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Fórum da CulturaDigital.

Br

Economia da Cultura Digital

Documento base para o Fórum de Cultura Digital Brasileira

“There are no noncommercial automobile manufacturers.


There are no volunteer steel foundries. You would never choose to have your primary source of
bread depend on voluntary contributions from others.
Nevertheless, scientists working at noncommercial research institutes funded by nonprofit
educational institutions and government grants produce most of our basic science.
Widespread cooperative networks of volunteers write the software and standards that run most of
the Internet and enable what we do with it.
Many people turn to National Public Radio or the BBC as a reliable source of news.
What is it about information that explains this difference?”
(Yochai Benkler, The Wealth of Networks)

“Criatividade. Palavra de definições múltiplas, que remete intuitivamente à capacidade


não só de criar o novo, mas de reinventar, diluir paradigmas tradicionais,
unir pontos aparentemente desconexos e, com isso, equacionar soluções para
novos e velhos problemas. Em termos econômicos, a criatividade é um combustível
renovável e cujo estoque aumenta com o uso. Além disso, a “concorrência”
entre agentes criativos, em vez de saturar o mercado, atrai e estimula a atuação
de novos produtores”.
(Ana Carla Fonseca Reis, Economia criativa: como estratégia de desenvolvimento: uma
visão dos países em desenvolvimento / org. Ana Carla Fonseca Reis. – SP: Itaú Cultural, 2008)

Oona Castro

Novembro, 2009
Sumário
Apresentação........................................................................................................................................ 3
Revoluções tecnológicas e a digital: resgate histórico......................................................................... 4
A Economia da Cultura Digital na atualidade...................................................................................... 8
Diagnóstico: crises e oportunidades................................................................................................... 12
Acesso e difusão na internet.......................................................................................................... 21
Direito Autoral e recompensa pela criação....................................................................................22
Economia da rede...........................................................................................................................22
Mercado de trabalho...................................................................................................................... 23
Cadeias produtivas......................................................................................................................... 24
Anexo I – Entrevistas......................................................................................................................... 30
Lala Deheinzelin............................................................................................................................ 30
Pablo Capilé................................................................................................................................... 31
Marcio Pochmann.......................................................................................................................... 33
Marcos Dantas............................................................................................................................... 34
Sérgio Rizzo...................................................................................................................................36
Leoni.............................................................................................................................................. 37
Ana Carla Fonseca Reis................................................................................................................. 39
Gustavo Anitelli ............................................................................................................................ 40

Este documento está em construção e espera-se que seja aprimorado e atualizado neste Fórum.
Apresentação
Economia da Cultura Digital. Organizar esse eixo de debate no Fórum da Cultura Digital Brasileira
(www.culturadigital.br) é sem dúvida um dos maiores desafios que encarei nos últimos tempos.

Em primeiro lugar, porque se trata de área do conhecimento cujo objeto vem sofrendo intensas
transformações, em curso, e cujas condições para avaliá-las são ainda intangíveis – tal qual a
própria cultura digital. Em segundo lugar, porque a literatura sobre o tema é ainda escassa e mesmo
os mais 'antenados' apontam para interpretações do fenômeno com parcas ferramentas de
monitoramento, avaliação, mensuração, análises de efeitos e impactos, consequências sociais e
econômicas do fenômeno etc. Em terceiro lugar, porque minha formação não é a de economista,
apesar do grande interesse pela área e das escolhas que fiz em diversos momentos da vida por
pesquisar os mercados de comunicação e cultura sob esse foco.

Este documento pretende trazer mais perguntas do que respostas. Ele é um documento de referência
para orientar nosso debate no Seminário Internacional do Fórum de Cultura Digital Brasileira, que
acontecerá entre os dias 18 e 21 de novembro, em São Paulo. O documento,

Gostaria fazer agradecimentos especiais a algumas pessoas que contribuíram de maneira central
para que esse documento pudesse ser elaborado. Àqueles que investiram tempo e energia reflexiva
para responder algumas questões chave, notadamente: Ana Carla Fonseca Reis, Gustavo Anitelli,
Lala Deheinzelin, Leoni, Márcio Pochmann, Marcos Dantas, Pablo Capilé e Sérgio Rizzo Jr.. A
Henrique Costa e Olívia Bandeira, fundamentais para a realização das entrevistas e pesquisas de
materiais de referência. A todos e todas que escreveram sobre essas transformações em curso e
enriquecem o presente texto. A todos e todas que vêm inovando, cotidianamente, as práticas
econômicas no universo da cultura digital. A Takashi Tome, que muito colaborou com o debate na
rede do Fórum. Ao caríssimo Ronaldo Lemos, por seu vanguardismo e apoio nessa trajetória de
estudos a que venho me dedicando nos últimos anos. À toda equipe do Fórum de Cultura Digital
Brasileira, em especial a Rodrigo Savazoni, que me convidou e convenceu a encarar esse desafio.

Vale ressaltar que o texto que se lerá a seguir não dá conta de abordar questões como a produção de
matérias-primas que integram as cadeias produtivas da cultura, o artesanato, o circo, a dança, o
teatro. Creio que precisamos nos debruçar mais sobre as economias dessas manifestações culturais
no mundo digital e vice-versa. O documento, em seu estado atual, foca especialmente nas
manifestações culturais que possuem forte vínculo com a internet, bem como um mercado e uma
indústria correspondentes, como a fonográfica, a cinematográfica, a editorial, a de softwares e
games. Outra produção cultural que precisa ser abordada é a de fotogafia e imagens. Não se trata
apenas de galerias e portfolios. Questões relativas a direitos autorais e direito de imagem são
profundamente afetadas pela difusão de imagem na web, que se tornou canal fundamental de
distribuição, comercial e não comercial. O design certamente integra o eixo Arte Digital e creio que
o fórum será um espaço para incorporar questões do design caso haja especificidades o bastante na
economia da cultura digital. Por desconhecimento e incompetência da autora, não foi possível
chegar a elas até o momento de finalização do documento.

Este documento não pretende encerrar qualquer debate. Pretende, apenas, abrir questões e abordar
os nós que precisamos desatar, sugerindo caminhos possíveis e diversos, para que, juntos,
consolidemos o que queremos das políticas voltadas à economia da cultura digital e aos agentes
dessa economia.
Revoluções tecnológicas e a digital: resgate histórico
Que o mundo digital está aí e que, com ele, vieram algumas mudanças todo mundo sabe. Talvez não
seja novidade também, para a maior parte do público do Fórum de Cultura Digital Brasileira, quais
foram as principais transformações a que temos assistido. Mas, para destrincharmos as novas
condições da economia com o advento da revolução tecnológica que vem ocorrendo nas últimas
décadas, cabe a introdução do contexto em que isso ocorre.

Cada vez que a sociedade passa por revoluções tecnológicas, ocorrem profundas mudanças
estruturais, sociais e econômicas, decorrentes também das transformações das condições e relações
de produção. Hoje, o principal capital de produção é o conhecimento. A divisão internacional do
trabalho baseia-se na cuidadosa preservação do conhecimento na matriz, enquanto a produção, em
si, pode ocorrer em qualquer lugar, “preferencialmente” nos países onde os custos de produção são
reduzidos. Isso não implica, geralmente, transferência de tecnologia, de design, de inovação. Da
revolução agrícola à revolução digital, a sociedade passou também pela invenção da prensa de
Gutenberg e pela revolução industrial.

Não à toa, comumente se remete à invenção da prensa - que possibilitou a reprodução em larga
escala de um mesmo texto (um mesmo 'original'), para se dar a dimensão do impacto da revolução
digital.

A prensa de Gutenberg: expansão do conhecimento e resistências


Asa Briggs e Peter Burke, em “Uma História Social da Mídia: de Gutenberg à
Internet”1, relatam a criação da tecnologia de prensa em diversas sociedades – da
Europa, da Ásia, da Rússia, do império Otomano, as adesões e resistências que
decorreram da invenção.
“O ano de 1450 é a data aproximada para a invenção, na Europa, provavelmente por
Johann Gutenberg de Mainz.”2

(...)

“Na China e no Japão, a impressão já era praticada há muito tempo – desde o século
VIII, se não antes –, mas o método geralmente utilizado era o chamado de 'impressão
em bloco': usava-se um bloco de madeira entalhada para imprimir uma única página
de um texto específico. O procedimento era apropriado para culturas que
empregavam milhares de ideogramas, e não um alfabeto com 20 ou 30 letras. (...) no
início do século XV, os coreanos criaram uma fôrma de tipos móveis.”3

(...)

“A prática da impressão gráfica se espalhou pela Europa com a diáspora dos


impressores germânicos. Por volta de 1500, haviam sido instaladas máquinas de
impressão em mais de 250 lugares na Europa (...). Todas essas gráficas produziram
cerca de 27 mil edições até o ano de 1500, o que significa que – estimando-se uma
média de 500 cópias por edição – cerca de 13 milhões de livros estavam circulando
naquela data em uma Europa com cem milhões de habitantes.”4

1 Uma História Social da mídia: de Gutenberg à Internet / Asa Briggs e Peter Burke; tradução Maria Carmelita Pádua
Dias; revisão técnica Paulo Vaz. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004 (Interfaces)
2 Idem, pg. 26.
3 Idem, pg. 26.
4 Idem, pg. 26.
(...)

“Em contraste, a impressão gráfica custou a penetrar na Rússia e no mundo cristão


ortodoxo, uma região (incluindo o que hoje são a Sérvia, a Romênia e a Bulgária)
onde o alfabeto utilizado era o cirílico e na qual a educação formal estava
praticamente confinada ao clero. (...) A situação mudou no início do século XVIII,
graças aos esforços do czar Pedro, o Grande.”5

(...)

“No mundo muçulmano, a resistência à impressão gráfica permaneceu forte durante


o início da era moderna. Na realidade, os países muçulmanos têm sido vistos como
uma barreira à passagem dos impressos da China rumo ao Ocidente.”6

(...)

“A história irregular da impressão gráfica no império otomano revela a força dos


obstáculos a essa forma de comunicação e também às representações visuais. A
primeira prensa turca só foi instalada no século XVIII. (...) Em 1726 teve permissão
para imprimir livros seculares. No entanto, houve oposição de escribas e líderes
religiosos”.7

(...)

“A idéia de que a invenção gráfica marcou época é antiga, seja pela nova técnica
discutida isoladamente, seja em conjunto com a invenção da pólvora ou como parte
do trio imprensa-pólvora-bússola. Para o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626),
foi este o trio que 'mudou todo o estado e a face das coisas em todo o mundo'. (...)
Samuel Hartlib – um exilado do Leste europeu na Grã-Bretanha que apoiou diversas
iniciativas de reformas sociais e culturais – escreveu em 1641 que 'a arte da
impressão disseminará tanto conhecimento que as pessoas comuns, sabedoras de seus
direitos e liberdades, não serão governadas de forma opressora'”.8

(...)

“No entanto, alguns comentaristas desejaram que a nova época jamais tivesse
chegado. As loas triunfais foram contrariadas pelo que se pode chamar de narrativas
catásatróficas. Os escribas, cujo negócio era ameaçado pela nova tecnologia,
deploraram desde o início a chegada da impressão gráfica. Para os homens da
Igreja, o problema básico era que os impressos permitiam aos leitores que ocupavam
uma posição baixa na hierarquia social e cultural estudar os textos religiosos por
conta própria, em vez de confiar no que as autoridades contavam. Para os governos,
essas consequências, mencionadas por Hartlib, não deviam ser celebradas.”9
(...)

“No início da Idade Média, o problema havia sido a falta de livros, a escassez. No
século XVI, foi o oposto”. 10

5 Idem, pg. 27.


6 Idem, pg. 27.
7 Idem, pg. 27.
8 Idem, pg. 28.
9 Idem, pg. 28.
10 Idem, pg. 28.
Os trechos reproduzidos em destaque têm por objetivo mostrar que estamos vivendo um
processo muito semelhante ao de 500 anos atrás. Não somente porque o tipo móvel alterou a
escala de reprodução de textos. Mas porque, além disso, foi objeto de controvérsias, de
ampliação da circulação do conhecimento e de informações, pelo temor que causou a quem,
até então, detinha o conhecimento, pelo aumento da oferta de obras, contrapondo-se à
escassez, pelas defesas e acusações apaixonadas, pelas apostas na tecnologia como
instrumento de profunda transformação social.

Há algo de novo, então, na chamada revolução digital, que não tenha se visto com a criação da
imprensa de Gutenberg?

Pra começo de conversa, a digitalização da informação uniu, em uma só linguagem, a escrita, a


imagem e o áudio, até então produzidos, reproduzidos e transmitidos de maneiras distintas. Com a
transformação de átomos em bits, a cultura digital trouxe, para o mundo da comuniçação, a
intangibilidade da informação e do conhecimento, caracaterísticas suas na origem, mas que
precisavam de materialidade para circular. A esse processo se deu o nome de 'convergência'.
“Convergência é uma palavra útil, embora excessiva, empregada livremente por Ithiel de Sola
Pool antes de se tornar moda. Desde a década de 1990 ela é aplicada ao desenvolvimento
tecnológico digital, à integração de texto, números, imagens, sons e a diversos elementos na mídia
(...). A palavra 'convergência' foi sendo subsequentemente aplicada a organizações e processos, em
especial à junção das indústrias de mídia e telecomunicações.”11.

Figuras como Yochai Benkler, Lawrence Lessig, Manuel Castells, entre outros, formularam a
respeito das transformações e oportunidades trazidas pelo mundo digital. A imaterialidade da
informação, dos bens culturais digitais, do conhecimento, a partir da digitalização, trouxe mudanças
significativas para a organização econômica e social.

