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Evangelico Robin Jones Gunn Serie Cris 03 Seu para Sempre
Evangelico Robin Jones Gunn Serie Cris 03 Seu para Sempre
Editora Betania
Digitalização: deisemat
www.portaldetonando.com.br/forumnovo/
SEU PARA SEMPRE
1
ROBIN
JONES
GUNN
O Presente
1
Cris Miller, garota de quinze anos de idade, estava de pé no canto do ginásio de
- Tá vendo, Katie? Não falei que ele não estaria aqui?!, disse ela, em voz baixa.
- Acredite em mim, Cris. O Rick afirmou que viria jogar basquete hoje à noite,
aqui na igreja. Já deve estar chegando, disse Katie, balançando o cabelo cor de cobre, ao
- Bem, mesmo que ele venha, não vou entregar este presente de Natal. Foi uma
- Foi sim, Katie! Mal conheço o Rick. Não devia estar correndo atrás dele para lhe
dar um presente, disse Cris, sentindo o rosto queimar e um calor no corpo todo.
bem disso, disse Katie, colocando as mãos na cintura. Você tem "fugido" do Rick Doyle
desde que o conheceu. Agora que ele finalmente está mostrando interesse por você, por
Cris olhou à sua volta, evitando responder à pergunta. A verdade era que ela se
derretia toda com apenas um olhar do Rick. Sentia-se bem ao lado dele, principalmente
quando estavam provocando um ao outro com brincadeiras. Contudo ficar ali parada,
no chão, e os gritos dos atletas que se aqueciam para a habitual noite recreativa de
sexta-feira. As únicas outras garotas que Cris viu ali estavam sentadas num grupinho na
arquibancada.
- Katie, me arrependi de ter vindo, disse Cris, passando a mão no cabelo cor de
noz moscada, quase na altura do ombro. Não sou esportista como você. Estou
- Ele nos viu? Está vindo pra cá? perguntou Cris, sentindo o coração bater tão alto
- Katie! gritou Cris, enquanto a amiga saía correndo, quicando uma bola,
cesta de basquete.
-Olá!
Cris ouviu uma voz grave atrás de si. Virou-se devagarinho, e seu olhar encontrou
os olhos castanhos de Rick. Seu cabelo escuro e ondulado estava ainda mais bonito.
- Olá, respondeu ela, sentindo-se miúda apesar do seu metro e setenta de altura, ao
- E você veio só pra me ver, certo? disse Cris, deixando de lado o nervosismo e
começando a agir de maneira despreocupada, flertando com ele, como vinha fazendo
brincadeira.
- Bilhões.
- Não sabia que você conseguia contar tão alto, brincou Cris. E, ainda brincando,
- É assim que se fala com o único cara que lhe trouxe um presente de Natal?
- Você trouxe?
Cris sentiu-se enrubescer com a surpresa. Talvez fosse verdade o que todo mundo
- Talvez, respondeu ele sorrindo. Depende. Você foi uma boa menina este ano?
- Nesse caso, acho melhor você vir ao meu trenó agora para pegar o seu presente.
Ainda mais que meus ajudantes me informaram que você pretende viajar amanhã.
- É, vou com minha família pra casa dos meus tios, em Newport Beach. Mas só
sofrendo um ataque cardíaco. Sabe quantos bilhões de segundos existem numa semana?
- Não. Quantos?
- Não sei. Por isso é que perguntei. Não sei contar tão alto, lembra?
Cris deu um tapa de brincadeira no ombro de Rick, e depois seguiu-o para fora do
ginásio, até o estacionamento. Era uma noite agradável, típica da Califórnia. Rick estava
de short e uma blusa de malha amarela e capuz. Ela sentia-se vestida demais com sua
calça marrom e camisa branca, abotoada até a gola, onde havia um broche antigo de
cereja do Rick. Desde o dia em que ele lhe dera uma carona da Pizza Hut até sua casa,
havia dois meses, ela vivia olhando em volta - na escola e na igreja - para ver se
encontrava seu carro. Geralmente estava cheio de gente, e Rick andava tão ocupado
Entretanto, duas semanas atrás ele puxara conversa com ela na igreja e, desde
então, sem saber bem por que, os dois começaram a disputar quem provocava mais ao
estavam namorando.
parecia tão silencioso depois da barulheira do ginásio de esportes... Rick abriu a porta
da frente, abaixou-se e pegou um embrulho de presente, com uma enorme fita vermelha.
- Eu sei, eu sei.
Ela estava empolgada e cheia de curiosidade. Sentia-se aliviada por ter trazido um
eu não sabia o que comprar. Minha irmã sugeriu um livro. Ela disse que a maioria das
Cris abriu o presente, que era mesmo um livro. Levantou-o para ler o título à luz
fraca: Cento e doze utilidades para um hamster morto. Sua empolgação murchou.Que
presente mais esquisito! Será que ele pensou mesmo que ela gostaria de ganhar um livro
Rick sorriu:
- Consegui uma das poucas cópias que sobraram. Este ano vai ser um best-seller.
predileto. Veja só, você dobra um cabide, coloca um hamster em cada ponta e faz um
protetor de orelhas.
Cris não olhou a ilustração, mas encarou-o. Ele fitou-a também e em seguida
- Puxa vida! Como pude ser tão bobo? Você já tem este livro, certo?
- Você é tão estranho, Rick Doyle! É o cara mais esquisito da face da terra!
- É por isso que preciso de uma pessoa como você: bonita, charmosa, que pode me
Cris parou de rir. Ficou quieta, olhando para ele, os olhos azul-esverdeados
procurando decifrar os dele. Como ele conseguia fazer isso? Provocá-la sem dó e logo
em seguida elogiá-la.
- Você é mesmo. Quer dizer, charmosa, falou ele e aproximou-se mais de Cris e,
com voz abafada, completou: na verdade, o que eu queria lhe dar não se pode pôr numa
caixa.
- Isto.
tinha visto.
Cris engoliu em seco e tentou não parecer tão chocada. Por que ele fez isso? E agora?
-Aqui, disse Cris, tirando da bolsa a fita cassete embrulhada para presente e
O sorriso de Rick desapareceu. Parecia desapontado por ela ter reagido como se o
Será que ela deveria ter esperado mais antes de dar-lhe o presente? Cris sentia-se
beijou começaram a evaporar-se. Ela ficou pensando que agora eles iriam voltar para o
ginásio, como se nada demais lhes tivesse acontecido. Seriam apenas amigos novamente
- Muito obrigado, Cris. Foi muito legal da sua parte, disse Rick, jogando a fita no
murmurou: Mas eu estava com esperança de que o seu presente também fosse do tipo
O coração de Cris começou a bater mais forte. Ele queria beijá-la de novo. Mas
será que ela queria? Será que aquilo fazia parte da brincadeira, e agora seria sua vez de
Ela afastou-se depressa. Ele estava indo rápido demais, e isso estava
desconcertando-a. O que será que ele estava pensando? Ela abaixou a cabeça, e ele
- Bem, acho melhor a gente voltar, disse Rick, limpando a garganta e apontando
duas coisas. Cris não sabia o que dizer. Os dois saíram dali caminhando rapidamente.
passando em câmera lenta. Não conseguia parar de pensar no que acabara de acontecer.
O que será que deu errado? Todas as garotas que ela conhecia eram loucas pelo Rick.
Ela também gostava dele. Sentia-se bem quando estavam juntos e quando as pessoas os
viam assim. Gostava de provocá-lo e das brincadeiras que ele fazia com ela. Ele tinha
um jeito de ser diferente de todos os outros rapazes que ela já conhecera. E além disso,
era tão bonito!... E quando a olhava, tendo nos lábios aquele sorriso meio de lado, ela
É verdade que ela ficara imaginando como seria se eles se beijassem. Mas o que
aconteceu no estacionamento foi bem diferente do que esperava. O beijo que sonhara
era doce, inocente e romântico, como o que Ted lhe dera nas férias passadas, em
Newport Beach. Fora bem no meio da avenida, com todo mundo olhando, e ela sentira
Agora, ali no ginásio, durante todo o tempo em que Rick jogava basquete, Cris
não tirava os olhos dele. Ele, entretanto, nem olhava para o lado onde ela estava. Será
que ele também estava confuso? Ou zangado? Será que ela estragara tudo por não ter
Resolvida a conversar com ele antes de ir embora, Cris foi para perto da saída e
ficou esperando. Rick passou por ela, discutindo com um rapaz sobre quem cada um
deles deveria ter marcado na última jogada, e nem olhou para ela.
Cris não queria contar mais detalhes, ainda mais que a mãe de Katie estava ali,
- Então o que é que houve de errado com vocês hoje? Ele passou pertinho de você
- Não houve nada, Katie. Nós somos apenas amigos, disse Cris, assumindo uma
- Não sei, Katie. Ele ainda não telefonou, respondeu Cris, sentindo as palavras lhe
doerem no coração.
Na semana anterior, as duas haviam discutido sobre o Ted. Katie aconselhara Cris
a esquecê-lo - já que fazia meses que ele não escrevia nem telefonava - e a dar em cima
do Rick, que começara a demonstrar um interesse repentino por ela.
Cris argumentara que seu relacionamento com Ted era tão sólido que mesmo que
eles não se vissem durante meses, ainda assim poderiam continuar de onde tinham
Agora ela estava prestes a confirmar se o que dissera era realidade ou não. No dia
seguinte faria uma viagem de carro, de uma hora e meia, de Escondido a Newport
Beach. Iria com os pais e o irmão David, de oito anos de idade, para a casa dos tios Bob
E então, o que será que iria acontecer? Será que Ted se lembraria que em outubro
telefonara e a convidara para tomar um café da manhã na praia, quando ela fosse a
Newport Beach? Será que o relacionamento deles ainda seria como antes? E o que
decorativa e, virando-a, despejou sobre o edredom amarelo uma porção de cravos secos.
Era o que restara do buquê de cravos brancos que Ted lhe dera no dia em que a beijara.
- Senhor, como irá ficar meu relacionamento com o Ted? Como devo agir em
relação ao Rick? Até hoje tudo parecia tão bem!... Será que o Senhor se interessa por
essas pequenas coisas? Claro que sim. O que é que estou dizendo? O problema é que tu
não falas comigo pra me dizer o que devo fazer. Assim seria tão mais fácil...
Fazendo uma pequena pausa, ela apertou uma flor contra a bochecha e, então,
continuou:
- Gostaria de ter uma segunda chance com o Rick e começar de novo, sem deixar
que as coisas se compliquem. Gostaria também que o meu relacionamento com o Ted
continuasse como era nas férias passadas. É isso que quero no Natal, Senhor. Ah, mais
uma coisa: quero te agradar e não fazer nada que entristeça ao Senhor ou a qualquer
outra pessoa.
Preparando-se para ir dormir, Cris pensava se agira corretamente ao apresentar a
Pelo menos fui sincera. Não quero esconder nada de Deus. Ele sabe tudo mesmo!
Então, deslizando sobre o lençol macio, ela cobriu-se com o edredom, apertando-o
Sua mãe, uma senhora baixa e gordinha, em pé ao lado da porta da frente, ajeitou
- Norton, disse ela, você devia levar sua Bíblia. Não sei se Bob e Marta têm uma
em casa.
Cris sabia que ele estava brincando. Sua mãe tivera dificuldade de encontrar um
presente adequado para Bob e Marta, pois o casal tinha tudo. No dia em que chegou do
shopping com uma caixa enorme de queijos importados, embrulhada para presente, por
alguma razão ele achou aquilo muito engraçado, e vinha mexendo com ela por esse
- Cris, disse sua mãe, ignorando a gozação do marido, faça o favor de colocar o
resto das coisas no carro e diga a seu irmão que estamos saindo!
Tinha começado a usar óculos havia algumas semanas e estava desenvolvendo o hábito
Cris achava aquilo horrível, e vivia falando: "Não faça isso, David!" Aí ele franzia
- Vocês dois não vão começar agora, né? Estamos quase chegando. Olhem só para
o mar. Não é lindo? Está com uma cor tão diferente hoje! Parece de vidro, disse a mãe.
- Sinto falta da neve, disse David, fazendo beicinho. Sem neve não parece Natal.
- Isso é porque você nunca teve de passar quatro horas no dia do Natal tirando
neve da frente da garagem com uma pá, para poder sair com o carro, disse o pai. Não
A mãe sorriu e, estendendo a mão, apertou o ombro do marido. Cris sentiu uma
satisfação interior. Fazia anos que não via os pais tão contentes. As coisas tinham sido
muito difíceis para eles na fazenda no Wisconsin. Contudo, desde que se mudaram para
que Cris notou nos pais ocorreram depois que eles começaram a freqüentar a igreja e a
felizes.
*****
Bob recebeu-os à porta de sua luxuosa casa, com vista para a praia de Newport.
Ele estava com um colete vermelho e uma gravata borboleta da mesma cor, com
- Legal! exclamou David, tocando na gravata borboleta. Como é que você faz
isso?
Bob apontou para o bolso direito da calça, mostrando uma caixinha com pilhas.
Então levantou o colete, revelando o fio que a ligava à gravata.
- Nós, os caras dos efeitos especiais, nunca revelamos nossos segredos, disse com
uma piscadela para David. Mas talvez tenhamos mais um desses apetrechos por aqui.
Quem sabe?...
- Por que não me avisou que eles estavam aqui, querido? Entrem, entrem.
Ela estava usando um suéter grande, com aplicação de uma árvore de Natal cheia
de enfeitinhos de lã amarrados.
Cris deu uma olhada rápida em sua família, todos de jeans e blusas amarrotadas.
como sua mãe não parecia estar-se incomodando, resolveu fazer o mesmo.
inclusive um conjunto novo de sofás de três e dois lugares. Havia guirlandas brancas e
prateadas dependuradas na imensa janela e acima da lareira. Perto da janela havia uma
No fundo ela sentia falta do cheiro de pinheiro vivo e das fileiras de pipoca e
frutinhas vermelhas que costumavam enfeitar a árvore de Natal que faziam em casa.
- Acho que sim, disse Marta devagar. Desde que não arranhe o vidro, querida.
O pai de Cris foi tirar as malas do carro, a mãe foi ajudar na cozinha, e ela foi
montar o presépio. Enquanto trabalhava nisso, volta e meia dava uma olhadinha pela
janela, vendo a praia lá fora. Não parava de pensar no Ted. Onde estaria ele agora?
Quando telefonaria? Será que iria procurá-la? Será que tomariam mesmo aquele café da
manhã na praia, como ele prometera? A essa altura, ela nem se lembrava de Escondido,
do Rick e da Katie. O que lhe interessava agora era Ted e os seus amigos que conhecera
A família sentou-se à mesa da cozinha para jantar. Havia sopa e salada. Enquanto
- Planejei um jantar bem levinho, porque tem tanta coisa pra se comer aqui hoje!
Imaginei que ficaríamos beliscando até tarde da noite. Muitos amigos nos presentearam
com comida este ano. E deve ter havido uma liquidação de queijos em alguma loja,
O pai de Cris tentou conter uma gargalhada, mas não conseguiu. Acabou
espirrando sopa por toda a mesa. Então inclinou a cabeça para trás, soltando uma risada
contagiosa. David ria como um louco e fingiu cair da cadeira para chamar ainda mais a
atenção. Cris dava risadinhas incontroláveis. A pobre mãe parecia prestes a chorar, mas
- Será que foi alguma coisa que eu disse? perguntou Marta, confusa, sem saber se
eles estavam rindo dela ou de alguma coisa que dissera sem querer.
Olhou para o marido como a pedir socorro. Bob, sempre gentil e sábio, continuou
- Talvez entendamos melhor quando abrirmos o presente deles hoje à noite, disse
ele, dando uma piscada para a mãe de Cris. Pessoalmente, gosto muito do queijo de
Brie.
Marta ainda parecia confusa, mas assim que todos pararam de rir, voltou a agir
- Acho que deveríamos abrir os presentes hoje à noite, disse ela. Assim poderemos
dormir até mais tarde amanhã e ter nosso almoço especial de Natal à uma da tarde. A
- Isso me faz lembrar uma outra coisa, disse o pai, inclinando-se sobre a mesa,
balançando a colher e apontando-a na direção de David e Cris. Vocês dois vão ficar aqui
com seus tios na próxima semana, mas não se esqueçam de que eles não tinham
obrigação nenhuma de convidá-los. Tratem de encaixar-se nos planos deles, viu?! Nada
monte de presentes, o pai de Cris ofereceu-se para ler a história do Natal, no Evangelho
de Lucas. Ele fazia isso todos os anos, desde que Cris era pequena, e ela sabia a
Entretanto este ano tudo era diferente para Cris. Não só porque estavam na casa
dos tios, mas porque agora ela realmente conhecia a Jesus. Não o via mais apenas como
um nenezinho na manjedoura. Nas férias passadas, ela havia entregado a vida a Cristo,
consagrando-lhe todo o coração. Ele era real para ela, e seu Espírito habitava nela.
- Que lindo! É bom lembrar o verdadeiro sentido do Natal, disse Marta, quando
Norton terminou de ler. Então ela endireitou-se na poltrona e apontou para um pequeno
pacote. David, você será o primeiro, está bem? Foi uma dificuldade encontrar este
presente. O preço subiu muito desde que comprei o do Bob há três anos, mas eu sabia
Isso foi só o começo. Ficaram ali mais de duas horas, abrindo presentes e mais
presentes caros.
achasse aquilo muito legal, sentia que era meio vazio. Já havia vivenciado com os tios
esse tipo de situação - dinheiro e presentes - e nunca se sentira muito bem com isso.
Agora mesmo, o que ela realmente queria era que seu pai lesse novamente a narração
Além disso, Cris estava meio chateada também porque ninguém demonstrara
muito entusiasmo pelas camisetas que ela dera. Ela e Jane, uma amiga de Escondido,
haviam passado três dias pintando-as. Tinham comprado tinta, estênceis e camisetas
lisas, e ela gastara nisso todo o dinheiro que tinha. Divertiram-se bastante, e Cris ficara
tão cuidadosamente pintadas, percebeu que fora um desperdício. Marta jamais usaria
aquela peça.
Pelo menos David gostou da dele. Tinha a estampa de um surfista em cores bem
vivas.
