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Anais do IX Seminário Nacional de

História da Matemática
Sociedade Brasileira de
História da Matemática

Um Estudo da História da Estatística: o 1º. Censo Demográfico


Statistics History Study in Brazil: 1st Demographic Census
Martha Werneck Poubel1

Resumo
Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla de doutorado, que tem como objetivo elaborar uma trajetória histórica, sócio-política e
econômica dos primeiros censos demográficos brasileiros, iniciados no século XIX. Como referenciais teóricos utilizamos autores como
Bloch, Le Goff, Ginzburg, De Certeau que nos faz refletir, sobre o método histórico, a partir da análise da história da estatística como
ciência, buscando examinar as ferramentas estatísticas que foram utilizadas na realização destes censos. As fontes, encontradas em arquivos,
livros, artigos, teses ou outras em geral, estão sendo rastreadas de forma que o tema seja cercado e análises produzidas. A metodologia
utilizada é de uma pesquisa histórica, bibliográfica e documental. Com o Renascimento, observamos historicamente o despertar de um maior
interesse pela coleta de dados estatísticos, principalmente por suas aplicações na administração pública. A Escola Biométrica nasceu na
Inglaterra somente no final do século XIX, em um dos grandes períodos formativos da história da Estatística, impulsionando o estudo da
estatística e o desenvolvimento de métodos estatísticos. Nesse mesmo século, a Lei do Censo foi instituída no Brasil Império em 1870.
Focaremos, de modo mais específico, o primeiro censo geral da população brasileira (1872) que foi realizado por José Maria da Silva
Paranhos, conhecido como Visconde do Rio Branco. Este censo geral foi complexo devido a extensão geográfica, a dispersão da população,
às condições limitadas de comunicação e à falta de prática ou experiência. As ideias e os métodos da Estatística desenvolveram-se ao longo
da história, à medida que a sociedade mostrava-se interessada em coletar e usar dados para variadas aplicações Devido a grande necessidade
da utilização da Estatística, cada vez maior, torna-se importante aprofundar conhecimentos de sua história e examinar os reflexos culturais
dela para o desenvolvimento da Estatística no Brasil e, nessa direção, temos ainda um longo caminho a percorrer.
Palavras-chave: História da Estatística. Métodos Estatísticos. Censos Demográficos.

Abstract
This work is part of a doctorate wider research, that has as objective to elaborate a historical trajectory, social political and economic of the
first brazilians demographics censuses, started in XIX century. As theoretical we use authors as Bloch, Le Goff, Ginzburg, De Certeau, that
make us to reflect, on the historical method, from statistics history analysis as science, searching to examine statistical tools that have been
used in the accomplishment of these censuses. The sources, found in archives, books, articles, theses or others in general, are being tracked
for produced form that the subject is surrounded and analyses. The methodology used is a historical, bibliographical research and
documentary. In the Renaissance, we historically observe the wakening of a bigger interest for the collection of statistical data, mainly for its
applications in public administration. The Biometric School was born in England in late XIX century, in one of the greatest formative periods
of statistics history, stimulating study of statistics and the development of statistics methods. In this exactly century, the Census Law was
instituted in Brazil Empire in 1870. We are going to focus, in more specific way, the first general census of population (1872) which was
directed by José Maria da Silva Paranhos, known as Viscount of Rio Branco. This general census was complex because the geographical
extent, dispersion of population, limited communication conditions and practical lack or experience. The statistics ideas and methods have
been developed throughout history, as society revealed interested in collecting and using various applications datas. Due the great necessity

1
Doutoranda PPGE/CE/UFES. E-mail: mwpoubel@terra.com.br
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statistics use, each bigger time, become important to deepen knowledges of its history and to examine cultural consequences of it for
development statistics in Brazil and, we have still a long way to go.
Keywords: Statistics History. Statistical Methods. Demographics Censuses.

