIÇÃO – ART. 229

“Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro,


estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou
não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente:

Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.”

1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 12.015/2009 E A


DESCRIMINALIZAÇÃO PARCIAL DA CASA DE PROSTITUIÇÃO
A Lei n° 12.015/2009 retirou do tipo penal a expressão “casa de prostituição”,
embora a nomenclatura do artigo tenha permanecido essa. Em lugar de casa de
prostituição, o legislador incluiu “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”.
Provavelmente, a maioria da nossa doutrina entenderá que o art. 229 passou a
ser mais amplo, já que a prostituição é citada como uma das formas de exploração
sexual. No entanto, mesmo correndo o risco de nos tornarmos isolados, após
cuidadosa análise do tipo penal, entendemos que a conduta de manter a casa de
prostituição apenas pode ser considerada criminosa se houver exploração sexual que
ocasione ofensa à dignidade sexual.
Com as alterações promovidas pela Lei n° 12.015/2009 em todo o Título que
antes dispunha sobre os crimes contra os costumes, o legislador voltou a proteção
legal não para a sociedade e sua moralidade, mas, sim, para aqueles que fossem alvo
de exploração por terceiros. Ocorre que o Direito Penal optou por não punir a
prostituta, embora puna todas as condutas que se relacionem à prostituição e que a
facilitem. No que tange à casa de prostituição, muitas vezes as prostitutas a procuram
por segurança, não querendo exercer o comércio carnal nas ruas ou em suas
residências. Nessas situações, punir quem mantém a casa de prostituição seria punir
indiretamente as prostitutas, que teriam que se submeter à prostituição pública ou a
correr risco para não participarem de algo ilícito.
Dessa forma, entendemos que a referida alteração faz com que somente seja
típica à luz da Constituição e da reforma promovida no Código Penal a conduta de
manter casa de prostituição se dentro dela correr risco à dignidade sexual da pessoa
que se prostitui, havendo, assim, exploração sexual. Com isso, para nós, teria existido
parcial descriminalização da casa de prostituição, havendo continuidade normativa
apenas no que tange à ofensa direta à dignidade sexual, com exploração das
prostitutas que lá se encontrem. Se as prostitutas forem coagidas, ameaçadas,
viverem em condições ruins, forem exploradas financeiramente, forem impedidas de
deixar o estabelecimento, forem obrigadas a atender clientes que não querem atender,
etc., a conduta permanece típica, pois nestes casos haverá ofensa à liberdade e à
dignidade sexual.
Foi suprimida do tipo penal a previsão de manutenção de outros locais
destinados a encontros libidinosos.
Sob uma visão constitucional do Direito Penal, já se sustentou que a conduta de
manter uma casa de prostituição só permaneceria típica à luz da Constituição se
atentasse contra a liberdade e a dignidade humanas. Ressalte-se, no entanto, que
esse posicionamento não era pacífico:
Manual de Direito Penal
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“Restrição da liberdade – Casa de prostituição – Direitos e garantias