Era uma caderneta de poupança no nome de Cris, no valor de cinco mil dólares.
- Bob, disse Norton com voz seca, isso aí é demais. Não podemos aceitar...
imobiliários lá no Rancho Califórnia rendeu bem mais do que eu esperava este ano.
Achei que seria proveitoso para mim reinvestir esse dinheiro numa causa promissora,
que valesse a pena: o futuro da Cris. Registrei essa conta como um fundo para a
faculdade. Ela só pode mexer no dinheiro depois que completar dezoito anos. Não sei
como os jovens conseguem cursar uma boa faculdade hoje em dia sem um pezinho de
meia.
A mãe de Cris parecia que ia chorar. O pai ainda estava com uma expressão
zangada.
A mãe de Cris sorriu e olhou para o marido. Ele agradeceu com voz rouca. Cris
- Que chateação! disse David. Todo esse dinheiro e ela só pode mexer nele
- Essa "chateação" é para você, David. Você também só poderá receber seu
dinheiro quando completar dezoito anos. Calculo que em dez anos, deve dar um bom
rendimento.
- Puxa vida! Mil dólares! exclamou David, olhando o total. Será que eu podia tirar
- Bob, disse Marta, animada. Por que não entregar o último presente do David?
"Vá ao armário do corredor e veja o que Papai Noel deixou para você!"
Todos foram com ele até o armário. Ele abriu a porta e encontrou no chão um
enorme laço, com uma fita comprida que passava por cima da porta e continuava pelo
chão da cozinha.
- Que legal! exclamou David.
garagem. Bem no meio dela, havia uma bicicleta nova, com um grande laço branco.
David pulou e gritou de alegria, e todos fizeram tanto barulho que Cris só percebeu que
- Você pode atender o telefone, Cris?! Deve ser a sua avó. A garota correu até a
- Feliz Natal!
-Ted?
- Estou.
- Na manhã do Natal?
- Não sabia se você e sua família tinham planejado alguma coisa, então resolvi
arriscar o convite.
- Sim, quer dizer, não. A idéia era dormir até mais tarde. Vou perguntar aos meus
Cris correu até a garagem, sem fôlego. Como ia pedir-lhes isso? Será que seus
David andar em círculos com a bicicleta na garagem vazia. Mãe, um dos amigos que
conheci nas férias passadas está no telefone. Estão me convidando pra tomar café da
manhã com eles amanhã cedo.
- Na manhã de Natal?
- Bem, é que eu pensei que vocês iriam dormir até mais tarde...
- É isso mesmo que nós planejamos. Não vejo motivo pra você não ir.
- Sei não, Cris, disse a mãe, hesitando. Bob aproximou-se e disse com voz calma:
- Acho que não há problema. Vou perguntar ao seu pai. Norton, a Cris está
querendo ir tomar café da manhã na praia com uns amigos amanhã cedo. O que você
acha?
- Mas por que você quer fazer uma coisa dessa? perguntou ele, virando-se e
fitando a filha.
Cris deu uma olhadinha para a mãe, e para os tios. Todos olhavam para Norton
- Ah, tudo bem. Pode ir sim, disse ele. Cris correu de volta ao telefone.
- Sim.
- Tudo bem. Vou poder ir. A que horas nos encontraremos, e o que eu preciso
levar?
- É, vai ser bom te encontrar. Agora acho melhor desligar. Já tomei muito do seu
tempo. Não quero atrapalhar seu convívio com os familiares.
- Não se preocupe. Você não atrapalha. A gente se encontra amanhã cedo então.
- Tchau, Ted. Te vejo amanhã, sussurrou Cris com o fone ainda no ouvido.
Alvorada de Dezembro
3
- O quê?! Quer dizer que vou ter de levar o David comigo? reclamou Cris.
- Eu e seu pai achamos que seria bom o David conhecer alguns dos seus amigos.
Ele não conhece ninguém por aqui. Já que vocês dois vão passar a semana com seus
tios, achamos que seria bom se ele pudesse fazer algumas amizades também.
- Mas, mãe! começou Cris, escolhendo as palavras com cuidado, não vai ter
ninguém por lá com a idade dele. Acho que ele não iria gostar. Não mesmo!
- Então cabe a você fazer com que ele goste. Já está decidido: ou vão os dois para
esse café da manhã maluco na praia, ou não vai ninguém! O que você prefere, Cristina?
A mãe fechou a porta, deixando Cris sozinha no quarto que fora dela durante as
férias que passara ali, na casa dos tios. Ela deslizou sobre o lençol de algodão cor-de-
- Não é justo! murmurou. David vai estragar tudo! Era pra ser só eu e o Ted! Há
semanas estou esperando esse café da manhã, e agora o David vai atrapalhar tudo!
No fundo, sabia que era sua culpa. Ela havia torcido um pouco a verdade com os
pais, dando a entender que seria uma reunião com um monte de amigos e não só com o
Ted. Se eles soubessem que seria só com o Ted, não teriam permitido que ela fosse. Ou
teriam? Em vez de abrir o jogo e perguntar, Cris tentou encobrir a verdade, e agora
estragar isso. Nem mesmo o David. Por que Ted esperou até o último momento para
Ted, você é imprevisível! Me deixa tão frustrada! Por que você me provoca tantos sentimentos
fortes e profundos? Como vai ser amanhã? Você vai me abraçar? Vamos poder bater aqueles longos
- Claro que sim, respondeu Cris em voz alta. Ele telefonou, não telefonou?
Cumpriu a promessa sobre o café da manhã. Até comprou comida! Está vendo, ele gosta
de você! Ele quer ver você. Não seja assim tão insegura!
cinco meses sem vê-lo, como será que ele estaria; como ela o cumprimentaria, o que
vestiria, sobre o que conversariam? Sorriu. Como criança na véspera de Natal, que
sonha com um brinquedo novo, Cris caiu no sono. Hoje ela sonharia mais alto. Sonhos
mais complicados, mas muito mais interessantes. E ao acordar não seria para ver Papai
Noel e uns presentes, mas para ir a um café da manhã na praia, com o Ted.
Às cinco e meia o despertador tirou-a dos seus doces sonhos. A sua vontade era
dormir mais uns dez minutos, mas sabia que não podia. Levou mais de uma hora para
tomar banho, lavar o cabelo e fazer escova. Então resolveu passar um pouco da sombra
nova que Marta lhe dera de presente de Natal. Experimentou a lilás e a marrom, mas
achou que ficara com aparência apagada, com o aspecto de quem não dormiu direito.
delineador azul-escuro. Não costumava usar tanta maquiagem, mas hoje queria se
Escolher a roupa foi fácil. Marta lhe dera um suéter de que gostara muito. Era de
Vestiu então sua calça jeans predileta, um pulôver de gola rulê e o suéter de
- Vá embora.
- Está bem.
Cris começou a sair de fininho, com uma idéia em mente. Se o David não se
levantasse, embora ela tivesse tentado acordá-lo, não seria sua culpa se ele não fosse
Droga!
- Que cheiro?
- De flor podre.
Era o odor do perfume novo, Jungle Gardenia, que Cris borrifara no cabelo e na
- Vamos depressa, David. Vou sair daqui a cinco minutos. Arrume-se rápido.
Cris entrou na cozinha e encontrou o tio Bob preparando uma cesta de piquenique.
- Bom dia, Olhos Brilhantes. Você está linda! disse ele, respirando fundo ao sentir
o perfume. Eta cheirinho... ãa... "bonito", falou Bob, com uma tosse forçada... bonito, é
Coloquei algumas coisas gostosas nesta cesta para você e seus amigos. Espero que
- Tio Bob? Posso confessar uma coisa? Bob parou de arrumar a cesta, voltando
- Bem, uns dois meses atrás o Ted telefonou pra mim. Ele ainda estava na Flórida.
Disse que a mãe dele iria se casar e mudar pra Nova Iorque, e ele voltaria a morar com o
pai, aqui em Newport Beach. Bom, então ele me convidou pra tomar um café da manhã
Bob sorriu.
- Então você ficou com medo de que seus pais não a deixassem ir sozinha, e deu a
entender que a turma toda iria, não foi? Cris acenou que sim com a cabeça.
- Eu desconfiei, disse Bob, apertando a mão de Cris. Olha, ontem à noite, depois
que seus pais disseram que o David teria de ir com você, eu bati um papo com eles.
Falei muito bem do Ted, e eles acharam que não haveria problema, já que o David
estaria com você. Mas Cris, você precisa entender que esse tipo de coisa machuca seus
pais. Vai acabar perdendo a confiança deles agindo assim. Eu acredito em você, Cris. E
A essa altura ela já estava chorando, e as lágrimas escorriam pelo seu rosto,
sussurrando:
oportunidade, conte tudo aos seus pais. Eles vão entender. Já foram jovens um dia.
David empurrou a porta da cozinha e foi direto à bandeja de doces que estava em
cima do balcão.
- Quando é que nós vamos? perguntou, enfiando dois chocolates na boca de uma
vez.
- Ainda tem uma manchinha na bochecha, disse Bob, enquanto ela limpava a
- Gosto mais de você ao natural. Seus olhos não precisam de nenhum realce.
- Aqui, leve um cobertor para sentar e essa garrafa térmica de chocolate quente. É
receita minha, disse Bob. As canecas estão na cesta junto com os croissants e as frutas.
- Vamos, David!
- Obrigada, tio Bob, disse Cris, jogando o cobertor para o irmão. Você leva isso,
David!
- Vou ter de levar isto? reclamou ele, com a mão cheia de chocolates.
- Senhor, sussurrou ela. Peço-te perdão pela confusão que fiz. Não quero esconder
Lá estava ele!
Alto, de ombros largos, loiro, vestindo short e uma blusa de esqui preta e amarela,
Cris começou a apressar os passos. David seguia logo atrás. Ted estava lá a
poucos metros, mas ela não conseguia pensar em nada para dizer.
- Ei, cara!
Cris olhou para cima. Ted estava logo ali, confiante e sorridente.
Então ela parou. Parecia que tudo que sentia por ele virara um novelo de emoções
- David.
Então ele virou-se, pegou a prancha de fibra de vidro e pôs a mão no ombro de David.
Espere um pouco! O que está acontecendo? Ted! Por que você saiu assim com meu irmão e
Cris ainda estava segurando a cesta e o cobertor. Eu devia ter jogado essas coisas no
chão assim que vi você! Devia ter largado isso e ter corrido para abraçá-lo, do jeito que eu tinha
Agora ela estava ali feito uma idiota, parada, abraçando o cobertor.
Vamos lá, Cris! Dê um jeito! Faça alguma coisa, finja que esta se divertindo. Daqui a pouco
eles voltam.
Então ela começou a agir. Estendeu o cobertor e verificou o que eles tinham para
comer. Enquanto isso tentava elaborar um "Plano B", no qual ela própria, e não David,
seria o centro de atenção. Logo ela encontrou tudo de que precisava e, arrumando as
Volta e meia ela dava uma olhada para a beira do mar, onde Ted demonstrava a
técnica de utilização da prancha skim. Ele esperava a onda retroceder, jogava a prancha
sobre a areia molhada, corria, pulava nela e descia alguns metros na linha da costa, antes
de chegar outra onda. Quando esta também recuava, ele repetia os mesmos passos.
Ted parecia mais alto e atlético, e seu cabelo estava um pouco mais escuro, mas
ele ainda o usava bem curtinho. Observando-o à distância, Cris sentia-se como se
estivesse assistindo a uma fita de vídeo, e não ali na praia, preparando o desjejum dos
seus sonhos.
O bacon pipocando chamou sua atenção de volta para o fogo. O cheiro estava
delicioso. Ela virou cada fatia com cuidado, evitando que ficassem torradas demais.
Parecia que Ted tinha-se lembrado de tudo: pratos, talheres, e até toalhas de papel para
dedos tivessem ficado engordurados ao fritar o bacon.) Contudo eles ficaram prontos
bem depressa. Cris sentia-se a própria "pioneira", e estava ansiosa para que Ted
Como eles não responderam, ela aproximou-se mais de onde eles estavam e gritou
de novo. Ainda não escutaram. Ela correu os olhos de um lado a outro da praia. Não
impaciência.
Finalmente eles voltaram. Ted, sem fôlego e com o rosto vermelho, correu até ela,
com a prancha molhada debaixo do braço, e deu-lhe um rápido abraço. A garota sentiu-
se estremecer.
Sem dizer nada, ela passou o braço pela cintura dele, e eles se dirigiram em
- As gaivotas, disse Ted, segurando um prato de papel com uma fatia de bacon.
Acho que elas pensaram que era um presente de Natal pra elas.
- Ah, não! exclamou Cris. Olhe só para os ovos! Elas estragaram tudo!
mais.
- Eu já comi, disse David, com marcas de chocolate no lábio inferior. Posso usar
- Claro, cara, disse Ted, mastigando a fatia de bacon que restara. Virando-se então
para Cris, falou: Nada mal. Foi por isso que as aves gostaram tanto.
Ele parecia tranquilo e nada incomodado com a situação. Cris sentia-se frustrada,
- Ah, acabei de me lembrar! Meu tio preparou .algumas coisas pra gente, disse ela,
levantando a tampa do cesto. Tem bastante comida aqui. Você gosta de croissant?
importado.
Cris riu e contou a história do excesso de queijos que Bob e Marta ganharam no
Natal.
passou geléia de morango nele. Então colocou os pés úmidos perto da fogueira e disse:
Cris não sabia se devia fechar os olhos e abaixar a cabeça, ou olhar para o céu
como o rapaz estava fazendo. Ela nunca ouvira ninguém falar com Deus daquele jeito.
Mas Ted era mesmo um cara diferente, e não costumava orar como as pessoas em geral.
- Tem um pouco de geléia bem aqui, disse Cris, limpando com cuidado o canto da
- Obrigado.
Ele olhou para Cris de um jeito diferente, como ela nunca vira antes. Era um olhar
forte, profundo, intenso, que reacendeu todas as lembranças que a moça tinha dele,
todas as emoções. Naquele momento, ela se deu conta de que era mesmo o Ted que
estava com ela ali na praia. Esta era a manhã com a qual tanto sonhara e seu sonho
Parece que quando os sonhos se tornam realidade, eles nunca acontecem do jeito que
esperávamos. Eles vêm alterados e nos deixam desapontados, com a sensação de que não
obtivemos o que queríamos. Não sei a quem culpar: ao sonho em si ou à realidade que o modifica.
Foi assim que Cris começou a página do diário na noite de Natal, enrolada nos
A manhã na praia não fora exatamente como ela esperava. Tinha passado depressa
demais. Enquanto comiam, Ted falou sobre o casamento de sua mãe. Mas quando Cris
começou a sentir-se à vontade para curtir o encontro, ele se levantou de repente e disse
que havia prometido aos pais do Sam que estaria na casa deles às nove horas. Foi
embora sem dizer nada especial. Não a abraçou e nem sequer comentou quando lhe
Ela sabia que Ted e Sam haviam sido muito amigos durante anos, mas Sam
morrera havia alguns meses. Por que Ted estava deixando-a para passar o dia com os
trás. O café da manhã dos seus sonhos acabara e ela se sentia abandonada. Desprezada.
Provavelmente teria ficado por lá mais algum tempo, apesar da friagem, sentindo
pena de si mesma, se não fosse pelos choramingos do irmão que estava molhado até os
ossos e insistia em voltar para casa. Então, juntou as coisas, e saiu andando pela areia,
irritada e chateada. Para trás ficou só a fogueira, que dentro em pouco viraria cinzas.
De volta em casa, seus pais lhe perguntaram sobre "aquele desjejum maluco". Cris
sentou-se com eles à mesa da cozinha e começou pedindo desculpas por não ter
Marta ficou entrepondo seus comentários favoráveis sobre o Ted e David fez o
mesmo, dando todos os detalhes de como Ted lhe ensinara a usar a prancha de skim.
- Mas lembre-se, você só poderá namorar depois que completar dezesseis anos,
acrescentou o pai. Pode passear na companhia do Ted e sair com seus outros amigos
esta semana, desde que não vá sozinha com ninguém, como se namorasse.
- Não minta nem para sua mãe, nem para mim; nunca. Se quiser ter mais liberdade
- Queremos confiar em você, Cris, disse o pai, abrandando um pouco o tom. Mas
sempre.
Cris se sentia humilhada. Todo mundo olhava para ela enquanto seu pai lhe dava
aquele sermão.
- Se não confiássemos em você, Cris, não a deixaríamos ficar aqui esta semana,
Podem confiar em mim. Já fiz uma porção de decisões certas que vocês nem sabem. Estou-
Mas não disse. Limitou-se a dar um sorriso amarelo e assentir com a cabeça. A
mãe sorriu. Marta e Bob também. Ninguém disse nada. Apenas sorriram. Mas eram
sorrisos forçados, tensos.
- Bem, disse Cris, obrigada por deixarem eu e o David passarmos a semana aqui.
Ela saiu da cozinha e foi se trocar, colocando um moletom. Sabia que o pai tinha
razão ao falar sobre honestidade e confiabilidade, e bem que ela merecia o sermão.
Mesmo assim, sentia-se pequena e abalada, como se tivessem arrancado dela as poucas
Agora, no final do dia, tentando escrever tudo que passara, sentia-se ainda mais
deprimida. Sabia que não poderia dar bola fora durante esta semana. Mas de alguma
forma, sem desobedecer às instruções dos pais, tinha de arrumar um jeito de passar mais
tempo com Ted. Eles haviam dito que ela podia vê-lo. Só não podia sair com ele.
Então teria de pensar num monte de coisas que se poderia fazer em grupo. Juntar a
turma das férias para que pudesse passar mais tempo na companhia dele.
Sua última frase na página daquele dia foi: Esta semana tenho de descobrir como o Ted
me vê - só como amiga ou o quê. Preciso saber em que pé está nosso relacionamento e no que vai
dar.
Ela tinha o número do telefone dele. Ao apagar a luz, Cris resolveu que se ele não
telefonasse até o meio-dia, ela ligaria para ele e planejaria alguma coisa para fazerem.
No dia seguinte, o telefone tocou exatamente às 11:45. Mas era Trícia, não o Ted.
