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Em sintonia com a intuição

Qualidade cada vez mais apreciada no mundo corporativo, a intuição é tema de Blink,
livro que virou coqueluche entre os executivos americanos

ANA TEREZA CLEMENTE


Colaborou Suzane Frutuoso

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São flashes rapidíssimos que alertam sobre um perigo, indicam uma saída
para um impasse profissional, dão pistas de como contornar uma briga
amorosa. São segundos da mais legítima intuição, que, para os já treinados,
ajudam a encontrar soluções. Os céticos acreditam que essas impressões
instantâneas são apenas frutos da imaginação. Para o americano Malcolm
Gladwell, contudo, são uma forma de ratificar a fama de bom escritor e guru
de executivos. O autor do recém-lançado Blink: the Power of Thinking
without Thinking (algo como Em um Piscar de Olhos: o Poder de Pensar sem
Pensar, ainda sem tradução em português) está fazendo enorme sucesso nos
Estados Unidos porque revela, por meio de uma série de histórias saborosas,
que basta prestar atenção a preciosos ''dois segundos'' para tomar boas
decisões.
AP

Jornalista de 41 anos, Gladwell tornou-se o queridinho


dos empresários americanos depois de publicar seu
primeiro livro, The Tipping Point (algo como O Ponto
Crucial). Nele, argumentava que idéias, produtos e
comportamentos se tornam populares graças à
propaganda boca a boca. E traçava um perfil de
pessoas que ''criam'', ''aceleram'' e ''terminam'' os
modismos. O livro ficou 28 semanas na lista dos mais
vendidos e suas idéias foram incorporadas tanto por
empresas (Starbucks e HP) quanto por universidades
de renome, como a Columbia de Nova York. A idéia
de Blink surgiu como um insight depois que Gladwell, INSPIRAÇÃO
de ascendência africana, deixou o cabelo crescer no Depois de deixar o
estilo black power. ''Passei a receber multas por cabelo crescer e
excesso de velocidade sem ter mudado meu estilo de ser alvo de
dirigir. Um dia, fui cercado por policiais que me preconceito,
confundiram com um marginal'', explica ele. ''Aos Malcolm Gladwell
poucos, descobri como a aparência provoca uma teve um insight e
intuição negativa nas pessoas. E que, se pode ser passou a estudar a
percebida de forma preconceituosa, ela é também um intuição
elemento fundamental na tomada de decisões -
profissionais, pessoais, amorosas.'' No livro, o guru baseia-se em estudos
científicos e conta casos verídicos para explicar o processo intuitivo .
Oferece também dicas de como estimular a intuição.

Chamada de sexto sentido, a intuição é um atributo inerente a todas as


pessoas. Não é mais feminino que masculino, embora se cultive a idéia de
que as mulheres são mais intuitivas que os homens. Não é um tipo de
inspiração divina, portanto não é preciso ser místico nem religioso para
acreditar nela. ''A intuição é o conhecimento que surge sem o uso da lógica
ou da razão'', explicou a psicóloga americana Sharon Franquemont em
entrevista a ÉPOCA. ''Ela aparece de formas diferentes, como sonhos, visões
diurnas, sensações corporais, conhecimento puro, insights e criatividade'', diz
Sharon, que estuda o assunto há 33 anos, já deu consultoria para empresas
como Intel, AT&T e Procter & Gamble e escreveu o livro Você já Sabe o
Que Fazer.

Maurilo Intuição vem do latim intueri, que significa dar uma


Clareto/ÉPOCA olhada. A explicação mais simples é de que os insights
não passam de modus operandi do cérebro. ''Esse órgão
é uma máquina de extrair padrões e, com base neles, faz
antecipações de acordo com o aprendizado, com a
experiência'', diz a neurocientista Suzana Herculano-
Houzel, professora da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. É importante distinguir intuição de sorte. Um
goleiro pode ter a sorte de cair para o lado certo e pegar
o pênalti. Mas pode usar sua intuição, proveniente de
anos de experiência, e se jogar para o lado que acredita
ser o correto. Nesse caso, pegar o pênalti não vai ser
RAPIDEZ Em 60 obra do acaso ou adivinhação. É um pressentimento
segundos, Iêda
Novais faz a
primeira avaliação
do executivo
baseado no conhecimento - como se processa a intuição.