Enquanto, na sociedade industrial, o valor dos bens respondia a uma lógica de “quanto maior a
oferta, menor o preço / quanto menor a oferta (e maior a escassez), maior o preço”. Daí, na crise de
29, em decorrência da quebra da bolsa de Nova Iorque, o Brasil ter decidido queimar milhões de
sacas do estoque de café, chamado de “excedente de produção”, bem como erradicar pés de café,
para tentar recuperar o preço, o valor do café no mercado. Era simples: o excesso de oferta tinha
gerado a desvalorização do produto no mercado e, para conseguir elevar os preços, eliminou-se a
produção.

O problema, para nós, começa quando querem tratar cultura, informação e conhecimento como
café. Ou seja, atribuir a eles uma escassez que não é própria de sua existência. O que fazer para
valorizar o conhecimento, a informação e a cultura produzidos? Queimá-los?

De certa forma, é justamente isso que vêm tentando fazer os atores hegemônicos da “antiga”12
economia. Inutilmente. Os esforços para gerar escassez artificial dos bens imateriais, tendo em vista
a valorização dos produtos, têm sido alvo de grandes investimentos, embora aparentemente inúteis.

“É inadequado tratar o ciberespaço em termos de ilusão, fantasia ou escapismo. Ele tem economia
interna, psicologia e tem a sua história. Um congresso universário de 1999, denominado
“Explorando a cibersociedade”, abordava quatro tópicos: a cibersociedade, a ciberpolítica, a

11 Idem, pg. 270.


12 Utilizarei em alguns casos os adjetivos antiga e velha, bem como nova, para combinar com economia, o que não
quer dizer que, por ser antiga, não exista mais. A economia industrial coexiste com a economia pós-industrial, da
informação, do conhecimento.
cibereconomia e a cibercultura. Dentre estes, o terceiro tópico parecia o mais pertinente -
'cibermercados, indústrias, corporações... economia da internet... comércio eletrînico...
ciberemprego'. Esse tópico, porém, não podia ou não devia ser separado do resto, principalmente
do segundo e do quarto. Espera-se que a organização de viagens através do ciberespaço seja
rentável”.13

Alguns elementos, no entanto, permanecem sujeitos à escassez, como tempo e atenção do público.
De resto, as possibilidades são tão ilimitadas quanto a capacidade humana de criar. Segundo
Benkler, “dado o custo zero da informação existente e a redução dos custos de comunicação e
processamento, a capacidade humana se torna o recurso primário escasso na economia da
informação em rede” (tradução minha do trecho: “given the zero cost of existing information and
the declining cost of communication and processing, human capacity becomes the primary scarce
resource in the networked information economy”).

13 Uma História Social da mídia: de Gutenberg à Internet / Asa Briggs e Peter Burke; tradução Maria Carmelita Pádua
Dias; revisão técnica Paulo Vaz. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, pg. 328 (Interfaces)
A Economia da Cultura Digital na atualidade
O campo da economia da cultura, atualmente, convive fundamentalmente com dois ambientes: um,
caracterizado pelos modelos de negócios da sociedade industrial. Outro, caracterizado por novos
modelos de negócios, a maioria não consolidada ainda, que têm como alicerces outros parâmetros e
está inserida na lógica da sociedade da informação e/ou da cultura livre.

Se é verdade que se trata de um período de transição, com evidências de que até mesmo os mais
tradicionais e resistentes segmentos do mercado vêm procurando alternativas para recuperar sua
margem de lucro considerando aspectos novos do presente, é verdade também que a principal
inovação em modelos de negócios está se dando principalmente fora do mercado já estabelecido. As
iniciativas mais ousadas e que mais têm mostrado resultados têm surgido justamente nos circuitos
que estavam excluídos do sistema de produção cultural industrial.

Na sociedade do conhecimento, nos últimos 15 anos houve esforços tremendos, por parte de muitos
atores estabelecidos (das indústrias culturais às de bolsas, medicamentos, sementes etc), para
restringir acesso a conhecimento e à cultura, centralizar informação, reduzir os intermediários em
favor da acumulação, já que o principal capital das empresas deixou de ser o produto
comercializado em si, mas as “instruções”, a “receita” para a produção. Para Marcos Dantas,
professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “a enumeração
(“digitalização”) de um amplo conjunto de processos produtivos e de circulação relacionados ao
tratamento e comunicação da informação, levou ao limite de zero os tempos totais de rotação do
capital, meta esta que sempre foi a da essência do capitalismo, como sabemos desde do Livro II.
Isto implica a anulação do valor de troca contido nas mercadorias, reduzindo-as a puro valor-
fetiche, valor de uso determinado pelas condições culturais ou “simbólicas” de sua realização. Daí
porque a economia fez-se cultura; a cultura, economia. (...) A “digitalização”, porque quase zera
o tempo, introduziu um novo ganho quantitativo no processo total, levando-o a um câmbio de
qualidade, este de trazer as indústrias culturais e mediáticas definitivamente para o centro da
acumulação. Isto certamente é novo. Até porque a economia dessas indústrias, baseada em valores
de uso intangíveis, neguentrópicos, é muito distinta daquelas fabris, baseadas em valores de uso
tangíveis, entrópicos”.

No entanto, paralelamente, a apropriação das tecnologias da informação por amplos segmentos da


população gerou novas formas de produzir cultura, de fazer arte e comunicação, e, de maneira
transversal a todos esses eixos, criou-se uma nova economia. Uma economia baseada em pilares
diferentes dos tradicionais, baseada na ausência de exclusividade, possibilitada pela ausência de
escassez. Baseada no compartilhamento do conhecimento, da informação, na colaboração, que,
muito embora sempre tenham existido, ganharam escala e dimensões nunca vistas antes.

Pablo Capilé, músico e fundador do Espaço Cubo, fala das contradições e oportunidades geradas
pelas tecnologias digitais: “No ciberespaço, você pode ter tanto uma maior democratização quando
uma maior concentração. Hoje existem ferramentas muito interessantes para a democratização do
acesso à cultura, cabeças interessantes conectadas em tempo real, formando uma inteligência
coletiva, pessoas com poder de decisão semelhante, que crescem em conjunto, uma mudança na
visão do que seja direito autoral, o uso e uma cultura do software livre. Mas também podemos ter
uma maior concentração. Para caminhar no sentido da democratização é preciso haver um amplo
debate nacional sobre a importância do digital, uma mobilização da sociedade, a manutenção da
construção de redes – hoje, até para ser egoísta você tem que pensar em rede -, o hackeamento da
estrutura de acúmulo [de informações que temos na rede], por exemplo, temos uma ferramenta de
busca como o Google que está na linha tênue entre democratização e concentração”.
As redes, os mercados “fora do eixo”, as comunidades, a economia solidária, antes marginais, hoje
estão no centro da cultura digital.

As reações de resistência à consolidação dessa nova cultura e, portanto, também da nova economia,
resultam na marginalização das atividades, dos modelos e dos agentes desse campo. Daí tratar o uso
das tecnologias e a livre difusão de cultura como caso de polícia. Todavia, o modelo que herdamos
do século passado não tem se mostrado capaz de dar respostas às transformações decorrentes do
desenvolvimento e apropriação de tecnologias da comunicação e da informação por diversas setores
da sociedade. Como diz Leoni, músico, “todas as indústria de informação e entretenimento já
sentiram essa ruptura e ficam tentando impedir, inutilmente, que as mudanças cheguem aos seus
negócios através de lobbys para punir aqueles que não respeitarem seus modelos de negócio. Até
agora os resultados foram insignificantes, não trouxeram qualquer receita nova, nem impediram as
mudanças avassaladoras”.

Urge o mapeamento das iniciativas, dos modelos e de quanto movimenta essa cultura para que se
possa de fato formular políticas que atinjam o cerne da questão e contribuam para o fortalecimento
da cultura e do desenvolvimento.

Do software livre ao setor da moda, a cultura digital vem transformando a maneira de criar, difundir
e “consumir” cultura. Uso o termo “consumir” aqui em seu sentido amplo – não apenas mediante
remuneração. Nossa Constituição Federal de 1988 estabelece em seu Art. 23, inciso V que

“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:


V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”;

Já a declaração universal dos direitos humanos estabelece que:


“1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.”
“2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer
produção científica, literária ou artística da qual seja autor”.

É bem verdade que, tanto a Constituição Federal, de 88, como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 48, são – digamos – “pré-cultura digtal”. Mesmo assim, é justamente a busca pelo
equilíbrio entre esses os mencionados direitos, levando-se em conta as transformações que
ocorreram desde então, nosso principal interesse aqui. Mais recentemente, a Declaração de
Kronberg sobre o Futuro da Aquisição e Compartilhamento do Conhecimento14 afirmou a
necessidade de compartilhamento do conhecimento para o desenvolvimento econômico e social.

A própria Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) lançou
sua biblioteca digital15 em 2009, com quase 5 milhões de obras (livros, fotos, arquivos de áudio,
jornais, pinturas e filmes) principalmente européias. O Brasil entrará com algumas obras e a
organização pretende atingir 10 milhões de itens escaneados até 2010.

É nesse contexto que se busca o equilíbrio entre os direitos mencionados pela Declaração Universal
de adotada pela Organização das Nações Unidas em 48.

Para demonstrar, tomemos o software livre como uma das melhores sínteses da lógica de inovação e
sustentabilidade na era digital. Ele não é necessariamente grátis. Ele é livre. Acesso e
sustentabilidade não concorrem. Ao contrário. O acesso é condição da inovação – ele permite mais
desenvolvimento e a colaboração. E, quanto mais utilizado um software livre é, mais valor ele passa

14 http://portal.unesco.org/ci/en/files/25109/11860402019Kronberg_Declaration.pdf/Kronberg%2BDeclaration.pdf
15 http://project.wdl.org/project/english/index.html
a ter. Ou seja, a restrição do acesso (ou da oferta) não é mais chave para se aumentar o valor de um
“produto”. De comunidades sem fins lucrativos à IBM, o software livre demonstrou que não existe
uma única chave para a inovação. E, principalmente, que ela não está necessariamente baseada na
propriedade exclusiva, no monopólio.

Isso não significa que os desenvolvedores não ganhem dinheiro com o trabalho. O que mudou é
pelo que se está pagando: em vez de se pagar pela licença de uso, pagamos pela contratação de
serviços. Aposta-se também no modelo de doações, financiamentos de empresas e projetos
encomendados de desenvolvimento e customização. O mercado de programadores cresceu e ganhou
autonomia. E são co-autores das obras que criam. A ética do uso do software livre implica mantê-lo
livre.

A busca pelo equilíbrio entre a sustentabilidade da criação, a inovação e o acesso à cultura e ao


conhecimento vem sendo o eixo dos muitos modelos de negócios que vêm surgindo.

A criação de moedas complementares no campo da cultura é outra tendência que vem ganhando
cada vez mais importância. Elas reconhecem o valor da cultura e dos serviços a ela associados mas
insere-se em outra lógica econômica – a da colaboração. Permite, no entanto, o monitoramento e a
mensuração de quanto movimenta determinados circuitos culturais. Dentre os principais exemplos
estão o Cubo Card e o Goma Card., criados por coletivos culturais com atuação principal no Mato
Grosso e em Minas Gerais, respectivamente.

Os sistemas de moedas complementares têm contribuído possibilitado trocas inclsuive com o


mercado forma. É notório que um desafio central colocado para a economia da cultura digital é sua
relação com a economia tradicional. Os custos de transação ainda são altos, o microcrédito, apesar
da tendência de crescimento, ainda é restrito, a lei de direitos autorais (n° 9.610/98) não não leva
em conta as novas possibilidades do mundo digital, além do ainda existente gap entre os que têm
acesso à banda larga e os que não têm.

O que está claro, no entanto, é que não se pode – nem deve – ignorar a economia da cultura digital
que surge na informalidade, nos mais diversos espaços. Cenas como a do tecnobrega, do Circuito
Fora do Eixo, de sites e programas de compartilhamento de vídeos, de livros, de música, o circuito
do software livre, das cooperativas de software e desenvolvimento, da troca de arquivos por celular,
da criação de jogos desenvolvidos ou adaptados à realidade brasileira, toda a economia da cultura
digital, muito além do e-commerce ou das vendas oficiais, está movimentando muitos recursos,
gerando trabalho, renda, desenvolvimento e entretenimento.

Combater a cultura digital, criminalizá-la e tratá-la como caso de polícia certamente não contribuirá
para a criatividade, para o desenvolvimento, para o crescimento do país – além de ser esfoço
hercúleo e inócuo. É preciso reconhecer a criatividade, a inovação, a inteligência da cultura digital e
seu valor social. É preciso compreender que mercados (no plural) são esses e como se estabelecem.
A centralidade e importância da cultura digital hoje possivelmente já desautorizam nomeá-la como
“alternativa” ou “marginal”. Reconhecer o potencial do campo e estimular a criação de politicas
para a área, buscar as melhores formas de fomento à cultura digital e identificar gargalos e
oportunidades é que vai possibilitar o crescimento e a difusão ampla da cultura brasileira.

A quarta diretriz do Plano Nacional de cultura estabelece:


“4ª: AMPLIAR A PARTICIPAÇÃO DA CULTURA NO
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO SUSTENTÁVEL,
PROMOVER AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA A
CONSOLIDAÇÃO DA ECONOMIA DA CULTURA E INDUZIR
ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE NOS PROCESSOS
CULTURAIS: A cultura faz parte da dinâmica de inovação social,
econômica e tecnológica. Da complexidade do campo cultural derivam
distintos modelos de produção e circulação de bens, serviços e conteúdos,
que devem ser identificados e estimulados, com vistas à geração de riqueza,
trabalho, renda e oportunidades de empreendimento, desenvolvimento local
e responsabilidade social. Nessa perspectiva, a cultura é vetor essencial para
a construção e qualificação de um modelo de desenvolvimento sustentável.”