De início, Cris sentiu-se frustrada de que Trícia tivesse telefonado bem àquela hora, mas
Afinal de contas, Trícia era sua amiga! E queria encontrar-se com ela também.
Trícia era muito amiga de Ted. Podiam todos fazer algum passeio juntos. Cris mudou
rapidamente o tom de voz e convidou a amiga para vir à casa da tia. Juntas poderiam
Assim que desligou, viu Marta descendo a escada, de calça preta, blusa branca e
Cris suspirou fundo e deu dois passos para ela. No momento estava mais alta que
- Tia Marta, eu não sabia que íamos fazer compras. Você falou comigo sobre isso
mais cedo?
- Como eu não sabia dos seus planos, fiz os meus. Convidei a Trícia pra vir aqui.
- Eu não pretendia estragar seus planos. É só que você não tinha me falado.
- Entendi, declarou Marta, apertando os lábios. Com uma virada brusca, ela gritou
- David, quero que você desligue essa televisão imediatamente e venha comigo,
querido.
- David! gritou Cris mais alto que a tia, faça o que a tia Marta está mandando;
agora!
Daí a pouco ele aparecia na porta vestido com uma calça de moletom e uma
- David, vamos sair para fazer compras agora. Vá pentear o cabelo e calçar os
- Tem, disse Cris com firmeza, embora por dentro estivesse tentando conter uma
risada.
Não sabia quem deixaria o outro maluco primeiro, Marta ou David. Sem dúvida
Cinco minutos depois, eles tinham saído e David já estava implorando à Marta
Bob ajudou Cris a procurar o que precisava na cozinha. Ela ficou muito surpresa.
Em casa, eles nunca tinham tanta comida na geladeira. A despensa de sua casa não tinha
tanta variedade ou quantidade. Ali havia até diversos tipos de chocolate granulado,
brownies maravilhosos!
- Isso é pra você, disse. Eu e minha mãe fazemos chocolate todo ano. Espero que
goste.
- Está brincando! Adoro tudo que é de chocolate. Obrigada, Trícia. Mas agora me
- Não liga não, disse Cris rindo e conduzindo Trícia para longe do tio maluco, em
direção à cozinha. Vamos! Vamos fazer os brownies. Temos ingredientes pra umas duas
receitas. Acho que poderíamos fazer uns a mais pra levar pra algumas pessoas hoje à
tarde.
Era uma garota tipo mignon, com o cabelo castanho amarrado num rabo de
cavalo.
- Não precisa explicar, Cris. Sei o que você quer dizer. É, acho que o Ted vai
- Existe alguém em especial pra quem você gostaria de levar alguns brownies7
perguntou Cris, curiosa para saber se Trícia estava de coração inclinado para algum
rapaz em particular.
interessada em alguém, continuou hesitante, mas acho que ele não se interessa por mim.
- Quem é?
- Não posso dizer. Eu me sentiria muito mal se todo mundo ficasse sabendo que
- Se ele demonstrar algum interesse por mim, eu lhe conto. Se não, vou ter de
desistir dele.
- Eu conto. Prometo. Mas só se eu achar que posso ter esperança, está bem?
- Tudo bem.
As meninas concordaram e passaram a trabalhar.
A cozinha de Bob e Marta era maravilhosa. Havia muito espaço para trabalhar e
toda espécie de medidas e tigelas. Começaram com uma tigela enorme e fizeram a
receita dobrada que tio Bob lhe dera, utilizando manteiga batida com açúcar. Depois
punhado de amendoins.
de castanhas na boca.
- Acho engraçado que nós acabamos de comer umas dez mil calorias em castanhas
- Não liga não. Vou tomar é água. Já estou um pouco enjoada de tanto amendoim
que comi.
- Eu também, replicou Cris. Vamos enfiar essas duas assadeiras no forno para
podermos levar logo para o Ted. Você coloca no forno e eu vou procurar umas caixas.
E pôs-se logo a trabalhar, forrando duas caixas bonitas com papel de seda. Daí a
- Será que devemos levar agora? indagou Cris, pensando ao mesmo tempo que
não gostaria que Trícia a considerasse mandona nem que achasse que ela só queria a
o que a minha mãe sempre faz. Mas é melhor darmos uma limpada na cozinha.
- Eu lavo as vasilhas. Você quer colocar uns brownies num pratinho de papelão
- Cris! Cris! disse Trícia fingindo reprovação. Eu já lhe disse que só lhe conto se
ele demonstrar algum interesse. Não gosto quando vira uma brincadeira e todo mundo
sabe que a gente gosta de um cara, menos ele. Depois os amigos todos chegam pra ele e
dizem: "Sabe da última? A Trícia gosta de você..." Daí o pobre coitado tem de decidir
se vai quebrar o meu coração ou entrar na brincadeira da turma. Não quero fazer esse
- Com...? disse Cris, tentando fazê-la falar. Trícia cobriu a boca com a mão.
relacionamento assim e de repente viu o que estava acontecendo, e disse: "Espere aí!
São os outros que querem isso, não eu!" E a vontade era começar tudo de novo e ser
apenas amigos sem as pressões que os outros fazem pra gente namorar? Cris puxou uma
banqueta e sentou.
- Trícia, sei exatamente o que você quer dizer. Tem um rapaz na minha escola, o
Rick, e eu não sei se realmente gosto dele ou se gosto dele só porque todo mundo fica
dizendo: "Ah, o Rick perguntou por você hoje. Ele gosta de você. Dá pra notar". É, eu
sei exatamente o que você quer dizer, e não vou chateá-la mais.
- Sim e não. Não sinto por ele o mesmo que sinto pelo Ted. Fizemos o café da
manhã na praia, mas nada saiu como eu achei que sairia. O Ted foi embora sem dizer se
telefonaria nem nada. E fiquei muito chateada, mas não estou me preocupando em saber
se ele gosta de mim ou não. Acho que na próxima vez em que nos encontrarmos,
- O Ted é mesmo desse jeito, não é? É o cara mais leal que existe. Assim que
- Exatamente! Mas não é assim com o Rick! Quando vim pra cá, dois dias atrás,
ele estava meio de mal comigo. Nem sei como será nosso relacionamento quando a
-É!
- E é por isso que apesar de eu gostar muito desse cara, vou esperar que ele
- Você é muito sensata, Trícia. Acho bom isso, disse Cris voltando-se para a pia e
terminando de colocar as vasilhas na lavadora. Não sei se lhe agradeci pela Bíblia que
- Agradeceu. E falando no Ted, vou telefonar pra ele e verificar se está em casa,
disse Trícia.
- Boa idéia! exclamou Cris, que mal podia esperar para sair. Vou só escovar o
cozinha, conversar abertamente com Trícia, como se sempre tivessem sido ótimas
Essa parte parecia boa demais para ser verdade. Depois de ter passado cinco
com ele, agora ele estava tão próximo que ela podia simplesmente caminhar até sua
sabia que todos os momentos que passasse com Ted tinham de ser bem aproveitados.
Amigos de Todas as Horas
5
- Esperem um pouco, meninas! gritou Bob quando elas estavam saindo da porta.
Quase me esqueci. Também tenho um presente para o Ted, continuou ele, aparecendo
- Um presentinho que acredito que um cara como o Ted vai apreciar muito.
A tarde estava um pouco quente, mas ventava um pouco e Cris ficou alegre por
estar de blusa de moletom, a que sua tia lhe comprara em San Francisco, nas férias
passadas. Era azul e branca, com uma estampa de veleiros na frente. Ficou pensando se
o Ted ainda usava o moletom que ela lhe comprara no mesmo lugar. E outra pergunta
ainda mais importante era: "Será que o Ted vai gostar da camiseta que pintei pra ele?"
- Sim, todo ano eu o presenteio. Este ano comprei uma fita. A última da Debbíe
- Não, comprei uma, mas acabei dando-a para o Rick. Depois achei que era
melhor não ter dado, pois ele pareceu não gostar muito.
- Um livro bobo. Foi uma brincadeira. Alguns caras têm idéias tão estranhas!
- Comprei uma camiseta para o Ted, explicou Cris, mas não sei se devo dar. Pintei
- A não ser o café da manhã, lembrou Trícia. Fiquei impressionada quando soube
que ele comprou as coisas e aprontou tudo. Isso é um bom presente, pelo menos na
minha opinião.
- Você tem razão. Eu deveria ser mais grata. É que as gaivotas comeram tudo, e o
Ted acabou passando mais tempo com meu irmão do que comigo!
- Ainda assim, Cris. Que garota não adoraria que o namorado tivesse esse trabalho
- Meu namorado?
- Bem, o Ted é muito seu amigo. A impressão que dá é essa. Trícia e Cris viraram
- Sabe duma coisa? Eu queria que existisse uma palavra pra quando a gente é mais
- Sei bem o que você quer dizer, completou Trícia. E tinha que existir uma palavra
entre "gostar" e "amar". A gente só pode falar que "gosta" de um cara, ou então que está
pra ela.
Parou em frente de um sobrado estreito, de frente para a rua, não para a praia.
Vista de fora, parecia menor que a casa de Bob e Marta, mas mais nova.
- Feliz dia depois do Natal! exclamou Cris animada, quando Ted atendeu a porta.
Era a sala mais bagunçada que Cris vira em sua vida. Folhas de papel, louças
usadas e roupas estavam espalhadas por todo lado. O mais óbvio, porém, era a ausência
de qualquer enfeite de Natal. Não havia árvore, nem guirlandas, nem arranjos. Nenhuma
evidência de que ali morava uma família ou de que tivessem comemorado o Natal.
- Desculpe a bagunça, falou Ted, ajeitando um lugar no sofá para elas sentarem. A
faxineira ainda não veio esta semana. Meu pai está na Suíça.
- E o que você fez no Natal? indagou Trícia. O rapaz virou-se para Cris, e sorriu.
- Tomei o café da manhã na praia com a Cris e depois fui para a casa dos pais do
Sam.
- Aposto que eles gostaram de você ter ido lá. Em seguida, estendeu a sacola de
- Nós duas lhe desejamos feliz Natal com um dia de atraso, ou um ano adiantado,
Ted sentou-se e juntou as caixas no colo. Abriu primeiro a sacola que Bob
mandara. Cris soltou uma exclamação ao ver Ted tirar um punhado de triângulos de
queijos importados.
- Legal! disse o rapaz. Será que é do mesmo tipo que nós comemos no desjejum?
- Quem sabe? respondeu Cris, abanando a cabeça. Temos uma variedade tão
grande de queijos em casa! Foi meu tio que mandou. Eu não sabia o que ele tinha
colocado na sacola. Abra a caixa. Sei que vai gostar do que tem nela.
- Eu e a Trícia. Gosta?
Ted enfiou mais dois na boca antes de responder.
- Definitivamente!
- Agora experimente meu chocolate, falou Trícia abrindo a caixa para ele.
Ted acedeu, enfiando o maior dos pedaços na boca. As meninas riram dele
Cris sentiu medo de que ele não gostasse. Será que a usaria? Não teria sido melhor
- Está realmente bonita, Cris, comentou Trícia. Foi ela mesma que pintou, Ted.
Sabia?
- É mesmo?!
Cris sentia o rosto avermelhar-se. Acenou que sim, aliviada por ele ter mesmo
gostado. Ted ficou de pé, passou por cima de uma pilha de jornais e deu um abraço em
- Muito obrigado, Cris. Muito obrigado, Trícia. Pegou outro chocolate e dirigiu-se
à cozinha.
arrumada neste lugar, cochichou Trícia para Cris, enquanto Ted ainda estava na
cozinha. Está uma bagunça total.
Pela primeira vez na vida, Cris sentiu pena de Ted e isso a surpreendia. Antes, o
rapaz lhe inspirara diversos tipos de emoção, mas nunca pena. Agora, vendo-o nessa
casa com seus móveis caros, mas toda desarrumada, e sabendo que ele passara o Natal
totalmente sozinho, sentiu o coração condoer-se. Como os seus pais podiam abandoná-
Talvez o café na praia tivesse sido um momento muito especial para o Ted
também. Cris estava descobrindo um lado do rapaz que era totalmente diferente, e
- Claro.
Ela ligou o aparelho de última geração e tirou a fita que estava no toca-fitas.
Olhou para ela antes de colocar o novo cassete da Debbie Stevens, e exclamou:
- Ted! Por que você não me disse que já tinha esta fita?
- Ela é legal, explicou ele entregando-lhes os refrigerantes. Vou ficar com uma
- Mas se não tivesse tirado o papel celofane, eu poderia ter trocado por outra fita
- É o seu presente de Natal, Trícia. Eu jamais devolveria uma coisa que uma
- Essa é boa, hein, disse Trícia virando-se para Cris. "Amigos de todas as horas."
- Quando vínhamos pra cá, estávamos discutindo que nome seria melhor para o
sentimento que está entre "gostar" e "amar" e entre "apenas amigos" e "namorados".
Você teria uma sugestão melhor do que "amigo de todas as horas"?
- Vamos ter de pensar mais nisso, sugeriu Trícia. E sabe o que mais eu gostaria de
fazer esta semana, para aproveitar que estamos todos juntos? Queria conversar sobre
coisas da Bíblia. Quem sabe, podemos todos ler o mesmo trecho e depois nos reunirmos
Ted e Cris olharam-na como se não soubessem ainda o que responder à sugestão.
- Ótimo! exclamou Trícia parecendo muito satisfeita por ter feito a sugestão.
- Quer dizer, vocês poderiam ir lá em casa ou a gente podia fazer alguma coisa
juntos.
- Podíamos ir ao cinema, sugeriu Trícia. Isto é, se tiver passando algum filme que
Quando morava no Wisconsin, desde que se entendia por gente, ela ia com os
amigos patinar na lagoa que havia perto de sua casa e que congelava no inverno. Sem
- Boa idéia! disse Trícia. Vamos juntar a turma e ir à pista de patinação de Costa
Mesa. Se todo mundo ajudar na gasolina, você leva a gente na kombi, Ted?
Trícia. Podemos almoçar lá por volta do meio-dia. Minha mãe não se importa. Daí a
- Também vou ter de sair, falou o rapaz. Combinei de encontrar com o Douglas.
Nada". As duas meninas sentaram no banco da frente, com a Cris no meio, junto ao
Ted. Quando chegaram em frente à casa de Bob e Marta, ela desceu. Ted agradeceu
mais uma vez pela camiseta e pelos brownies, virando ligeiramente o rosto para ela.
Disse o seu breve "Até logo" de sempre, e saiu rodando com a Trícia a seu lado.
Cris acenou para seus dois "amigos de todas as horas" e entrou animada em casa.
Agora não se importava de que o café da manhã com o Ted tivesse sido meio
decepcionante. No dia seguinte iriam patinar no gelo, e ele seguraria a sua mão. Na
verdade, estariam mais do que apenas "se gostando". Talvez até começassem a estar "se
amando".
Patinando Por Aí
6
Naquela noite, à mesa do jantar, David remexia a verdura no prato e falava das
- Ela me fez comprar uma camisa cor-de-rosa. Cor-de-rosa! disse ele franzindo o
- David fica muito bem em tons pastéis. E na verdade não é cor-de-rosa. Eu diria
parquinho de brincar.
- Você está ficando meio grandinho para brincar no parquinho, não acha, querido?
comentou a tia.
Seu rosto bem maquiado parecia alterado. Cris ficou a imaginar como teria sido
- Lá em Balboa tem um parque para crianças grandes, disse Bob. Que tal irmos lá
amanhã, David? Se ainda posso brincar lá, tenho certeza que você também pode.
David concordou, sorrindo, a boca cheia de batata assada - uma cena nada
atraente.
- Eu já tenho planos pra amanhã, tia, disse Cris devagar. A Trícia me convidou pra
almoçar com ela e depois a turma vai patinar no gelo. O Ted nos levará no carro dele.
Pode ser?
depressa sua agenda social para esta semana! Acha que sobrará algum tempo para nós?
- Resolvemos isso hoje, tia Marta. Não sabia que tinha outros planos!
Tempos atrás, querida tia, você me "empurrou" pra praia pra que fosse conhecer esses novos amigos!
Cris olhou para o tio Bob e a seguir respondeu numa voz doce demais:
Satisfeita, Marta sorriu, olhou para o prato e devagarinho deu mais uma garfada.
Cris só podia pensar: Um dia inteirinho. Vou ter que acabar passando um dia inteirinho com
-Agora lembre-se! Temos planos para amanhã. Nada de combinar outro programa
Cris concordou e agradeceu-lhe a carona, mas por dentro ficou chateada. Nas
férias passadas sua tia tinha conseguido manobrá-la em tudo, mas agora isso a irritava
Contudo seu pai lhe pedira que se lembrasse de que era hóspede e deveria
onde dois rapazes estavam plantados na frente da televisão, jogando vídeo game.
Dali avistou o Ted na cozinha, ajudando a Trícia e a mãe dela a fazer as pizzas.
Ele salpicava um punhado de queijo ralado sobre a massa e em seguida enfiava outro
Ele havia mudado bastante desde as férias passadas. Viera passar em casa as
festas de fim de ano, após seu primeiro semestre na Universidade Estadual de San
Diego. Parecia mesmo um universitário: o cabelo loiro curto dos lados, mais cheio na
frente, camisa xadrez bem passada e combinando perfeitamente com o blusão amarelo
- Oi, Douglas!
- Oi! Como vai? indagou, dando-lhe um abraço desajeitado. Vem sentar aqui.
Conte pra gente como estão as coisas em Escondido. Como vai a escola? Gosta mais
Com o canto dos olhos ela percebeu que naquele momento Ted entrava na sala.
Será que vinha conversar com ela? Não, voltou para a cozinha.
Douglas falava sobre a faculdade e sua camionete nova. Então, sem mais nem
menos, exclamou:
- Sabe, Cris, estou tão contente de você estar aqui e de saber que tudo está indo
bem!
Deu-lhe outro abraço rápido e desajeitado. Isso era típico do Douglas. Estava
Naquele instante, Trícia apareceu na sala. Quando viu os dois ali, fez uma
refrigerantes, pratos de papel e três pizzas fumegantes. Douglas surrupiou uma azeitona
e Cris deu-lhe um tapinha de brincadeira na mão. Percebeu o olhar de Trícia e mais uma
- Vamos orar, gente, sugeriu Brian, pegando as mãos dos que estavam ao seu lado.