Introdução
O desejo dos políticos, governantes e parlamentares brasileiros e portugueses, por
estatísticas marca a importância do campo da Estatística a partir da segunda metade do século
XVII. Estas solicitações têm como argumento a divulgação da nação, suas riquezas e seus
registros administrativos, extremamente valorizados nas argumentações políticas, servindo
aos governos nas suas ações diretas e indiretas, revelando tecnologia e poder (SENRA, 2006,
p. 63).
Mesmo nos anos iniciais do Brasil Colônia podemos encontrar um começo de
levantamentos estatísticos. Os primeiros dados que se tem notícia são de 1585, quando o
Padre José de Anchieta registrou os habitantes de algumas capitanias, e em outras apenas o
número de habitações. As contagens iniciais eram realizadas, via domínio religioso, pelas
autoridades eclesiásticas, nas áreas de sua atuação, em obediência às ordens de Portugal. Para
estas contagens eram elaboradas listas de frequentadores de uma paróquia ou de católicos que
comungavam, sendo que estas listas não incluíam as crianças. (GONÇALVES, 1995).
Nos séculos seguintes, XVII e XVIII, esses tipos de registros continuaram
acontecendo. No entanto, no início do século XIX, com o marco da fundação do positivismo
pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), surgiram ações mais determinadas na
construção do saber estatístico e de um sistema de registro estatístico no país, uma vez que o
positivismo defende a ideia da cientificidade dos registros e dados numéricos, considerando o
quantitativo um subsídio definidor da certeza do conhecimento científico. Esta tarefa não foi
fácil e nem imediata, mas construída lentamente e, até mesmo, várias ações armadas do povo
foram travadas em repúdio aos registros (SENRA, 2006). Para os positivistas o progresso da
humanidade depende única e exclusivamente dos avanços científicos, que são evidenciados
historicamente. Por isso, mesmo sem qualquer pretensão de uma defesa ao positivismo,
concordamos com a afirmativa de Comte sobre a importância do conhecimento histórico:
“Não se conhece completamente uma ciência, a menos que se saiba sua história”.
Nesse sentido fomos instigados a refletir e investigar como e para que foram
realizados os primeiros levantamentos estatísticos brasileiros, e que tipos de fundamentos
matemáticos e estatísticos foram utilizados. No entanto, devido a limitação deste trabalho, o
objetivo específico é, nesta oportunidade, elaborar um estudo analítico inicial da trajetória
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histórica, sócio-política e econômica do primeiro censo demográfico brasileiro, que foi


realizado na época do Brasil já independente de Portugal, em 1872.
Por referenciais teóricos escolhemos centrar em ideias dos autores Bloch, Le Goff,
Ginzburg e De Certeau para a construção e reflexão de uma análise histórica epistemológica,
articulando a história da estatística como ciência e a realização desse referido censo.
Como a história estuda as origens do homem, de uma sociedade, de um
acontecimento, esse estudo geralmente engloba a análise de documentos, e/ou de
testemunhos, que devem ser analisados de uma forma mais criteriosa, não somente pelo que
está escrito e sim devem ser tratados segundo Bloch como vestígios. Os documentos não
falam por si, devem ser interrogados para obtermos informações adequadas e interpretá-las,
mesmo que possamos não concordar com as respostas obtidas. O historiador muito
frequentemente faz recortes para as suas análises utilizando-se de variados aspectos e
metodologias. Colocando-nos como historiadores, seremos investigadores em busca da
“verdade”. Bloch coloca como base na história a verdade, a moral e a ética. Compreender e
não julgar é o objetivo da análise histórica pela qual começa o verdadeiro trabalho do
historiador, depois da observação e da crítica histórica. Ele considera que nada é mais
legítimo e salutar do que centrar o estudo de uma sociedade em um de seus aspectos
particulares, ou em um dos problemas precisos que levantam certos aspectos como: crença,
economia, estrutura das classes ou dos grupos, crises políticas.
Para Bloch documentos são vestígios, que não falam senão quando se sabe interrogá-
los. O passado é uma “estrutura em progresso”, contrapondo-se à visão do passado como um
dado rígido e inalterado. A pergunta que fazemos ao pesquisar é que condiciona a análise.
Boas perguntas fazem com que os campos de conhecimentos se ampliem, indicando
direcionamentos. De modo geral, os documentos referentes aos censos estão sendo analisados
considerando possíveis variáveis envolvidas no contexto de sua produção, tais como: cultura,
produção, consumo, exportação, e principalmente população relacionada com o sexo, idade,
cor, estado civil, naturalidade, nacionalidade, residência, grau de instrução primária, religião,
enfermidades aparentes. As fontes, encontradas em arquivos, livros, artigos, teses ou outras
em geral, são rastreadas de forma que esses envolvimentos sejam vasculhados.
Uma síntese histórica da Estatística
Não é tarefa fácil saber quando se originou a história de qualquer ramo do
conhecimento. A ideia deve ser de compreender criticamente as matrizes de constituição do
objeto da pesquisa no tempo. No caso da constituição histórica da ciência estatística algumas
matrizes iniciais são importantes de serem destacadas. Ainda nos dias atuais, a concepção
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popular restringe a estatística a dados numéricos apresentados em tabelas e/ou gráficos,