Dentre os objetivos do PNC está:


VIII. desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a
exportação de bens, serviços e conteúdos culturais;

Segundo o Plano, compete ao Estado, entre outras coisas:


 FOMENTAR A CULTURA de forma ampla, estimulando a criação, produção,

circulação, promoção, difusão, acesso, consumo, documentação e memória, também


por meio de subsídios à economia da cultura, mecanismos de crédito e
financiamento, investimento por fundos públicos e privados, patrocínios e
disponibilização de meios e recursos.

 AMPLIAR A COMUNICAÇÃO E POSSIBILITAR A TROCA ENTRE OS


DIVERSOS AGENTES CULTURAIS, criando espaços, dispositivos e condições
para iniciativas compartilhadas, o intercâmbio e a cooperação, aprofundando o
processo de integração nacional, absorvendo os recursos tecnológicos, garantindo as
conexões locais com os fluxos culturais contemporâneos e centros culturais
internacionais, estabelecendo parâmetros para a globalização da cultura.

 ESTRUTURAR E REGULAR A ECONOMIA DA CULTURA, construindo


modelos sustentáveis, estimulando a economia solidária e formalizando as cadeias
produtivas, ampliando o mercado de trabalho, o emprego e a geração de renda,
promovendo o equilíbrio regional, a isonomia de competição entre os agentes,
principalmente em campos onde a cultura interage com o mercado, a produção e a
distribuição de bens e conteúdos culturais internacionalizados.

O Plano Nacional de Cultura, por meio de suas diretrizes, definição de atribuições e de estratégias e
ações, evidencia a preocupação do Ministério da Cultura em promover o aquecimento, o
fortalecimento e o mapemaento da economia da cultura digital, como parte de uma política
estratégica de desenvolvimento e expansão da cultura brasileira. O Fórum pode se tornar parte
fundamental dessa estratégia, influenciando ativamente a formulação de políticas com a
participação daqueles que estão no centro dessa nova economia e da inovação dos modelos
sustentáveis de produção, distribuição e acesso.
Diagnóstico: crises e oportunidades
É notória a crise de vendas e faturamento em que entrou o setor das majors no Brasil. A Associação
Brasileira dos Produtores de Discos reúne dados das principais grandes gravadoras no País. As
associadas hoje são EMI Music, MK Music, Music Brokers, Paulinas, Record Produções e
Gravações Ltda., Som Livre, Sony Music Entertainment, The Walt Disney Records, Universal
Music, Warner Music. Como se pode ver, grande parte delas é subsidiária de gravadoras
estrangeiras. Acompanhando a tendência de concentração do mercado “globalizado”, em 2005 foi
oficializada a fusão da Sony com a BMG, cujo processo vinha se arrastando desde 2003. As
principais 5 gravadoras (EMI, Sony, Universal, BMG e Warner) detinham uma fatia superior a 75%
do mercado de vendas de discos em todo o mundo16. No Brasil, a Sony-BMG passou a ser
responsável por 28,6% do mercado. O que se viu no ano que seguiu à fusão foi uma queda ainda
maior das vendas. Não só delas, mas também do número e diversidade de artistas lançados pela
nova gravadora. Se em 2005 havia 56 artistas nacionais contratados pela gravadora, em 2006 esse
númeor passou para 3817 (e hoje são 33). Enquanto, em 2005 a Sony e a BMG tinham lançado 35
novos CDs, em 2006 foram apenas 13.

ANO Vendas Totais CD + DVD (R$) Unidades Totais (CD + DVD)


2002 726 milhões 75 milhões
2003 601 milhões 56 milhões
2004 706 milhões 66 milhões
2005 615.2 milhões 52,9 milhões
2006 454.2 milhões 37,7 milhões
2007 312.5 milhões 31.3 milhões
Variação (- 31,2 %) (- 17,2 %)
(2006/2007)
Fonte: ABPD (valores reportados pelas maiores companhias fonográficas operantes no país à ABPD)
Alexandre Schiavo, diretor-executivo que assumiu a gravadora quando da fusão, declarou que era
impossível vender CDs por cerca de R$ 12 ou R$ 14, não em função do preço do produto si, mas
em função do investimento em marketing e divulgação do artista18. Ou seja, os R$ 15, R$ 20
restantes no preço de um CD de lançamento são destinados a gastos com publicidade nas rádios,
TVs, outdoors, anúncios em jornais etc.

Esse modelo de negócios, de alto investimento em poucos artistas, baseia-se na aposta de obter o
maior retorno possível com cada um dos artistas. No entanto, hoje, com a possibilidade de se
distribuir conteúdo de centenas, milhares de artistas, a baixíssimo custo, os grandes investimentos
em poucos artistas e a massificação de seus produtos, típicos da indústria cultural descrita e
criticada pela Escola de Frankfurt, perderam boa parte do seu poder de moldar o consumo.
Evidentemente ainda se influencia bastante o comportamento do consumidor. No entanto, há nichos
e públicos para todo tipo de obra, de artista.

Como sistematizou Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, no livro Cauda Longa, “o

16 Folha de S. Paulo. Thiago Ney. Presidente da Sony BMG aponta fusão como resultado da crise na produção musical.
25/03/2005 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u50022.shtml
17 JB Online. João Bernardo Caldeira. Sem medo da crise. 5/04/2006
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2006/04/04/jorcab20060404001.html
18 Folha de S. Paulo. Entrevista a Thiago Ney. Presidente da Sony BMG aponta fusão como resultado da crise na
produção musical. 25/03/2005 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u50022.shtml
monopólio dos hits está comprometido. No século 20 havia os hits ou nada, no século 21 teremos
os hits e os nichos. Os hits irão competir com milhares de produtos de nicho, mas sempre teremos
hits. A conseqüência é que os mercados serão mais diversificados e cada vez menos
concentrados.”19 A internet, portanto, permite que os artistas atinjam seus nichos a baixo custo – e,
embora nenhum deles provavelmente será um artista digno de disco de platina (ainda existe isso?),
centenas de artistas podem vender, juntos, pra seus nichos, quantidades consideráveis de produtos –
daí a utilização, por Anderson, da curva de pareto – demonstrando a mudança de eixo do mercado:
em vez de termos apenas a opção de poucos artistas atingindo um grande público, há espaço
também para os muitos artistas atingirem pequenos públicos que, somados, podem representar boa
parcela do mercado. “A teoria da Cauda Longa diz que nossa cultura e economia estão mudando
do foco de um relativo pequeno número de 'hits" (produtos que vendem muito no grande mercado)
no topo da curva de demanda, para um grande número de nichos na cauda. Como o custo de
produção e distribuição caiu, especialmente nas transações online, agora é menos necessário
massificar produtos em um único formato e tamanho para consumidores. Em uma era sem
problema de espaço nas prateleiras e sem gargalos de distribuição, produtos e serviços
segmentados podem ser economicamente tão atrativos quanto produtos de massa”.

O novo cenário traz grandes desafios e, com eles, muitas oportunidades. Quanto mais as tecnologias
da comunicação e informação se tornam acessíveis, mais a indústria e os intermediários temem os
impactos sobre o mercado de cultura e entretenimento. “O que é viável tecnicamente e suscita
entusiasmo não se mostra necessariamente atraente do ponto de vista financeiro”20. Assim, se boa
parte da sociedade está satisfeitíssima com o fácil acesso que nunca antes na história havia tido a
toda sorte de conteúdo – cultura, conhecimento, informação, entretenimento – há uma outra parcela
que passou a ter muita dor de cabeça em função da ampliação do uso de tecnologias da
comunicação e informação. A democratização do acesso terminou por colocar em risco o
faturamento de muitos agentes do mercado estabelecido até então. Como afirma Ladislau Dowbor,
economista e autor do livro Economia do Conhecimento, “restabelecer o equilíbrio entre a
remuneração dos intermediários, as condições de criatividade dos que inovam, e a ampliação do
acesso planetário aos resultados – objetivo estratégico de todo o processo – é o desafio que temos
de enfrentar”21.

De 2006 pra cá, a ABPD passou a coletar dados também sobre suas vendas digitais. Embora elas
não compensem a redução de faturamento com CDs e DVDs, pode-se observar uma tendência de
enorme crescimento das vendas digitais, especialmente por celular – sendo que, nesse caso, o
investimento é bastante inferior. O arquivo digital implica algum custo de armazenamento, mas,
uma vez um arquivo pronto, nenhum de reprodução. Representa a possibilidade de comercialização
de obras que estavam fora das estantes das lojas, que não se encontrava mais no mercado, que
contam com um público não necessariamente de massa, com baixíssimo custo de distribuição.

Total de Vendas Digitais no Brasil – 2006 / 2007


2006 Total Mercado 2007 Total Mercado Variação
R$ % R$ % 2006 / 2007
Internet 334.055,00 4% 5.743.684,00 24% + 1.619 %
Telefonia Móvel 8.183.115,00 96% 18.543.504,00 76% + 127 %
Total Digital 8.517.170,00 100% 24.287.188,00 100% + 185 %

19 Revista Época. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75221-5856-433,00.html


20 Idem.
21 Ladislau Dowbor, Da propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento.
Fonte: ABPD

Se o modelo tradicional é caracterizado por uma sequência de lançamentos até se chegar aos shows,
há mercados que subvertem a lógica, apoiando-se justamente na distribuição “pirata tacitamente
autorizada” e na realização de shows para a sustentabilidade do negócio. Foi o que se viu na
pesquisa realizada pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação
Getulio Vargas do Rio de Janeiro e o Instituto Overmundo. A pesquisa verificou que o mercado,
composto de bandas, aparelhagens e camelôs, faturava aproximadamente R$ 10 milhões por mês,
em 2006. De lá pra cá, assistiu-se a um processo de concentração das maiores aparelhagens,
principais agentes desse mercado. Ainda assim, a lógica de produção e distribuição permanecem a
mesma.

Recentemente, o mercado entrou em polvorosa com o sucesso da Dejavú, banda baiana que
incorporou o tecnobrega e levou para o resto do Brasil, fazendo sucesso estrondoso e, segundo os
artistas de Belém, tomando, como sua, a criação do tecnobrega. Algumas composições de artistas
paraenses são parte do repertório da banda baiana e alguns de seus compositores estão entrando na
justiça para que a banda reconheça isso. Mais do que uma questão de arrecadação, os artistas
querem ser reconhecidos como autores das obras. Já se identificava, à época da pesquisa, que o
mercado respondia bem a uma lógica local – e que possivelmente não se adequaria bem à circulação
nacional, dada sua informalidade contratual, ausência de registros e sua sustentação em relações de
confiança.

Modelo do mercado tradicional


Contratação exclusiva

Produção de CD

Lançamento do CD

Inserção de hits nas rádios

Venda de CDs

Realização de shows
Modelo do mercado do Tecnobrega

Criação e gravação Divulgação para


caseira ou em aparelhagens e rede
pequenos estúdios de informal de
singles comerciantes

Sucesso nas
aparelhagens, e venda
nos camelôs nas
coleções de DJs

Realização de shows Gravação do CD do


artista

Quando se trata de debater economia da cultura, música é o campo que costuma ter maior presença.
Muito além da tradição brasileira de compor, tocar e ouvir música, da 'paixão nacional' pelos mais
diferentes estilos e gêneros musicais, da nossa excelência na área, creio que dedicamos nosso olhar
a ela por se tratar, possivelmente, da indústria que mais rapidamente foi afetada pela transição para
o universo digital: “Os cibernegócios enfrentaram (...) riscos (...), alguns associados aos onerosos
pagamentos de direito autoral. Na primavera de 2001, um júri norte-americano ordenou que a
MP3.com Inc. pagasse a uma pequena empresa de música 300 mil dólares por prejuízos, pequena
fração dos 8,5 milhões de dólares que havia pedido a companhia independente Tee Vee Tons. Um
ano antes, a MP3.com Inc. fez um acordo com dezenas de milhões de dólares com as cinco maiores
companhias gravadoras – Universal Music Group, Warner Music Group, BMG, EMI e Sony Music
Entertainment”22. E também o setor que mais rapidamente buscou se reinventar.

Leituras, observações e o pulsar da cena musical brasileira indicam que há caminhos de


sustentabilidade bastante plausíveis em palco. Isso não significa que a indústria não continue em
polvorosa, tentanto evitar a livre distribuição musical na internet, o compartilhamento, as licenças
livres e flexíveis, os circuitos “fora do eixo”23. Mas significa que talvez esteja aqui a melhor
oportunidade que temos para avançarmos em propostas que combinem o acesso à cultura e a
valorização e sustentabilidade do processo criativo.

Um exemplo disso é o Cubo Card. Criado por um coletivo cultural calango em 2002 24, a moeda
complementar vem se consolidando. Em entrevista ao Tribuna do Norte, Pablo Capilé afirmou que
22 Uma História Social da mídia: de Gutenberg à Internet / Asa Briggs e Peter Burke; tradução Maria Carmelita Pádua
Dias; revisão técnica Paulo Vaz. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, pg. 328 (Interfaces)
23 Uma alusão aqui ao Circuito Fora do Eixo também, mas não só. Faço uso da expressão para desginar todo o circuito
musical que existe à margem das principais gravadoras e de modelos de negócios tradicionais.
24 http://www.overmundo.com.br/overblog/espaco-cultural-ao-cubo
hoje circulam hoje, em Cuiabá, “120 mil em créditos Cubo Card (ou seja, há cerca de 180 mil reais
circulando em moeda complementar na capital do Mato Grosso) e uma rede com 450 cadastrados,
entre artistas, produtores, lojas e empresas prestadoras de serviço. A meta é fazer com que ela possa
ser trocada pela moeda complementar local de outros estados, sem unificar”25.