O resto da turma seguiu o exemplo. Douglas pegou a mão de Cris e ela segurou a
de Helen do outro lado. A mão de Douglas era forte, um pouco áspera mas muito
quente.
Queria estar segurando a mão do Ted em vez desta. Ou será que queria? Douglas parece
interessado em mim, mas será que está mesmo? Por que será que a Trícia anda me dirigindo uns
olhares de zangadona? Será que ela queria que eu fosse ajudar a fazer as pizzas? E por que está ao
Cris sentiu vergonha por não ter escutado nem uma palavra da oração do Brian.
Colocou uma fatia de pizza num prato, pegou uma lata de refrigerante e foi sentar-se à
mesa da cozinha, ao lado da Helen. Manteria distância dos rapazes por alguns minutos
- O seu cabelo já dá pra fazer trança, disse Lillian. É incrível como cresceu
depressa!
- Gosto dele comprido, disse uma voz masculina. Cris virou e viu o Ted sentando-
se ao seu lado.
- O quê? indagou Helen com voz aguda. Você gosta do cabelo da Cris comprido?
Quando foi que a viu de cabelo longo?
Ted deu uma mordida na pizza, "puxando" um longo fio de queijo derretido.
de Cris. A moça se sentiu animada com a repentina atenção recebida, mas ao mesmo
tempo, meio sem jeito. Ted engoliu, e olhou direto para Cris com uma expressão que ela
- Chegava quase à cintura, disse. Gostava dele daquele jeito, Calou dando mais
Cris ficou parada, repassando as recordações que tinha dele. Ela viera à Califórnia
em julho com cabelo comprido, mas cortara-o curtinho um dia antes de conhecer o Ted.
- Trícia, disse Helen. Você já viu a Cris de cabelo comprido? Estes caras aqui
estão sendo malvados, dizendo que gostavam mais dela de cabelo comprido.
segredo.
- Quando cheguei aqui nas férias, eu tinha mesmo cabelo comprido! Mas cortei
um dia antes de conhecer vocês. Não sei onde esses caras me viram de cabelo comprido
a não ser que... ela parou. Oh não! Eram vocês os caras que debocharam do meu maiô
Douglas deve ter percebido a sua intenção porque engoliu a pizza rapidamente,
- Não fomos nós que dissemos aquelas piadinhas não. Mas notamos você naquele
dia, sim.
Douglas quase engasgou com sua coca quando Ted disse isso. Agarrou um
Cris sentiu vontade de sair correndo e chorar até não poder mais. Como podiam
fazer uma coisa dessas com ela? Aquela experiência fora horrível. Alguns surfistas
tinham rido do seu maiô que parecia uma "vagem". Que maldade do Ted e Douglas
- Gosto do seu cabelo agora, mas gostava bastante também quando estava
comprido.
Cris sentiu o coração bater forte. A impressão deixada pelo sussurro de Ted, o
Por que você sempre faz isso comigo, Ted? Sempre me coloca nessa montanha russa, e, o
Helen, a magrinha, ficou com o rosto vermelho e bateu a lata de Coca Cola na
mesa.
- Vocês rapazes são todos uns... uns...
- Bem, talvez nós, meninas, simplesmente não queiramos patinar com vocês
"malas". O que vocês acham, Trícia, Cris, será que deixamos esses caras aqui e vamos
ao shopping!
liguei para o rinque de patinação e eles vão nos dar um desconto porque somos mais de
oito pessoas.
- Devíamos deixar os rapazes irem sozinhos e pagarem mais caro, disse Helen,
- Eu também não guardaria uma coisa suja dessas na minha boca, não, disse
Douglas.
E foi assim o tempo todo, na ida para o rinque. Pareciam dois meninos de oito
anos, soltando piadinhas infantis. Cris ficou irritada com o jeito deles. E falou de sua
frustração para Helen num momento em que estavam sentadas num banco, olhando o
Alguns fios de seu fino cabelo loiro haviam-se soltado da trança e dançavam em
volta de seu rosto. Ela dava a impressão de ser muito simples, uma pessoa totalmente
confiável.
- Eu realmente gosto muito do Ted. Mas não consigo saber o que represento para
ele. Um dia, ele age como se gostasse de mim, e no outro, é uma peste.
- Isso é porque não sabe o quanto você gosta dele! Você é bonitinha e amável com
todo mundo. Aposto que ele não tem a menor idéia de que você está mesmo interessada
- E isso é que é mais esquisito, confessou Cris. Lá na casa da Trícia, quase pensei
que ele estivesse com ciúme porque me viu conversando com o Douglas. Mas aí ele e
Douglas ficaram falando todas aquelas coisas sem graça. Minha vontade foi de dar uns
- E devia ter dado! exclamou Helen. Sabe, acho que talvez seja por aí mesmo!
- Não! falou Helen rindo. Fazer ciúmes nele. Ele é meio devagar, você sabe.
- É, eu sei.
- Sei não, Helen. Acho que não é certo fazer esse tipo de jogo com os sentimentos
- Ah, experimente! O que você tem a perder? Chame o Douglas pra patinar e veja
pessoal girando por ali. Viu Ted patinando devagar na periferia do rinque com duas
meninas mais novas a cercá-lo, prontas para "atacar" se ele caísse, o que acontecia com
certa frequência. Talvez Ted fosse um grande surfista, alto e bonitão, mas nos patins era
Cris sorriu, lembrando de quando ela e Paula, sua amiga do Wisconsin, tinham
aquela idade. As duas costumavam ficar em volta dos rapazes mais velhos e mais
atraentes, sonhando com o dia em que estariam no segundo grau e exagerando as
Agora Cris estava no colegial e era bastante grandinha. Será que ainda seria capaz
dessas infantilidades? Será que a idéia da Helen de "fazer ciúmes no Ted" não seria tão
tola quanto algumas das que ela e Paula tinham inventado, quando cursavam o primeiro
grau?
Cris queria estar no meio da pista com o Ted a segurar-lhe a mão, do jeito que
sonhara na véspera.
- Ainda bem que você está aí, disse Douglas, chegando de repente por trás. Estava
Cris detestava quando gaguejava desse jeito. Não queria entrar no "jogo" de fazer
o Ted ficar com ciúme, mas fora Douglas que a convidara e não o contrário. O que
deveria fazer?
- Vamos! disse Douglas, tomando-a pela mão. Você sabe patinar, Cris. Eu a vi na
Douglas também patinava bem. Para frente, para trás, e ela o vira até mesmo
rodopiar com a maior perícia. Agora patinavam de mãos dadas pela pista meio
ela. Segurou-a pela cintura e ela firmou as mãos nos braços dele.
- Espero que você saiba patinar bem de costas, falou a moça meio tensa. Eu só sei
patinar normal.
- Que nada! Você sabe patinar de costas, não sabe não?
Douglas olhou para trás e conseguiu desviar de duas crianças que tinham acabado
de cair.
primeiro ele ia de costas, depois girava a Cris e ela ficava de costas, dirigida por ele. No
começo, ficava só olhando para trás, com medo, mas depois, relaxou e se divertiu
A música suave chegou ao fim e todas as luzes foram reacesas. A pista se encheu
de gente. Douglas dirigiu Cris para o centro do rinque onde ela rodopiou segura numa
das mãos dele e acabou na outra. Era tão divertido! Cris mal notou que a iluminação
Ele apontou para a jovem que lhes acenava na beirada da pista e chamou-a para se
juntar a eles. Helen pegou a outra mão de Douglas e os três se puseram a dar voltas na
pista.
No momento em que Douglas não estava olhando, Helen fez um sinal para Cris;
- Bom trabalho! Você está flertando com ele do jeito que eu falei!
Cris ficou em silêncio. Havia se esquecido da idéia de fazer ciúmes no Ted. Ela e
Douglas estavam apenas se divertindo. E nem era grande coisa. Ela nem sentia mais
aquela emoção diferente ao segurar a mão dele. Aliás, as mãos dele estavam um tanto
suadas.
- Olha aí! exclamou Helen com voz de ratinho, apontando para um trio
chateado. Cris sentiu-se culpada e com ciúmes. Tinha sentimentos de culpa por estar
com o Douglas e, embora parecesse bobagem, tinha ciúmes das meninas. Afinal de
contas, o que aquelas "garotinhas" estavam fazendo patinando com o seu "namorado"?
Não fora assim que pensara passar o dia. Mas tinha de melhorar. Precisava
Por volta das 17:30 o pessoal devolveu os patins e entrou na kombi do Ted.
Seguiu-se uma discussão do que fariam a seguir: iam para casa, jantar fora, ao cinema,
Cris tinha vontade de ir para casa e começar novamente o dia. Passara o tempo
todo na pista de patinação com o Douglas e não trocara uma palavra sequer com o Ted.
Agora, sentada ali no banco da frente, achava-se bem próxima dele. Era a primeira vez
que isso acontecia nesse dia. Ele parecia bem. Não estava zangado e nem chateado, mas
O grupo decidiu ir jantar no Richie's. Ted ligou o carro, que arrancou com um
- É melhor eu ligar pra meus tios e perguntar se posso ir, disse Cris.
- É no caminho. Nós damos uma parada lá. Se eles disserem que não, você já
estará em casa, replicou Ted sem rodeios e sem olhar para ela.
O que será que você quer dizer com isso? Que não quer que eu vá junto? Deseja que eles
digam "não", pra me deixar em casa e livrar-se de mim? Ted! Há meses estou esperando uma
- Traga alguns daqueles brownies que você e a Trícia fizeram, gritou Douglas do
- Você disse Richie's? Boa escolha. Claro. Aqui, falou ele enfiando a mão no
matar! Divirtam-se!
- Onde é que ela vai? perguntou David, no momento em que Cris saía correndo
- Meu tio me deu trinta dólares e disse pra pagar pra todo mundo.
Naquele instante, o Douglas se inclinou para a frente metendo a cabeça entre Cris
Agora Cris começava a ficar zangada. Por que ele age dessa maneira?
Estávamos ficando bons no negócio, hein? Você viu, Ted? O que foi que achou? Nada
mal, hein?
Cris já ouvira essas palavras antes: a mesma frase passara pela sua cabeça dezenas
de vezes na noite anterior, quando sonhara em patinar de mãos dadas com o Ted, não
com o Douglas! Não era o Ted que devia estar dizendo isso! Outra pessoa devia estar
Ela desceu do carro e juntou-se à turma que seguia pelo cais. Ted ia na frente, e
Trícia andava ao lado de Brian e Helen. Douglas ficou bem ao lado de Cris.
O vento do oceano soprava forte e Cris estava congelada até os ossos. Alguns
direção à água escura lá embaixo. As ondas batendo nas pedras atiravam no ar uma
névoa fina. Cris cruzou os braços e passou as mãos neles, tentando se aquecer.
Antes que ela respondesse, ele já tinha tirado seu casaco e o colocara nela, pondo
Espere aí! disse ela em pensamento. Por que o Douglas está fazendo isso? E se alguém vir? E
se o Ted vir?
todos continuavam à frente, de costas para eles. Então, como se Douglas lesse seu
incomodou de que ele segurasse sua mão ou pusesse o braço em volta dela. Mas agora,
ali, sentia-se constrangida. Não sabia se ele agia "como um irmão", porque estava
Douglas deu uns passos à frente e abriu a porta do pitoresco restaurante, situado
na ponta do cais. Era um ambiente pequeno e aconchegante, com decoração dos anos
O grupo ficou aguardando que o reservado maior, de canto, fosse desocupado para
que pudessem sentar todos juntos. Cris retardou os passos na esperança de sentar-se ao
lado do Ted. Mas ele já se instalara junto à parede e não havia lugar ao seu lado.
Assim mesmo ela se armou de coragem e foi até onde ele se encontrava,
esperando que o rapaz se afastasse para dar-lhe um espaço. Mas ele fez que nem viu.
Ótimo! Vou sentar perto de você, Douglas, e vou rir e me divertir e vou até esquecer que o
Trícia chegou e correu os olhos pela turma avaliando a disposição dos lugares.
Provavelmente ela fora ao banheiro, enquanto eles estavam-se ajeitando, pois seu
cabelo, normalmente preso num rabo-de-cavalo, agora estava solto. Pegou uma cadeira
e colocou-a bem entre Douglas e Cris. Olhou feio para a amiga e disse:
- Belo casaco!
Não acredito que isso esteja acontecendo! São todos meus amigos, crentes perfeitos,
espirituais, e estão a ponto de me trucidar. O que é que há com esse povo hoje?
- Fritas com chili parece uma boa pedida! exclamou Douglas com animação
forçada.
- Ó Ted! gritou o Douglas, olhando para a ponta da mesa. O que é que você
costuma pedir?
sobrancelhas, nem os olhos, ou talvez os tivesse movido ligeiramente. Mas foi um olhar
diferente e profundo, como se via nos filmes antigos, quando o herói fitava a mocinha à
O olhar de Ted com sua mensagem silenciosa penetrou fundo. Cris desviou os
olhos para o cardápio. Contudo só via os olhos azul-acizentados do rapaz que pareciam
Será que ele também estava chateado pelo modo como o dia tinha acabado?
Talvez, mas também não estava se esforçando muito para mudar a situação.
cardápio dela.
A garota levantou o olhar e viu um rapaz com camisa branca e gravata borboleta
- Aã... acho que vou comer um burger praiano também, e... vocês têm milkshake
de oreo?
- Quero um.
como se faz uma "minhoca" com o invólucro do canudinho. Primeiro, ele o amassou
bem apertado, como fole de acordeão. Depois, com o canudo, pingou água sobre a
"minhoca" e ela cresceu imediatamente. Trícia parecia estar muito à vontade. Ria e
incentivava as brincadeiras bobas do Douglas. O rapaz, por sua vez, estava adorando a
atenção recebida e em seguida pôs-se a fazer um truque de mágica com duas moedas e
um guardanapo.
Agora era a Cris que estava sendo ignorada enquanto Douglas e Trícia faziam
suas brincadeiras. Achava que Ted ainda estava olhando para ela, mas não tinha certeza.
Deu uma olhada despistada na direção dele e percebeu que não estava. Continuou
calada durante a meia hora seguinte, mordiscando sem entusiasmo o seu hamburger.
com sua imagem no espelho. O cabelo estava encrespado por causa do ar úmido e as
maquiagem dos olhos. Em seguida falou, um pouco para Deus, um pouco para si
mesma:
Viu só como tudo deu errado? Claro que viu! Bem, não quero ser insolente nem nada, mas
não acho que é isso que os teus crentes deviam estar fazendo comigo.
Sei que, como amiga dos outros, não sou nada de excepcional; mas pelo menos não tenho
Naquele instante a porta do banheiro se abriu e Helen entrou, quase sem fôlego.
- Cris! Está dando certo! Nem acredito! Nunca vi ele agir desse jeito...
- Mas não quero que ele fique com ciúme! Não quero que ele fique com raiva de
- Não. Esse tipo de jogo com as pessoas não dá certo. Pode crer.
- Mas claro que dá. Você patinou com o Douglas e o Ted ficou com ciúme, não
foi?
- Helen, não foi pra provocar ciúmes no Ted que patinei com o Douglas. Acabei
- Ah é? E o casaco? falou Helen olhando para o blusão do Douglas que Cris ainda
estava usando.
- Cris, é bom decidir o que quer, porque me parece que você está atrás do
Douglas.
- Adoraria dizer ao Ted. Tem um monte de coisas que eu queria dizer a ele! Só
que no momento ele não está querendo conversar comigo! falou Cris cada vez mais
zangada.
- Então era melhor que você não tivesse provocado ciúme nele.
- O quê?
- Primeiro você me diz pra provocar ciúme no Ted. Agora, depois que ele ficou
enciumado e todo mundo está com raiva de mim, vem me dizer que eu não deveria ter
feito isso?!
- E como é que eu ia saber? Achei que era uma boa idéia. O que vai fazer agora?
Era difícil continuar zangada com essa garota de olhar tão puro.
- Aqui, falou Cris, tirando do bolso os trinta dólares e colocando na mesa. Meu tio
- Tem certeza?
- Mesmo?
- É sim. Pode pegar!
Resolveram deixar uma boa gorjeta ao garçom, já que a mesa ficara muito
bagunçada. Uma das meninas comentou que o rapaz tinha visto quando eles oraram
antes de comer, e seria feio se após uma atitude tão espiritual não fossem generosos em
Cris ficou para trás, esperando o Ted. Ele não disse nada. Passaram juntos pela
porta que Douglas segurava aberta. Trícia estava ao lado deste, com uma expressão um
pouco mais amena do que quando haviam chegado. Acabaram os quatro -Ted, Cris,
Douglas e Trícia - descendo juntos pelo cais. O vento estava ainda mais cortante, e
Trícia comentou:
Ela queria que fosse um gesto carinhoso para a amiga, mas quando Trícia pôs o
casaco, dirigiu um olhar zangado para Cris, como se esta fosse uma intrusa.
Intrusa por quê? Se Trícia estava com frio, precisava de um agasalho, não é? Ou será que ela
queria que Douglas pusesse o braço no ombro dela? Isso ele não fez.
percebera isso antes? Trícia gostava do Douglas! Era ele o namorado misterioso! E Cris
tinha interferido o dia inteiro. Fora por isso que ele pedira os brownies. Trícia tinha ido
para a casa dele no dia anterior com o Ted e lhe levara seu pratinho de brownies. Era
por isso que a Trícia estava zangada! Que alívio saber qual a razão do problema! Agora,
Ted não disse uma palavra a caminho de casa. Cris ficou meio decepcionada com
ele por tê-la deixado em casa primeiro. Antes de descer, ela tocou no braço dele e disse
olhos. Num tom de quem estava chateado e sem entusiasmo algum, ele concordou.
- Claro! falou.
- Quer fazer alguma coisa amanhã, Cris? A garota se retraiu, meio tensa. Com o
canto dos olhos observou que a Trícia não estava nada contente.
- Prometi a minha tia que passaria algum tempo com ela amanhã, respondeu
rápido.
