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Porque você deve manter a calma

Por Juliana Centini

A confirmação de uma gravidez é extasiante o bastante para tirar uma mulher de órbita
por alguns instantes. O resultado positivo do exame sintoniza seus sonhos e suas
inseguranças na mesma freqüência e manda o recado: “Lide com isso”. Quando
descobri que estava grávida, o primeiro conselho que recebi da minha mãe foi:
“Aproveite cada minuto, porque tudo passa tão rápido, que no final você fica desejando
que o tempo voltasse para que pudesse viver um pouquinho mais nessa condição”. Esse
seria o meu conselho se antes não houvesse um mais importante: “Fique calma e não se
preocupe”. E você se pergunta, “como assim? Porque eu haveria de ficar nervosa?
Preocupar-me com o quê?”. A resposta é simples: “Com tudo”. No momento da
descoberta você pensa em como dar a notícia ao pai do seu filho, com a escolha do
médico, com o que você comeu e bebeu um dia antes de saber que estava grávida, com
as contas que vão aumentar, com o seu corpo que vai mudar, com o seu emprego, com a
sua família, com o seu filho mais velho... Poderia passar o dia citando alguns dos
motivos de preocupação que assaltam uma mulher grávida no momento da confirmação
da notícia, mas ao invés disso posso contar uma história.
Em 2007, três meses depois de me formar, engravidei do meu namorado. Nós havíamos
acabado de voltar após um rompimento de 1 ano e meio. Aconteceu em um mês, entre a
euforia do retorno e um pequeno descuido. Digamos que na primeira tentativa, mas sem
nem ao menos ter conscientemente “tentado”.
Bom, não foi um drama mexicano, mas quase uma novela das 6. Eu tinha muitas
decisões a tomar, eu tinha que casar, eu tinha que ter uma festa, eu tinha ir ao médico,
eu tinha que contar aos meus pais, eu tinha que arrumar um lugar para morar, eu sabia
décor a minha lista de pendências e afazeres, só não me lembrei de curtir aquele
momento. Minhas preocupações eram tantas e eu corri com tudo de uma forma que não
percebi que 12 semanas de gestação passaram. De repente eu tive uma dorzinha, um
sangramentozinho e, alguns dias depois tive contrações, sangramentozão, peguei o saco
gestacional (do tamanho de um ovo de galinha) nas mãos, em casa, e ali já não tinha
mais bebê, não tinha mais gravidez, e não tinha mais que me preocupar com nada a não
ser com o fato de que eu havia me preocupado demais.

Dois anos e meio depois desse aborto espontâneo, eu estava casada, tinha um
apartamento, tinha estrutura e voltamos a tentar a gravidez, dessa vez de forma
consciente. Eis que no segundo mês de tentativa o resultado positivo apareceu
novamente. Ah, que alegria, afinal de contas dessa vez tinha que dar certo. Meu marido
e eu contamos aos nossos pais e irmãs, mas esperaríamos até o terceiro mês para
espalhar a notícia. Não fosse o surto de gripe suína (H1N1) chegar ao meu ambiente de
trabalho. Precisei comunicar a minha diretora, que na hora decidiu me afastar até que a
situação estivesse contida. Em casa, sozinha, a pulga da incerteza e do medo começou a
me cutucar, “e se aquilo que acontecera há dois anos acontecesse de novo? Por que eu
não tinha esperado até o verão para tentar engravidar? Eu deveria ficar em casa sentada,
imóvel até o nono mês, seria mais seguro? E se eu fizesse alguma coisa errada que
prejudicasse aquela gestação?” E foi então, que a minha mãe me relembrou: “Aproveite
esse momento, e pare de se preocupar com o que não merece a sua preocupação”.
Só então eu parei e pensei: “Me descabelar não vai mudar em nada. Levar essa gravidez
adiante não depende só de mim, mas da natureza, de Deus, e de uma série de outros
fatores que desconheço...”. Passei a gastar os meus quinhões de preocupação com o que
realmente importava: o meu bebê, meu filhinho, que estava ali dentro, pedindo para ser
amado, bem cuidado e protegido. Procurei uma nutricionista, adaptei a minha
alimentação para o mais saudável que consegui. Descansei, dormi, vasculhei sites e
revistas de decoração, e comecei a sonhar. O surto de gripe passou, e pude voltar a
minha rotina.
Entretanto, com 13 semanas, ao acordar e ir ao banheiro notei uma manchinha de
sangue E... “Por quê? Por que comigo? Por que de novo? Não é justo! Eu não vou
agüentar...”. Não, não, não, não, não! Eu não deixaria aquela mulher ansiosa e
precipitada roubar a minha paz, não sem antes saber o que de fato estava acontecendo.
Fui ao hospital, e depois de uma ultrassonografia, o médico me avisou que havia um
descolamento de placenta e que eu precisaria de repouso absoluto para que o coágulo
diminuísse, até sumir. Era tudo o que eu podia fazer, mas ainda assim havia o que ser
feito. Então, cumpri as ordens do médico. Devo ter sido a grávida em repouso mais bem
humorada que já se viu. Me alimentei muito bem, aproveitei para ler alguns livros que
estavam na estante esperando uma oportunidade, e me mantive calma, o mais tranquila
possível. No que dependesse de mim aquela placenta estaria de volta no seu lugar, mais
colada do que chiclete no asfalto. Tanto foi que, em 15 dias, ao repetir o exame de
imagens, lá estava a minha placenta: GRUDADA novamente de onde não deveria ter
saído. A médica que realizou o exame me alertou e disse que poderíamos voltar a ter
problemas, pois a posição da placenta parecia invertida e que outro descolamento
poderia acontecer. Por sorte ela estava errada!

