Você está na página 1de 1

Luís Fernando Verissimo

Um dos abismos da criatividade humana é a porta de banheiro público. Como indicar que
uma porta é do banheiro dos homens e outra do banheiro das mulheres sem cair no
óbvio? Está claro que este é um daqueles casos em que deviam deixar o óbvio em paz.
Mas não. As pessoas insistem em ser originais. Homem e Mulher, Damas e Cavalheiros,
Senhoras e Senhores ou simplesmente "H" e "S" não servem. Banheiro é uma coisa que
embaraça tanto a todos que a solução é procurada no outro extremo, na falsa
descontração e no engraçadinho. Tenho me dedicado a colecionar exemplos, naquela
volúpia pelo inútil que ou acaba em loucura ou em tese sociológica. Vamos lá.

Os camundongos Mickey e Minnie. Inescapáveis. Estes eu já encontrei nos piores antros,


em tocante contraste com a sordidez do resto. Mickey e Minnie em alegres e coloridas
poses, como se por aquelas portas se voltasse a infância em vez de entrar em asfixiantes
câmaras de fedor adulto. Se o estabelecimento estiver caindo aos pedaços você pode ter
certeza que na porta para homens haverá uma cartola e uma bengala e na das mulheres
uma sombrinha cor-de-rosa. Fred Astaire e Ginger Rogers um dia ainda aparecerão.

Ferdinando e Daisy, claro. Eles e Elas, naturalmente. Machões e Fofinhas, ai de nós.


Uma vez num restaurante do Leblon, deparei-me com duas indicações sobre o gênero
dos banheiros: um limão e uma laranja. Fiquei uns bons 2 minutos ponderando o
significado oculto daqueles símbolos cítricos até me dar conta que era apenas "o" limão e
"a" laranja. Ou será que a mensagem era outra e eu continuo não entendendo? Outra
vez, num restaurante de Greenwich Village, em Nova York, levei outros angustiantes
minutos para descobrir que a cara de Karl Marx numa porta tinha a mesma função do
camundongo Mickey, não era propaganda. Não cheguei a ver o que havia na porta do
banheiro das mulheres. Rosa Luxemburgo, provavelmente.

Este tipo de sofisticação pode levar a confusões. O que fazer quando numa porta está um
retrato do Oscar Wilde e na outra o da Gertrude Stein? Mas imagino que num lugar que
chegasse a este tipo de sutileza não faria muita diferença. As duas portas dariam para o
mesmo banheiro.

Quando a comunicação precisa ser rápida e internacional - em aeroportos, por exemplo -


usam-se os símbolo consagrados do bonequinho de calça para homem e do bonequinho
de saia para mulher, desprezando-se o fato de que poucas mulheres usam saias
atualmente. Também não se cogita de que o eventual escocês de saiote imagine que
exista um banheiro só para ele nos aeroportos.

Joãozinho e Mariazinha. Adão e Eva. Barbados e Belezas. Leões, meu Deus, e


Domadoras. Laços de fita azul ou fita cor-de-rosa. Um buldogue e uma gata. Mônica e
Horácio. Sandra Bréa e Ney Latorraca recortados de uma capa da Amiga...

Você deve conhecer vários outros exemplos. Por favor, não mande nenhum.

"O Suicida e o Computador", L&PM Editores, Porto Alegre

Você também pode gostar