individuais assegurados pela constituição. Direito Penal. Manutenção de casa
de prostituição. Direito Penal mínimo e requisitos para o reconhecimento do
caráter delituoso da conduta. Em regra, atipicidade da conduta de cooperar
no sentido de proporcionar local para a implementação de relação sexual
entre pessoas adultas. Na hipótese comportamento, todavia, atentatório à
liberdade e dignidade sexuais consistentes em a agente proibir o exercício da
liberdade de escolha e de ação das prostitutas acerca da decisão de ficar ou
deixar a casa de prostituição. Conduta que atinge direito fundamental das
prostitutas e justifica, ainda limitadamente, a tutela penal. Não configuração
de erro de proibição. Conhecimento da ilicitude provado pela versão
apresentada em juízo pela acusada. Substituição de pena privativa de
liberdade por duas restritivas de direitos. Necessidade de imposição de
modalidades diversas de restrições de direitos. Ao legislador ordinário cumpre
subordinar-se aos limites impostos pela Constituição da República ao
exercício do poder de punir. Releitura obrigatória dos preceitos normativos
que definem crimes contra a dignidade e a liberdade sexuais, impropriamente
chamados de crimes contra os costumes. Exigência constitucional de que a
conduta concreta, definida como delituosa, atente contra bens jurídicos e
justifique o emprego de sanção penal para reprovar o fato e prevenir sua
reiteração. Liberdade dos adultos de praticar relações sexuais,
independentemente da motivação dos envolvidos. Conduta de manutenção
de casa de prostituição que só permanece típica, à luz da Constituição,
nos casos em que a liberdade e a dignidade sexuais das pessoas
envolvidas são afetadas gravemente. Demonstrada violação de bem
jurídico por prova de que a agente proibia prostituta de deixar a casa, salvo se
efetuasse pagamento de valor livremente estipulado pela ré. Subordinação
das prostitutas à ré, que atingiu a liberdade de decisão das prostitutas sobre
permanecer ou não na casa de prostituição. Habitualidade do comportamento
comprovada. Necessidade de as prostitutas acionarem a família, o
marido e a polícia para garantir sua liberdade. Provas suficientes para
embasar a condenação. Negativa de autoria, anúncios publicados em
periódicos e encomendados pela agente e declarações de testemunhas que
revelam consciência da ilicitude. Substituição da pena privativa de liberdade
por duas restritivas de direitos de modalidade diversa, evitando o prejuízo à
condenada. Finalidade de reprovação do fato e de oferecimento de condições
à condenada para integrar-se à sociedade. Reforma parcial da sentença.
Provimento do recurso da acusação e desprovimento do recurso da defesa.”
(TJ-RJ – 2006.050.06178 – Apelação criminal – Rel. Des. Geraldo Prado –
Primeira Câmara Criminal – Julgamento: 26/6/2007, grifo nosso)

1. BEM JURÍDICO TUTELADO


Dignidade sexual, e não mais a moralidade pública sexual

2. SUJEITO ATIVO
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, tratando-se de crime comum, excluída a
prostituta que mantém o local para ela própria e sozinha exercer o comércio carnal,
até porque, nesse caso, não existirá estabelecimento onde ocorra a exploração
sexual, sendo a conduta atípica. Sujeito passivo não é mais a coletividade, mas, sim, a
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prostituta que permanece ou que se dirige ao local, sendo explorada sexualmente.


Sempre houve controvérsia na doutrina sobre o fato de a prostituta figurar como
sujeito passivo do crime de casa de prostituição.

3. CONSUMAÇÃO
A consumação se dá com a manutenção do estabelecimento. Trata-se de crime
habitual e permanente. Luiz Regis Prado ressalta que, embora seja crime habitual, a
reiteração não se torna imprescindível para a consumação do crime, desde que as
circunstâncias demonstrem que o agente se encontrava em pleno exercício da
atividade incriminada pela norma.25 Em nosso entendimento, a solução seria a
mesma, por entendermos, como mencionamos acima, ser a habitualidade elemento
subjetivo especial. A Tentativa é inadmissível para a maioria da doutrina, por se tratar
de crime habitual. Entendemos possível pela classificação que conferimos à
habitualidade.

4. “CASAS EM ZONA DE BAIXO MERETRÍCIO QUE PAGAM REGULARMENTE


IMPOSTOS”
Parte da doutrina sustenta tratar-se de contravenção penal – perturbação do
sossego alheio, prevista no art. 61 da LCP. Parte da jurisprudência entende que,
nesse caso, não fica caracterizado o crime do art. 229. Existe ainda como possível
tese defensiva o erro de proibição por parte do agente que mantém o local, já que
naquela área a referida prática é comum e ele paga impostos e taxas, está
devidamente autorizado pelos órgãos competentes (sem menção expressa à atividade
de prostituição) e normalmente fiscalizado. Tal não é o entendimento do STF e do
STJ:

“EMENTA: Casa de prostituição (art. 229 do CP). ‘Habeas corpus’ para


trancamento da ação penal por falta de justa causa. Indeferimento na
instância de origem. Recurso de habeas corpus improvido. Havendo
elementos no inquérito, que autorizam a denúncia; em se tratando de crime
permanente, que exige prova de habitualidade, a ser completada no curso da
instrução; e não contendo a licença, para funcionamento de estabelecimento
comercial autorização (aliás, inadmissível) para nele se instalar casa de
prostituição; não é caso de trancamento da ação penal, adequadamente
proposta.” (RHC 65391-SP – São Paulo – Recurso em habeas corpus – Rel.
Min. Sydney Sanches – Primeira Turma – Julgamento: 16/10/1987)

No tocante às casas de massagem, banho, ducha, relax e bar, entende-se


majoritariamente que a simples manutenção não faz incidir em crime, sendo
necessária a prova de que os funcionários se entregam à prostituição. Para nós, que
ocorra a exploração sexual.

