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In:
MACHOVER, Tod (Org.). Quoi? Quand? Comment? La recherche musicale. Paris:
Christian Bourgois Éditeur, I.R.C.A.M., 1985, p.73 - 86
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Esperar da teoria da música que ela seja atual vai de encontro ao lugar comum
que quer que ela seja condenada seja sempre atrás (à la traine) da prática. A teoria,
parece, vem muito tarde por princípio e por vezes fica ausente, sem que essa ausência
seja ressentida como uma falta notável.
Observar que em épocas longínquas, no século XIII ou ao século XVI, a teoria
musical era em parte mais progressiva que a prática da composição não significa nada
quando se pensa na teoria musical do século XIX ao começo do século XX, quando
os compositores de então ressentiam como arrogante e inibidora, já que ela queria
estabelecer normas restritivas em lugar de suscita reflexões que pudessem servir a
transpassar os limites estabelecidos.
Além disso, a teoria musical no século XIX não resolveu quase nenhum dos
problemas que eram então atuais: ela não rendeu justiça nem à intuição de Wagner,
que constatou que era necessário analisar a harmonia em relação com a
instrumentação, nem à exigência de fundar a métrica sobre a harmonia, nem
tampouco à necessidade de operar uma mediação entre o contraponto tradicional e a
harmonia moderna sem ganhos (captations) lógicos. Face à herança do século XIX de
onde os conservatórios se nutrem ainda e sempre, o preconceito contra a teoria
musical - por mais fatais que sejam as conseqüências do "cansaço" que ela provoca
progressivamente - não é incompreensível. O olhar para trás não é encorajador.
A concepção tradicional da teoria, da qual uma teoria musical atual deve partir,
flutuava de maneira intelectualmente imprópria - e sem que o teórico da música ou o
professor que ensinava a teoria se desse conta - entre interpretações divergentes das
"leis" que se criam descobrir na música: uma, quase científica, e a outra quase
jurídica. Da "lei natural" que dizia que as consonâncias são fundadas sobre
proporções simples e as dissonâncias
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sobre proporções complexas, deduzia-se regras de composição, sem se duvidar que
entre axiomas descritivos e axiomas prescritivos há um abismo instransponível e que,
somando tudo, a lei era editada pelo teórico e não pela natureza.
Em face disso, seria atual apenas uma teoria da música que resistiria, de um
lado, à sedução de se tirar conclusões ontológicas da correspondência entre
consonância e proporções simples - conclusões cujo caráter errôneo foi reconhecido já
pelos matemáticos da Antiguidade (quando eles descobriram que a diagonal
geométrica de um quadrado, simples e evidente, por consequência era de fato
complexa do ponto de vista aritmético) mas que subsistiu na teoria da música, na falta
de dificuldades analógicas, durante milhares de anos sem ser contestada - , e, por
outro lado, seria necessário que se reconheça enfim que é bem a passagem sem
reflexão de axiomas descritivos a axiomas prescritivos que constitui o "proton
pseudos" (erro inicial) do qual a teoria musical está doente. A natureza do material
acústico e a percepção humana traçam certamente alguns limites que as obras
musicais, para não incorrer à insignificância estética, não saberiam alcançar; mas ela
não prescreve jamais em detalhe o que se pode ou que se deve compor. É um erro
acreditar que se pode deduzir regras de composição de fenômenos como, por
exemplo, o da série harmônica.
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Certamente, esse caráter de processo que almeja uma teoria musical que se
quer atual não se limita à constatação banal que no domínio musical, como em todos
os outros, a teoria está exposta a modificações que resultam de um lado de
transformações dos objetos que elas estudam, e de outro lado de mudanças que
afetam as idéias e as premissas de onde ela parte para abordá-los, seja o objeto
estudado antigo ou moderno. Muito mais significativo que a impossibilidade para o
pensamento moderno de escapar da consciência histórica é, em nosso contexto, a
importância crescente da reflexão, que não poupou nem mais o métier do compositor.
Esse conceito de reflexão pode ser definido, se nos permite uma fórmula um
pouco rápida, como pensamento do pensamento. E na medida na qual se pode
conceber um pensamento que se exprime por meio de sons - uma maneira de falar
sancionada por assim dizer desde que Johan Nicolaus Forkel forjou, há duzentos anos,
o termo "lógica musical" e que Friedrich Schlegel comparava a composição a uma
meditação filosófica - o "pensamento do pensamento musical" seria a definição
adequada para uma teoria musical que se que reflexão. Uma teoria atual não seria um
corpus de regras mas uma função do processo composicional e, mas exatamente, uma
função tornada indispensável à Nova Música - aquela que ao menos merece esse
nome.
Não é exagero, seguramente, afirmar que um pensamento musical não
refletido, que abandona a reflexão para uma teoria que está atrelada (atrás) não é mais
possível no quadro da Música Nova sem danos. Pois na exata medida em que o
compositor, em lugar de se apoiar sobre um sistema já existente e confirmado, dispõe
dessa liberdade de formulação de princípios da qual fala Ernst Krenek, ele é forçado
assumir a tarefa de um pensamento do pensamento musical, e não mais se abandonar
de maneira irrefletida, fiando-se a uma linguagem musical estabelecida, a uma
pensamento que se expressaria imediatamente através dos sons.
Aquele que habita uma língua, pratica a gramática sem ser obrigado a recorrer
à sua capacidade de reconstruir as regras que lhe permitem seu uso. Se a linguagem
na qual se pensa não é dada antes, mas constitui o resultado de uma construção,
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o locutor se vê obrigado então a ser ao mesmo tempo um gramático. O avesso da
exigência de atualidade dirigida à teoria é portanto o reconhecimento da necessidade
de teoria que ressente a composição atual. Nada além, com efeito, é evidente.