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Vida É o Quê
Vida É o Quê
Veronica Diaz
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No meio da peça os personagens descem e ocupam uma área comum com restos
chave, o rapaz entra, acende a luz. Ele vem pra sua janela e então fica paralisado.
Ilumina-se o beiral do apartamento em frente.. Uma mulher tenta se jogar. Ela está
quase caindo quando ouve o grito. Se descompõe um pouco, mas segue no intento.
Rikardo Não faz isso! Não faz isso, não agora. Não...é... por favor. São 15
Rikardo Não na minha frente, pelo menos. Eu... vamos... calma, é... você tá
assim (faz com o braço) e você vai. Que nem piloto de fórmula 1:
Rikardo (grita) NÃO!!! (olhando o relógio) Eu ainda não dei a largada, você vai
Rikardo Nnnnão, claro que não, você é quase uma... uma... um piloto de
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corrida, só que sem capacete. Que pressa, hein? O frango mais veloz...
(para si) a galinha, no caso... Vamos... é... vamos o quê, meu Deus?
vamos conversar. Você pode chegar um pouco mais pra trás? Pode?
eu diria até que na maioria deles, não estou bem certo, a única maneira
Assim penso eu. Mas eu disse em certos casos, porque me parece que
necessariamente ter que falar com essa pessoa, falar, eu digo, com a
Maurineide Tá que fala e fala, boca que mexe, é o quê? Eu, nada.
Maurineide Namorada, é?
Rikardo (rapidamente) Ah, você está querendo conhecer o Jack. E sem falar
com ele, está vendo? Até porque seria impossível, o famoso estripador
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falando antes: é possível conhecer uma pessoa sem falar com ela, o
conhecer.
Maurineide Ô louco. Ocê fala sempre é tanto assim? Demais, chega tô tonta.
Rikardo Pra falar a verdade, eu também. (respira fundo) Olha, não precisa me
dizer seu nome, mas será que você podia sair da marquise? Eu quero
dizer, pra lá, sair, pra dentro. Você falou que está meio tonta, melhor
não...
Ela atende, recua um pouco e senta no beiral da janela, mas para o lado de fora.
Maurineide É. A pessoa pra escutar ocê falar tudo isso tem é que sentar, senão
cansa.
Maurineide Eu, nada. Ocê que inventou isso, de brincar de carrinho. Cê é besta?
Rikardo Eu? Nnnão. É... como é mesmo o seu nome? É que, você não leva a
Rikardo O Seu Junqueira é meu chefe. Ele... ele disse que era importante ir lá,
deus.
Rikardo A loção?
Rikardo Olha, eu vou ter que sair, mas não vou demorar muito. Ó, eu não quero
Rikardo Mas você é sempre assim tão mal educada ou só quando está
Quantas vezes? E como é que foi? Foi bom pra você? Tinha sempre
preocupado, vai que você consegue, eu fui a última pessoa que falou
com você, vão querer o meu depoimento, sabe como é. Mas se você já
Maurineide Para, para de falar, fecha essa boca que mexe! Inferno! (pausa)
Primeira vez.
Maurineide Vai logo! Anda, vai embora, foi não? Ôi, mas é
Rikardo (rindo, mais calmo) Olha ela, resolveu falar! Muito bem, cara vizinha,
Maurineide Eu?
Rikardo Tem alguém mais aqui querendo se jogar? Ainda bem. Só por hoje.
Rikardo Tá muito bem. Ôps, quer dizer, tudo bem, tanto faz. Toda uma vida em
Pausa
Pausa
Rikardo Eu, né? Hum... Melhor do que o trabalho no escritório, seria, sem
Rikardo Não dá mais tempo. (pausa) Pra falar a verdade, acho que eu não
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queria ir.
Maurineide Sei.
Maurineide É o quê?