O córtex órbito-frontal é a região onde ocorrem as intuições e é uma das


últimas estruturas do cérebro a amadurecer. ''Isso explica por que os
adolescentes tomam decisões sem pensar tanto nas conseqüências'', justifica
Suzana. Através de suas pesquisas, o psicólogo americano Daniel Goleman,
autor do livro Inteligência Emocional, demonstrou que os neuropeptídios -
proteínas sintetizadas pelos neurônios - encontrados no estômago são
similares àqueles do cérebro. Quando alguém afirma, então, que suas
''entranhas'' apontaram o que deveria ser feito, não está usando mera figura
de linguagem. ''Está expressando a verdade'', constata Sharon Franquemont.

A INTUIÇÃO DE JUNG
Para o psicanalista Carl Jung, a intuição é uma das quatro maneiras de o
homem entender a realidade. As outras são sensação, pensamento e
sentimento. Segundo Jung, a intuição utiliza a psique para discernir sobre
fatos e pessoas. Veja as características de um ser intuitivo listadas por ele
observa holisticamente confia nos pressentimentos
é consciente do futuro imaginativo
visionário
Se existisse uma frase que define melhor a intuição, esta seria: ''Sei o que
fazer, mas não sei por quê''. A maioria das pessoas já sentiu medo de tomar
uma decisão sabidamente acertada, mas impulsiva, e depois se arrependeu de
não ter agido de imediato. Em seu livro Manual de Intuição Prática, a
consultora americana Laura Day, que atende famosos como a atriz Demi
Moore, explica que ''a intuição simplesmente sabe. Instantaneamente.
Enquanto a razão trabalha, a intuição procede em flashes. A intuição capta
vislumbres da realidade em fragmentos e pedaços, normalmente em forma
simbólica. Esses símbolos precisam portanto ser interpretados e montados
para que surja uma figura coerente''.

Difícil é fazer essa interpretação. Os especialistas asseguram que é possível


aumentar a capacidade intuitiva, desde que a razão saia de férias. ''Minha
sugestão é dizer à lógica que ela merece um descanso'', ensina Sharon. ''É
preciso disciplina e tempo para remover o treinamento que se recebeu para
ignorar a intuição.'' Relaxamento é essencial, porque o ritmo alucinado de
vida é inimigo público das impressões instantâneas. Momentos de silêncio,
para aquietar o corpo, as emoções e os pensamentos, também ajudam a
intuição a fluir facilmente. Exercícios respiratórios e meditações mudam a
freqüência adrenérgica do coração - que faz a pessoa ficar ansiosa - para
vagal - tranqüila, alerta o neurologista catarinense Martin Portner, mestre em
Ciências pela Universidade de Oxford e condutor de workshops sobre
empatia, intuição e criatividade. ''Quando o coração está no ritmo vagal, nos
tornamos mais propensos a ter idéias intuitivas'', diz ele