A barriga começou a crescer e com ela as dúvidas. Mas antes mesmo de começar a me
preocupar com o que estava por vir, decidi continuar a curtir. Cada sintoma, cada
mudança no meu corpo, cada semana de desenvolvimento do meu bebê eram para mim,
enxurradas de novidades e descobertas incríveis. Se o meu ouvido tapava toda noite,
depois de levantar três ou quatro vezes para fazer xixi, no dia seguinte não estava
cansada ou preocupada em quando tudo aquilo acabaria, procurava pensar que aquela
era uma forma da natureza me preparar para a futura privação de sono que teria de
enfrentar depois que o meu filho nascesse. Achei incrível! Exibia a minha barriga com
orgulho, quem quisesse por a mão, podia por! Noticiava cada movimento diferente do
meu bebê a quem estivesse ao meu lado.

Tudo o que eu fazia era pensando no bem-estar do meu bebezinho. Não me permiti ficar
nervosa à toa. Não me permiti comer bobagens e usar “os desejos” de grávida como
desculpa. Não me permiti ser infeliz um dia sequer. Não me permiti ter medo, nem na
29ª semana, quando tive contrações e precisei ir para o hospital. Estava com dilatação, e
se não fosse internada e medicada entraria em trabalho de parto prematuro. A essa
altura, meu filho tinha apenas 1,8kg e seria difícil sobreviver fora do útero. Depois de
alguns dias internada, voltei para a minha cama, e para o repouso absoluto, por longas,
mas nada enfadonhas, 6 semanas. Que grávida não gostaria de poder descansar antes da
chegada do bebê? Eu tive essa oportunidade. Foi assim que encarei o meu repouso,
como “férias pré-maternidade”. Aquele foi um tempo em que eu pude preparar a minha
mente e organizar o meu coração para receber um bebezinho, que prematuro, ou não,
precisaria de cuidados e de uma mãe tranquila e segura. Não me queixei dos banhos de
gato, nem da dor nas costas de quem passa dias deitada na mesma posição, procurei
pensar que por estar de “pernas para o ar” elas não inchariam, e não incharam. Não me
queixei da falta de sexo, agradeci e reconheci a dedicação e a paciência do meu marido
que jamais reclamou por aqueles meses de ausência. Não me entristeci por ter que
cancelar o chá de bebê, fiquei contente quando as amigas mandaram os presentes com
cartões carinhosos, mesmo sem a festa. Não me estressei por não poder fazer um book
fotográfico profissional na praia, como havia planejado. Minha irmã, que dividia os dias
com a minha mãe para me fazer companhia, improvisou uma sessão de fotos, me
produziu, pintou de batom a minha barriga e sacou a máquina digital, fazendo imagens
incríveis minhas no quartinho do bebê.

Em cada momento difícil da gravidez achei que me estressar, ficar nervosa ou ansiosa
só aumentaria as chances do bebê nascer antes do tempo. E mais, queria que aquela
experiência fosse boa, não só pra mim, mas para o pequeno ser que estava no meu
ventre. Não gostaria de ter uma mãe que se desespera ou surta ao menor sinal de
dificuldade, por isso tentei e tento até hoje ser uma mãe que para e pensa antes de se
descabelar porque ele não comeu tudo, porque o leite empedrou, porque eu não tenho
alternativa a não ser deixá-lo na creche aos quatro meses, ou porque essa bendita gripe
não vai embora. O meu filho espera de mim amparo e conforto, não que eu perca o
controle. E não é preciso esperar que o seu filho deixe o útero para começar a agir com
calma. Todo sentimento tem reações físicas e concretas no seu corpo, como a mudança
no ritmo do seu batimento cardíaco, ele ouve e sente isso. Ele sabe como está se
sentindo, não precisa olhar nos seus olhos para isso.

Assim foram transcorrendo as semanas, entre filmes, livros, conversas e sonecas. Com
35 semanas fui internada novamente. Em pleno carnaval e aquele molequinho insistia
em querer fazer folia do lado de fora, seguramos mais um pouquinho. Voltei pra casa
um dia antes do meu aniversário, para o velho e conhecido repouso. Três dias depois,
com exatas 36 semanas, às 23h50, foi inevitável: o Artur nasceu. Estava com 2,6kg e
45cm, ele era miúdo e prematuro. Mas, não precisou de incubadora, nem de UTI.
Recebeu notas de Apgar 9 e 10. A decisão de fazer a cesárea naquele dia surgiu depois
do médico constatar que a minha placenta estava envelhecendo e o nenê começaria a
perder peso se continuasse dentro do útero. Essa placenta aprontou de novo comigo!
Mas, de que importa? Aquele foi um dia muito especial e tudo correu bem.

Não mudaria em nada a minha gravidez. As coisas que aconteceram foram importantes
e tiveram suas doses de ensinamento. E se você me perguntar como foi a minha
gestação, eu provavelmente vou te responder de imediato: “Foi tranquila! Ficaria
grávida mais 100 vezes. Foi um prazer”. Não interessa o que aconteceu, mas como eu
me permiti sentir. E eu só me permiti estar tranquila.

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