Rikardo Porquê que você estava aí. Por quê? (pausa) O que foi que houve pra
você fazer isso? O que é que tem que acontecer pra alguém ter a
Rikardo Como, assim? Aqui, no Rio? Em Copacabana? Então você acha que
Maurineide É nada. Tô falando é desse aperto que é aqui, dessa vida d´ocês, essa
vida que é louca, eu que não. Sei nada, vai ver que acostuma, que nem
Pausa
Rikardo Do interior, você diz? Da roça, não é? É, imagino, você deve estranhar
Rikardo Mas ô... (tenta lembrar seu nome) Bom, não é todo mundo! E não é
Maurineide É. Ás vezes não tem elevador e as pessoa xinga e chuta é porque não
Rikardo O pior é subir. Mas o bom é quando é térreo, né? Na roça é assim,
tudo térreo, horizontal. Mas ô... (tenta lembrar seu nome) Deixa. Então,
Rikardo Não, mas espera aí, então você não me respondeu. Todo dia chega
e... tudo bem, deve ter alguns que se jogam do 15o. andar – ou do 14o.,
Rikardo É, sempre tem. E isso pra falar só dos que escolhem a gravidade como
Maurineide Bala sem ser perdida, gilete, atropelado, afogado, enforcado, degolado
mel, bota pro rato comer, trator - passa por cima, vira papel, bebida,
Maurineide Boca que mexe e mexe, fala nada, cê é besta. Mas aqui, ocê acha que
Rikardo Ah, claro que tem, não vamos ser ingênuos. Bem, claro, as motivações
Maurineide Ih, lá vem ocê com essa barulheira outra vez, que inferno! Onde que
desliga?
Maurineide Não?
Rikardo Não.
Rikardo Eu perguntei porquê. Por que que você quis. (pausa) Aconteceu
Pausa
Maurineide Tá. Vou contar. (olha para os lados) Mas aqui não dá, não.
Maurineide É o quê?
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Rikardo Não, nada. (para si) Cada coisa que me passa...Âhn... Você quer vir
Rikardo Lá onde você ia se estatelar? (pausa) Ãhn... tá, tudo bem. Mas nada
Rikardo É, não, agora não tenho mais pressa nenhuma. Você também não, né?
Ela sai, ele sai em seguida. Mudança de luz e ambiente: área comum no centro do
Rikardo É, o elevador... (sorri. Fala junto com ela) Você parecia mais magra.
Maurineide (junto com ele) Achei que ocê era mais alto. (riem)
Rikardo Pode ser que a mudança de ponto de vista ocasione uma deformação
Maurineide É o quê?
Maurineide Ah, foi. (pausa) Deixa eu ver (olha em volta) Isso. Ela tava sentada no
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Rikardo Eu?
Maurineide É, não, mais ou menos. Ele é que tinha... não, tinha, não, é que...
fresquinho, e tal. Toda de nuvem, que eu tava ali, quase que cantando.
Depois foi que eu fui dar conta, que ele não parava era de olhar pra
Maurineide Agora que é. (muda de lugar) Presta atenção, ocê é ele, agora eu é
ela. Mas ele olhando, meio que no encanto, tomado assim dum feitiço,
dum amor. Ih, ela nem. Mas daí logo eu fui ver que ele olhava muito
também era pro comparsa dele, atrás. Um tipinho assim, desses que
Rikardo Inspira.
Maurineide Pois então eu não vi? Que os dois tava mais era estudado pra roubar,
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só cercando.
Rikardo Ah, é?
Maurineide Vai, faz aí. (ele resiste, mas faz) Ôu, mas e o comparsa?
Rikardo Fiz o cara olhando pra ele, como é que eu vou fazer os dois se eu sou
um só?
tem duas caixa? Eu não sento uma hora aqui, outra hora ali?
Rikardo Pois é, não sei porque é que você não para quieta num lugar só. Fica
Maurineide Ah! Eu é duas, tô sendo duas. Tô sendo eu e tô fazendo ela, por isso é
Rikardo (rindo) Certo, agora entendi. Claro, dois corpos não ocupam o mesmo
Maurineide É eu.