considerando: “A Estatística constitui a ciência dos dados” (MOORE, 2000, p. 8). No
entanto, existem definições que se diferem desta, onde a Estatística é constituída por um
sistema complexo de técnicas ou ferramentas para o tratamento e análise de informações, em
função de uma variedade de causas. Assim sendo, a estatística é atualmente uma ferramenta
poderosa para qualquer profissional que necessita analisar informações em sua tomada de
decisões diárias, no seu trabalho ou na sua vida pessoal (MEMÓRIA, 2004).
Apesar da Estatística ser considerada uma área de pesquisa relativamente recente, a
utilização de estatísticas remonta há muitos anos antes de Cristo, quando as necessidades do
conhecimento numérico começaram a surgir. No Egito antigo, os faraós fizeram uso
sistemático de informações de caráter estatístico, como por exemplo, os registros egípcios de
presos de guerra na data de 5.000 a.C., e registros da falta de mão-de-obra relacionada a
construção de pirâmides em 3.000 a.C. Na China em 2.238 a.C., o imperador Yao, ordenou o
primeiro recenseamento com fins agrícolas e comerciais (BAYER et al., 2009). De registros
estatísticos se utilizaram também as civilizações pré-colombianas dos maias, astecas e incas,
conforme pesquisas arqueológicas (MEMÓRIA, 2004). Já os romanos registravam, por
exemplo, os nascimentos e as mortes com o objetivo de taxação e cobrança de impostos,
como também para o censo do número de homens aptos a guerrear (LOPES e MEIRELES,
2005). Contar e recensear, ao longo da História, configura-se como uma preocupação e
interesse face ao desenvolvimento econômico.
Com o avanço das necessidades estatísticas havia também o interesse na estruturação
do seu aprendizado. O ensino da Estatística, como estudo da ciência do Estado, começou em
1660 na Alemanha. Entretanto, somente entre 1748 e 1749, coube ao professor alemão
Gottfried Achenwall (1719-1772) da Universidade de Göttingen, o registro em seu livro
“Introdução à Ciência Política” da palavra alemã statistik, que vem de status (LOPES e
MEIRELES, 2005, p.2). Os alemães ampliaram os estudos com melhor sistematização e
definição da orientação descritiva da estatística. Devido ao rigor científico vindo com o
Renascimento, em meados do século XVII foi despertada uma maior influência pela coleta de
dados estatísticos, principalmente por suas aplicações na administração pública.
Nos séculos XVII e XVIII aumentou o interesse em obter medidas mais precisas de
pesos, distâncias e outras grandezas físicas, devido também ao desenvolvimento das ciências
físicas. Os astrônomos e os topógrafos tinham que lidar com as variações em suas medidas.
Para analisar medidas científicas criaram-se métodos estatísticos importantes, tais como a
análise descritiva dos dados, através de tabelas, gráficos e cálculos de medidas estatísticas.
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Durante o século XIX, as ciências agrárias, humanas e comportamentais também se