Todavia, economia da cultura não pára por aí. As campanhas de combate à pirataria são um bom
sintoma disso: elas têm como principais pilares as indústrias da música, de software e
cinematográfica (de mão dadas com a música, por meio da Associação Antipirataria Cinema e
Música - APCM). A indústria de jogos também vem ganhando cada vez mais relevância nesse
cenário. O segmento editorial, por sua vez, embora represente uma das visões mais conservadoras
em relação a novos modelos de negócios e acesso livre a conhecimento, adota medidas e campanhas
antipopulares até mesmo na perspectiva da indústria do copyright.

A indústria do cinema brasileiro continua engatinhando e bastante dependente de recursos do


Estado. É bem verdade que o mercado do audiovisual extrapola – e muito – o universo dos longa-
metragens. Cada vez mais se produzem curtas com câmaras digitais com pequenos orçamentos. Nos
últimos anos, cresceu o incentivo aos filmes de médio e baixo orçamento. No entanto, os custos de
produção ainda são bastante altos, especialmente os de longa-metragem. Criar mercado para filme
brasileiro parece um desafio que vem sendo, pouco a pouco, enfrentado. Há quem alegue que é
necessário criar o hábito de cinema desde criança. E, nisso, a produção cinematográfica brasileira
deixa a desejar. Os blockbusters e Xuxa, Trapalhões e outras produções globais dialogam muito
menos hoje com o universo infantil brasileiro. O setor de animação nacional é bastante criativo e
talvez mereça mais investimento. O fato é que, se, no mercado fonográfico, ficou claro que os
artistas hoje ganham dinheiro fazendo shows, no mercado do audiovisual, os diretores não fazem
apresentações ao vivo, não se encontrou muitas outras formas de arrecadação direta do público,
salvo a execução em salas de cinema, a venda de DVDs e a veiculação na TV, aberta ou paga.

As janelas de distribuição ainda são bastante tradicionais e o marketing feito pelas cópias privadas,
como no caso de Tropa de Elite, são fortemente combatidas pela indústria e pelo governo.

A famosa sequência de lançamentos “Produção lançamento em salas de cinema


lançamento na TV paga lançamento em DVD lançamento na TV aberta” – e suas
respectivas janelas parecem estar fadadas ao fracasso com a perspectiva a distribuição não
autorizada/controlada na rede e nos circuitos de comércio informal.

Dados da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancine) e da Filme B mostram que o


público do cinema brasileiro cresceu entre 2008 e o primeiro semestre de 2009, mas ainda não se
pode afirmar que essa será uma curva permanentemente ascendente.

25 http://tribunadonorte.com.br/noticias/110559.html
O gráfico abaixo mostra o número de meses de obras de longa-metragem lançados em salas de
cinema e em DVD, por intervalos de meses, mostrando redução do tempo da janela entre
lançamentos nas salas de cinema e em DVD (embora de 2007 para 2008 tenha havido novo
aumento de obras com janelas mais largas, seguem inferiores a 2006).
Recente pesquisa do Observatório da Comunicação de Portugal (http://www.obercom.pt/) mostrou
que a distribuição de arquivos de filmes nas redes de comparilhamento P2P contribuem para a
indústria cinematográfica – ao invés de atrapalhá-lha. O estudo aponta esses canais como uma
alternativa à hegemonia do cinema norte-americano das salas de exibição. A análise “O Cinema
Europeu nas Redes P2P: os utilizadores como distribuidores” está disponível no site do
observatório.

A indústria de software internacional todo ano publica dados sobre as perdas geradas pelas pirataria.
Para além dos problemas nas metodologias de pesquisa (realizada pelo IDC e feita a localização nos
países, cruzando bases de dados de empresas associadas e PIBs dos estados), essa indústria ainda
tenta aumentar o controle sobre uso de softwares por usuários comuns, por meio dos sistemas de
atualização remota e investe fortemente em campanhas de criminalização dos “infratores” dos
direitos de propriedade. No entanto, é certo que o modelo de negócios baseado na cobrança por
licenciamento limitado à instalação por máquina, a proibição à cópia de softwares etc., vem se
tornando cada vez mais obsoleto e, para concorrer com o software livre, cada vez mais as grandes
empresas têm que criar soluções de distribuição gratuita, com diferenciação dos produtos básico e
“premium”. Assim, neste documento, vale mais focar no potencial da economia do software livre e
como fomentá-lo.

Dados do IDC também revelam o crescimento do uso de plataformas livres. A despeito de questões
metodológicas que envolvem essas pesquisas, geralmente encomendadas pela própria indústria, o
IDC afirmava que, em 2004, os servidores que rodavam linux representavam cerca de US$ 3,5
bilhões (IDC, 2004) e a expectativa era de que, em 2008, os pacotes e programas rodando em linux
movimentassem US$ 35 bilhões e representassem 26% do mercado, contra 63% da Microsoft. Na
realidade, essas pesquisas são pouco confiáveis e geralmente não vale a pena reproduzi-las. No
entanto, elas são úteis no sentido de revelar as preocupações da indústria e mostrar que o
crescimento da economia baseada na colaboração e na livre distribuição é tida como uma ameaça
por sua tendência de crescimento.

O estudo “O Impacto do Software Livre e do Código Aberto na Indústria de Software no Brasil”,


realizado pela Softex, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia e a Universidade de
Campinas (Unicamp), aborda as principais estratégias usadas pelo mercado de software livre para
geração de receitas. De acordo com o estudo, “a bibliografia especializada aponta vários modelos de
negócios, que na verdade são mais formas variadas de se fazer dinheiro com SL/CA (Hecker,
2000):

 “Serviço integral: negócio baseado na venda do pacote físico (CD, booklets) e na venda de
todo tipo de suporte ao software (treinamento, consultoria, pré-venda, desenvolvimento
customizado, pós-venda etc).”
 “Criação de clientela (Loss leader): negócio não está baseado no SL/CA especificamente,
mas este serve para criar hábitos e preferências que depois serão úteis para a introdução de
software comercial proprietário baseado no SL/CA.”
 “Habilitando hardware (widget frosting): uso do software livre para drivers, interfaces ou
mesmo sistema operacional visando à redução de custos e de preços do equipamento a ser
comercializado.”
 “Acessórios: venda de itens físicos relacionados ao SL/CA (hardware compatível, livros,
canecas, imagens etc).”
 “Oferta on-line: desenvolvimento e oferta de SL/CA em sistemas on line cujo acesso é
autorizado mediante pagamento de uma taxa de associação. Além disso, este modelo
também apresenta ganhos com propaganda.”
 “Licenciamento de marcas: criam-se e licenciam-se marcas associadas a SL/CA”.
 “Primeiro vender, depois liberar: abertura do código após amortização dos investimentos,
criando clientela para novos desenvolvimentos associados ao programa aberto.”

Este documento será atualizado com novos e mais dados e experiências das indústrias fonográfica,
do audiovisual, de software, bem como serão incorporados dados das indústrias editorial e de
games. Colabore com a construção do diagnóstico no eixo Economia da Cultura Digital no Fórum:
http://culturadigital.br/groups/curadora-de-economia-digital

O Combate à pirataria no Brasil

No início dos anos 2000 o Brasil sofreu forte pressão da indústria internacional e do governo dos
Estados Unidos para aplicar uma política de combate à pirataria, sob pena de perder privilégios de
exportação de alguns setores estratégicos para empresas norte-americanas. Dessa pressão decorreu
uma Comissão de Inquérito Parlamentar, em 2004, que resultou na criação do Conselho Nacional de
Combate à Pirataria, formado por órgãos do governo federal e representantes da indústria do
copyright.

No âmbito dessa política, passou a tratar infrações de naturezas distintas como pirataria:
descaminho (evasão de impostos), contrabando (importação de produtos proibidos, como armas e
drogas), falsificação de marcas (como no caso de bolsas, calçados etc), produção não autorizada de
medicamentos e violação de direito autoral. No entanto, para efeito do TRIPS (Trade International
Agreement on Intellectual Property Rights), o acordo internacional que intensificou a proteção à
propriedade intelectual, é considerado pirataria apenas o último item mencionado – violação de
direito autoral.

Um plano com 99 ações foi traçado e, mais recentemente, o CNCP fez um planejamento elencando
menos de três dezenas de projetos prioritários. Baseado em três vertentes – a repressiva, a educativa
e a econômica – o governo vem empreendendo grandes esforços, na vertente repressiva. Pode se
dizer que já alcançou, inclusive, os limites objetivos da capacidade do estado em atuar, de acordo
com sua estrutura, na aplicação das leis para combater a pirataria. Ainda assim, a indústria cobra do
governo mais ações de apreensão e enforcement de um modo geral. O governo depende hoje do
apoio do setor privado, por exemplo, para armazenar os bens apreendidos, visto que os depósitos da
Polícia Federal estão lotados e os bens não podem ser destruídos até conclusão do processo na
Justiça.

A vertente educativa é tida como a de maior confluência entre os setores público e privado. O Road
show da Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), por exemplo, serve à
capacitação de servidores para serem capazes de diferenciar produtos originais e piratas. Parcerias
entre os governos estaduais, municipais, os ministérios públicos estaduais, a Câmara Americana de
Comércio (AMCHAM), a Microsoft, a MERCK e outras, investem na formação de alunos de 7 a 14
anos, das redes pública e privada de ensino, sobre o que é a pirataria e quais seriam os males por ela
causados. Essa vertente é tida como consensual no CNCP, mas vem sendo bastante debatida e
considerada controversa pela sociedade civil, em função da inserção de conteúdo orientado por
interesses de grandes empresas multinacionais nas grades curriculares, por trazer confusão de
conceitos sobre pirataria em seus materiais didáticos, por apresentar números e dados não
confiáveis, e por ir na contramão do incentivo ao acesso à cultura, conhecimento e informação.

A vertente econômica é onde se dá o maior impasse. A indústria cobra do governo reformas


tributárias, enquanto o governo espera da indústria que ela reveja os modelos de negócios
adequados ao novo cenário. Enquanto ambos os setores aguardam ações da outra parte, pouco ou
nada se faz para avançar nessa questão.
O importante é que, ao se buscar o equilíbrio entre o acesso à cultura e os direitos de propriedade
intelectual, se reconheça como legítima uma cultura baseada em outros parâmetros, sem políticas
que sufoquem redes e canais de distribuição que permitem a fruição de cultura livre, produzida por
diversos coletivos, artistas, comunicadores e desenvolvedores, oferecida legal e legitimamente por
seus criadores.

Questões chave
É importante ressaltar que muito do que se pode fazer no campo da economia da cultura independe
de políticas públicas. Ainda assim há muito que o Estado pode fazer, para impulsionar e apoiar a
produção de cultura brasileira, não só por meio de incentivos e aportes financeiros, mas também
estruturais, legislativos e de organização do mercado.

Bollywood, a indústria cinematográfica indiana (hoje a primeira do mundo em produção), por


exemplo, já era forte na década de 90, mas extremamente desorganizada. O Estado resolveu ser
mais ativo no mercado, passando não só a garantir investimentos como, principalmente,
organizando o mercado. Na Nigéria, Nollywood vem passando pelo mesmo processo. Até pouco
tempo atrás, os produtores dependendiam exclusivamente da “pirataria local” para exportar seus
filmes para outros países da África. O Estado nigeriano resolveu investir, por volta de 2007, em
formação de produtores e diretores de cinema, a partir da constatação de que a indústria nigeriana
do audiovisual era fundamental para a economia do país.

Acesso e difusão na internet

− Hoje, a internet é canal de difusão e de acesso. Cresce a produção de cultura colaborativa na


rede (wikis, sites colaborativos), cresce o número de blogs pessoais, canais no YouTube,
MySpace, Facebook, Orkut. Assiste-se a uma migração de boa parte dos usuários brasileiros
para o Facebook, que tem mais aplicativos que o Orkut, mas a maior parte dos usuários ainda
está no Orkut, onde se encontram as mais diversas classes sociais, enquanto, no Facebook, há
ainda predominância das elites. O desenvolvimento e distribuição de softwares livres também
cresce. Paralelamente, alguns projetos de governo foram criados para abrir softwares livres e
públicos. O Brasil não chega a contar com uma enorme quantidade de desenvolvedores, se
comparado a muitos países. No entanto, sua comunidade é extremamente ativa e a produção de
plataformas, aplicativos e jogos livres pode ser incentivada, por meio de políticas específicas.

− A criação de infraestrutura e universalização de banda larga, sub-eixos do debate de


infraestrutura, tornam-se elementos fundamentais para a democratização da economia da cultura
digital. A exclusão de parcela da população a conexão veloz pode aumentar ainda mais o gap
entre classes sociais, inserindo, na economia da cultura digital apenas as elites, quando pode ser
um instrumento fundamental de compartilhamento de cultura, conhecimento e de canal de
difusão da produção das mais diversas regiões e parcelas da população.

− Lanhouses têm sido o principal canal de acesso à banda larga para os setores que não têm
condições (seja por ausência de infraestrutura, seja por preço) de ter acesso a banda larga em
casa. Elas não só são centros públicos que hoje dão mais acesso à internet, como são, em si,
empreendimentos que geram renda e trabalho local. Políticas de incentivo ao
empreendedorismo, formalização e legalização das lanhouses são necessárias. Hoje
consideradas casas de jogos (como os bingos), estão submetidas a uma legislação inadequada,
que impede que esteja a menos de um quilômetro das escolas, bem como a entrada de menores
de 18 anos.

− Planos de inclusão digital devem levar em conta o conjunto de elementos existentes e a serem
criados: redução de preços de computadores, acesso universal à banda larga, centros públicos de
acesso gratuito e centros públicos de acesso pago.

− As perguntas e principais debates serão feitos pelo eixo de infraestrutura.