“Casa de prostituição. Crime habitual. Exigibilidade da prova segura de


habitualidade. Sindicância prévia. Casa de massagem. Anúncio em
classificados. Disque-denúncia. A questão da reiteração. Exegese do art. 229
do Código Penal. 1. Da leitura do texto insculpido no art. 229 do Código
Penal, observa-se que a conduta incriminada consiste em manter (sustentar,
conservar, prover, possuir, em permanente local) casa de prostituição ou local

25
PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit.
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para fim libidinoso. Assim, a casa de prostituição (lupanar, bordel ou rendez-


vous), traduz-se pelo local onde se faz permanecer prostitutas ou prostitutos,
para comercializar suas relações sexuais com a clientela, permanente ou
eventual. 2. Cuida-se de crime habitual, pois a conduta típica somente se
integra com a prática de plúrimas ações que isoladamente são indiferentes ao
direito. A reprovabilidde está em manter o local para a repetição dos
colóquios sexuais com ou sem fim lucrativo. Cumpre assinalar a exigência de
prova segura da habitualidade, que se refere expressamente à manutenção
da casa de prostituição, o que se faz, principalmente, através de sindicância
prévia ou qualquer meio probatório da existência da reiteração de condutas
juridicamente desvaloradas. 3. Tratando-se de casa de massagem, para
fins de configuração do injusto descrito no art. 229 do Código Penal,
torna-se necessário que o estabelecimento tenha sido transformado em
uso exclusivo para a prostituição, pois a mera manutenção do comércio,
ainda que ocorra encontros libidinosos é atípica. Assim, não há crime se
uma das massagistas receber um cliente e com o mesmo realizar congresso
sexual, sem que tenha havido mediação. 4. É necessário ter presente que a
exigibilidade do requisito da habitualidade, não se aperfeiçoa pelo mero
anúncio em classificados, ou simples anotação no sistema do anonimato
consagrado no denominado “disque-denúncia” para provar, há “reiteratio”,
sendo indispensável a prova prévia através de investigação feita pela
autoridade policial. 5. Recurso improvido. Vencido o Des. Indio Brasileiro
Rocha.” (TJ-RJ – 2002.050.04650 – Apelação criminal – Rel. Des. Alvaro
Mayrink da Costa – Terceira Câmara Criminal Penal – Julgamento: 1°/7/2003,
Grifo nosso)

7. CASA DE PROSTITUIÇÃO COM MENORES DE IDADE


Quem mantém casa de prostituição submetendo criança ou adolescente à
prostituição pratica o crime tipificado no art. 218-B do Código Penal, bastando que
exista a prostituição dos menores de 18 anos ou qualquer outra forma de exploração
sexual, como vimos anteriormente. Trata-se de conflito aparente de normas,
prevalecendo o art. 218 B, tendo em vista o princípio da especialidade.

8. CASA DE PROSTITUTAS X CASA DE PROSTITUIÇÃO


O tipo penal do art. 229 pune a manutenção da casa de prostituição em que
ocorra exploração sexual. Se várias prostitutas atendem seus clientes colocando
anúncios em jornais, mas não houver alguém responsável pela manutenção da casa
submetendo-as à exploração sexual, essas prostitutas não podem responder por
crime. Da mesma forma, não haverá crime de casa de prostituição se alguém agencia
prostitutas que atendem seus clientes em residências, hotéis ou outros lugares, pois
não há de se falar na existência de estabelecimento. A conduta pode até se adequar
ao crime previsto no art. 230 (rufianismo) mas não à casa de prostituição.