basearam em fundamentos estatísticos para resolver questões de natureza e interesses
variados, tais como: Qual a relação entre as alturas de pais e filhos? Uma nova variedade de
trigo produz melhores safras do que a antiga? É possível medir a capacidade mental e o
comportamento de uma pessoa da mesma forma que se mede a altura e o tempo de reação? “A
hereditariedade dos talentos, analisando famílias notáveis, é um mito?” (BARRETO, 1999,
p.39). Os métodos efetivos para tratar tais problemas desenvolveram-se lentamente ao longo
dos séculos XIX e XX.
A Escola Biométrica nasceu na Inglaterra no final do século XIX, tendo por objetivo
impulsionar o estudo da estatística e o desenvolvimento de métodos, tornando-se um dos
grandes e densos períodos na constituição da história da Estatística.
Os primeiros censos brasileiros
Ao concentrarmos, de modo mais específico, em levantamentos históricos referentes à
estatística no Brasil Colônia, tem-se o registro de uma carta régia, datada de 8 de julho de
1800, em que o rei D. João VI solicita ao vice-rei do Estado do Brasil que seja feita a remessa
para o reino de Portugal de dados estatísticos relativos à cultura, produção, consumo,
exportação, e principalmente população.
Em 1969 foi encontrada no Arquivo Nacional a obra intitulada: “Um recenseamento
na capitania de Minas Gerais: Vila Rica, 1804” (SENRA, 2006). Obra de grande importância
estatística organizada por Herculano Gomes Mathias, onde são apresentadas as atividades
estatísticas portuguesas, na antiga colônia. Os resultados apresentados tinham o formato de
registros administrativos, feitos através de “listas de habitantes” ou “listas de famílias”. O
indicado motivo do censo foi a identificação das pessoas para a arrecadação de impostos
destinados às despesas de Portugal durante os primeiros anos do século XIX. As contribuições
eram em geral de acordo com o número de escravos que cada um possuía. As instruções para
este censo foram do Ouvidor Geral da Comarca, apoiado pelo Governador da Capitania. O
levantamento esteve a cargo dos Capitães de Distritos, diretamente subordinados ao Capitão-
Mor de Vila Rica. Dentre os resultados foram identificadas as diversas profissões, a faixa
etária dominante entre 10 e 20 anos, e o equilíbrio entre os sexos.
Com a vinda de D. João VI e da corte portuguesa para o Brasil em 1808, o Ministro
dos Negócios da Guerra, Dom Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares,
determinou a primeira contagem da população para fins militares, com informações relativas
ao exército, milícias, ordenanças, etc. Há suspeitas de que a contagem foi aumentada, pois em
1810 os números foram os mesmos encontrados por Humboldt.
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Com a elevação da Colônia à categoria de Reino, um outro levantamento