Direito Autoral e recompensa pela criação

O direito autoral é uma das questões que permeiam toda essa discussão sobre modelos, sobre as
mudanças no capitalismo, sobre o acesso às obras e as recompensas ao artista por sua criação.
Bastante protegido especialmente pelos intermediários das cadeias produtivas de cultura e por
parcela dos artistas, o direito autoral na economia da cultura digital enfrenta dilemas:
− As obras devem ser gratuitas?
− Como o compositor, que não é intérprete e não faz shows, pode ser recompensado por seu
trabalho de criação?
− É possível fazer arrecadação por execução na internet? Se sim, é desejável que haja arrecadação
por execução? Se sim, quem deveria fazê-la? Deveria ser centralizada?
− É possível criar uma plataforma em que os artistas tenham controle dos downloads de sua obra,
para contabilizar acessos?
− As redes p2p podem ser integradas a um modelo de distribuição formal?
− Plataformas de licenciamento atreladas a canais de difusão cultural podem funcionar? De que
forma? O Estado deve participar disso?
− A economia do grátis tem supremacia sobre a economia do pagamento pela obra, na internet?
Quais são os modelos viáveis de comercialização de música na internet?
− Como se faz para integrar indivíduos a modelos de negócios relacionados a acervos digitais,
como a digitalização de livros pelo Google? Isso já ocorre?
− Como lidar com a repartição de benefícios em casos de colaborativismo, criação coletiva e
obras derivadas?
− Quais são os modelos possíveis cujo incentivo não esteja baseado exclusivamente na cópia por
unidade?
− Gravame é uma alternativa para se remunerar os autores?
− O pagamento de mensalidades para serviços de distribuição de acervos e catálogos com direito a
download ilimitado é solução viável e desejável para o mercado?
− Devem os provedores ter papel/responsabilidades relativas à fiscalização do direito autoral?
− Como se pode chegar a um equilíbrio entre o combate à pirataria na rede e o acesso à cultura?
− Que políticas podem ser implementadas para a gestão de direitos sobre bancos de dados?
− Como as plataformas de bancos de imagens podem ser geridas a fim de garantir os direitos do
autor e os direitos de imagem?

Economia da rede
− A que regras e condições deve ser submetido o e-commerce (direito do consumidor, tributação,
etc)?
− Como se pode reduzir os custos de transação na rede?
− Que modelos eficiente de compartilhamento de custos de armazenamento e manutenção existem
ou podem vir a existir? A gestão compartilhada de servidores é eficaz?
− A gestão compartilhada de bancos de dados é uma alterna
− Moedas 'alternativas' têm potencial de eficiência na rede?

Mercado de trabalho
Hoje, o setor de produção cultura, trabalho na rede, criação e outros, é classificado como setor
terciário. A economia da cultura digital acaba se enquadrando aí, inclusive por falta de definição
mais apropriada. A produção cultural está submetida às mesmas características das prestações de
serviço? Parcerias não se enquadram em serviços, trocas de serviço, de trabalho, de conhecimento,
de obras artisticas, podem ser equiparadas a prestações de serviços remunerados? Para Márcio
Pochmann, economista especializado em economia do trabalho e hoje diretor do IPEA, “estamos
ainda submetidos à classificação que divide a economia em setor primário, secundário e terciário.
Enquanto os setores primários e secundários são melhor definidos, no setor terciário entra tudo o
que sobra, que não se encaixa nos dois primeiros: serviços públicos, entretenimento, turismo, etc.
Precisamos definir melhor o que significa este conceito, porque o futuro é cada vez mais no setor
terciário”.
Essas diferenças estão sendo acentuadas pela difusão e apropriação das novas tecnologias da
informação e da comunicação – alterando fortemente a relação com o local de trabalho, as equipes,
o tempo, a dedicação e as relações contratuais: “as tecnologias da informação acentuam uma
transição que vem se processando na sociedade e no mundo do trabalho, com forte presença do
trabalho imaterial, principal forma de geração de riqueza hoje. O trabalho imaterial, incluído no
setor terciário, que envolve serviços, cultura, lazer, entretenimento, turismo, corresponde a 70%
das ocupações no Brasil hoje, formais e informais. Em alguns países do mundo, este índice chega a
90%. Não quero dizer com isso que a indústria, a agricultura, não sejam setores importantes. São
sim, mas está havendo uma reconfiguração na economia”.
Alguns desafios são colocados, pois até mesmo a prestação de serviços está mudando, dada a
possibilidade de trabalho remoto pela rede, alterando as configurações físicas de organização das
instituições, individualizando a prática do trabalho, por um lado, e, ao mesmo tempo, coletivizando-
a quando realizado em rede. “O trabalho imaterial é completamente diferente do trabalho material
- que é físico, palpável, tangível -, cada vez mais sendo possível de ser realizado em qualquer
lugar, não necessitando de um espaço determinado, uma fábrica, por exemplo, e nem de um
horário pré-determinado. Isso significa uma alteração dramática na organização da cidade. Nesse
quadro, a riqueza não pode mais ser contabilizada pela forma tradicional. As pessoas estão
trabalhando mais, levam o trabalho para casa. Se há trabalho, há geração de riquezas”, diz o
economista.
Para ele, é necessária a implementação de políticas públicas voltadas à nova organização do
trabalho no Brasil, bem como ao acesso aos meios de produção e à cultura. “Parte dessa
reconfiguração está sendo feita pela iniciativa privada, principalmente nos países mais
desenvolvidos. Mas em sociedades em desenvolvimento como a brasileira, são necessárias
políticas públicas porque, do contrário, a tendência é aumentar a distância entre quem tem acesso
e quem não tem [acesso aos meios de produção e consumo de cultura]. É necessária também uma
política voltada para ocupação do tempo que é considerado como não trabalhado. O trabalho da
dona de casa não é considerado trabalho, esse trabalho que está sendo feito em qualquer lugar e
hora não está sendo remunerado. Esse é o aspecto mais dramático, e a solução passa pela
distribuição do excedente gerado, por uma política tributária que coloque recursos nos setores
mais excluídos. No Brasil, a tributação sobre o consumo é a mais importante, a propriedade
material não é tributada. Precisaríamos primeiro pensar em tributar a propriedade material, para
depois tributar também a propriedade imaterial”.
− Os modelos associativos em rede são formas de organizar o circuito cultural?
− Como mensurar o trabalho imaterial? Como serviços? Por hora? Por produtor?
− Como deve ser regulado o trabalho nesse novo contexto?
− Que elementos deveria levar em conta uma nova legislação trabalhista? Quais cuidados são
necessários para não se aumentar a exploração do trabalhador por meio da flexibilização das
leis de trabalho – que precisam ser adequadas aos novos tempos, mas não pode se tornar
prejudicial ao conjunto dos trabalhadores?
− Que políticas de incentivo pode haver à inovação e desenvolvimento de tecnologias digitais
locais?

Cadeias produtivas
A cadeia produtiva na economia da cultura vai muito além das atividades culturais estritamente
ditas. Arranjos produtivos locais ou em rede configuram, por exemplo, a produção local de
instrumentos musicais utilizados pelos artistas de uma determinada região. Ou, como é o caso da
rede de bambu (ver http://bamboo.ning.com), que possibilitou a integração entre os produtores da
matéria-prima e os designers, arquitetos e decoradores que dele se utilizam.
Importante ressaltar também as redes de economia solidária
(http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_default.asp e http://www.fbes.org.br/) e a
reciclagem de materiais eletrônicos (ver http://metareciclagem.org). Apesar de a economia solidária
cruzar em diversos pontos com a economia da cultura digital, ela é certamente muito mais ampla do
que o universo digital e a economia do digital nem sempre é necessariamente solidária. Já as
iniciativas de reciclagem de materiais eletrônicos é absolutamente integrada à cultura digital.
Ambas as frentes fazem parte do que podemos chamar de desenvolvimento sustentável da cultura
digital, com relações estreitas com a economia desse ambiente (ou poderíamos chamar de esfera
pública digital).
Portanto, são perguntas fundamentais:
− Como garantir o desenvolvimento sustentável da cultura digital?
− Como as cadeias produtivas locais podem dinamizar suas economias na rede?
− Que políticas digitais podem contribuir para os arranjos produtivos locais?
− Que políticas podem incentivar a produção local de hardware/equipamentos?
Abaixo, uma tentativa de sistematizar o esquema de produção de conteúdo na web. O empacotador
e programador, típico da TV e do rádio, e presente em grandes portais da web, passa a ser
desnecessário. O programador e “empacotador” passou a ser, principalmente, os usuários. Seja ao
“subir” o conteúdo, seja ao selecionar, marcar como favorito, ou baixar. O produtor passa a
distribuir diretamente. Para se atingir audiências ou maiores ou mais regulares, no entanto, existem
outras maneiras de organizar e juntar conteúdo a partir do coletivo, como canais/portais de
publicação (YouTube, Flickr, Twitter, Portal Literal, Overmundo etc.), de construção colaborativa
de conteúdo e referências (wikis, del.icio.us, etc.) e agregadores (RSS).
Financiamento
Como formatar políticas de financiamento? As fontes mais comuns são:
− Recursos estatais (editais, incentivo fiscal, fundos municipais, estaduais e federal, prêmios)
− Recursos de comunidades / dos usuários (compartilhamento de custos em formato de
condomínio, doações, créditos pessoais)
− Trocas de serviços, trabalhos e produtos
− Doações e dotações de empresas
− Editais e prêmios de instituições sem fins lucrativos patrocinadoras
− Publicidade
− Consumidor

A composição de fundos pode combinar algumas formas de arrecadação:


− voluntária;
− porcentagem de até 0,5% do serviço de provedores de internet, para compor um fundo local ou
nacional de apoio à cultura digital,.
− porcentagem pequena da receita gerada com publicidade na web
− porcentagem ínfima do licenciamento de softwares proprietários para reverter para um fundo
voltado ao desenvolvimento de tecnologias livres
− Outras?
Prós e contras de fundos: depende de gestão democrática para ser democrático; mais sujeito à
controle social, porém também mais 'lento', burocrático;
Prós e contras de patrocínios das empresas: tendem a ser investidos apenas em projetos de
grande visibilidade e popularidade, buscam retorno de exposição de marca, mas tendem a ser
mais 'ágeis'.
Prós e contras de financiamento comunitário: pressupõe que os participantes do condomínio
tenham outras fontes de renda; carece de relações de confiança, gestão transparente e coletiva e
equilíbrio entre oferta e demanda de serviços.
Prós e contras de Publicidade: ágil e prática, entre anunciante e veiculo. Desonera o artista e o
consumidor. No entanto, muitas vezes é insuficiente para cobrir todos os custos de produção e
“polui” a produção cultural (parte do ambiente de compartilhamento, da internet livre, dos
usuários defensores de uma cultura como direito e não mercadoria é avessa à publicidade).

− Que outros modelos são possíveis e viáveis?

Informalidade X formalidade
A informalidade é um dos desafios do setor de produção cultural – no universo digital, mais ainda.
A polêmica recém-estourada sobre compras de notas só evidencia o que muita gente sabe faz
tempo: que o setor cultural é bastante informal. Existe uma tendência a criar uma falsa oposição
entre mercado formal X informal. Na realidade, salvo raras exceções, a maioria dos mercados
misturam formalidade e informalidade, variando o grau e o tipo. Por exemplo, o “freelancer”:
passou a ser ou alternativa para aumentar o salário ou mesmo exigência de milhares de empresas
que seus colaboradores, eventuais ou regulares, pessoas físicas, criem empresas, para evitar o
pagamento de impostos. Outro exemplo: o combate à comercialização de produtos que violam
direito autoral é muito mais intensa e “criminalizante” do que a violação de direito autoral em
portais vistos como inovação, como o YouTube – embora verifique-se também tendência de maior
repressão às violações nesse espaço.

Para se pensar políticas eficientes de formalização, é necessário evitar a polarização e entender que
há camadas de formalidade – e que os diversos setores enfrentam dificuldades diferenciadas para se
formalizar. Por exemplo, taxar um pequeno ou médio produtor cultural que trabalha sob demanda
do mercado, muitas vezes individualmente, como se taxa uma empresa multinacional resulta em
maior informalidade, redução de arrecadação, ilegalidade ou barreiras de acesso ao mercado de
trabalho e consequente desemprego.
Pablo Capilé alerta para outros fatores importantes: o da motivação e o da capacitação. E questiona
se há mesmo necessidade de se formalizar o mercado de cultura: “entrar no mercado formal,
primeiro, não é uma necessidade do produtor de cultura. Não existe necessidade do produtor de
cultura de entrar no mercado formal, ter CNPJ, o que existe é a necessidade do governo entender o
mercado informal, a economia solidária. 80% dos produtores de cultura estão no mercado
informal. O que o governo quer? Formalizar todo mundo ou entender este modelo dinâmico, que
cria novas moedas de troca, que estimula a criatividade? A maior parte dos produtores não tem
interesse em se formalizar. As dinâmicas mais inovadoras na cultura brasileira hoje surgem nas
relações informais, o funk e o tecnobrega. Deveria haver uma pesquisa séria do governo para
entender e entrar nesse mercado informal. Por outro lado, tem gente que quer se formalizar, tenta
e não consegue, tem muita dificuldade com a burocracia. O governo tem que chegar a um
denominador comum entre as necessidades dos dois setores [do governo e dos produtores de
cultura]”.
A simplificação do processo de formalização e capacitação para ele devem fazer parte de estratégias
de redução da informalidade: pois, como alerta Pablo, mesmo quando há interesse pela
formalização, é difícil fazê-lo. A burocracia ainda é grande (especialmente considerando que, no
Brasil, há milhares de pessoas que nem CPF têm), as leis são muitas e mudam com frequência, o
processo é oneroso e lento.
A criação da lei do Microempreendedor Individual (MEI) buscou solucionar o problema de muitos
prestadores de serviço que sempre atuaram na informalidade, como costureiraa, manicure,
eletricista etc.. No entanto, os setor da cultura ficou de fora. As atividades consideradas intelectuais,
como de desenvolvedor de software, escritor, jornalista, músico, fotógrafo, todas elas não são
contempladas pela lei. Alega-se que o artista e produtor cultural têm renda superior aos 36 mil
anuais estalecido como teto pela lei. No entanto, qual é o sentido de definir, além de um teto de
rendimento, as categorias de trabalhadores que podem ser contempladas pela lei?
Poderia a lei do MEI ser estendida ao setor cultural? Ou é preciso criar outro sistema, mas que
contemple, também, o universo da indústria criativa, dos agentes da cultura digital, os artistas que
atuam na informalidade? Contemplar esses setores em um modelo de formalização sustentável é
caminho importante no sentido de ampliar o universo de empreendedores formais, aumentar a
arrecadação, facilitar a mensuração do mercado, conhecer o setor e poder retornar com políticas
públicas para ele. Vale lembrar que o custo da informalidade também pode ser alto (propina,
despachante, etc) quando há fiscalização (de alvará, por exemplo), quando se precisa de crédito no
mercado e não se pode buscar, quando se necessita comprovar renda etc.