Jairo O megainvestidor americano George Soros sempre sabe o que fazer


Goldflu para se dar bem no mercado financeiro. Quando sente dor nas
s/divul costas, tem o pressentimento de que sua decisão não é a mais
gação acertada. A economista brasileira Flavia Cymbalista, radicada em
Nova York, produziu um estudo, Como George Soros Sabe o Que
Sabe, para explicar como o poder de análise do investidor não
elimina seu apurado instinto. Flavia criou um aplicativo que dá ao
profissional a chance de acessar seu conhecimento físico sempre
que houver momentos de definição nos negócios. ''O que faz a
diferença entre um bom operador de bolsa de valores e um
medíocre é o feeling. Eles 'sentem' o mercado. E como sabem o que
sabem? Não é por meio da racionalidade econômica'', diz Flavia,
com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Universidade de
Berkeley. Seu sistema ajuda os executivos a tomar melhores
decisões para fazer negócios mais rentáveis. ''Um CEO está no
posto mais alto da hierarquia de uma empresa e se confronta o
tempo todo com fatos sem precedentes. Precisa da intuição para
FIEL À tomar decisões que fogem à regra'', afirma.
INTUI
ÇÃO A professora Laura Day explica que ''se sua intuição lhe diz para
Nizan fazer algo que seus sentimentos confirmam ser o caminho certo
jamais para agir e, ao investigar os fatos, seu julgamento concorda que
contrari parece ser um movimento consistente, pode estar certo de um bom
a seus desfecho''. Ouvir a intuição se tornou uma expressão banalizada,
insights mas é a partir do silêncio que se pode obter melhor desempenho.
e Em seu livro, Sharon Franquemont conta que ''as pessoas muitas
sempre vezes precisam parar de lutar e entrar em uma calma confiante para
conseg conseguir o sucesso''. É como um jogador de golfe, que primeiro
ue
fazer
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visualiza o êxito futuro para depois deixar a imagem correr solta. Método
idêntico ao que adota o judoca carioca Flávio Canto, medalha de bronze nas
Olimpíadas de Atenas. ''Não tinha dúvida nenhuma de que ia ganhar a última
luta'', admite. ''Fico muito mais confiante quando me imagino em situações
vitoriosas, como o momento em que imobilizo um adversário'', afirma,
apesar de treinar esse golpe ''um milhão de vezes''. Durante a competição,
Flávio entra em um ritmo de concentração tal que sente como se a luta
estivesse acontecendo em câmara lenta. ''O atleta busca sempre o impossível
e, se ele for absolutamente racional, não chega a lugar nenhum. A intuição
faz enxergar o futuro próximo.'' Segundo Sharon, o processo intuitivo pode
colaborar com a performance de esportistas: ''Quando os atletas silenciam
sua preocupação e/ou esforço, uma parte mais profunda de si mesmos pode
emergir. Além da criatividade, o silêncio pode trazer a intuição necessária
para o melhor desempenho''.

Mirian
Fichtner/ÉPOCA
Investir na intuição contribui na hora de fazer um
diagnóstico médico, ganhar uma partida esportiva,
fechar um bom projeto. Como todo profissional é
bombardeado por uma infinidade de dados, tem de ser
capaz de identificar rapidamente o que de fato
importa. Um dos principais conselhos que Malcolm
Gladwell dá no livro é justamente diminuir a base de
dados. ''Hoje, as decisões são tomadas sem muito
tempo para ponderações e com informações em
excesso. O profissional que sabe ouvir a intuição e
tem a visão do todo é mais valorizado'', diz Marcelo
Massarani, professor de Engenharia Mecânica e
fundador do Laboratório de Criatividade da Escola
Politécnica (Poli), da Universidade de São Paulo. Para CONFIANÇA
ele, a hipótese mais coerente sobre a manifestação da TOTAL Flávio
intuição é que a enorme quantidade de informações conta que a
sensoriais, coletadas e armazenadas na mente, é intuição faz com
acionada diante de um problema ou de uma que se imagine em
inquietação. Ele exemplifica: ''Uma pessoa vai situações
comprar um carro que pretende vender depois de vitoriosas
pouco tempo de uso. Subitamente, 'sente' que a
melhor escolha recai sobre um modelo cinza, 1.0. Esta solução surge sem
motivo aparente, mas é a expressão daquela massa de dados guardada na
memória, já que, no bairro onde trabalha, a maior parte dos carros tem essas
características''.