- Oi gente, tenho uma idéia! interveio Helen em sua vozinha fina, Vamos fazer
uma festa de ano novo na minha casa? Minha mãe não se importa. Ela prefere que eu
Todo mundo aprovou a idéia e começou a dar sugestões. Cris olhou para o Ted,
Cris desceu e bateu a porta da Kombi. Ficou parada na calçada, tremendo de frio,
acompanhando com os olhos o carro que se afastava levando seus amigos de todas as
mundo tinha ido dormir, deixando Cris sozinha com seus pensamentos.
Que dia péssimo! Será que o Ted me telefonará amanhã, ou devo ligar pra pedir desculpas?
Mas o que foi que fiz de errado? Eu não queria ter passado tanto tempo com o Douglas, mas acabou
acontecendo. Além do mais, o Ted nem se esforçou pra patinar comigo. Talvez fosse eu que
Subiu até o quarto e jogou-se na cama. Havia uma carta sobre o travesseiro. Era
de Alissa, uma garota que conhecera nas férias passadas. No começo Cris admirava
muito a Alissa e até queria ser igual a ela, mas depois descobriu como a jovem era de
verdade e como sua vida era cheia de problemas. Elas se escreveram algumas vezes,
mas fazia meses que Cris não recebia carta dessa amiga. E se esta fosse parecida com as
Querida Cris,
Perdi seu endereço em Escondido. Espero que esta chegue certinho. Desejo a você e sua
Muita coisa está acontecendo na minha vida, e sinto que você é a única pessoa com quem
posso me abrir. Por favor, não pense muito mal de mim, mas Cris, não sou inocente como você. E
Ela parou um instante para digerir a notícia. Depois continuou a ler, mas antes de
Pensei em fazer um aborto porque achava que isso facilitaria tudo e meu problema
desapareceria. Mas é como dizem: "Dois males somados não viram um bem". Certamente você
pensará muito mal de mim, e sei também que nunca deveria ter chegado a essa situação, mas
cheguei.
Uma amiga minha fez um aborto e disse que se arrependeu muito, porque até muito tempo
depois ela ainda tinha pesadelos com o negócio. Disse que se tivesse de fazer tudo de novo, teria o
nenê e depois o entregaria pra ser adotado. Acho que é o que vou fazer: entregar meu nenê pra ser
adotado.
Cris enxugou as lágrimas antes de continuar a leitura. Estava tão chateada pela
situação de Alissa! Contudo a última parte da carta era um pouco mais animadora.
Lembra que em sua última carta você disse que eu deveria procurar arranjar uma Bíblia e
conhecer outros crentes? Pois fui a um centro de gravidez de risco e minha conselheira, Frances, é
cristã. Ela está me ajudando e me deu uma Bíblia. Tenho ido à igreja com ela. Sei que você ficará
Obrigada, também, por estar orando por mim. Estou mesmo precisando muito de suas
orações - lembre-se disso. Sei que não vai ser fácil, mas acho que estou no caminho certo.
Bem, isso explica por que f az algum tempo que não escrevo. Não se sinta na obrigação de
me escrever. Eu só queria lhe informar sobre o bebe. Queria também pedir que ore sempre por mim.
Alissa.
Após ler a carta Cris só podia orar. Não sabia ao certo como devia fazê-lo, mas
derramando sentidas lágrimas por Alissa, apresentou a Deus os seus pedidos, meio
*****
do quarto. Já se levantou?
- Sim, tia Marta, respondeu Cris com voz rouca, mal levantando a cabeça.
- Muito bem. Acho que devemos sair dentro de, digamos, meia hora?
Cris deixou a cabeça cair bruscamente no travesseiro.
Saíram de casa dentro do horário previsto por Marta, que até mesmo aprovou o
jeans e a blusa escolhidos por Cris. Era a blusa nova com os coraçõezinhos vermelhos,
- Sim.
Não era bem verdade, mas Cris não estava disposta a entrar em detalhes.
- Aã, ha, respondeu Cris com um sorriso forçado. Vamos lá, Cristina! Não vá dizer
nada negativo. Diga o que ela quer ouvir e tudo estará bem.
- E aquela garota, Trícia, é uma gracinha, não acha? Bob disse que vocês se
divertiram muito fazendo brownies. Estou tão contente que tenha bons amigos aqui,
Ela não disse palavra alguma. Nenhuma palavra. Meus "amigos queridos" estão todos
prontos a me chutar pra longe. Meu relacionamento com eles nunca mais vai ser o mesmo. Tudo que
sobrou da amizade que tivemos nas férias está murcho e estraçalhado - igual àquelas pétalas de
cravo que guardei dentro da lata. O que é que faço com um monte de recordações ressecadas?
Naquele instante, Marta parou num sinal fechado. O mesmo sinaleiro, o mesmo
cruzamento onde, nas férias passadas, no meio da rua, Ted tinha lhe dado um buquê de
Só durou um instante. O sinal abriu. Cris fingiu uma crise de tosse e mexeu na
bolsa à procura de um lenço de papel. Com uns retoques e um pigarro na garganta,
conseguiu controlar as emoções. Mas Marta nem notou. Que contraste com as férias
passadas, quando Cris derramava suas tristezas por todo lado e deixava a tia juntar os
pedaços.
dominadora da tia. Cris sentiu como que o sabor de uma vitória vendo que conseguira
Agora, se conseguisse fazer desaparecer aquele aperto dolorido que sentia na boca
do estômago...
- A primeira coisa do dia, começou Marta, é o seu horário das 9:30 com o
Maurice. Ele vai ficar surpreso ao ver como seu cabelo cresceu!
- Sabia que você não se importaria. Já cresceu tanto, querida. Está precisando de
cortar.
- Não quero cortar o cabelo, disse ela proferindo cada palavra devagar e com
Respirou fundo olhando para Marta que estacionou o Mercedes, desligou o motor
- Você nem me perguntou, tia! continuou a garota. Podia pelo menos ter
Marta se retraiu parecendo uma tartaruga que se enfia no seu casco. Sua voz saiu
- Vamos ao cabeleireiro. Você lava e faz escova. Daí, se quiser fazer mais alguma
coisa, diga para o Maurice exatamente como quer seu cabelo. Assim está bem?
Cris queria gritar "Não, não está bem! Não me agrada a sua Interferência na
minha vida!" Mas, embora a dor no estômago fosse só aumentando, ela se controlou e
respondeu:
- Tudo bem.
Maurice lavou o cabelo de Cris conversando animadamente com Marta. Cris ficou
muda. Depois de condicionar e enxaguar, ele enrolou uma toalha em sua cabeça e
Cris olhou-se no espelho. Sua expressão era inquietante. Dura e fria, de dentes
Abranda-o e aquece-o,
removera a toalha e afofava o cabelo de Cris com os dedos. Da próxima vez não espere
tanto tempo para voltar aqui!
Cris encontrou o olhar dele no espelho e falou com firmeza, mas educadamente:
dizia: "Ah não! Agora você atrapalhou tudo! Ofendeu o mais famoso cabeleireiro de
Newport Beach!"
Cris deu um sorriso amarelo para sua tia. Não um maldoso sorriso de vitória, mas
um sorriso legal, suave. Era um sorriso que mostrava que seu coração estava-se
amolecendo, mas não a sua decisão. Demonstrava que ela já sabia o que queria, e
penteados. Folheou-o rapidamente até chegar à seção que mostrava modelos mais
longos.
- Como este? indagou ele apontando a gravura de um cabelo ondulado que dava
pêlos ombros com franjas compridas penteadas mais para os lados. Examinando o
- É bonito. Gostei. Mas o meu cabelo não é tão encorpado. Só fica um pouco
anelado.
- Não tinha pensado nisso, mas, está bem! Desse jeito posso manter o cabelo
comprido.
- Tem certeza de que é isso mesmo que quer, minha querida? falou Marta com um
Parece que todo mundo ficou aliviado horas depois quando Maurice se afastou um
pouco para admirar sua obra. O cabelo de Cris ficou lindo. Muito bonito. Ela adorou.
Embora o anelado desse a impressão de que estava um pouco mais curto, deixou-o mais
espesso e cheio.
Maurice tinha arrumado as franjas um pouco altas demais para o seu gosto. Mas
- Quer fazer algumas compras, Cris? Ou prefere comer alguma coisa antes?
várias butiques e lojas da moda. Cris comprou um enfeite de cabelo, esmalte para unhas,
um espelho "dobrável" para levar na bolsa e meias de náilon. Nada empolgante demais,
mas Marta parecia satisfeitíssima a cada compra que a garota fazia. Estava claro que
Contudo ela não se soltou, nem saiu comprando roupas e acessórios à vontade.
Ainda se sentia meio chateada por causa do Ted, do problema com Trícia e da situação
de Alissa. Ademais, estava sendo mimada, e não gostava disso. Via-se controlada pela
tia, e detestava isso também.
Além do mais sua vontade não era estar fazendo compras. Preferia estar em casa,
tomando alguma providência para resolver a situação com o Ted. Tinha a sensação que
Às 14:30 Marta anunciou que era hora de almoçarem. Cris sugeriu que fossem
para casa e fizessem uma salada, mas a tia insistiu em dirigir até Corona del Mar.
nome de A Mulher Silenciosa. A velha placa acima da porta da frente era em estilo de
taverna inglesa e trazia a gravura de uma mulher sem cabeça. Aparentemente, essa era a
"mulher silenciosa".
Sentadas confortavelmente num dos reservados, Marta pediu "vitela à Oscar" para
comessem logo e pudessem chegar em casa, onde ela tentaria resolver algumas das
O garçom trouxe as bebidas e colocou-as à frente delas. Cris esperou que ele
- Você realmente levou a sério esse negócio de religião, hein? Cris sentiu-se um
pouco constrangida ao ver que a tia percebera que ela havia orado.
- Sim, sei disso, querida. Contudo notei que você faz isso mesmo quando seus
pais não estão por perto. É algo que faz por sua própria iniciativa. Isso merece um
- É. Acho que sim. Nunca pensei na oração como algo que a gente faça pra
receber elogios.
enchendo suas taças de água. Cris deu uma provadinha na tal "vitela à Oscar" e achou-a
deliciosa. Marta parecia extremamente satisfeita com a refeição e, entre uma garfada e
- Estou contente por ver como você está amadurecendo, Cristina. Confesso que,
meses atrás, em Palm Springs, fiquei preocupada quando você e suas amigas saíram do
Cris abriu a boca para se defender, mas Marta balançou o garfo fazendo-lhe sinal
para escutar.
- Não precisamos falar daquela noite, e eu só a mencionei para dizer que gostaria
Cris esperou que a tia continuasse. Sentia-se na defensiva, como quem espera
- Percebi que você estava relutante em sair comigo hoje. Nos últimos dias, tem
estado totalmente absorvida por suas amigas, e entendo isso. Contudo, acho que você
está dificultando meu envolvimento em sua vida. Acho ótimo que esteja tomando
posição e assumindo aquilo que quer. Mas gostaria que você discutisse as coisas comigo
e pedisse minha opinião. Acredito que posso fazer muito por você e dar-lhe aquilo que
Cris se remexeu, meio incomodada. Amava a tia, mas não apreciava sua mania de
- Para deixar isso bem claro vou-lhe dizer algo: Cristina, você é a filha que nunca
tive. Eu a vejo assim: como uma filha. Quero só o melhor para você. Entende o que
estou dizendo?
Cris fez que sim. Entendia perfeitamente. Só que não queria outra mãe. Nem uma
fazer de você uma pessoa muito importante. Você tem um corpo, um rosto, uma
- Vejo você tornar-se o tipo de jovem que se destaca numa multidão, continuou
que eu me envolva mais em sua vida, posso ensinar-lhe a tornar-se alguém que
consegue tudo que quer; uma jovem belíssima, dessas que marcam presença. Uma
garota como, bem, como aquela sua amiga das férias, a Alissa.
Bóoóoing!
- Como a Alissa? É isso que você quer?! Quer que eu seja como a Alissa?
- AH! fez Cris rindo alto, e depois abaixou um pouquinho a voz. Acontece, tia,
- O nenê vai nascer antes dela se formar do colegial. É isso que você quer que
aconteça comigo?
Agora as lágrimas corriam pelo rosto de Cris. Ela não se importava quem estava
Examinou rapidamente a conta, e jogou-a de volta na mesa com duas notas de vinte
dólares.
Cris enxugou os olhos e foi atrás da tia que, muito tensa, caminhava depressa pelo
solavanco. Andaram mais alguns metros e, a seguir, outra parada brusca, com Marta
sempre metendo o pé no freio. Nesse ritmo, iriam levar meia hora para chegar em casa.
- Compreende agora por que não quero ser como a Alissa? Marta fez que sim sem
- Só quero ser eu mesma. Não. Na verdade é mais que isso: só quero ser como
- Isso é muito bom, Cristina. Muito nobre. Contudo... e Marta parou, freiou de
novo com outro solavanco como que enfatizando mais seu ponto de vista, a vida nem
Havia um peso entre elas. Cris percebia que Marta não entendia. Mas também,
Mais uma parada do carro e Marta começou a tossir: uma tosse fingida, meio
O que há comigo? Por que estou deixando todo mundo irritado? Não faço nada direito!
- Tia Marta, me desculpe. Não queria entristecê-la, falou Cris sentindo sua
determinação acabando.
Marta não respondeu. O resto do tempo até chegar em casa foi de silêncio total.
Quando iam subindo a rampa da casa, uma Toyota amarela, de tração nas quatro
- Nós nos divertimos mais do que vocês! cantarolou o garoto, pulando do carro
para ir ao encontro de Cris e Marta, que estavam de cara amarrada. Nós fomos andar de
skate.
- Eu sei. Caí uma porção de vezes, confessou o menino meio sem graça, apagando
Sem dizer mais nada, David correu para dentro. Cris sentiu muita pena dele.
esperando acabar o conflito. Marta virou-se para ele e sorriu; mostrava-se calma e
Douglas era amigo do Ted. O rapaz disse que sabia que Cris tinha saído para fazer
compras, mas resolvera dar uma passada por lá assim mesmo. Como a garota ainda não
- Que bondade a sua, Douglas! É um prazer conhecê-lo. Cris, por que não convida
seu amigo para ficar para o jantar se ele quiser? Ainda não sei bem o que está sendo
planejado mas... e então virou-se para o Douglas com uma doçura exagerada, pode
jantar conosco.
- Seu cabelo está bonito, disse Douglas. Você arrumou ou fez o quê?
- Você fica bem de cabelo comprido, comentou e deu uma cheirada. Tem perfume
Naquele instante, Cris ouviu um barulho muito conhecido. Olhou para a rua e viu
Não dava pra ver o rosto do Ted, mas sabia que ele vira o Douglas inclinado sobre
ela, cheirando seu cabelo. Ted descia a rua em disparada como se não tivesse nenhuma
Cris sentiu vontade de gritar, mas ficou parada, congelada. Não acredito que tudo isso
acaba de acontecer!
afastando-se um pouquinho.
Assim que entraram na cabine da Toyota, Cris ficou correndo os olhos para um
lado e outro da rua, para ver se o Ted iria voltar. Desejava que ele voltasse, mas depois
já não queria, pois tudo estava muito confuso naquele momento. Precisava resolver uma
- Bom, espero que não me entenda mal. Não sei direito como vou dizer isso.
Pela primeira vez Cris reparou no Douglas. Ele parecia estar sério.
- Pode dizer, Douglas. Pode me dizer qualquer coisa. Pode confiar em mim.
- Sei que posso, disse o rapaz sorrindo. Notei isso quando a conheci. Você é muito
accessível. Deixa os outros bem à vontade para conversar sobre qualquer coisa.
Ah é! Muito accessível. É por isso que todo mundo que conheço está furioso comigo no
momento?
entanto Cris mal a conhecia. Ela havia dito "Sinto que você é a única pessoa com quem
posso me abrir".
- O que eu queria dizer é que, bom, vou dizer. É que vou sair com a Trícia hoje à
noite.
Douglas ficou meio surpreso e se afastou. Cris soltou-o depressa. Não queria que
Ted passasse de carro novamente e a visse com a mão no ombro do Douglas dentro da
camionete dele.
- Eu queria lhe dizer porque, bem, gosto muito de você e não queria que isso
- Não se preocupe. Não atrapalha em nada. Estou contente por saber que vocês
- Acho que como nós ficamos patinando e tudo o mais, talvez alguma coisa
estivesse começando entre nós, mas eu não tinha certeza. Quer dizer, eu sei o quanto
você significa para o Ted, e nunca vou querer ficar entre os dois, mas assim mesmo,
creio que estamos nos tornando bons amigos e gostaria que continuasse assim.
Ele disse tudo num fôlego só e em seguida respirou fundo, como que para ganhar
coragem.
- É, o que eu queria dizer é que desejo ser seu amigo, mas às vezes, quando a
gente sai com alguém, todo mundo fica pensando que não queremos ser amigos de mais
ninguém, e queremos ficar o tempo todo só com aquela pessoa. Sabe o que eu quero
dizer?
Ele parecia muito sincero. Cris sorriu. Era a primeira vez que sorria naquela tarde.
porque você está namorando a Trícia, isso não muda nossa amizade. Pode até melhorar
as coisas.
- Como assim?
- Só posso dizer que estou muito contente por saber que você e a Trícia vão sair
- Posso lhe perguntar uma coisa? O Ted sabe que você vai sair com a Trícia hoje?
O que eles fizeram? Puseram fios elétricos no cabelo e ligaram a um gerador ou coisa
parecida?
- Douglas, você precisava ter uma irmã para ensiná-lo com relação às questões
mais delicadas para as garotas. Na verdade, tanto o Ted quanto você precisavam de uma
irmã.
Douglas caiu na risada, olhando para a janela, às costas de Cris. Ela virou-se e viu
- É, mas pensando bem, acrescentou Cris em tom mais sério, talvez eu já tenha
isso significava que ela teria de acertar as coisas com a tia. Restavam-lhe só mais alguns
dias para gozar da companhia dos amigos da praia, e precisava falar com o Ted. Além
do mais, ela queria acertar tudo entre ela e Trícia. Pretendia escrever logo para Alissa,
mas não sabia direito o que dizer. Esses problemas todos a deixavam com uma estranha
sensação interior.
coelhinho. Foi ao quarto dos tios para telefonar. Corajosamente discou o número de
Ted, planejando dizer a primeira coisa que lhe viesse à mente. Iniciaria a conversa e
Tocou quatro, cinco vezes, e afinal uma voz grave de homem atendeu. Não era o
Cris abriu a boca e... não saiu nada. Bateu depressa o fone no gancho e ficou
olhando o aparelho como se ele fosse um bicho de estimação que de repente a mordera.