Produção de indicadores, referências e monitoramento


- Como mensurar e ampliar a produção direta (produção artística, produtos culturais, produção
incorporada em material didático, museus, etc.)
- Como mensurar e ampliar a produção indireta (design industrial, arquitetura, etc.)
- Como apliar a formação/capacitação de RH.
- Insumos: referem-se a produtos a serem incorporados no produto ou produção cultural: softwares,
hardwares, etc. — engloba parte das coisas que vc colocou no item 1.
- Serviços: referem-se a serviços utilizados de forma contínua na produção cultural: Internet (custo
do acesso), etc. – engloba outra parte das coisas que vc colocou no item 1.
Anexo I – Entrevistas

Lala Deheinzelin
1. É correto afirmar que o mundo digital traz uma ruptura nos campos da cultura e da
economia da cultura? Ou se trata apenas de uma reacomodação das relações de troca e de
capital para o ambiente digital?

Uma questão importante de deixar claro é que não temos consciência da importância desta fase.
Sempre quando se vive um momento histórico, não temos percepção exata do seu valor, assim
como aconteceu no renascimento.

A economia a que estamos acostumados é a da escassez que só faz sentido para as coisas materiais.
Mas agora que até o Google tem mais valor, que é intangível, esse momento intangível, a cultura e
o conhecimento é que está no centro, vivemos a economia da abundancia. Dividir conhecimento se
multiplica porque resulta da interação. Cria-se um ciclo virtuoso devido às novas tecnologias, os
bits são infinitos, átomos não. Terceiro infinito é o das redes, interação. É um outro cenário
completamente diferente. É preciso perceber isso para fazer a transição.

Eu não usaria a palavra ruptura, mas transformação. O mundo digital permite que a cultura se torne
estratégica. Não acho que seja apenas uma reacomodação. A mudança nesse sentido é muito
grande, a economia tem que ser reinventada. Antes, como tudo era coisa, elas podiam ser medidas
em números, mas coisa intangíveis não. É preciso dar importância a esses resultados em outras
dimensões: social, político. Nesse contexto, a periferia vira centro. Criam-se anticorpos para a
questão da globalização. Agora, tem uma coisa que é crucial: o digital trouxe uma horizontalização.
saímos da verticalização da hierarquia, porém sofremos com um excesso de horizontalização. Tudo
vira um mingau, como se não desse para fazer mapas, fica difícil de distinguir, organizar. Então as
coisa estão um pouco rasas, não há relevo. É preciso criar um relevo deste território, um mapa, para
que aquilo que não tem importância (quem diz o que tem importância?) não fique no mesmo nível
do que é e diferenciar os momentos de aprofundar e os momentos de horizontalizar.

3. Como você vê a criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos
jurídico e de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las?

Acho que do ponto de vista de formulação, algo importante é a política de expandir a banda larga e
o computador para todo lugar. Também o que puder ser fomentado em termos de software livre.
Ferramentas como o Youtube são úteis, mas promovem uma grande concentração. A propriedade
intelectual é algo para o tangível. Sobre politicas de fomento, o que se precisa é de mecanismo de
governança, e que envolva o governo, empreendedores, sociedade civil, porque apenas um destes
setores controlando é sempre ruim. Eu acho que a questão de regulamentação da internet, o
caminho é o de autoregulação. Acredito que o bom senso do coletivo é muito maior do que
imaginamos.
Políticas tributarias: da maneira que eu trabalho com politicas criativas, etc. estamos imersos em
dois ecossistemas, o tangível, que envolve a natureza, aquecimento, carbono, etc. A este
corresponde o intangível: o sociocultural. Nesse ecossistema, a diversidade cultural é tão importante
quanto a biológica. Politicas tributarias deveriam taxar tudo o q vai contra a diversidade. Os
impostos devem servir para corrigir os desequilíbrios na diversidade cultural, assim como se taxa a
emissão de carbono. Esta é uma das formas de regular o mercado.

5. De que maneira você poderia contribuir com este debate? Existem


experiências a serem relatadas?

Em relação a casos ilustrativos, a primeira coisa é ter consciência de que o Brasil é um celeiro
destas práticas, uma referencia mundial. Outra questão que acho importante é que tecnologia não é
apenas uma coisa, mas também o processo, a energia sociocriadora que está por trás. Órgãos como
o Finep deveriam rever o seu conceito de inovação. É preciso fomento ao processo e não apenas aos
produtos.

Importância deste patrimônio. Coisas que já são futuro como o Cubo de Cuiabá. Uma das coisa que
mantém nosso atraso é que as políticas são setoriais, e não é mais assim. Existe uma interação cada
vez maior entre as formas artísticas. O direito também é taxonômico. Precisamos mais de macro
princípios, como os dez mandamentos, a carta magna, mais do que regulação por punição. Enxugar
gelo ao tentar resolver caso a caso. Enquanto tudo estiver compartimentado, vai impedir o avanço.
Estruturas continuam sendo mono então há um gap. É preciso mudar normas e procedimentos,
mesmo políticos com boa capacidade não conseguem implementar por causa das normas e
procedimentos. As leis atuais partem do principio de que todo mundo é ladrão, e o custo da
desconfiança é enorme. É preciso um redesenho das normas e procedimentos de confiança.

Pablo Capilé
1. Rupturas no campo da cultura
AD/DD. O mundo da cultura pode ser definido em antes do digital e depois do digital. Há uma
reconfiguração total do mercado da música e de uma série de outros campos da cultura, todos
presentes neste ciberespaço. Na música, a queda da indústria é uma conseqüência da
democratização do acesso, da produção, da distribuição dos produtos culturais, dos contatos entre as
pessoas. Hoje existem micromovimentações locais que vão de encontro ao establishment. O
ciberespaço repactuou tudo.
2. Colaboração x competição
No ciberespaço, você pode ter tanto uma maior democratização quando uma maior concentração.
Hoje existem ferramentas muito interessantes para a democratização do acesso à cultura, cabeças
interessantes conectadas em tempo real, formando uma inteligência coletiva, pessoas com poder de
decisão semelhante, que crescem em conjunto, uma mudança na visão do que seja direito autoral, o
uso e uma cultura do software livre. Mas também podemos ter uma maior concentração. Para
caminhar no sentido da democratização é preciso haver um amplo debate nacional sobre a
importância do digital, uma mobilização da sociedade, a manutenção da construção de redes – hoje,
até para ser egoísta você tem que pensar em rede -, o hackeamento da estrutura de acúmulo [de
informações que temos na rede], por exemplo, temos uma ferramenta de busca como o Google que
está na linha tênue entre democratização e concentração.
No Brasil, a possibilidade dessa democratização, a possibilidade das redes se ampliarem é muito
grande, muito maior do que em países como os Estados Unidos, que são mais centralizados, porque
o Brasil é um país em que há a valorização da diversidade, dos ambientes mútuos, da possibilidade
de crescimento da economia sensível e da felicidade interna bruta. O Brasil é um país com
dimensões continentais, que lida com a diversidade. No Acre, por exemplo, a gente vê o histórico
de lutas que travaram, a gente vê a forma como eles lidam com os indígenas, com a floresta, a
forma como eles lutam contra a exclusão. No Centro Oeste, você tem um grande fluxo migratório.
O Nordeste está preparado para receber conteúdos colaborativos, por causa da mistura. No Sudeste
e no Sul, mesmo com o protecionismo, com a tentativa de hegemonia, tem sido aberto espaço para
acontecer o que já acontece no Centro Oeste e no Nordeste em termo de cultura colaborativa. Além
disso, no Brasil temos as ações do Ministério da Cultura em direção à construção de redes de
dimensões continentais, com os pontos de cultura, os fóruns.
3. Economia da Cultura Digital
A Economia da Cultura extrapola a rede, ainda não acontece só na rede. Estamos buscando
alternativas para dar o segundo passo, estamos tentando entender como mensurar o intangível. A
velocidade da internet no Brasil hoje ainda é muito aquém do que poderia ser. Estamos caminhando
para entender o ciberespaço, mas ainda estamos muito aquém do que ele pode ser. Não dá ainda
para mensurar ou valorar o que estamos produzindo.
4. Políticas públicas
Um pacto entre o primeiro, o segundo e o terceiro setor é fundamental. As políticas públicas são
fundamentais, políticas que valorizem outras moedas de troca, como faz o circuito Fora do Eixo.
Mas, além disso, precisamos de políticas públicas para as cidades digitais; não precisamos só de
centros de acesso, mas de criar mecanismos e parcerias com o movimento social para que este
acesso promova diferença na sociedade. Precisamos pensar não só como teremos o site da prefeitura
no ar, mas como podemos fotografar o buraco na rua, colocar no site para que o buraco seja
fechado, só para dar um exemplo mais simples.
As empresas cada vez mais estão pensando em como ganhar com o digital, o movimento social está
tentando entender como se movimentar nesse ciberespaço. O governo precisa estabelecer o
equilíbrio entre os interesses do mercado e dos movimentos sociais no ciberespaço. Não adiante ter
a internet para todos se não houver um acompanhamento dos movimentos sociais para
potencializar, para colocar as demandas da sociedade.
O governo precisa também criar secretarias e fóruns para discutir essas questões, precisa ampliar o
debate com a sociedade. Por exemplo, a lei de direitos autorais está sendo debatida pelo governo,
mas ele ainda não conseguiu chegar a uma discussão radical sobre o assunto, também não
conseguiu ampliar o debate para toda a sociedade, porque ainda não priorizou o tema. Antes do
debate nacional, deveria haver debate nos municípios e nos estados, eles não estão participando da
discussão, como não participaram na discussão sobre a reforma da Lei Rouanet. A sociedade civil
também está aquém, não consegue se mobilizar nos municípios e nos estados, não consegue
sensibilizar os deputados para a questão. Se o governo não colocar como prioridade, não envolver a
Casa Civil, além do Ministério da Cultura, na discussão, nada vai mudar, porque o lobby das
grandes gravadoras é muito forte junto à câmara e ao senado.
5. Política tributária
Em relação à política tributária, o governo perdeu o timing da discussão, deveria ter começado
antes, mas só começou a debater nos dois últimos anos do governo. Temos aí o Recultura, puxado
pela Cufa, o Conselho Interministerial para debater a questão. Os três, quatro próximos meses serão
de acúmulo de conteúdo, mas o xis da questão é como o governo federal vai se abrir para articular
um conselho interministerial que seja eficiente, discutindo a formalização, o super simples, etc.
6. Caminhos para a sustentabilidade
O caminho para a sustentabilidade é a construção de redes, que viabilizam processos de construção
de um grande lastro nacional. Rede de criação, produção, distribuição, troca de tecnologia. Tenho
dificuldade de enxergar a sustentabilidade das ações locais que não estejam ligadas em redes,
mesmo que sejam redes locais, como é o caso do Banco Palmas, na periferia de Fortaleza.
Precisamos criar uma produção que retroalimente novas produções.
7. Papel do produtor na nova economia da cultura
O produtor agora vende disco, vende show, carrega caixa; ele é multifunção, como é o artista de
maneira geral, o artista pedreiro. São dois ... de Deus: estamos juntos na mesma...
8. Formalização do setor
Entrar no mercado formal, primeiro, não é uma necessidade do produtor de cultura. Não existe
necessidade do produtor de cultura de entrar no mercado formal, ter CNPJ, o que existe é a
necessidade do governo entender o mercado informal, a economia solidária. 80% dos produtores de
cultura estão no mercado informal. O que o governo quer? Formalizar todo mundo ou entender este
modelo dinâmico, que cria novas moedas de troca, que estimula a criatividade? A maior parte dos
produtores não tem interesse em se formalizar. As dinâmicas mais inovadoras na cultura brasileira
hoje surgem nas relações informais, o funk e o tecnobrega. Deveria haver uma pesquisa séria do
governo para entender e entrar nesse mercado informal. Por outro lado, tem gente que quer se
formalizar, tenta e não consegue, tem muita dificuldade com a burocracia. O governo tem que
chegar a um denominador comum entre as necessidades dos dois setores [do governo e dos
produtores de cultura].
9. Práticas interessantes
Banco Palmas (conjunto Palmares/ Palma card) Fortaleza, CE;
Cururu e Siriri – MT;
Lambidão, que o Hermano conhece – MT;
Organizações indígenas do Acre;
Circuito Fora do Eixo, principalmente o caso do Amapá, onde não há banda larga, então as bandas
de lá não têm Myspace, Youtube, Gmail, e mesmo assim estão conectadas com as bandas de todo o
Brasil e fazendo seus produtos circularem. A internet lá é por rádio, mas vive com interferência,
quase não funciona. Só se chega lá de avião, e são poucos os vôos. Outro lugar interessante de
observar é Roraima, a internet acabou de chegar lá, mas vinda da Venezuela;
Alto do Zé do Pinho – PE.
10.Pesquisas sobre economia da cultura
Quase não há pesquisas sobre economia da cultura. Existe uma feita pelo IBGE, mas é uma
pesquisa “fraca”. Tem a pesquisa do Prestes Filho, mas já está ultrapassada, não corresponde à
realidade de hoje. O Fora do Eixo está fazendo uma pesquisa que deve ser publicada em 2010. Cada
coletivo coleta os dados sobre show, público, arrecadação, mas ainda não conseguimos sistematizar,
a gente faz muita coisa, trabalha de dia pra comer de noite. Por isso uma coisa importante é o
diálogo com a academia, para ver como podemos sistematizar esses dados. Alguns coletivos já
estão fazendo essa parceria, com a Federal de São Carlos, a Federal de Uberlândia, e também com
pessoas que não são diretamente ligadas à academia, como o Rodrigo Savazoni, o Cláudio Prado.
Mas mesmo o diálogo com a academia é complicado, porque o tempo da academia é outro, e a
economia da cultura, a economia criativa, solidária, é muito dinâmica.