Para ser bom executivo já não basta ter no currículo um diploma de MBA
ou dominar duas ou três línguas estrangeiras. Aprender a ir além dos limites
da razão é um dos requisitos considerados ''básicos''. Pesquisa da empresa
americana Lee Hecht Harrison, especializada em desenvolvimento de
lideranças empresariais, com a participação de mais de cem executivos de
92 organizações, indica qual o novo modelo de líder desejado: aquele que
sabe trafegar entre o desconhecido - a idéia intuitiva, inovadora - e o
conhecido - o real. ''O que faz a diferença, com a atual instabilidade
econômica e a rapidez no ritmo dos negócios, é a agilidade com que o líder
alterna esses dois comportamentos'', diz Iêda Novais, sócia da Mariaca &
Associates, que trabalha com treinamento e recrutamento. ''No passado, um
CEO podia ser bom sem fazer grandes inovações. Hoje, ele tem de lidar
com mais riscos, saber avaliar rapidamente a situação e conduzir a empresa
para bons resultados. Então, deve ouvir a intuição, mas conhecer com
excelência o que faz.'' Treinada para entrevistar candidatos a presidente de
empresa e conselheiro de administração, Iêda conta que bastam 60 segundos
para fazer a primeira avaliação. ''Percebo se vale a pena ir em frente ou não,
se a pessoa tem o perfil que estou procurando. É pura intuição'', diz.
''Depois, durante a conversa, levo em conta o background acadêmico, a
carreira.''

''Por não ter sido considerada um


processo racional, a intuição foi
atribuída às mulheres, enquanto o
pensamento racional constituiu um
território para cérebros
masculinos''

LAURA DAY, autora de Manual de


Intuição Prática
Desenvolver a habilidade intuitiva ajuda o executivo a projetar o futuro.
Otávio Piva de Albuquerque, presidente da importadora Expand, foi
considerado um visionário por empresários e banqueiros quando, nos anos
70, teve a idéia de montar uma empresa de vinhos. ''Minha intuição me
dizia: não existe hoje, mas também não existia nos Estados Unidos de 20
anos atrás (referência a 1950). Às vezes, a idéia é muito boa, mas não para
já. Então, você guarda, sabendo que ela terá um longo amadurecimento'',
diz. A Expand vende atualmente 6 milhões de garrafas por ano e é a maior
importadora de vinhos da América Latina. Um dos hábitos mais peculiares
de Piva é trazer, sempre no bolso, papéis em que possa anotar sugestões
captadas informalmente em suas conversas ou até insights próprios -
costume que também tinha a ex-primeira ministra Margaret Thatcher. ''Isso
sempre me ajudou'', confessa Piva.

Cientistas não têm intuição sobre arte - só sobre ciência. Músicos costumam
ter flashes criativos sobre... música. Pode parecer estranho, mas é o
conhecimento adquirido que faz o profissional ter um canal aberto com a
intuição. ''As pessoas não têm mais talento, têm mais paixão por seus
assuntos. Einstein investia tempo, todos os dias, viajando pelo imensurável
espaço além da atmosfera terrestre com sua imaginação intuitiva. Quem
quiser ter mais intuição sobre alguma coisa deve aumentar sua paixão sobre
ela'', aconselha a psicóloga Sharon. Nizan Guanaes, dono da agência África,
é um publicitário que segue à risca esse preceito e faz da intuição uma lei de
vida. ''As pessoas acham meio esotérico, mas não é. É bom ficar em estado
de Jedi, ver com os olhos fechados'', brinca. Guanaes acha que profissionais
de comunicação, publicitários em especial, têm capacidade de sentir o que
vai fazer sucesso. As pesquisas de opinião, para ele, nem sempre são o
melhor indício daquilo que vai agradar ao consumidor. ''Às vezes, é preciso
deixar de lado a mania de querer provar. Nem tudo é exato'', afirma. ''Todas
as vezes que contrariei minha intuição me dei mal nos negócios e na vida.''

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