Tudo aconteceu depressa demais e .ela se sentia ridícula. Não tinha coragem de ligar de
novo. Por que desligara? Por que o coração batia tão depressa? Voltou para a cama e
Tão ousada e corajosa! Havia corrido de volta para o seu quarto, como um
Na manhã seguinte tentou telefonar duas vezes para o Ted, mas cada vez
Helen ligou por volta do meio-dia, contando, toda animada, uma porção de
novidades e os planos da festa que teriam na noite seguinte.
- Você conversou com mais alguém hoje sobre a festa? perguntou Cris.
- Com quem, por exemplo? indagou Helen, parecendo saber aonde Cris queria
chegar.
- Bem, o Ted já deu certeza que vai? Eu precisava muito conversar com ele,
Helen.
- Está bem, eu ligo pra ele, depois ligo pra lhe contar o que ele disse.
- Não, eu preciso mesmo falar com ele. Se por acaso eu mencionar que você tem
- Está bem, replicou Cris dando outro suspiro. Não quero complicar ainda mais a
situação.
- Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Olha como tudo está dando certo para o
Douglas e a Trícia. Hoje ele vai jantar na casa dela. Não é ótimo?
- Sim, formidável!
No fundo, Cris estava sendo sincera, mas no momento não era consolo algum
saber que Douglas e Trícia estavam juntos. Ela ainda não tinha acertado as coisas com a
Trícia, e aquele negócio da Helen ligar para o Ted era só mais uma parte desse jogo.
Por que ela não conseguia ser corajosa e franca como o Douglas? Ele tinha sido
tão atencioso no dia anterior quando viera falar-lhe em particular e verificar se ela não
se ofenderia por ele sair com a Trícia. E o Douglas era o único amigo cuja
personalidade não tinha mudado nos últimos dias. Quando patinara com ela, ele a tratara
do mesmo jeito de quando lhe contara que iria namorar uma outra garota, isso era ser
um amigo verdadeiro de todas as horas.
Quando Helen ligou instantes depois, falou algo que perturbou Cris
profundamente.
- Ted disse que talvez ele não possa vir à festa. Disse que vai a um jantar amanhã.
- Não disse, mas deu a impressão de um jantar com uma garota ou coisa parecida.
- E não está, pelo que sei. Talvez alguém pediu pra sair com ele, sabe; como, por
exemplo, uma prima de outra cidade que veio passar as festas aqui, e ele não pôde fugir
do compromisso.
- Formidável!
- Mas eu lhe disse que você estava tentando comunicar-se com ele. Ele explicou
que o seu pai acabou de chegar da Suíça e ele tem ficado em casa pra passar algum
- E por que ele não telefona pra mim? Seria pedir demais?
- Desculpe, Helen. É que achei que ele fosse à sua festa e aí seria a hora perfeita
- Bem, ele disse que ia a esse jantar, mas que depois talvez desse uma passada
Mas não telefonou. Não poderia. Pelo menos não imediatamente. No momento,
Sabia que devia ligar para ele. Mas decidiu adiar e foi refugiar-se na sala de
televisão, evitando contato com Marta ou qualquer outra pessoa. Passou a maior parte
do dia assistindo a filmes antigos na TV e comendo tudo que encontrava. Tudo, isto é, a
Os seus pais chegaram no final da tarde, quando assistia à última parte de Capitão
Janeiro, um antigo filme de Shirley Temple, a que ela nunca tinha assistido.
- Cris! gritou o pai ao entrar na casa. Por favor, venha ajudar-nos. Busque a última
mala.
- Está bem! Daqui a um minuto! replicou ela, com os olhos grudados na TV.
a cozinha.
- Não é nada, minha filha. Ontem, eu escorreguei e caí. Uma fratura fininha. Nem
- Não tinha por que lhes avisar. Não é tão ruim assim, falou a mãe sorrindo e
- Pelo seu pai, continuou ela, eu provavelmente estaria internada no hospital, mas
Ela ajeitou o travesseiro para apoiar-se nele e agradeceu a Cris por ter trazido sua
mala.
Naquele momento, Cris sentiu como se ainda tivesse quatro anos de idade.
Deitou-se ao lado da mãe, encostou a cabeça no ombro dela, e chorou até não poder
mais.
olhos e, sentindo-se ridícula, ficou pedindo desculpas várias vezes. Como é que ela fora
Sua mãe sorriu e lhe entregou um lenço. Fazia tempo que elas não viviam um
- Deve ter sido uma semana bem ruim. Cris hesitou um instante.
- Não foi tão ruim, mãe. É só que todo mundo ficou zangado comigo e agora
olhos. Oh, minha mãe! Minha vida está caindo aos pedaços!
Geralmente Cris não contava à mãe muitos dos detalhes de suas amizades, mas
Numa longa conversa, relatou tudo sobre o Ted, sobre o ciúme que a Trícia tinha
dela com o Douglas; e, embora isso já estivesse solucionado, ela ainda não tinha visto a
Trícia. Contou da festa que a Helen ia dar, se bem que talvez o Ted não fosse...
- Quando é essa festa? perguntou a mãe. E onde vai ser? Cris disse que seria no
- Posso ir, não posso? Preciso conversar com o Ted. Quer dizer, se ele for, mas
preciso mais ainda conversar com a Trícia e deixar bem claro pra ela que eu não estava
- É. Acho que sim. Parece que vai dar tudo certo, isto é, assim que você conseguir
- Você não me parece muito convencida disso, disse a mãe. A propósito, seu
Cris nunca imaginara que seria tão fácil conversar com a mãe. Talvez fosse
porque não tinham tido essa oportunidade antes. Ou talvez fosse porque ela nunca
tivesse tentado, achando que a mãe não a entenderia. Mas o que fora que Bob dissera na
manhã de Natal? Que os pais de Cris também tinham sido jovens. E como sua mãe fora
criada junto com Marta, sabia que de vez em quando era difícil comunicar-se com ela!
Cris contou sobre o Maurice e como Marta lhe dissera, no almoço, que Cris era a
filha que ela nunca tivera. Os olhos azul-acinzentados de sua mãe se embaçaram.
- Que queria que eu fosse como a Alissa, uma garota que conheci nas férias
passadas.
moça.
- Mãe, disse Cris, fitando-a nos olhos, recebi uma carta da Alissa uns dias atrás, e
última carta que lhe escrevi, eu disse que estava orando por ela e que talvez fosse bom
se ela procurasse conhecer outros crentes. E ela procurou informar-se e encontrou esse
- Disse também que sua conselheira do centro de gestantes era uma senhora
chamada Frances, e que a estava levando à igreja. Essa era praticamente a única notícia
boa da carta.
- Em Boston, com a avó. O seu pai morreu e sua mãe está num centro de
- Que tristeza! exclamou sua mãe abanando a cabeça. Você contou tudo isso a
Marta?
- Não, replicou Cris, abaixando a cabeça. Quando tia Marta disse que queria
transformar-me numa pessoa como a Alissa, repliquei que ela estava grávida.
- Não conversou mais comigo. Pedi desculpas, mas desde aquela hora, ela mal
fala comigo.
engessado, e se aprumou.
Agora era a vez da mãe se abrir e Cris não sabia o que esperar.
- Marta teve uma filha certa vez, contou ela em tom doloroso e terno. Uma
médicos fizeram o que foi possível, mas ela morreu. Parou um instante e depois
sentira antes.
pessoa toma uma decisão que no momento parece a mais fácil ou a melhor, mas depois
- Não entendi.
- Se Marta conversar sobre o assunto, daí você lhe pergunta, está bem?
Cris ficou calada, lembrando uma série de conversas, discussões e atos de sua tia
que antes parecia não ter sentido, mas que agora tinha. Fora por isso que Marta lhe
dissera que Cris era a filha que ela nunca tivera! Ela era como uma espécie de substituta
- Quase que foi o seu segundo nome. Eu e seu pai íamos dar-lhe o nome de
- Mas que esquisito, mãe! É engraçado saber que meu segundo nome quase que
foi outro e que tive uma prima e nunca soube. Existem outros grandes segredos da
- Acho que por agora estas são as únicas coisas que você deveria saber. Eu não
planejava contar-lhe sobre a Johana, mas achei que isso a ajudaria a entender melhor a
sua tia. Ela realmente gosta de você, Cris. Acho que sabe disso, não é? Não tem de
concordar com tudo que ela planeja, mas entenda que ela age por instinto maternal.
coisa.
- Não, obrigada, replicou ela. Está tudo bem. Escorada assim fica muito melhor,
- Pai, disse Cris, virando-se na cama e olhando para ele. Eu queria saber se posso
ir à casa da minha amiga Helen amanhã à noite. Ela vai dar uma festa de ano novo. Os
- Mas na casa da Helen não tem perigo algum. Não é longe daqui. E é a última vez
- Sua tia me disse que você passou a maior parte da semana com eles, disse seu
pai.
- Na verdade, não passei não. Fomos patinar um dia, e foi só, falou Cris meio
tensa.
Parecia que seu pai não ia permitir que ela fosse à festa e isso significava que
- Vou pensar no assunto, Cris. Nós não conhecemos os seus amigos daqui, nem a
família deles.
Cris sentiu o coração apertar. Talvez ele não me deixe ir, e aí o que é que vou
fazer?
- Podemos conversar sobre isso mais tarde, Cris, disse a mãe. Você me faz um
- Tudo pronto? O que é que vai ter para o jantar? Perguntou a mãe.
- Pelo que vi, vamos ter um bufe de queijos importados. Mamãe resmungou e fez
fez nada do que planejara. Pretendia levantar de novo o assunto da festa da Helen, com
um objetivo em mente: se o Bob soubesse do caso, talvez convencesse seu pai a deixá-la
Depois do jantar, os homens foram para a área na frente da casa brincar com o
carro de controle remoto do David. Cris tirou a mesa sozinha e arranjou a louça na
lavadora enquanto sua mãe e Marta conversavam na sala. Desde o conflito do dia
anterior, a tia mal olhava para Cris. Isso inquietava a garota. Não sabia se deveria pedir
A sós na cozinha, ela ficou a pensar sobre as questões que a perturbavam. Parecia
que todos os seus relacionamentos agora estavam "em compasso de espera". Colocou o
-Alo?
-Ted?
-Bem.
- Tem certeza? perguntou ele com voz calma. Cris hesitou. O que devo dizer? A
verdade?
- Na realidade, as coisas já estiveram bem melhores. Pronto, agora ela estava
falando a verdade.
Seguiu-se uma pausa estranha. Uma pausa que deixou Cris completamente
insegura, sem defesa, achando que Ted talvez estivesse arrependido de ter ligado.
- Trícia?
- Ela disse que a Helen falou que você queria que eu telefonasse pra você.
Oh não! Outro daqueles "triângulos". Pegou o telefone sem fio e sentou-se à mesa da
- Na verdade não, Ted. Quer dizer, eu queria conversar com você, sim. A semana
toda estou querendo falar com você. Parece que não deu certo. Mas não mandei
Ted não respondeu nada. Cris achou que deveria ser sincera e dizer o que
realmente sentia.
Naquele momento, Marta entrou na cozinha, e de repente Cris parou de falar; seu
Cris desviou o olhar da tia, que tirava um refrigerante diet da geladeira. A garota
caminhou calmamente até a janela, parecendo olhar o pai que manobrava o carrinho de
- É que a semana não foi como eu esperava. Gostaria que tivéssemos passado mais
tempo juntos.
-Sim.
É só isso que você sabe dizer, Ted? "Sim"? Estou abrindo meu coração e só o que você diz é
"sim"?
-As coisas também não foram do jeito que eu desejava. Mas está tudo bem. Vai
Foi só o que ele disse. Ela ficou aguardando que ele continuasse, que explicasse
como tudo iria dar certo, que marcasse uma hora, que dissesse que iria à casa dela. Mas
não falou nada disso. Não marcou nenhum compromisso. Marta colocou um copo
- Não, não tem importância. Está tudo bem, replicou Cris observando a tia que
mais tarde.
Mas só ouviu o som do telefone que acabava de ser desligado. O que você quer dizer
com "mais tarde"? Quando vamos conversar? Ted! O que você quis dizer ao falar que "nada
mudou"?
jantar. Lá deu de cara com a tia. Cada uma olhava firme para a outra, a princípio sem
dizer nada.
Após uns instantes, Marta abaixou a cabeça, e com o copo de gelo na mão,
murmurou:
Cris não estava aguentando mais aquela frieza e o distanciamento entre elas.
Marta virou-se. A frustração que Cris tivera com o Ted encheu-a de ousadia, e ela
resolveu abrir-se com a tia, embora se expressasse meio asperamente.
- Tia Marta, minha mãe me contou sobre a Johana. Fiquei muito sentida. Eu nunca
soube...
- Bem, mas estou muito contente de que ela tenha contado, pois me ajudou a
entender por que você faz tantas coisas pra mim e por que você...
Virou-se e saiu, deixando-a sozinha na sala de jantar. Cris ouviu a porta dos
fundos abrir-se e a voz de seu pai na cozinha. Correu para seu quarto, sentindo-se
deviam falar de seus sentimentos abertamente? Então por que a situação ficava cada vez
pior quando ela tentava conversar com a tia e por que, por que será que ela se sentia
O que é que estou fazendo de errado? Ficou deitada na cama, a cabeça a mil por
Tinha visto um versículo no visor da camionete do Douglas. Falava algo sobre Deus
Abriu no Salmo 130 e começou a ler: "Das profundezas clamo a ti, Senhor..."
Continuou a ler. Alguns versículos não tinham muito sentido para ela e saltou
deitar e conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me não chegou à língua, e
"Senhor, seja sabes o que estou pensando e o que vou dizer, então por que deixas
que eu atrapalhe tudo o tempo todo? Por que não podes dirigir minha vida um pouco
melhor? Todo dia tenho de voltar e confessar de novo que fiz tudo errado. O Senhor não
se cansa disso? Eu não podia acertar pelo menos agora, uma vez só, para não ter de
voltar e pedir-te outra chance? Não quero viver sempre nessa agonia com meus amigos
Sua oração foi sincera. Ela dissera isso de todo coração. E sabia que Deus ouvira
tudo que ela dissera. Afinal de contas, ele sabia até mesmo os seus pensamentos, não é
mesmo?
E então, por que no dia seguinte tudo estava do mesmo jeito? Nada parecia ter
mudado.
Marta nem olhou para Cris no café da manhã. Ninguém tocou no assunto da festa
e papai não parecia estar muito accessível. Então Cris simplesmente ficou calada e
esperou.
Quando conseguiu ficar a sós com a mãe, Cris contou-lhe que falara sobre a
Johana para a tia Marta e como a tia ficara zangada. Estava na expectativa de ter outra
conversa aberta e franca com a mãe, como no dia anterior. Mas esta soltou um
- Por quê? Por que você lhe falou?! Eu não lhe contei aquilo para você ir jogar
- Eu não joguei. Quer dizer, não foi essa a minha intenção. Eu só queria contar a
- Porque isso mudou tudo pra mim. Agora eu a entendo muito melhor e sei por
que ela me trata do jeito que trata. Você disse que eu poderia perguntar para ela sobre o
problema.
- Não, não, não! O que eu disse foi que se Marta mencionasse o assunto ela
poderia lhe dar maiores detalhes, porque eu não me sinto com liberdade de fazê-lo. No
- Sei que não, disse a mãe, em tom mais suave. Me dá aquela almofada ali? pediu
- Mãe, arriscou Cris. Você acha que vou poder ir à festa da Helen hoje à noite?
- Acho que não, Cristina. Talvez no ano que vem, quando você estiver mais velha.
- Mas mãe! Preciso ver meus amigos e conversar com eles como nós duas
conversamos!
- Sei que você vai ficar chateada, Cris, mas haverá outras festas de passagem de
ano. Eu diria que o melhor que você tem a fazer é telefonar para a Trícia e para o Ted.
Que golpe arrasador! O que o tio Bob dissera sobre os seus pais? Que eles já
tinham sido jovens? Talvez sim. Mas naquele momento, Cris se recusava a acreditar que
sua mãe e seu pai tivessem sido adolescentes normais. Afinal, seja tivessem sido,
Então era melhor mesmo telefonar para os dois. Melhor do que voltar para
Escondido sem resolver nada. Não faria mal nenhum. Indo para o andar de cima, Cris se
- A Trícia está?
- Hoje de tardezinha.
Cris desligou e ficou olhando o telefone. Era agora ou nunca. Tinha de ligar para o
-Oi!
- Claro!
- Talvez.
- Bem, é que eu queria conversar um pouco com você. Vou embora pra minha
casa amanhã.
- Compreendo.
Vamos lá, Ted! Você só sabe responder com frases de uma palavra? E que barulheira é essa
nos fundos?
- Mais tarde, respondeu ele com um risinho fraco. Cristina perdeu as estribeiras.
- O que você quer dizer com mais tarde?! Seria muito pedir que você desse uma
resposta certa? Que negócio é esse de sim, tá bem, talvez, mais tarde?! Por que você não
Ted não respondeu. Ela nunca tinha gritado com ele antes. Escutava a respiração
Então o Douglas estava lá! Significava que a Trícia também estava. Todos os
De repente ela lembrou que durante meses achara que seu relacionamento com o
Ted não mudaria, mas isso não era verdade. O fato é que ela não sabia o que
Mas ela o cortou dizendo algo que não havia pensado dizer e de que se arrependeu
- Ah, desculpe, falou com voz amarga e fria. Devo ter discado o número errado.
Bateu o telefone e caiu no choro. Um minuto depois, o telefone tocou. Ela deixou
- O que é que está acontecendo? perguntou Ted. Ela não conseguia responder.