Rikardo Sou eu
Rikardo Escuta, eu já entendi que você não quer me dizer o seu nome...
Maurineide É Jéssica.
Rikardo É o quê?
Maurineide É eu.
Maurineide (rindo) É, não, é Jéssica. E ali (aponta para o 1o. caixote) é Neurília.
Rikardo Tá, tá bem. Vamos só recapitular, senta lá: (ambos vão refazendo) a
Maurineide Moço.
Rikardo Quando entrou um moço que ficou apaixonado pela Neurília. Mas esse
Um ladrão, e...
Rikardo O quê?
Maurineide É o quê?
Maurineide Ah, eu vou saber? Não deu pra ouvir, com o barulho do trem!
Maurineide Então o moço ficou foi uma agonia, e olhava pra lá, e pra ela, e depois
Maurineide Mania de nome, ocê. Queria ver, o tanto de gado, ocê tendo que
gente... Ih...
Rikardo Tem nome ou não tem? Descomplica, Jéssica, pelo amor de deus.
Maurineide Tem. O moço tem, é Marlon. Tinha. Morreu. O outro, tem nome não.
Maurineide Ni que eu tô contando ele ainda não morreu, não. Fica vivo aí. Então. O
Maurineide Acho que era de apressar, pra eles pegar logo uma carteiras de algum,
ou então de roubar noutro lugar. Ou que ele viu foi que o Marlon tava
de muito namorado da Neurília, que não ia dar jeito deles sair dali
Maurineide É.
Maurineide Tá.
Maurineide E aí...bom, aí foi que foi. Que a Neurília, tanto que o Marlon olhou pra
Maurineide (encarando-o) Um homão de bonito que é. Quer dizer, era, foi. Ela foi
Maurineide Ele já sabia, que toda vida sempre ele foi paixonado por ela!
Rikardo O...o ladrão? Eles se conheciam? Mas então ele desistiu do ...
Maurineide Então aí que foi que ele resolveu de tirar a bolsa dela.
Rikardo Verdade?
Rikardo (pega o chapéu do colo dela) E agora? Ele foge, tenho que fugir!
Maurineide (rindo) É, foi isso mesmo. Tava já era assim, saindo quase do vagão!
Só que aí...
Rikardo Aí, o que aconteceu? Não me deixa no ar em pleno vôo, assim eu vou
Maurineide Eu gritei de todo mundo ouvir, inté na estação: “Marlon! É ocê, Marlon!
Mas ocê virou ladrão? Veio pro Rio pra virar ladrão?” E foi maior
Rikardo E o comparsa?
Rikardo E aí?
Maurineide Eu mais Neurília é que a gente choramo uns 3 dia, que o Marlon
morava ali quase na cerca da gente. Com ela, os dois foram na escola,
novinha, eu.
Maurineide Ué? E não? (pausa) Não fosse, podia de ter sido diferente.
Rikardo Bom, mas você está pulando uma parte. Ele acabou de ser preso.
Maurineide Ou, mas vai ficar me corrigindo toda hora? Na cadeia. (pausa)
é?
Maurineide (avança para ele) Tudo bem, nada, tem vergonha, não?
machucado, uai.
Rikardo Chega!
Maurineide (batendo) É chega, o quê. Cala a boca. Aqui cê não manda é nada, ô,
Rikardo Nnnão, tudo bem. Não foi nada. Quer dizer... Mas e aí, o que é que
aconteceu?
Maurineide Ah, é. Foi. Dia que deixaram a gente entrar, olhamo, olhamo. Quase
Rikardo Tô aqui. Me dá a mão. Bom que você está aqui. Não tenha medo, não.
A gente podia...
Maurineide Marlon, meu querido, amor da minha vida que eu não te esqueci. Des
´que ocê veio pra cá que eu não parei de pensar um dia só n´ocê. De
verdade que eu vim aqui pra cidade era ver se te achava, ô, meu deus.