populacional foi aprovado pela Resolução de 24 de junho de 1818, efetuado pelo conselheiro
Antônio Rodrigues Velloso de Oliveira. Este foi considerado o primeiro levantamento digno
de crédito. Outras tentativas seguintes foram realizadas, visando à contagem global da
população, mas não tiveram sucesso.
Em 1850 a Assembléia Geral, atendendo ao Governo Imperial, autoriza a realização
do primeiro censo geral do país. O governo sente a necessidade de informações dos
Presidentes das Províncias sobre o estado da instrução pública, da agricultura, mineração,
indústria e comércio. Tal interesse acarreta duas medidas do governo imperial: Decreto nº 797
para execução do regulamento para a organização do censo geral do Império; e Decreto nº
798 para execução do regulamento do registro dos nascimentos e óbitos. Com estes decretos o
regulamento do censo dava como data de referência para realização deste, 15 de julho de
1852; entretanto este censo não aconteceu. O povo organizou uma revolta armada contra o
Registro de Nascimentos e Óbitos, pois tinha motivos, principalmente relativos ao contexto
social de opressão da escravatura, para acreditar que aqueles decretos pretendiam escravizar
os homens pobres livres e reescravizar escravos libertos. O próprio censo, sendo um registro,
acabou sendo recusado. Mas, ressalva seja feita, a reação popular foi contra os registros, não
propriamente contra o censo geral. O Decreto nº 907 de 29 de janeiro de 1852 suspendeu o
decreto do censo geral e o decreto do registro dos nascimentos e óbitos. Com essa suspensão,
somente após 20 anos, em 1872, foi realizado o primeiro censo geral.
A partir da metade do século XIX, começou a ocorrer um movimento internacional no
campo da Estatística. A criação da Sociedade Estatística do Brasil foi aprovada em 16 de
junho de 1854, em sessão presidida por Miguel Calmon Du Pin e Almeida (1796-1865),
futuro Marquês de Abrantes. Nos estatutos dessa sociedade constavam os objetivos de coletar,
sistematizar e publicar os fatos que constituiriam a estatística geral do Império; estabelecer
filiais nas Províncias; promover nas Províncias o ensino da economia política e da estatística;
e publicar trimestralmente uma revista. Pouco ou quase nada tem-se como resultados das
atividades propostas para essa sociedade. Provavelmente faltou estrutura para o sucesso da
mesma, ou seja, faltou uma comunidade científica empenhada no saber fazer, e não somente
em discursar a necessidade das estatísticas.
Em 1855 foram realizados dois congressos internacionais: o 1º Congresso
Internacional de Estatística foi realizado na Bélgica, e o segundo foi realizado em Paris.
Seguindo esses movimentos internacionais, o Brasil dá um passo à frente e, neste mesmo ano,
em 1855, começa a funcionar a Sociedade Estatística do Brasil, sob a proteção do Imperador
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D. Pedro II, com o objetivo de elaborar a estatística geral do Império. Isso ocorre antes
mesmo, por exemplo, de ter sido criada na França, em 1860, a Societé Stastitique de Paris.
Apesar da orientação do Imperador da retomada da realização do censo geral
brasileiro, que havia sido cancelado dois anos antes, ele não se realizou neste ano de 1855
devido a questões políticas e econômicas. Sem o censo, as estatísticas populacionais eram
feitas através de registros administrativos sobre instrução, justiça, e saúde, de forma incorreta,
sem método e com grande dificuldade, porque eram realizados por iniciativas pessoais e
eventuais. Estes registros também não eram realizados de forma contínua e sistemática.
Finalmente em 1863, a implementação do campo da estatística traduziu-se também em
termos acadêmicos, com a criação, na Escola Central, da cadeira de “Economia Política,
Estatística e Princípios de Direito Administrativo”, lecionada por José Maria da Silva
Paranhos, futuro Visconde do Rio Branco, e autor do programa desta disciplina. As bases
acadêmicas vinham da França, tendo sido adotado o livro “Élements de Statistique” de
Moreau de Jonnés.
Crescia a demanda por registros de aspectos da realidade do país, principalmente para
evidenciar externamente as referências políticas, culturais, sociais e econômicas. Mesmo antes
do 1º Censo Geral (1872) foram obtidas estatísticas através de produções independentes por
solicitações do Governo Imperial, envolvendo pessoalmente o Imperador D. Pedro II – grande
interessado e participante em todos os assuntos relacionados com a ciência, a tecnologia e a
educação. Dessas produções independentes foram obtidos importantes indicadores
econômicos, políticos e culturais, apresentados em Exposições Internacionais, quase sempre
precedidas de Exposições Nacionais, em que o Império do Brasil fez-se representar desde os
primeiros eventos: 1862 (Londres), 1867 (Paris), 1873 (Viena), 1876 (Filadélfia) e 1889
(Paris). As estatísticas eram expostas em tabelas, gráficos e cartogramas. Nessas exposições
as nações distantes eram oficialmente reveladas através das suas estatísticas.
Em 1862 foi apresentado o relatório “Bases apresentadas para a organização da
estatística geral do Império” elaborado por José Cândido Gomes. Nesse relatório não fica
claro se foi uma iniciativa pessoal ou um encargo para a formulação das bases do serviço
estatístico no Império. O relatório apresenta boa visão da vida nacional relacionada à
existência das estatísticas, evidencia conhecimento cultural do autor e mostra consciência das
dificuldades nas condições das estatísticas brasileiras. Contudo, simplifica resultados devido à
falta de prática e vivência relacionadas à apresentação e interpretação das estatísticas
realizadas, não tendo obtido grandes efeitos naquela época.
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Em 9 de setembro de 1870, por iniciativa de Joaquim José Rodrigues Torres, o