Marcio Pochmann
(Por telefone)
As tecnologias da informação acentuam uma transição que vem se processando na sociedade e no
mundo do trabalho, com forte presença do trabalho imaterial, principal forma de geração de riqueza
hoje. O trabalho imaterial, incluído no setor terciário, que envolve serviços, cultura, lazer,
entretenimento, turismo, corresponde a 70% das ocupações no Brasil hoje, formais e informais. Em
alguns países do mundo, este índica chega a 90%. Não quero dizer com isso que a indústria, a
agricultura, não sejam setores importantes. São sim, mas está havendo uma reconfiguração na
economia.
O trabalho imaterial é completamente diferente do trabalho material - que é físico, palpável,
tangível -, cada vez mais sendo possível de ser realizado em qualquer lugar, não necessitando de um
espaço determinado, uma fábrica, por exemplo, e nem de um horário pré-determinado. Isso
significa uma alteração dramática na organização da cidade. Nesse quadro, a riqueza não pode mais
ser contabilizada pela forma tradicional. As pessoas estão trabalhando mais, levam o trabalho para
casa. Se há trabalho, há geração de riquezas.
Parte dessa reconfiguração está sendo feita pela iniciativa privada, principalmente nos países mais
desenvolvidos. Mas em sociedades em desenvolvimento como a brasileira, são necessárias políticas
públicas porque, do contrário, a tendência é aumentar a distância entre quem tem acesso e quem não
tem [acesso aos meios de produção e consumo de cultura]. É necessária também uma política
voltada para ocupação do tempo que é considerado como não trabalhado. O trabalho da dona de
casa não é considerado trabalho, esse trabalho que está sendo feito em qualquer lugar e hora não
está sendo remunerado. Esse é o aspecto mais dramático, e a solução passa pela distribuição do
excedente gerado, por uma política tributária que coloque recursos nos setores mais excluídos. No
Brasil, a tributação sobre o consumo é a mais importante, a propriedade material não é tributada.
Precisaríamos primeiro pensar em tributar a propriedade material, para depois tributar também a
propriedade imaterial.
Sobre o termo Economia da Cultura Digital:
Estamos ainda submetidos à classificação que divide a economia em setor primário, secundário e
terciário. Enquanto os setores primários e secundários são melhor definidos, no setor terciário entra
tudo o que sobra, que não se encaixa nos dois primeiros: serviços públicos, entretenimento, turismo,
etc. Precisamos definir melhor o que significa este conceito, porque o futuro é cada vez mais no
setor terciário.
Estudos sobre economia da cultura:
O Ipea ainda vai começar a estudar o setor, que é de difícil identificação, uma vez que as relações
de trabalho são eventuais, instáveis, difícil de medir. Isso faz com que o setor não seja bem
organizado, predominam micro e pequenas empresas e é mais difícil de contabilizar a renda gerada.
Existe muita informalidade também no setor primário, na agricultura, mas a maior parte da
informalidade está no setor terciário.
Para incluir os trabalhadores informais no setor formal, a questão fiscal e tributária é importante,
mas não é a melhor opção. O problema é que a oferta é instável, uma vez que a demanda depende
da renda – parte das vezes das famílias, parte vem do poder público. O que é necessário é uma
maior organização, por exemplo, a organização da produção em cooperativas, uma maior
qualificação, uma maior capacidade de fazer projetos.
As políticas de fomento devem misturar o público e o privado. O Estado tem que potencializar o
setor privado e ajudar a organizar o setor terciário. Só agora há um movimento governamental para
dar ênfase a esta parte, até então a ideia que se tinha era a de cultura como decorrência, não como
espaço de produção continuada. O Estado está despreparado para lidar com a questão, está
preparado para lidar com a agricultura, com a indústria, uma vocação que o prende mais ao passado
do que ao futuro, para além das inicitivas se secretarias e ministérios da Cultura.

Marcos Dantas
Jornalista, professor de comunicação da UFRJ

1. É correto afirmar que o mundo digital traz uma ruptura nos campos da cultura e da
economia da cultura? Ou se trata apenas de uma reacomodação das relações de troca e de
capital para o ambiente digital?
A expressão “mundo digital” contém nela um determinismo tecnológico que dificulta a
compreensão das reais transformações em curso. A enumeração (“digitalização”) de um amplo
conjunto de processos produtivos e de circulação relacionados ao tratamento e comunicação da
informação, levou ao limite de zero os tempos totais de rotação do capital, meta esta que sempre foi
a da essência do capitalismo, como sabemos desde do Livro II. Isto implica a anulação do valor de
troca contido nas mercadorias, reduzindo-as a puro valor-fetiche, valor de uso determinado pelas
condições culturais ou “simbólicas” de sua realização. Daí porque a economia fez-se cultura; a
cultura, economia. Produz-se e se consome status, representação, distinção, identidades sociais
percebidas nos, ou atribuídas aos objetos produzidos e consumidos. Este é um processo já
claramente vivenciado muito antes da emergência do “mundo digital”. Leia-se Torsten Veblen nos
já distantes anos 1940; Guy Debord, nos anos 1960; Bourdieu nos anos 1970. No entanto, a
“digitalização”, porque quase zera o tempo, introduziu um novo ganho quantitativo no processo
total, levando-o a um câmbio de qualidade, este de trazer as indústrias culturais e mediáticas
definitivamente para o centro da acumulação. Isto certamente é novo. Até porque a economia dessas
indústrias, baseada em valores de uso intangíveis, neguentrópicos, é muito distinta daquelas fabris,
baseadas em valores de uso tangíveis, entrópicos.

2. Quais seriam os elementos que provocam estas mudanças? Quais são elas? Ou, no caso de
não haver mudanças relevantes, por que avalia deste modo?

Talvez o elemento mais importante, seja a incorporação de um amplo conjunto da população


mundial a certos valores universais relacionados aos padrões capitalistas de produção e consumo
(ignorada, obviamente, aquele outro conjunto, muito mais amplo, excluído desses padrões...). Se
“produção é imediatamente consumo, consumo é imediatamente produção” (Marx), o consumo
tornou-se diretamente também produção. Exemplos: a participação das audiências no espetáculo; as
“críticas” ou “sugestões” do “consumidor”; as “buscas” na rede; a elaboração de blogs ou envio de
fotos para publicação num portal qualquer de internet ou mesmo em meios tradicionais; etc. As
tecnologias digitais, em larga medida, viabilizaram a superação da mercadoria enquanto mediação
necessária entre a produção e o consumo, mas nem por isso estão levando à superação do capital
enquanto tal. Este segue se reproduzindo na medida em que a sociedade, já habituada à sua cultura
individualista e hedonista, aceita de algum modo sua pressão compulsivamente consumista e, nisto,
se incorpora a seus novos “modelos de negócios” como os do Google, da Apple, da TV por
assinatura (paga), do “celular” etc, pelos quais são geradas rendas diferenciais apoiadas na
monopolização do conhecimento.

3. Como você vê a criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos
jurídico e de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las?

Nas condições de um país capitalista periférico como o Brasil, a defesa e o fomento da cultura
nacional deveria ser assumida, politicamente, como uma luta similar à campanha “petróleo é
nosso”, nos anos 1950. Então, aquela campanha sintetizava a luta do país, em várias frentes, para
romper com o seu destino agrário primário-exportador, incorporando-se à economia-mundo
também como uma potência urbano-industrial. Hoje, na condição do capital-informação, a
manutenção e, de preferência, melhoria da posição do Brasil no sistema internacional de estados-
nações e na divisão internacional do trabalho, passa por fazer da sua cultura também uma poderosa
indústria capaz de competir mundialmente com outras matrizes industrial-culturais, notadamente a
estadunidense. Não será necessário demonstrar o extraordinário potencial do nosso país para
sustentar um projeto cultural próprio, assim gerando rendas, empregos, inclusão social, integração
nacional. No entanto, para isto, serão necessárias, por um lado, fortes medidas de contenção da
“invasão estrangeira” que já sofremos por parte daquelas matrizes estadunidenses, invasão esta
que vai, até um pouco rapidamente, erodindo a solidariedade da parte mais ilustrada da nossa
sociedade para com a cultura nacional, solidariedade esta recém construída a partir dos anos 1920,
com o “modernismo”. Paralelamente, serão necessárias fortes medidas de fomento, estímulo,
incentivo à produção brasileira, tanto a “global” (literal e figuradamente), quanto a regional, a
independente, a popular-comunitária, a universitária, a não comercial. Como o demonstram os
fenômenos do tecnobrega no Norte brasileiro ou da Nollywood nigeriana, as tecnologias digitais
tornam o fomento a esses processos, por enquanto espontâneos, bem mais baratos.

4. Políticas de fomento devem privilegiar o papel do estado ou devem ser protagonizadas pelo
setor privado comercial e/ou não comercial? Quais são os caminhos para a sustentabilidade?

Raciocinando nos termos de uma economia capitalista, pois ainda nos encontramos nesta etapa,
todos esses atores são importantes. Cabe ao Estado, negociando com o capital privado e com os
produtores não-comerciais, estabelecer as políticas de proteção e fomento, bem como alocar parte
dos recursos financeiros e materiais, nos termos das políticas estabelecidas. O setor comercial
nacional deve ser fortalecido diante da competição estrangeira mas ele precisa assumir claros
compromissos com a cultura nacional, suas variedades regionais, também com o respeito a valores
éticos e de proteção à infância e segmentos vulneráveis. A produção cultural não comercial, em
primeiro lugar, constitui-se em matéria prima última da produção comercial. Ela permite a livre
manifestação de todas as expressões culturais do país (que a indústria cultural não pode deixar de
pasteurizar), constitui-se no espaço de plena realização crítica dos indivíduos, de construção de
identidades, de lazer não utilitarista, de formação de artistas, de inclusão social etc. Cabe ao Estado,
através de instituições criadas para isso, ou da escola, proteger e estimular decididamente essa
produção.

5. De que maneira você poderia contribuir com este debate? Existem experiências a serem
relatadas?

Eu? Com algumas elaborações, no limite das minhas competências, como estas aqui feitas. Observe
que, no conjunto da sua entrevista, falamos mesmo de cultura, “digital” ou não. Se estamos
transitando da cultura na era da sua “reprodutibilidade técnica” (analógica) para a da sua, com
licença para o neologismo, “infinibilidade técnica” (digital), nem por isso, deixamos de falar
essencialmente de mediações e agenciamentos sociais simbólicos inerentes e constitutivos da
relação entre o homem social e um dado ambiente natural e histórico, não importa se com
finalidades comerciais, instrumentais ou lúdicas. O “digital”, ao fim e ao cabo, não passa de suporte
a essas práticas, nas condições capitalistas tardias nas quais são geradas e objetivadas.

Sérgio Rizzo
Jornalista e crítico de cinema

1. É correto afirmar que o mundo digital traz uma ruptura nos campos da cultura e da economia da
cultura? Ou se trata apenas de uma reacomodação das relações de troca e de capital para o ambiente
digital?

No campo do audiovisual, me parece razoável considerar que o mundo digital já começou a gerar
ruptura. O tripé produção-distribuição-exibição, que engessa desde os primórdios o cinema,
começou a ser implodido porque (1) a produção, passando por um processo de democratização, está
ao alcance de muito mais gente; (2) a existência dos distribuidores, muitas vezes “atravessadores”,
ameaça tornar-se dispensável; (3) e as oportunidades de exibição multiplicaram-se, tornando o
circuito cinematográfico convencional apenas uma de suas possibilidades. Logo, uma nova
configuração se esboça. A indústria cinematográfica norte-americana, no entanto, trabalha pela
reacomodação de seus negócios no ambiente digital. Mesmo que seja bem-sucedida, estará
controlando (e sabe-se lá como será esse “controle”) apenas uma fatia do novo cenário.

2. Quais seriam os elementos que provocam estas mudanças? Quais são elas? Ou, no caso de não
haver mudanças relevantes, por que avalia deste modo?

Suponho que a primeira resposta tenha apontado para os índices de mudança.

3. Como você vê a criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos
jurídico e de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las?

Considero que as políticas devem ser discutidas e implementadas com urgência, de forma a investir
nos aspectos de democratização da produção cultural e do acesso a ela, sem privilegiar os interesses
dos grupos já estabelecidos no mercado convencional. Ao contrário: as políticas devem identificar
quais os novos agentes do cenário e tratar de fortalecê-los.

4. Políticas de fomento devem privilegiar o papel do estado ou devem ser protagonizadas pelo setor
privado comercial e/ou não comercial? Quais são os caminhos para a sustentabilidade?

Não tenho resposta, mas acredito que o estado tem papel a cumprir, embora não exclusivo.

5. De que maneira você poderia contribuir com este debate? Existem experiências a serem
relatadas?

As transformações a que me refiro na primeira resposta já estão se multiplicando por aí. Poderia
fazer um apanhado delas com o objetivo de sublinhar como sugerem uma nova lógica de produção,
distribuição e exibição.