Então ocê fala assim: (ela dá o texto para ele repetir) “Querida, minha
querida, é ocê? ”Mais emoção! “Que falta eu senti d’ocê esse tempo
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todo”
Rikardo Querida, minha querida, é ocê? Mais emoção. Que falta eu senti d’ocê
Maurineide Maurineide.
Rikardo Como?
Maurineide É não. Que no cabelelero que a Neurília trabalhava ela era Jovana, e
pra mim foi Jéssica, que a dona lá achou bom, “Jéssica e Jovana, é pé
Maurineide Ué, e tem Ricardo sem ca? Deixa ver, ri-car... Ué, aí fica...como é que
fica? Não dá, fica rirdo...Ó, taí, bom nome, Rirdo. (ri) Êia, parece que o
Maurineide É, não. E não ri. Eu não rirdo, eu ri do ri...car.. rir dor car (rindo)
Maurineide Ocê que riu, Rirdo. Riu car do, conheço o rio Pardo (gargalha, depois
com Maurílio.
Maurineide Adivinhou.
Maurineide (aponta para cima) Lá. Cascavel, foi, minha mãe picou. Veneno, não
´guentou nem dois dia. Tem tempo, já. Daí depois o pai, teve jeito, não.
Foi, foi, só murchando, que ela é que era a água dele. Tem pra mim
contar.
Maurineide Ai, Marlon, meu amor, cansei... ô, tsssq, ai... Ô, seu Ricardo, cansei.
Pausa
Maurineide Sai.
Maurineide Ai, cristo santo. Ele sai da cadeia... O Marlon, ele...deixa eu ver...ele
Rikardo Aonde?
Maurineide Ué. (pausa) Ah, sabe aquela praça que tem no Lido? Tem uns banco
lá, não tem? Então. Ela não queria que eu fosse, tava cheia de raiva de
mim.
Maurineide Nnnão! Mas era por causa que foi porque eu gritei que ele foi preso, e
depois, tudo o que fizeram nele, e tal. Tudo culpa minha, né?
Maurineide Eu só falei o nome dele, nem pensei nada, na hora. (falando como a
irmã) “É, mas tinha que pensar, uai! Sai falando, falando, boca que
mexe, vê só no que dá, parece que não sabe o que que é polícia”.
(voltando a si) E isso que até foi sorte de chegar a maldita polícia, que
podiam de ter matado ele bem ali na hora, no trem, já debaixo da terra,
Rikardo Entendo.
Maurineide (como Oneurília) “Sorte, sorte! Sorte a tua d´eu não te partir a cara, que
a polícia fez muito pior, que ficou matando ele 3 dias seguido em vez
dum só. E tudo por causa de quê? Dessa boca, dessa língua comprida
Rikardo Sapa?
Maurineide Sapo, sapa, faz assim, ó (mostra a língua, faz como se fosse lambê-lo)
Pausa
Maurineide É.
Rikardo Como, não viu? Você não estava lá? Você deve ter visto alguma coisa!
Maurineide Péra. Eu...num disse que ela tava com raiva? Não deixou.
Rikardo Mas depois ela te contou, alguém te contou. O que é que aconteceu?
Maurineide Ai, meu deus. Ela tava aqui, assim, esperando, olhando. Demorou.
Rikardo Aqui?
Maurineide Mais pra cá, aí. Vem vindo. (ele vem) Tava contente, de longe dava pra
Maurineide Ela que viu primeiro. (faz a irmã, acena) “Marlon!” Ni que ouviu, ele abriu
repente)
Maurineide Pois foi nessa hora, bem aí, que a gente ouviu o tiro.
Maurineide Ah, eu não ´guentei de ficar sozinha, fui lá escondido. Eu fiquei aqui,
Eles refazem a cena desde o momento em que Oneurília espera, acena para
rabo dos ouvido, ele olhou pra ela, abriu aquele sorriso completo -
caino...
RiKardo Morreu?
Rikardo Viveu!