Casa de prostituição. Apartamento onde moram prostitutas e onde elas


atendem à ‘clientela’, através de telefone. Anúncio da mercancia do corpo em
jornais da cidade, ajustando-se o desafogo sexual em endereços diversos da
residência das prostitutas. Prostituta que gerencia a atividade, participando
diretamente do lucro da prostituição de suas companheiras. Conduta que não
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se enquadra no tipo do art. 229 do Código Penal. Absolvição. Casa de


prostitutas não se confunde com casa de prostituição, figura penal
prevista no art. 229 do Código Penal. Para que o crime se tipifique há
necessidade de se exercer o comércio carnal na casa objeto da
acusação. É o lupanar, a casa ou zona do meretrício, o prostíbulo, o ‘rendez-
vous”, o ‘puteiro’ etc. É um comércio exercido, permanentemente, entre
quatro paredes de um imóvel. Se a prostituta vai ao encontro do
‘cliente’, em apartamento, motel etc., a sua atividade não pode ser
considerada como exercida em casa de prostituição e, se alguém
empresa as colegas, participando diretamente dos seus lucros, a
conduta estaria mais próxima da figura do art. 230 do Código Penal –
Rufianismo. Não há conceito moderno de Casa de Prostituição. O legislador
de 1940 é que não podia prever o progresso da mecânica da atividade. Hoje
já se escolhe as prostitutas pelos jornais, pela televisão e até por computador.
A legislação é que tem que se adequar, se é que se deseja coibir a
intermediação na prostituição. (RCB). Votos vencidos.” (TJ-RJ –
1995.054.00034 – Embargos infringentes e de nulidade – Des. João Antonio –
Seção Criminal – Julgamento: 24/4/1996, grifo nosso)

RUFIANISMO – ART. 230

Art. 230 – Tirar proveito da prostituição alheia, participando


diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou
em parte, por quem a exerça:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1° Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze)


anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto,
madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou
curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção
ou vigilância:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 2° Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça,


fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação da vontade da vítima:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da


pena correspondente à violência.

1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 12.015/2009


A Lei n° 12.015/2009 não alterou o caput do art. 230, mas tão-somente suas
formas qualificadas. O rufianismo não é mais uma norma secundariamente remetida
como era antes da reforma. Atualmente, todas as qualificadoras estão expressas nos
parágrafos. As penas permanecem as mesmas.
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Cristiane Dupret

2. BEM JURÍDICO TUTELADO


Dignidade sexual.

3. SUJEITOS DO DELITO
Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Eventual
qualidade especial do sujeito ativo qualifica o crime. Sujeito passivo é a pessoa que
exerce a prostituição.

4. MODALIDADES DE TIRAR PROVEITO DA PROSTITUIÇÃO ALHEIA,


CONSUMAÇÃO
Participando diretamente nos lucros ou fazendo-se sustentar no todo ou em
parte – A participação indireta não caracteriza o crime. Dessa forma, os donos de
locais, como boates, que lucram porque sabem que seus clientes vão até o local em
busca das prostitutas que lá frequentam, está participando indiretamente do lucro e
não respondem por rufianismo.
O crime é habitual e permanente. Ganhar um único presente da prostituta não
caracteriza o crime, exceto se já plenamente caracterizada a intenção de
habitualidade. Para a maioria da doutrina, o crime apenas estará consumado com a
reiteração de condutas, não sendo possível a tentativa.

5. DIFERENÇA ENTRE PROXENETA E RUFIÃO


O proxenetismo engloba as condutas de mediação para servir à lascívia de
outrem, favorecimento à prostituição e manutenção de casa de prostituição. O rufião
(ou cafetão) é a pessoa que vive continuamente de explorar a pessoa prostituída.

6. CONFLITO APARENTE DE NORMAS


Casa de prostituição e rufianismo – o fato de o dono da casa se manter às
expensas das prostitutas não configura novo crime. A conduta de exploração das
prostitutas já está contida no tipo penal “casa de prostituição”, absorvendo o proveito
da prostituição alheia, que constitui o núcleo do rufianismo. No entanto, há decisões
que admitem o concurso entre casa de prostituição e rufianismo.

TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL –


ART. 231

“Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional,


de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma
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de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no


estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1° Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou


comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento
dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2° A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o


necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,


enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3° Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem


econômica, aplica-se também multa. (grifo nosso)