Leoni
Músico

1) O mundo digital traz uma ruptura significativa no campo da cultura? Quais seriam os
principais elementos que provocam mudanças e que mudanças são essas? Ou, no caso de
avaliar que não há mudanças relevantes, por que avalia assim?
Não são mudanças, é uma verdadeira revolução. Com a possibilidade de digitalização, acabaram os
monopólios de distribuição de conteúdo. Música, vídeo, textos, informação são compartilhados
livremente e se tornam onipresentes. Aplicando-se a lei da oferta e da procura a esse novo formato,
não há como os detentores de direitos estabelecerem um preço para seus produtos porque não há
mais escassez. É um novo mundo que temos que inventar.
2) Faz sentido falar em cultura digital? Se há sentido neste termo, em que consistiria?
Não sou um especialista, ainda mais nas terminologias, mas acredito que há toda uma cultura que
está se adaptando ao universo digital de trocas livres, incontroláveis e interativas e há outra que já
nasce digital, como o software livre, e que já tem tudo isso como pré-condição para sua existência.
3) Há rupturas no campo da economia? Ou estamos assistindo a uma simples reacomodação
das relações de troca e de capital para o ambiente digital?
Todas as indústria de informação e entretenimento já sentiram essa ruptura e ficam tentando
impedir, inutilmente, que as mudanças cheguem aos seus negócios através de lobbys para punir
aqueles que não respeitarem seus modelos de negócio. Até agora os resultados foram
insignificantes, não trouxeram qualquer receita nova, nem impediram as mudanças avassaladoras.
Gravadoras estão quebrando, jornais não sabem mais como sobreviver na internet, editores de livro
estão em pânico, mas não tentam se adaptar e se reinventar.
4) Se há sentido em falar de economia digital, qual é o seu objeto e seus principais atores? A
economia digital está circunscrita à rede ou ela a extrapola? Quais são as premissas, os
potenciais, e os desafios (limitações ou problemas) da economia digital?
Acho que o maior problema está em garantir uma compensação aos criadores pela circulação livre
de suas obras, que são geradores de tráfico – e portanto de receita publicitária – para sites p2p,
torrents e agregadores como Google, YouTube, MySpace, etc.
5) São necessárias políticas públicas para a economia da cultura digital? Como você vê a
criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos jurídico e
de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las? Políticas de
fomento devem privilegiar o papel do estado ou devem ser protagonizadas pelo setor privado
comercial e/ou não comercial?
Acho que o governo deve servir de balizador das negociações da sociedade para evitar distorções e
abusos de poder econômico e ajudar a criar um arcabouço jurídico mais adequado a esse novo
mundo, com suas novas práticas sociais.
6) Quais são os caminhos para a sustentabilidade?
Bem que eu queria saber. O que eu tenho tentado é eliminar os intermediários e chegar direto ao
meu público, conseguindo cadastrá-los no meu site. Algum dia espero conseguir transformar esse
relacionamento em receita.
Acho importante modificar a Lei de Direito Autoral para permitir cópias privadas. Isso vai acelerar
trocas, que são também uma forma de divulgação sem custo para os artistas.
7) Qual é sua opinião para políticas tributárias no setor?
Em relação à música, estou apoiando a PEC da Música, o que iria facilitar muito a comercialização
na rede. Acho que a eliminaçnao de tributos pode trazer muita gente para a formalidade.
8) De que forma podemos fortalecer as produções culturais que hoje ocorrem no mercado
informal, marginal, escambal, de iniciativas isoladas ou por diletantismo?
O maior problema da democratização da produção e da divulgação é a quase impossibilidade de
chamar atenção do público. Quanto mais informação, menos comunicação. Sites que
proporcionassem curadoria e contextualização da produção cultural seriam fundamentais para
melhorar a ponte entre criadores e o público em geral.
Outro modelo interessante é o da Trama Digital que poderia ser adaptado para o Ministério da
Cultura. A verba mensal destinada a essa ação seria dividida entre os criadores segundo a
quantidade de downloads e streamings de cada um a partir desse site oficial. Ou segundo algum
outro critério caso queira-se evitar o modelo do mercado.
9) De que forma podemos fortalecer a produção e a difusão/distribuição de bens e serviços
culturais?
Sites repositórios de material, acessíveis aos meios de comunicação, facilitariam a distribuição do
material cultural para os divulgadores da grande mídia que parariam de depender dos
“suplementos” de gravadoras, editoras etc.
10) Você conhece casos ilustrativos das transformações no campo da economia da cultura que
apontem caminhos interessantes?
Conheço casos como o do Teatro Mágico, banda e trupe teatral de Osasco, que espalha sua obra
gratuitamente pela rede para aumentar seu público nos shows. Hoje fazem shows em praças
públicas para mais de 20.000 pessoas. Todo o seu trabalho é informal e fora das leis, assim como
são todos os casos em que a cultura se sustenta de forma bastante vital – festas de aparelhagem no
Pará e a cena funk no Rio de Janeiro. Isso mostra que os impostos e a burocracia estão sufocando as
expressões culturais menos marginais.
Acho que a arte precisa de facilitadores e não de complicadores.

Ana Carla Fonseca Reis


Economista – especialista em Economia da Cultura
1. É correto afirmar que o mundo digital traz uma ruptura nos campos da cultura e da
economia da cultura? Ou se trata apenas de uma reacomodação das relações de troca e de
capital para o ambiente digital?

Depende. Se o mundo digital for utilizado pela política cultural (e de desenvolvimento) como uma
forma a) de resolver gargalos de produção, distribuição e demanda culturais e b) de instigar o
raciocínio e a análise crítica, tem a meu ver enorme potencial para sanar problemas estruturais de
economia da cultura. Se for visto como um canal alternativo aos tradicionais, restringindo-se à
transposição de conteúdos e paradigmas do mundo das telonas e telas para o das telinhas, entendo
que não promoverá transformações mais significativas.

2. Quais seriam os elementos que provocam estas mudanças? Quais são elas? Ou, no caso de
não haver mudanças relevantes, por que avalia deste modo?

Vejo que essas mudanças exigem três elementos: a) democracia do acesso físico ao mundo digital
(investimento em infraestrutura de telecomunicações e na capilaridade do acesso a elas); b)
capacidade de entendimento do seu uso (habilitar as pessoas a de fato utilizarem as tecnologias
digitais como instrumento e como modo altenrnativo de pensar e agir cultura) e c) raciocínio crítico,
para que não haja simplesmente, como mencionei acima, uma transposição das lógicas e falta de
análise crítica que impera no mundo não digital. Para isso, porém, investimento em infraestrutura é
condição tão necessária quanto investimento de fato em educação.

3. Como você vê a criação de políticas voltadas para a economia da cultura digital nos campos
jurídico e de regulamentação, bem como no de fomento? Que diretrizes devem orientá-las?

Temos um embate, que é o cruzamento de políticas traçadas por estados nacionais em um mundo
digital sem fronteiras. A meu ver esse deve ser o ângulo de partida. Quais marcos regulatórios
podem ser propostos e seguidos pelo Brasil, seguindo uma política clara de economia da cultura
(que, a meu ver, ainda deve ser maturada), que encontre espaço, brechas e repercussões nesse
mundo digital, sem fronteiras mas com regulamentações internacionais nem sempre favoráveis a
nosso contexto?

4. Políticas de fomento devem privilegiar o papel do estado ou devem ser protagonizadas pelo
setor privado comercial e/ou não comercial? Quais são os caminhos para a sustentabilidade?

O caminho para a sustentabilidade requer passar de um mundo linear, maniqueísta, no qual


extremos eram vistos de forma antagônica (público ou privado, local ou global etc.) para um mundo
mais esférico, convergente e complementar. Não conheço um exemplo de programa ou política
sustentável que não envolva o público, o privado e a sociedade civil, justamente por verem que os
objetivos e interesses são complementares, não antagônicos. É evidente, porém, que os papéis e
responsabilidades são distintos. Ao Estado cabe ter um papel de definições estratégicas, confecção e
respeito a contratos, transparência e accountability e, em última instância, constituir um canal de
expressão das aspirações sociais - e não de dirigismo ou uso da máquina público em benefício de
uma política de governo, ao invés de uma política de Estado. Ao privado cabe encontrar caminhos
nos quais os objetivos de lucratividade dos acionistas dialogue com geração de emprego, renda,
pagamento de tributos, inserção na sociedade e valorização dessa sociedade, em uma visão lógica
de que sociedades criativas e prósperas são o melhor ambiente para empresas criativas e prósperas e
vice-versa.

5. De que maneira você poderia contribuir com este debate? Existem experiências a serem
relatadas?
Como venho fazendo: promovendo debates, divulgando ideias, provocando reflexões. Publiquei em
2002 "Marketing Cultural e Financiamento da Cultura" no qual já propunha a complementaridade
das relações entre público e privado, com base no estudo de política pública sete países e em 23
estudos de caso no Brasil. Em fins de 2006 publiquei "Economia da Cultura e Desenvolvimento
Sustentável", para suprir uma lacuna terrível, de carência de bibliografia e debates sobre economia
da cultura no Brasil. Ter sido agraciado com um Prêmio Jabuti 2007 em economia, administração e
negócios já foi um reconhecimento que compensou muitas rusgas de resistência tanto no mundo
econômico, como no cultural. Diante disso, expandi novamente as discussões de fronteira. Em
dezembro de 2008 publiquei "Economia Criativa como Estratégia de Desenvolvimento" que
concebi, organizei e co-editei entre a Garimpo de Soluções e o Itaú Cultural. Criado com o intuito
de capilarizar e instigar um debate acerca da economia criativa nos países em desenvolvimento, é
digital, para download gratuito, em três línguas e com oito visões complementares, de difernetes
partes do mundo. O fato de termos tido mais de 40 mil downloads em 5 meses é um bom sinal. No
próximo mês lançarei outro livro digital, fruto de um trabalho totalmente voluntário, da Garimpo de
Soluções e dos 16 autores de 13 países que aceitaram oferecer sua visão sobre cidades criativas.
Além de ter concebido, organizado e de assinar a co-edição de mais esse livro digital para download
gratuito (sem qualquer tipo de financiamenot), escrevi um capítulo com André Urani, que traz o
debate para o contexto brasileiro, juntamente com um capítulo primoroso, assinado por Jaime
Lerner.

Gustavo Anitelli
Teatro Mágico

1) O mundo digital traz uma revolução na cultura a partir da experiencia que vivemos na música
brasileira. Queria argumentar sobre 2 pontos específicos: 1 na revolução brutal da distribuição,
antes, só poderíamos distrinbuir nosso trabalho pagando espaços em rádios e tvs, ou seja, a música
estava limitada a atuação das majors (gravadoras multinacionais) e alguns poucos empresários
milionários, não preciso nem dizer que hj a situação é diferente. 2 a cultura digital traz uma
mudança de como as pessoas consomem música de forma mto radical, sentimos que existe um
cansaço geral das formulinhas, e cada vez mais os trabalhos que possuem uma cara diferente se
destacam, um exemplo são as duas principais bandas que se destacaram na rede no segmento
MPB/Rock - Cordel do Fogo Encantado e Teatro Mágico, ambas são de estilos diferenciados que
ninguém apostaria.
2) Eu definiria este termo como a nova forma de relação com a cultura, seja do ponto de vista das
obras em si, se criando outras formas de expressão cultural, como também da própria mundança de
consumo, exemplo a música, aonde as pessoas se tornam mais criticas, v]ao assistir a um show
esperando mto mais do que uma açpresentação qq que ja tenmham visto milhares de vezes no
youtube, a graça nao é mais ver po artista ao vivo, a graça é ter uma experiencia diferenciada

3) acho q precisamos fazer um exercício nas experiências de ruptura e ver até onde a reorganização
está, mas creio que existem transformações significativas sim

4) os principais atores são os internautas com uma conexão mais qualificada, o projeto banda larga
é fundamental por conta disso. A economia digitral extrapola a rede certamente, a capacidade de
pulverização, formatação de nichos e enfraquecimento da industria de massa para mim é um
enorme ponto positivo

5) Certaqmente precisamos de politica publica para incentivar. Acho q o debate do acesso para
todos é fundamental, mas acredito que seja necessário fomentar o setor, acredito ser possível a
quebra de monopólios e privilégios, e é neste sentido que o governo deve agir, fomentando
mecanismos que fortaleçam a rede democratica e até anarquica. Por exemplo, ta na hora de todo o
investimento em música, cobrar licenciamentos livres, pelos menos até um certo ponto, ta na hora
de exigir que estes conteúdos não se utilizem de jabbá. o governo não pode ter um discurso, e
continuar financiando eventos,bandas ou festivais que em nada fortaleçam o debate que estamos
travando

6)No setor privado da música? acredito que a construção do público, de forma fidelizada, possuindo
uma relação direta com o mesmo, possibilite isso, só a rede pode nos dar esta oportunidade

7) Temos que repensar algumas coisas , por exemplo a própria venda de cd físico, seria importante
a nao tributação até pra colocar uma galera na formalidade

8) Acho dificil pensar em estruturais formais para receber agentes que estão completamente fora
destas. precisarimos inclui-los no mundo jurídico tb, acho fundamental politicas publicas que
garantam direitos nestes processos

9) Acho q temos que incentivar aqueles que nao optam pelos caminhos do monopólio e cada vez
mais fortalecer a anarquia que consegue construir sua auto suficiencia, se o tecno brega ta rolando
legal no Pará, tem q ver se eles nao precisam de incentivo pra ter mais aparelhagens....rs nao sei

10 )Acho q o nosso caso é interessante, acho q o tecnobrega, e o funk carioca tb sao interessantes
para pensarmos este processo todo

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