- Cris, disse ele, num tom que foi direto ao coração dela. Não sei o que está
- Não é culpa sua, Ted, replicou Cris, piscando e deixando cair as lágrimas. O
amenizou a voz e continuou: Escuta, vamos deixar assim por enquanto. Mais tarde
Era uma afirmação direta. Uma daquelas declarações firmes que Ted costumava
- Está bem, concordou com voz rouca, e, em tom mais brando, repetindo a
E agora, quando é que vamos conversar? Ted está com todos os amigos na sua casa hoje e à
noite vai ter um importante encontro. E mesmo que eu vá à f esta da Helen, será que vamos poder
conversar, ou o Ted irá levar a convidada com ele - se ele for, né?
-Não!
-Não!
teremos visitas para o jantar. É uma espécie de tradição. Sempre temos um jantar formal
Ela não queria se arrumar. Não queria jantar. E mais do que tudo, não queria ir à
festa da Helen. Estava convencida de que não tinha amigos de verdade em Newport
Beach. Seria melhor voltar para casa, embora lá as coisas também não estivessem muito
melhores. Toda vez que estava na companhia de várias pessoas, cabava por chateá-las e
ela própria também ficava chateada. Por que sua vida não podia ser calma, simples e
sem complicações?
Alguns minutos mais tarde, ouviu a batida forte da mão de seu pai na porta.
- Cris?
-Oi!
- Sobre a festa na casa da sua amiga hoje. Pensei um pouco e conversei com sua
- Bem, agora não quero mais ir, disse Cris, com voz baixa. Seu pai olhou-a com
- Talvez mais tarde você mude de idéia. De qualquer jeito, quero que ponha seu
vestido mais bonito e desça para o jantar às dezoito horas, está bem?
Cris concordou, mas durante o tempo em que ficou no quarto, permaneceu em luta
consigo mesma, com sua maneira sonhadora de enfrentar a vida, com sua raiva e
frustração, e com a impressão de estar sempre decepcionando a Deus, apesar de
A semana de Cris havia sido um grande fracasso. Seus amigos crentes a tinham
franqueza total.
"Você sabe o que estou pensando, não sabe, Deus? Sabe tudo que sinto. Por que
tem de ser assim? Detesto estar sempre caindo de cara no chão o tempo todo."
Veio-lhe à mente uma cena que vira dias atrás, quando saíra com a tia Marta. Uma
linda garotinha de tênis cor-de-rosa andava com a mãe. Tinha cabelinho loiro e
menina no chão enquanto olhava umas roupas. A menininha deu uns cinco passos
vacilantes e em seguida caiu de cara no chão. A mãe pegou seu anjinho, que berrava aos
Cris pensou que a menininha fosse ficar sentada onde a mãe a colocara, mas não.
Assim que parou de chorar, levantou e deu mais uns seis ou sete passinhos e foi para
Nesse instante Cris entendeu que era como aquela menininha, tentando andar, mas
sempre caindo.
forças renovadas para encarar a família, entrou em ação. Tomou um banho e se vestiu
em tempo recorde.
O único vestido realmente chique que tinha trazido era um preto com uma barra
de babados. Era um vestido de festa, e ela o usaria embora a única festa que tivesse em
vista fosse ali mesmo na casa de Bob e Marta, com um monte de velhos amigos do
casal.
O vestido deixava-a parecendo mais velha. Todas as suas amigas diziam isso. Seu
pai, que sempre lhe dizia para "ir mais devagar", provavelmente não gostaria dele.
Cris abriu a porta de sopetão, e a primeira coisa, a única coisa que viu foi a
- Por que não? Eu desligo as luzinhas. Ninguém nem vai saber que ela pisca.
E abriu o casaco para mostrar a roupa, mas Cris só notou os fios da gravata.
- Venha cá, disse, abanando a cabeça. Se quer ficar todo "ligado", pelo menos
esconda os fios.
Com poucos minutos ela arrumou os fios da gravata do irmão. Enquanto ela
ajeitava a gola atrás, David apertou o botão do bolso, fazendo a gravata piscar duas
- Desculpe por aquela minha estupidez, David. Eu não devia ter lhe dado um
predileto.
- É. Besouro. Você parece um besouro, com esse vestido preto, esse laço preto
grudado na cabeça e essa coisa escura nos olhos. Parece um besouro preto.
Cris correu ao espelho do corredor. Gostava do laço no cabelo, e não iria tirá-lo,
apesar do que David dissera. Mas talvez o irmão tivesse razão quanto ao delineador. Ela
nunca conseguia passá-lo sem manchar ou deixar riscos. Rapidamente limpou debaixo
do olho.
E era mesmo. Enquanto desciam juntos, Cris constatou que a música que ouviam,
bandolim.
Cris e David viram a mãe e o pai, bem vestidos, mas sem exageros, sentados ao
jogo de luz sobre a blusa da mãe. Bob estava ao lado da lareira acesa, com um copo de
gemada na mão, vestindo um smoking preto, com uma faixa azul-safira na cintura.
veio do canto, onde estava, deslumbrante num vestido azul-safira com strass prateada.
- Vocês dois estão maravilhosos! disse Marta. Olhe, Bob, Cris está vestindo o
traje que comprei para ela em Palm Springs. Não está linda?
Cris olhou para o pai para ver se ele aprovava. Dava para ela perceber que ele não
- Tem certeza de que esses dois são os meus filhos? Não me recordo deles assim.
Todo mundo riu e a música continuou. Cris entrou na sala, curiosa para ver de
onde vinha aquela melodia tão doce. Um músico, vestido de fraque preto, achava-se
sentado num canto escuro, perto da janela, cabeça baixa, tocando um bandolim.
Cris parou perto do sofá, escutando com prazer a canção até o fim. Quando o
tocador de bandolim tocou o último acorde, levantou a cabeça. Seus olhos azuis-
gelou.
gelou.
- Ei cara! gritou David cumprimentando o rapaz e correndo para bater as palmas
Sua expressão, seu cabelo, seu vestido, tudo reluzia. A garota fez que "sim" com a
- Ótimo! exclamou Marta, contente com a surpresa que tinha preparado. Ou será
- Ah! falou a tia, parecendo mais contente consigo mesma. O jantar está servido.
Vamos?
Como se estivessem num baile real, Marta ofereceu sua mão a Bob e ele a
conduziu com elegância para a sala de jantar. O pai de Cris levantou sua mãe da cadeira
com a graça de um fazendeiro que ergue um bezerro manco. Os dois riram e David
Sem dizer nada, Ted ofereceu o braço a Cris, entrando na brincadeira de seguirem
aos pares para a sala de jantar. Ela hesitou um instante, mas em seguida pegou-lhe o
braço.
- Você está bem? perguntou Ted num sussurro. Ela acenou que sim.
relacionamento com ele. Na sua cabeça, Ted já estava quase noivo de alguma outra
menina com quem ia jantar fora à noite. Nunca poderia suspeitar de que a garota era ela
mesma! Era este o jantar que ele não poderia perder. Sentia-se totalmente sem graça.
Chegando à mesa, Ted puxou a cadeira para Cris sentar. Em seguida, sentou-se ao
seu lado, e colocou o guardanapo branco no colo, como se estivesse acostumado a jantar
jantar formal. Ela nunca o teria imaginado nessa situação! Havia tanta coisa que não
Creme de brócolis. Bob e Marta levaram suas colheres à sopa e notaram que ninguém
mais os seguia.
- Ah sim! exclamou Bob, baixando o talher. Norton, você dá graças por nós?
nominalmente. Cris nunca ouvira o pai fazer uma oração tão eloqüente. Desde que
haviam mudado para Escondido e a família toda passara a frequentar a igreja, muita
- Bem, Norton, você está se saindo um excelente pregador! exclamou Marta, após
o "amém".
- Qualquer um pode orar, Marta. E hoje em dia há tanta coisa pela qual
- É claro que, continuou ele, quando se está um pouco enferrujado, não custa nada
tentar de novo.
Marta baixou devagar a colher. Não parecia ofendida: apenas queria ter a última
palavra.
-Alguns de nós fazemos uma segunda e uma terceira tentativas de orar e falar com
Deus, mas não obtendo resposta, ficamos "espertos", disse erguendo a colher para dar
Ah, não! Vocês não vão começar uma discussão sobre coisas espirituais agora! Não na frente
do Ted!
Cris já tinha visto discussões assim entre os seus pais e seus tios. Ela própria tinha
conflitos com eles sempre que lhes falava sobre um compromisso com Deus. Mas hoje a
- É disso que mais gosto a respeito de Deus, disse Ted com seu jeito natural, e
quebrando um pedaço de pão. Às vezes nós desistimos dele, mas ele nunca desiste de
nós.
coração de Deus". Mas ele errou muito na vida: praticou adultério, assassinato. Assim
- E Moisés, continuou Ted. Lembram-se dele? Foi um grande líder, certo? Pois
bem, ele matou um egípcio. E tem também o Abraão. Mentiroso. Disse que Sara, a
mulher dele, era sua irmã para que um rei não o matasse e ficasse com ela.
- É. E Abraão fez a mesma coisa duas vezes. No entanto foi chamado "amigo de
Deus"!
- Então o que você está dizendo, resumiu Bob, é que os heróis da Bíblia eram
pecadores, não santos. Na verdade, não eram heróis. Apenas gente como nós.
- Creio que não era bem isso que ele estava querendo dizer, interveio a mãe.
- Não, interpôs Ted. Era exatamente isso que eu queria dizer. Veja o Pedro, por
exemplo. O cara passou três anos andando com Jesus, e na noite do julgamento de
Cristo, ele se acovardou na frente de uma simples empregada e disse que nem conhecia
- Não vamos ter uma discussão religiosa no jantar, disse Marta, pegando o sininho
e tocando-o.
- Então, Ted, você acredita que Deus não desiste das pessoas, e, sim, que as
Cris não saberia dizer se o tio estava concordando com o Ted ou tentando pegá-lo
numa armadilha.
- É claro que tudo se baseia na entrega, na nossa entrega pessoal a Deus. Porque
mesmo se errarmos, Deus nos perdoará. Mas só se nos entregarmos a ele e procurarmos
o seu perdão.
dominical disse isso. A gente tem de se arrepender do que fez, não apenas quando
somos pegos fazendo coisas erradas, falou arrumando os óculos e enfiando um biscoito
inteiro na boca.
Os pais trocaram olhares de surpresa ao ouvirem o filho. Cris mal acreditava que
todos estavam conversando sobre Deus e ninguém estava achando ruim nem brigando.
- Você acha, Ted, perguntou Bob, que todas essas pessoas da Bíblia que você
mencionou mereciam uma segunda oportunidade, ou deviam ter sido castigadas por
- Deu várias! Veja bem, mesmo depois que uma pessoa torna-se cristã, ela ainda
- Então de que adianta? perguntou Marta com voz doce, embora parecesse
irritada. Se as pessoas "salvas" não são melhores que as outras, e se todos são
"pecadores", conforme você diz, então por que vocês que dizem que "nasceram de
novo" (e com isso não quero ofendê-lo), por que vocês insistem em afirmar que quem
não "nascer de novo" não é cristão?
Os pais de Cris trocaram olhares de incerteza. Bob olhou para o Ted e Cris
pensou: Sabe de uma coisa, tia Marta, essa pergunta é ótima. Esta semana parece que não fez a
menor diferença o fato de meus amigos serem cristãos ou não - principalmente a Trícia. Foi uma
Ted recostou-se na cadeira, e Cris sentiu que ele estava prestes a dar um de seus
famosos exemplos. Ela gostava de escutá-lo nesses momentos. Achava geniais as suas
ilustrações.
com Marta.
- Apesar disso ela não desiste. Fica tentando até melhorar. Mas veja só, se um
Cris teve a impressão de ter visto um leve tremor no rosto de Marta, mas
continuou escutando.
- É o que ocorre quando nos tornamos cristãos, dizia Ted. No começo a gente
ainda cai bastante porque estamos aprendendo a andar com o Senhor. Quanto mais
crescemos, mais peritos ficamos. Mas precisamos "nascer de novo" porque se o nosso
Cris baixou o garfo e ficou olhando para o prato, vendo apenas uma mistura de
cores. É isso aí! É por isso que ando caindo. Estou apenas aprendendo. Vou melhorar à medida que
for crescendo. Está tudo bem. Deus me entende, e ele está bem ao meu lado pra me pegar e
Sentiu um alívio tão grande que teve vontade de levantar e dançar em volta da
mesa, dizendo:
- A gente nunca esgota, disse Ted olhando para Marta, que o fitava meio confusa.
que Cris vira nele no enterro do Sam, nas férias passadas. Em seguida, ele baixou o
Marta engasgou com uma folha de espinafre e Bob deu a impressão de estar
frustrado, como se esperasse continuar essa discussão teológica sem chegar a nenhuma
conclusão e sem ofensas pessoais. Mas não era assim. Seguiu-se um momento em que
todos se limitaram a comer silenciosamente, quando ficou claro que Ted lhes dera algo
em que pensar.
- Esta salada está deliciosa, disse a mãe de Cris com animação. Você disse que o
Aos poucos Marta foi reassumindo seu estilo de "comandar tudo", e quando foi
- E onde estudou?
- Pensei que você tivesse dito que ele era hippie, disse Cris. Ted deu uma risada.
Estava aí uma área da vida do Ted que Cris não conhecia. Havia tanta coisa que
ela gostaria de saber sobre ele. Começou a ficar mais à vontade e sentindo-se um pouco
menos culpada pelo jeito como o tratara no telefone. Mas ainda continuava a incerteza:
o que sou para o Ted? Como será que vai ficar o nosso relacionamento? Será que ele
veio aqui hoje em cortesia a Marta, ou porque realmente queria minha companhia?
Hora de Conversar
12
- Estava uma delícia! exclamou a mãe elogiando Marta quando saíam da mesa.
Entrando na sala viram que o presépio tinha sido mudado para um canto da mesa
de café. No centro, havia uma bandeja de prata com bule, açucareiro, servidor de creme
e xícaras de porcelana fina. Ao lado dela, havia outra com doces e biscoitinhos redondos
açucarados.
David enfiou um chocolate inteiro na boca e, pela primeira vez na noite, apertou
Marta serviu o café. Cris mordiscava um biscoito e Ted tocou outra música.
Cris olhou para o Ted, que sorria e apertava a mão de seu pai.
- Meia-noite e meia.
Vamos à festa da Helen! Não posso acreditar! Meus pais permitiram que eu vá com o Ted!
- Agora vocês vão à festa? Deixa eu ir também? Por favor? Posso ir junto?
choramingava David.
- Filho, hoje só vai a Cris. A sua vez chegará também e mais cedo que você pensa.
Dirigindo-se ao corredor, Cris sorriu e pensou. Deus, você sabia disso tudo de
Marta seguiu-a.
- Cris, você gostaria que eu lhe emprestasse meus brincos para essa festa?
- Claro, respondeu Cris, ansiosa para fazer qualquer coisa no sentido de consertar
-Aqui, disse Marta estendendo-lhe uma caixa de veludo azul. Estes brincos são
muito especiais. Ganhei do seu tio no nosso décimo aniversário de casamento. Aquele
ano nós o comemoramos em Paris, e ele me entregou o presente num café de beira de
calçada no Champs-Élysées.
meu jeito de contribuir com algo especial para essa noite memorável.
- Esta semana foi muito difícil para mim, Cristina. Você tem a capacidade de
- Estou arrependida daquelas coisas que eu disse e que a aborreceram, tia. Não sei
a hora de calar a boca. Talvez eu devesse ser mais como aquela "mulher silenciosa" da
placa do restaurante.
- Não, minha querida. Continue sendo você mesma. Você tem tenacidade, Cris, e
- Não sei bem o que é isso, mas espero que seja bom. Marta limpou uns
grãozinhos de açúcar de confeiteiro que ficaram no rosto de Cris:
- Sim, é bom.
Cris queria muito dizer alguma coisa profunda e bonita, como no cinema, mas o
- Então você também deve ser uma mulher de muita tenacidade. Talvez eu tenha
- É possível.
- Sim, respondeu Cris, dando um rápido abraço em Marta. Obrigada por ser minha
segunda mãe, tia Marta. Gosto muito de você. E obrigada pelo empréstimo dos brincos!
- Agora podem ir, vocês dois! exclamou Marta, rapidamente mudando de tom.
Creio que nem preciso dizer, Ted, que se você beber demais, não tente dirigir o carro.
Ted começou a rir mas depois percebeu que Marta falava sério.
- Bem, mas hoje é o reveillon e você nem sabe o que a Helen vai servir na festa.
Mas logo em seguida, percebeu que a tia estava se recordando de uma festa a que
a garota fora, nas férias passadas, em que rolaram bebidas e drogas à vontade. Aquela
Cris deu tchau para seus familiares na sala e notou que David estava-se
esbaldando nos últimos chocolates com aquela gravata borboleta maluca, que acendia e
Sinto muito, David, mas desta vez você não vai tirá-lo de mim. Finalmente, estariam
juntos.
Estranho! Embora houvesse tanto assunto que Cris queria conversar com o Ted,
garota queria desenvolver a conversa, mas agora que finalmente estavam juntos, não
sabia o que dizer. Será que ele também se sentia meio sem jeito?
Naquele momento Ted parou num sinal fechado. Cris olhou pelo vidro da frente.
Era o lugar deles! Fora ali que ele lhe dera um beijo nas férias passadas. Será que ele se
- Ultimamente tenho pensado muito sobre a Alissa. Você tem notícias dela?
- Tenho. Aliás recebi uma carta dela outro dia, replicou meio sem graça.
- Não muito bem, disse Cris, baixando suas defesas e pensando em dar a notícia
para o Ted aos poucos. Ela pediu que eu orasse por ela. Está numa pior agora.
quadra onde ficava a casa da Helen, mas também precisa de pessoas que possam ajudá-
- Grávida? Quanto?
- De quantos meses?
ótimo!
- Ted! exclamou Cris, mal acreditando na reação dele. Acabei de contar que ela
- Sei lá. Pode ser daquele outro cara: o Erik. Aquele do Porsche preto que ela
- Não. E do Sam.
- Conheço o Erik. Ele nunca foi para a cama com ela. Tentou mas não conseguiu.