Maurineide Neurília que nem istauta: "Marlon, meu amor, não morre não, meu
ocê tava aí? O quê? Ocê que atirou nele?". Os carro tudo paradinho
pra bisoiá; garrafamento chegava inté no aterro (Ele faz sons de buzina
meus braço, ele olhou bem no fundo dos meus zóio...(eles se abraçam)
Rikardo E disse:
Rikardo (para si) Eu tô perdido. Todo errado. (levanta-se) Mas quem é que me
Maurineide Vai saber. Ninguem não sabe, ninguém viu. Ih, com tanto tiroteio que
tem aqui, dia sim, outro dia também, quem que vai ligar? Õ louco.
Maurineide Ah, sei lá. Ãhn...a Neurília ficou achando que era eu que atirei. Brigou,
Maurineide O comparsa! A polícia diz que deve de ter sido ele, que o Marlon
Maurineide Sabe nada, que sabe o quê? O quê que cê sabe? Tssq... Ah!
Rikardo Calma.
Maurineide É calma, o quê. Inferno. A pessoa chega fica com os nervo da cor da
pele.
Maurineide E pronto. Chega. Contei. Não era isso que cê queria? Contei, agora já
sabe. Tem Marlon nenhum, Neurília, tem pai nem mãe, nem dinheiro,
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Maurineide Tssq. E lá tem onde ir, nesse inferno que é essa cidade d´ocês?
Rikardo Olha, pra onde ir, tem... você quer...? (pausa) Ãhn...Espera aí, deixa eu
Rikardo Tá, vou me abster, não vamos nos matar por causa disso, certo? Mas
vai dizer que na roça tem muitas atrações, muitos lugares onde se
possa ir?
Maurineide Êia. Cê é besta, já foi lá? Tá falando sem saber. Lá tem campo, tem
pasto, tem mato. A pessoa quer andar, vai. Aqui, andou, tem rua, tem
carro, tem poste, barulho, fumaça. E gente, gente que não acaba mais.
Rikardo Ah, é verdade, tem gente de todos os tipos, formas e cores. Tem até
Marineide.
Maurineide Ô quê. Lá é bicho solto. Aqui, inté os gato só sabe ver televisão. Sabe
pacote, igualzinho que os dono. Vida besta, isso lá é vida? Tssq. Ah.
Rikardo O Marlon. Então ela sabia... Mas você... Você também veio atrás dele.?
Rikardo Sei. E ele sabia que você vinha procurar por ele? Quer dizer, vocês.
Maurineide Nada. Que já tinha tempo que ele já tava pra cá, ninguém mais nem
sabia dele.
Maurineide Uai, foi. E foi, é assim, a vida. Acontece. Sorte. Ou azar. Nem sei.
Maurineide Agora eu vou subir pro meu puleiro, que é pra encurtar essa...
Rikardo A vida! Estou perguntando o que vai ser agora, você, sozinha.
Maurineide Com tanta gente, né? De todos tipo, forma e cor. (pausa) Se olhar bem,
tá todo mundo sozinho. É eu só, não. (pausa) Ocê, aí. Cadê a Jack?
Maurineide Genheiro, ô, raça. Não sei o quê que passa na cabeça dessa gente-
genheiro, não sabe que pessoa é que nem bicho? Tem que respirar,
Rikardo Sei, mas prefiro não falar sobre assuntos profissionais agora. Logo
agora.
Maurineide Ué, não quer, não fala. (pausa) Logo agora por causa de quê? (pausa)
Rikardo Fica. Ãhn... Eu trabalho num escritório. Trabalhava, nem sei. (pausa) É
Maurineide É o quê?
Maurineide Dinheiro. Ninguém não vive sem dinheiro. E vida é o quê, me diz? É
sei pra quê. Pra quê! Pra quê tanto, se tem só 2 pé, pra quê tanto
Maurineide Cê é besta, então cê pensa que eu não sei o que é que short?
Maurineide Então, short, bermuda, biquini. Tô falando, tem de um tudo. Só não tem
pra quê. Só compra, compra, compra, pra fingir que tá vivendo, fingir
louco!
Pausa
Pausa
Rikardo Eu vou.