Visconde de Itaboraí, foi elaborada e aprovada a Lei nº 1.829, que previa a criação da
Diretoria Geral de Estatística (DGE), com sede na capital do Império, com a função de
coordenação da atividade censitária de toda a população do Império e de organização e
elaboração das estatísticas das repartições públicas (Lei do Censo). Criada pelo Decreto nº
4.676 de 14 de janeiro de 1871, começa a funcionar em 1º de março de 1871, sendo assim a
primeira instituição brasileira de estatística, de caráter público e nacional.
Todas as ocorrências do domínio da estatística das províncias deveriam ser remetidas
à DGE. A lei de criação da DGE previa a possibilidade dessa diretoria anexar-se ao Arquivo
Público, existente desde 1838.
Os trabalhos de estatística pela DGE foram divididos em quatro grandes classes: 1a)
todos os dados estatísticos que se referem à população; 2a) todos os dados que se referem ao
território; 3a) todos os dados relativos ao estado político, intelectual e moral; 4a) todos os
dados relativos ao estado agrícola, industrial e comercial.
A DGE deveria estabelecer os conceitos e as definições para a realização do censo
geral de 1872, utilizando como base a legislação anterior elaborada para a realização do
Censo de 1852, as experiências de outros países e dos Congressos Internacionais de
Estatística. Durante sua existência (8 anos e nove meses) os relatórios com as atividades
estatísticas realizadas no censo geral eram enviados aos Ministros dos Negócios do Império,
sendo produzidos ao todo seis relatórios. Após isso, com redução de seu quadro de
funcionários, passou a funcionar como Seção de Estatística no Ministério dos Negócios do
Império, pela Lei nº 2.940 de 31 de outubro de 1879, e o Decreto nº 8.341 de 17 de dezembro
de 1881.
Joaquim Norberto de Souza e Silva, funcionário do Ministério de Negócios do
Império e futuro presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, elaborou em 1870
um importante documento estatístico – “Investigações sobre os recenseamentos da população
geral do Império e de cada província de per si tentados desde os tempos coloniais até hoje”.
Abre este relatório com a citação do pensador português Adrião Pereira Forjaz de Sampaio:
“A estatística é a luz do legislador, do ministro de Estado e do diplomata; a prova e
comentário de toda a história, e o único fundamento seguro dos cálculos do porvir”, na qual
nota-se a importância considerada para a estatística. Segundo Souza e Silva, ocorreram alguns
pequenos censos específicos na Corte para a contagem da população.
Em reunião do gabinete presidido por José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do
Rio Branco, foi aprovado o Decreto nº 4.856 de 30 de dezembro de 1871, que previa no Art.
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1º a realização do censo populacional de todo o Império no dia 1º de agosto de 1872, dele