1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 12.015/2009


O verbo “intermediar” foi retirado do caput do art. 231. No entanto, o § 1º
estabelece que incorre nas mesmas penas quem agencia (que é modalidade de
intermediar), passando a prever, ainda, a conduta daquele que alicia, compra,
transporta, transfere ou aloja. Algumas modalidades incluídas já seriam punidas
anteriormente, pois estaria presente o concurso de agentes.
A sistemática de prever formas qualificadas foi substituída por hipóteses de
causas de aumento, que acabam por conduzir a pena a um quantum semelhante ao
que era previsto como forma qualificada. A idade e algumas qualidades dos sujeitos
ativos já eram previstas como qualificadoras, tendo sido incluídas as causas de
aumento pela condição de padrasto, madrasta, enteado e pela assunção legal ou
voluntária de custódia. Com a reforma, tais condições passaram a caracterizar causas
de aumento, havendo, ainda, a inclusão de causa de aumento pela qualidade de
vulnerável da vítima (pessoa menor de 18 anos ou que por enfermidade ou doença
mental não possui o necessário discernimento para a prática do ato).
O emprego de violência, grave ameaça ou fraude caracterizava qualificadora,
podendo ainda haver cúmulo material com a pena correspondente à violência.
Atualmente, tais meios permanecem na previsão do tipo penal, mas como causas de
aumento, tendo sido suprimida a possibilidade de cúmulo material com a pena
correspondente à violência.
Passa a estar prevista a possibilidade de aplicação cumulativa da pena de multa
quando o crime for cometido com o intuito de obter vantagem econômica.
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

2. BEM JURÍDICO TUTELADO


Dignidade sexual.

3. SUJEITOS DO DELITO, CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito
passivo também pode ser qualquer pessoa. Trata-se de crime material. A consumação
se dará com a efetiva entrada ou saída da pessoa do território nacional, com a
finalidade de exercer a prostituição. A prática da prostituição é mero exaurimento. É
possível a tentativa quando empregados todos os meios para que a vítima ingresse ou
saia do território nacional; tal deslocamento não ocorre por circunstâncias alheias à
vontade do agente.

TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL –


ART. 231-A

“Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém


dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou
outra forma de exploração sexual:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1° Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender


ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento
dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2° A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o


necessário discernimento para a prática do ato;

III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,


enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou
empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3° Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem


econômica, aplica-se também multa.”

1. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 12.015/2009


O verbo “intermediar” foi retirado do caput do art. 231-A. No entanto, o § 1º
estabelece que incorre nas mesmas penas quem agencia (que é modalidade de
Manual de Direito Penal
Cristiane Dupret

intermediar), passando a prever, ainda, a conduta daquele que alicia, compra,


transporta, transfere ou aloja. Algumas modalidades incluídas já seriam punidas
anteriormente, pois estaria presente o concurso de agentes.
Assim como ocorreu no art. 231, que prevê o tráfico internacional, no tráfico
interno, também a sistemática de prever formas qualificadas foi substituída por
hipóteses de causas de aumento, que acabam por conduzir a pena a um quantum
semelhante ao que era previsto como forma qualificada. A idade e algumas qualidades
dos sujeitos ativos já eram previstas como qualificadoras, tendo sido incluídas as
causas de aumento pela condição de padrasto, madrasta, enteado e pela assunção
legal ou voluntária de custódia. Com a reforma, tais condições passaram a caracterizar
causas de aumento, havendo ainda a inclusão de causa de aumento pela qualidade
de vulnerável da vítima (pessoa menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou doença
mental, não possui o necessário discernimento para a prática do ato).
O emprego de violência, grave ameaça ou fraude caracterizava qualificadora e
permitia, ainda, haver cúmulo material com a pena correspondente à violência.
Atualmente, tais meios permanecem na previsão do tipo penal, mas como causas de
aumento, tendo sido suprimida a possibilidade de cúmulo material com a pena
correspondente à violência.
Passa a estar prevista a possibilidade de aplicação cumulativa da pena de multa
quando o crime for cometido com o intuito de obter vantagem econômica.
Em tudo o art. 231-A se assemelha ao anterior. A distinção está no fato de que
no art. 231-A, pune-se o tráfico interno, exercido dentro do território nacional.

2. BEM JURÍDICO TUTELADO


Dignidade sexual.

3. SUJEITOS DO DELITO, CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


Trata-se de crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa. Sujeito
passivo também pode ser qualquer pessoa que vá ser objeto das condutas descritas
no caput ou no § 1º. Trata-se de crime material. A consumação se dará com o efetivo
deslocamento dentro do território nacional, com a finalidade de exercer a prostituição.
A prática da prostituição é mero exaurimento. É possível a tentativa quando
empregados todos os meios para que a vítima seja deslocada dentro do território
nacional; tal deslocamento não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente.

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