Rikardo É. Não dá, eu não aguento mais. Tijolo em cima de tijolo. Um prédio
Rikardo Aí fui ver, era eu desabando. Eu, o edifício...Depois, é o que você falou.
Rikardo Isso. Tem uma multidão, uma cidade com 7 milhões de habitantes, e
Rikardo (não a ouve) ... qual o sentido, o quê que eu...Meu deus, o que é que
Maurineide Para, Rikardo. (grita) Ô louco, doidou de vez! Onde cê vai? NÃO!!! (sai
correndo)
Maurineide (entrando, grita) NÃO!!! Não vai agora ocê... Para. Eu vou junto.
Maurineide Tenho. Tenho, que a idéia foi minha. E ocê que fez d´eu não pular, não
Rikardo Você não sabe quantas vezes eu tive vontade, só que nunca tive
coragem. Você tem pra onde ir, tem a sua irmã, sua família.
Maurineide Tem nada, tem nada. Cê também não sabe. A companhia teve aqui
desligou o gás, luz já não tem, eu não... Ocê indo eu vou junto.
Rikardo Não, não é assim, não faça isso. Eu não posso ser responsável por...
Maurineide É nada disso. É só que a gente vai é junto. Tá vendo aqui? (mostra a
chave)
Maurineide A chave Tudo trancado. Então agora, eu pra sair, é indo atrás da
contado no relógio?
Rikardo Você está com medo. Olha, ninguém está pedindo pra você pular.
Maurineide Medo nada. Cê esqueceu? Quê, medo. Medo tava ocê, d´eu pular.
do 15o. andar, só por morar aqui? Você muda de idéia assim e vem
Rikardo Sei.
Maurineide Eu tô achando é que precisa mais de coragem é pra ficar de que pra ir-
se embora.
podiam muito bem ter vindo de trás da árvore? Dali, de onde você
estava?
Rikardo Também pode ter acontecido um erro trágico: as balas que seriam para
Maurineide Cê doidou. Ô, louco. Errar na mira... Não podia? Então. Mas não foi. E
sabe por causa de quê? Que eu nem atirar eu não sei. Que meu pai
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ensinou foi coisa, mas da vida. Ó, mas vou falar, é, vou... dizer uma
Rikardo Como? Você quer dizer que foi você? Então você...
Maurineide Depois que acabou...depois, é, que Neurília foi embora, eu fiquei. Sabe
por causa de quê? (pausa) Foi porque eu fiquei achando...ai, ora, falei,
Maurineide Ué, ocê que entrou aí foi gritando “NÃO!!!” Pouco mais e eu já fui. Ocê
Rikardo Não acredito. Você inventou tudo isso só pra se aproximar de mim?
Maurineide Ocê é besta, cê acha? Eu, como é que ia... Inté parece que eu
Maurineide Êi. Capaz. Ninguém não sabe nunca se é, se não é, antes de ser. A
gente só sabe ali, sendo, na hora que tem que. Se não, não.
Rikardo Você é louca. (sorri) Doidinha, mesmo...Ai, ai, ai... Fica aí, não sai daí.
Rikardo Escuta aqui, Maurineide: essa... essa roupa... por acaso é sua?
Rikardo Não, eu não. O vento. Um dia deu um vento e isso veio parar na minha
sala.
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Ele volta com uma corda, joga uma ponta para ela.
Maurineide Ói, que descarado, inté parece. Medo, o quê, só não sou é tonta. Ôu,
Maurineide Ué. Camarão de rio, não tem jeito de pescar? E não tem jeito assim,
Rikardo Ah, é? E foi seu pai também que te ensinou a pescar namorados no
vezes. Calcinha de todos tipo, forma e cor. Certeza, não podia de ter,
Rikardo Espertinha.
Rikardo Prende na marquise. Vem pra cá, vem. Eu não deixo você cair.
Maurineide Ai!
Maurineide Nada, só a outra chave, não é duas que sempre vem? Deixa, não
precisa.
FIM