constando o regulamento, os conceitos e definições à realização deste censo. Como
primeiras medidas para um aprendizado dessa tarefa de realização do censo geral, o Ministro
dos Negócios do Império – Paulino José Soares de Souza – convoca seu funcionário, Souza e
Silva, para em 1870 avaliar o estado das estatísticas populacionais e realizar um censo
somente na Corte.
Finalmente, em 1872 foi realizado o 1º censo geral do país. Várias dificuldades podem
ser destacadas, entre elas: a dispersão geográfica da população, condições limitadas de
comunicação e a falta de prática ou experiência com processos censitários. Mas, mesmo com
muitas dificuldades este censo foi visto como bom, considerado de valor até hoje.
Todo o processo do 1º censo foi descrito no Decreto nº 4.856. O instrumento básico de
coleta foram listas de família, com registros de nome, sexo, idade, cor, estado civil,
naturalidade, nacionalidade, residência, grau de instrução primária, religião e enfermidades.
Mas, nem todos foram computados. Por exemplo, em junho de 2000 Tarcísio Botelho
encontrou uma dada lista de família preenchida e assinada, desse censo, que não foi entregue
(SENRA, 2006, p. 360). Nesta lista há o local para o registro do nome da província, do
município, da paróquia, nome do quarteirão, do lugar (proximidades), da rua e o número da
casa. A ficha era intitulada “Recenseamento Geral do Império em 1872”.
A população foi definida como “todos os habitantes do Império, nacionais e
estrangeiros, livres e escravos, residentes no local (habitação) em que se acharem no referido
dia”, sendo os ausentes temporários anotados em seu lugar de residência habitual. A
investigação foi determinada através de “boletins ou listas de família”, anotando-se para cada
pessoa da habitação, o nome, sexo, idade, cor, estado civil, naturalidade, nacionalidade,
residência, grau de instrução primária, religião, enfermidades aparentes, relação de parentesco
com o chefe da família, e se as crianças de 6 a 15 anos frequentavam ou não a escola.
Considerava uma família, “a pessoa livre que vive só e por ela em uma habitação ou parte de
habitação, ou um certo número de pessoas que, em razão de relações de parentesco, de
subordinação ou de simples dependência, vivem em uma habitação ou parte de habitação, sob
o poder, a direção ou a proteção de um chefe, dono ou locatário da habitação e com economia
comum”. O formulário de coleta devia ser claro e auto explicativo, com instruções visíveis e
simples, de fácil leitura e apreensão. Para a execução dos trabalhos haveria em cada paróquia
do Império uma comissão censitária composta de cinco cidadãos residentes na paróquia,
conhecedores dos habitantes dela, um certo número de agentes recenseadores, e até três
colaboradores burocráticos. Todas as autoridades e funcionários públicos eram obrigados a
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aceitar os encargos atribuídos, sob pena de multa e punições disciplinares. Às comissões


censitárias competia dividir o território da paróquia em um número de seções indispensáveis
para as operações do recenseamento, compensando a falta dos mapas territoriais com fins
estatísticos. A cada agente recenseador incumbia distribuir aos domicílios, 15 dias antes ao
designado para o recenseamento, os boletins ou listas de família, recolhendo-os nos 10 dias
posteriores ao designado para o recenseamento, devendo entregá-los à comissão censitária até
15 dias depois do designado para o recenseamento, totalizando 30 dias de trabalho de campo.
A lista ou boletim de família era preenchida pelo chefe de família ou pela pessoa responsável
pelas informações daquele domicílio, ou mesmo pelo agente censitário no caso de não ter no
domicílio uma pessoa que soubesse ler e escrever, ou mesmo que não quisesse preenchê-la,
mas que prestasse as informações.
A apuração foi realizada e centralizada pela DGE, fornecendo o número de pessoas
residentes no Império, divididos por províncias, municípios e paróquias: 1° em relação às
raças, 2° às nacionalidades, 3° aos sexos, 4° às idades, 5° ao estado civil, 6° às profissões, 7°
ao domicílio, 8° às residências ou famílias, 9° à condição social, 10° à religião, 11° à
imigração e à emigração, 12° às naturalizações, 13° aos nascimentos, 14° aos casamentos e
divórcios, 15° à mortalidade. O 5º relatório da Diretoria Geral de Estatística em dezembro de
1876, sobre o ano anterior e parte de 1876, declara a conclusão do 1º censo geral, com uma
síntese dos principais resultados em 10 seções temáticas.
Sob o gabinete presidido por Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o Censo
Geral do Império estava concluído e os resultados divulgados em 23 volumes contendo 8.546
tabelas; no ano de 1876, embora fosse um trabalho iniciado em 1871. No volume síntese
constam 7 quadros para todo o país, com indicação da Província e Município Neutro
(SENRA, 2006, p. 368). Toda a nação é apresentada em números, dados estes nunca obtidos
anteriormente.
Como síntese analítica podemos ressaltar que, desde o século XIX, a crescente
importância e a necessidade das estatísticas não podem ser questionadas, porém as condições
para elaborá-las no final do Império foram frágeis, faltava a consolidação de um método,
inclusive para a produção dos censos.
Referências bibliográficas
BARRETO, A. R. Uma Abordagem Histórica do Desenvolvimento da Estatística no Estado
de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e
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