Cris se lembrou do dia que Erik tinha ido à casa da Alissa e ficara irritado porque
- Será que foi por isso que o Erik disse tantas coisas ruins para a Alissa no dia que
- Pode ser, falou Ted recostando-se no banco do carro. O clarão da luz da rua
- Ted, você devia ver seu rosto agora! Acho toda essa história horrorosa, e você
está rindo! Quer dizer, imagine como deve ser difícil para a Alissa estar grávida, sem os
pais para ajudá-la, e ela nem pode falar com o pai do bebe, porque ele morreu!
-Ainda não entendeu? indagou Ted inclinando-se para a frente. Ela está dando
vida a esse bebe! O filho do Sam! Ela podia ter abortado. Mas resolveu dar-lhe vida!
- Ted, ela engravidou! Não é uma coisa tão boa assim. E você está agindo como se
ela fosse uma heroína. Do jeito que eu vejo as coisas, ela errou e agora está sofrendo as
consequências.
- Tá certo. E está mesmo. Mas todos nós erramos às vezes, de um jeito ou de
- Verdade, e esse seria o primeiro passo. Mas pelo menos ela não tentou resolver o
problema abortando. Vai dar vida àquela pequena alma, e quem sabe o que essa criança
pode vir a ser quando crescer? Ele pode até ser o maior evangelista que o mundo jamais
conheceu!
- Está bem, ela pode se tornar a maior evangelista que o mundo já conheceu! disse
Ted rindo; mas em seguida ficou sério. Puxa, precisamos orar por ela e pelo bebe.
- Ela já conheceu alguns. Cris lhe falou sobre a Frances e o centro de gravidez de
- Ted, ainda não entendo por que você está tão contente com tudo isso. Achava
- Não é com o pecado que estou alegre, Cris. Você está totalmente certa. Sam e
Alissa nunca deveriam ter dormido juntos. Isso é totalmente errado. Na época, eu soube,
- Você sabia?
- Sim, mas o caso é que Deus não fica limitado pelos nossos erros. Não está
vendo? O Sam e a Alissa criaram uma vida humana. Uma alma! Apesar de terem feito
uma coisa errada, criaram algo que vai durar eternamente. Uma alma! exclamou Ted
parecendo muito empolgado, prestes a gritar. Uma alma, Cris! Nem os anjos conseguem
isso!
espantada. Então ele encarou-a com uma expressão nova: uma expressão de prazer.
- Você sabe que a Alissa foi àquele centro de gravidez e procurou uma pessoa
cristã por sua causa, não sabe? Talvez tenha sido você quem salvou a vida desse nenê!
- Você demonstrou amor e interesse para com ela. Foi uma verdadeira amiga. E
isso tem valor! explicou Ted rindo e fazendo aparecerem as covinhas. Vamos lá! É
Cris se sentia bem de estar com o Ted, apesar de eles terem conversado só sobre a
Alissa. Era como se tivesse entrado numa casa aquecida, num dia muito frio. A ira, a
Ted abriu a porta da kombi, pegou sua mão para ajudá-la a descer, e continuou
segurando enquanto caminhavam até a casa da Helen. Naquele momento não tinha
importância definir ou não o relacionamento deles. Ela não precisava saber o que
significava para ele. Não agora que estavam de mãos dadas e tão perto um do outro.
Cris sentiu o rosto avermelhar, e Ted também parecia não estar acostumado a ver
- Foi minha mãe que me deu. Precisei para o casamento dela. Ela é uma dessas
- Bem, vocês dois parecem que poderiam estar na capa duma revista. E Cris!
aproximou-se de Cris.
- Olá! disse.
Estava muito bonita com uma blusa cor-de-rosa e o cabelo castanho encaracolado
e cheio, solto.
- Quero pedir desculpas, Cris. Fui grosseira com você naquela noite no Richie's.
- Sim, definitivamente. E você precisa saber que eu não estava tentando chateá-la
quando patinei com o Douglas. Nem sabia que você gostava dele.
- Eu sei. Não contei pra você, lembra? falou Trícia com seu sorriso costumeiro.
- Bem, talvez você devesse ter contado, disse Cris, com uma leve gargalhada. Aí
- Não, não quero que se afaste do Douglas nem de ninguém, só porque eu ou outra
pessoa gosta de algum deles. O melhor é que todos possamos ficar juntos sem essas
brincadeiras de despertar ciúmes. E eu acabei fazendo exatamente isso no dia que fomos
ao rinque de patinação! Depois fiquei tão irritada comigo mesma! Não foi uma grande
besteira?
- Bem, Cris, se um dia você me vir fazendo uma besteira dessas de novo, pode me
ele abraçava todo mundo, e lhe deu um rápido abraço. Daí virou para a Trícia:
- Porque você é o cara mais atencioso que conheço. Douglas olhou para a Trícia e
perguntou:
- Será que mandei flores para ela ou alguma coisa assim sem saber?
- Não, não, não! exclamou Cris. Quando você foi lá em casa e me contou que iria
sair com a Trícia, mas que ainda queria ser meu amigo, achei a coisa mais doce!
Continuo me sentindo muito bem em sua companhia, apesar de você e Trícia estarem
namorando.
- "Legal"? Você ainda usa o termo "legal", Douglas? Eles não lhe ensinam
- Vamos lá, turma! gritou Brian da sala. Vamos jogar "Ganha, Perde ou Empata".
Para Sempre
13
Cris acabou ficando no time da Helen, Douglas, Trícia e Brian. O Ted estava no
time oposto. Desenhavam com canetas hidrográficas num grande bloco branco. Com
- Essas frases são difíceis demais para nossa turma! reclamou Helen. Eles não têm
gritou:
Cris olhava o Ted, e se perguntava por que fora que naquela tarde pensara em
riscá-lo para sempre da sua lista de amigos. Ele era amigo de todos, mas para ela
representava muito mais. Ele havia demonstrado isso arranjando aquele café da manhã
na praia e indo ao jantar da tia Marta. Por que ela precisava definir o relacionamento?
Era mais do que "gostar", mas ainda não era "amar" de verdade. Estavam em algum
Lá pelas onze, Helen chamou todo mundo para ir ao quintal, onde havia uma
Ted deu tanta risada que o biscoito que tinha na mão se esmigalhou. Segurando o
lado, as lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Cris nunca tinha visto o Ted rir tanto.
- Não entendi, disse Helen, olhando para o Douglas, depois para o Ted.
- É um livro bobo, que o Ted deu para o Douglas de Natal, explicou Trícia,
abanando a cabeça.
- Deu... Você já viu? E alguma coisa sobre o que fazer com hamsters mortos,
explicou Trícia.
marshmallows.
- O Ted me deu o mesmo livro, reclamou Trícia. Você não acha que é muito
- É. Deve ser mesmo, concordou Cris. Esquisito, mas legal. Os rapazes gostam de dar
esse tipo de presente para os amigos. Provavelmente o Rick me vê como uma colega, uma amiga.
Mas então, por que ele me beijou? Não se beija quem é apenas colega!
Ela e Rick eram colegas. Tinham forçado um pouco seu relacionamento para se
tornar algo que não era, tentando ser românticos. É claro que isso não excluía a hipótese
de um dia serem namorados. Mas esse definitivamente não era o caso agora, e era
bobagem fingir que era, ou deixar os outros tentarem convencê-los disso. Ela gostava do
Rick e queria voltar a ser uma boa colega para ele. Dar uma segunda chance à amizade
deles. Dar o tempo que fosse necessário para que crescesse naturalmente, sem tentar
transformar essa amizade em algo que não era.
Teve a impressão de que um peso tinha sido tirado de seus ombros. Agora sabia o
que tinha dado errado. Embora não soubesse ao certo como poderia consertar as coisas,
não desistiria enquanto não tivesse resolvido tudo. Afinal de contas, ela era uma pessoa
queimaram, mas ela não se importou. "Descascou" a parte queimada e tentou de novo,
assando o miolo visguento. Era assim que ela fazia, de propósito, quando era criança.
Cris tirou o arame do fogo e soprou. Ted ficou a olhá-la. Ela descascou a crosta
- Tentando dar uma segunda chance ao marshmallow, hein? brincou Ted, quando
- Acho que todo mundo merece uma segunda oportunidade; até mesmo os
marshmallows.
Naquele momento Douglas chegou no quintal com uma enorme caixa nas mãos.
- Olhem só, minha gente! Fogos! Guardei desde o Quatro de Julho*. Vamos ver se
ainda funcionam.
acendeu na fogueira. De repente surgiram brilhos de luz por todo lado e o grupo riu
Mas eles duraram apenas alguns minutos e depois todos jogaram os pauzinhos que
sobraram na fogueira. Alguns entraram, enquanto outros tostavam um último
marshmallow.
Cris estava perto da pia na cozinha, lavando as mãos, quando Ted chegou perto
dela e perguntou:
- Prometi levar você de volta antes de meia-noite e meia. Acho que devemos ir
agora.
- Tudo bem, disse Cris, sem entender bem a razão de estarem indo embora tão
cedo.
Despediram-se da Helen e dos outros. Enquanto Ted manobrava a kombi para sair
- Muito obrigada por tudo, Ted. Por ter ido jantar conosco e ter-me trazido à festa.
- Mas você gostaria de ter sabido antes o que estava acontecendo, não gostaria?
Cris ficou surpresa de que ele adivinhasse tão bem os seus sentimentos.
- Foi por isso que quis sair mais cedo da festa. Queria que tudo ficasse bem
- E ficou?
- No que me toca, ficou. Nada mudou. E com você, está tudo bem?
falado, mas Ted, o que foi que não mudou? Quer dizer, o que é que nós somos?
- O que é que nós somos? ele repetiu a pergunta olhando para ela.
- Acho que não existe uma palavra que defina isso. Está entre a "amizade" e o
"namoro", como você e a Trícia falaram outro dia lá em casa.
- E o que isso quer dizer? indagou Cris, esperando que não estivesse sendo
- Significa que eu gosto muito de você, Cris. Significa também que não quero
tarde juntos.
- Ted, eu também queria passar o dia com você. Mas deu tudo errado. E daí, no
dia seguinte quando você passou de carro por minha casa e o Douglas estava cheirando
o meu cabelo...
Ted riu.
- Eu tinha feito permanente e meu cabelo estava com perfume de maçã verde.
- Puxa! Quando passei por lá e vi vocês dois, senti como se tivesse comido maçãs
- Acho até que foi bom. Me fez pensar sobre um monte de coisas. Mais tarde eu
me encontrei com seu tio no posto de gasolina e ele me convidou para o jantar. Disse
seu pai, e foi o que fiz hoje à tarde. Quando ele respondeu que podia, eu ia perguntar a
você, pois parecia estar muito nervosa na hora que telefonou. Mas o David disse que
você estava no quarto e que não era para ele mencionar o meu nome nunca mais para
- Não acredito! Eu estava no quarto, nervosa e irritada por nada enquanto você
- Não tem importância. Eu estava mais ou menos assim naquele dia no Richie's.
- Somos amigos, Cris. Amigos de verdade. Amigos leais. O que isso significa
coisa eu sei: aconteça o que acontecer conosco, haja o que houver no futuro, vamos ser
- Penso a mesma coisa, Ted, falou Cris em voz delicada e sincera. Não importa
onde estamos entre o "gostar" e o "amar", e o que vai acontecer depois. Também quero
Naquele momento, Ted parou num sinal fechado. Sem dizer nada, desligou a
kombi, abriu a porta, saltou para fora e correu para o lado da Cris. Abriu a porta do lado
Puxando Cris pela mão, tirou-a da kombi e conduziu-a para a frente onde os faróis
- É isso mesmo! Estamos em algum ponto no meio dos dois extremos. E é mais ou
Os olhos de Cris correram do Ted para o sinal de trânsito. Foi então que percebeu.
Era o "lugar" deles! Estavam bem no meio do cruzamento. Ted enfiou a mão no bolso
do fraque e tirou uma caixinha retangular amarrada com uma fita branca. Com a
- Eu não sabia qual era a melhor hora para lhe dar isto, mas parece que tanto faz
agora ou qualquer outra hora. Vamos! Abra!
Os carros zarpavam ao lado deles. Cris riu alto. Só mesmo o Ted para fazer isso!
Arrancou a fita e o papel. Dentro havia uma pulseira com uma delicada plaquinha de
ouro.
- Ted, é linda!
Ela virou-a para a luz do carro e leu a plaquinha de ouro: Para Sempre.
O sinal abriu e o carro atrás deles buzinou. Ted deu a volta no carro e acenou para
Ela sabia que todo mundo estava olhando-a, ali de pé, toda produzida, com o
presente numa mão e a pulseira de ouro na outra. Mas não se importava. Estava bem no
meio da rua, bem no meio do seu relacionamento com o Ted, e era bem onde ela queria
estar: nem mais para um lado, nem mais para o outro. E no momento, nada mais tinha
importância.
- Deixe que eu ajudo a colocar, disse Ted prestativo, voltando para onde Cris
estava.
tentativas, conseguiu fechar com segurança. Pegou então a sua mão, e disse:
- Estou realmente sendo sincero nisso, Cris. Não importa o que vier depois, não
peito. Você está no meu coração. É minha amiga. Sinceramente não sei o que vai
acontecer daqui pra frente, mas não estou preocupado. Deus sabe. Vamos passar a
eternidade com ele. Com esta pulseira, estou querendo dizer: "Aqui está a minha
Cris ficou emocionada. Nunca imaginara que Ted fosse tão romântico. Se bem
que não era tudo só emoção. Era sólido e bem pensado. E o mais surpreendente era que
- Deve ser meia-noite, disse Cris. Feliz Ano Novo, Ted. Ele sorriu e envolveu-a
nos braços.
Então ele a beijou duas vezes. Primeiro nos lábios, um beijo rápido e terno, no
meio da rua, na frente do farol da Kombi Nada. Em seguida conduziu-a de volta para o
carro e abriu a porta. Aí beijou-a novamente. Dessa vez, no lado direito da testa, meio
Correu então para o seu lado do carro, fazendo sinal para o veículo que estava
novamente.
Cris girava o punho para diante e para trás, olhando a pulseira pegar os reflexos da
luz.
- Gostei demais dessa pulseira, Ted! Ele ergueu o queixo um pouco mais num
gesto de satisfação.
- Estou contente de que tenha gostado. Desculpe o atraso. Levei muito tempo para
- Tirei de Primeira João. Lembra que a Trícia disse que queria que lêssemos esse
livro e quando nos reuníssemos conversássemos sobre o que aprendemos? Bom, apesar
- O que entendi é que o amor de Deus permanece para sempre, e é assim que ele
Cris entendeu que fora essa a razão de Douglas e Trícia terem estado na casa do
Ted à tarde, quando ela telefonou. Puxa, e ela tinha feito uma porção de deduções
erradas! Ainda bem que Ted era um cara tranquilo e perdoador. Depois de tudo que ela
- Por nada!
- Quero dizer, obrigada pela pulseira, mas obrigada também por não ter me
- Eu já lhe perdoei. Vamos deixar pra lá, está bem? Vamos nos dar uma segunda
chance.
Chegaram em frente da casa de Bob e Marta, e Ted desceu para abrir a porta para
Cris. Colocou o braço no ombro dela e foram andando devagarinho até a porta da frente.
A certa altura Ted inclinou a cabeça para trás, olhou para o alto e parou. Cris
passou o braço na cintura dele e olhou para cima também. O céu se estendia como
- Sabe, é ali que Deus espalha os nossos pecados quando os confessamos. Ele diz
- Quando eu era pequena, sussurrou Cris, achava que à noite o céu era um
cobertor preto bem grande que separava o céu da terra, e que as estrelas eram furinhos
que os anjos tinham feito no cobertor para poderem olhar pra gente.
Ted deu-lhe um aperto no ombro e riu.
direção à porta. E é assim mesmo que deve ser. Será que eles acharão ruim se eu entrar,
- Acredito que não, disse Cris. Pode ser que minha tia até lhe aplique um teste pra
ver se bebeu!
- Chegaram cedo!
- Claro que não! replicou sua mãe que estava recostada no sofá; e virando-se para
Ano Novo do que beber até ficar tonto! comentou Marta. Você deve se sentir muito
- E me sinto, tia, respondeu ela, olhando para o Ted. Acredite, sou muito grata.
- Sim, é claro!
Então ele fez algo que deixou Cris muito satisfeita. Atravessou a sala e
cumprimentou o pai e o Bob, depois beijou o rosto de Marta e agradeceu-lhe pelo jantar.
Bateu a palma da mão na do David, e se abaixou perto do sofá para dar um rápido beijo
- Agradeço a todos por deixarem que eu fizesse parte da família hoje, disse.
Talvez somente a Cris soubesse o quanto era importante para Ted estar com uma
- Você sempre será bem-vindo em nossa casa, disse Marta. E falo isso com toda
sinceridade.
- Nós dizemos o mesmo, afirmou o pai de Cris. Venha visitar-nos um dia desses.
Cris mal podia acreditar no que ouvia! Seu pai estava convidando o Ted para ir à
casa deles!
Ted foi rapidamente à sala de visitas enquanto Cris o esperava à porta da entrada.
Só depois que a porta estava totalmente fechada foi que Cris compreendeu, e
quando entendeu, deu uma risada alta. O coração estava leve, contente, de bem com a
vida.
- Não se preocupem, gente! Ele só beijou na cabeça dela! gritou David para os
canto da porta.
- Seu atrevido! gritou Cris e começou a correr atrás dele, atravessando a sala de
- Ei, vocês dois! Chega! ressoou a voz do pai no corredor. Está na hora de dormir!
Reassumindo a pose, Cris alisou o cabelo e passou pelo pai, com David logo atrás,
- Boa noite pra todos, disse ela ao pé da escada. E boa noite, David. Espero que
- Ah é?! fez ele enrugando a cara. Espero que... que você nem consiga sonhar!
Cris subiu a escada flutuando. E quem precisa sonhar? Hoje a vida real fora
melhor do que qualquer sonho. Então, só para certificar-se de que tudo aquilo realmente
tinha acontecido, tocou a pulseira e passou o dedo sobre a gravação "Para Sempre".
Aconteça o que acontecer, e seja o que for que o Senhor planejou para mim, e aconteça o que
acontecer entre mim e o Ted, quero que o Senhor saiba que sou tua. Sou tua, ó Deus, pra sempre.
***