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Sumário

Sumário.................................................................................................................. 1
donato, V. , Quem são eles?: Relações de trabalho e cotidiano de varredores do
município de São Paulo. Relatório de estágio da disciplina de Psicologia do
Trabalho: São Paulo, Universidade Cruzeiro do Sul, 2009......................................2
________________________________________________________________________...........2
RESUMO.............................................................................................................. 2
QUEM SÃO ELES?....................................................................................................3
MÉTODO................................................................................................................. 4
DISCUSSÃO DO ENRREDO......................................................................................5
O Ensaio.............................................................................................................. 5
A Estréia.............................................................................................................. 7
1° Ato ‘ São Eles que mandam’ (Opressão e Passividade)..................................7
2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” (Preconceito)......................................12
Bastidores......................................................................................................... 17
“ Uma vida muito sofrida”................................................................................18
“ O pior trabalho do mundo”............................................................................19
CENÁRIO FINAL.....................................................................................................20

............................................................................................................................. 21
ANEXO – DIÁRIO DE CAMPO.................................................................................22

1
DONATO,V. , Quem são eles?: Relações de trabalho e cotidiano de varredores do município de
São Paulo. Relatório de estágio da disciplina de Psicologia do Trabalho: São Paulo,
Universidade Cruzeiro do Sul, 2009

________________________________________________________________________

RESUMO

O presente trabalho tem como intuito apresentar o cotidiano e as relações de trabalho


sob a perspectiva dos Varredores do município de São Paulo. A atividade exercida por estes
trabalhadores tem grande importância para a higiene e o cuidado de nossa cidade, porém
existe uma carga preconceituosa relacionada à atividade e aos próprios varredores.

Para compreensão das relações de trabalho, do comportamento, do cotidiano e da


identidade profissional dos varredores foram realizadas conversas espontâneas através de
encontros situados em ruas e avenidas do município de São Paulo.

À partir dos encontros e do acompanhamento das atividades diárias foi possível


perceber as condições precárias de trabalho ao qual estes trabalhadores estão submetidos,
expostos às condições climáticas e nem sempre devidamente protegidos.

Foram também percebidos traços de opressão e submissão, aqui compreendidos como


conseqüências da humilhação social advinda da desigualdade das classes, do preconceito que
encontra vias para se expressar através do uniforme, pois este se torna uma marca, uma
identificação de homens e mulheres que lidam diretamente com o lixo, a sujeira e indicam a
pouca especialização de sua atividade, tornando assim, falseada a realidade e a opinião sobre
esses trabalhadores.

Palavras Chaves: Varredores; Psicologia do Trabalho; Preconceito; Uniforme; Submissão;


Humilhação Social.

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QUEM SÃO ELES?

O presente trabalho1 tem como intuito apresentar aspectos relacionados ao trabalho


profissional de varredores da limpeza urbana do Município de São Paulo. Em especial o
Município de São Paula terceiriza esse trabalho, ficando o serviço de limpeza pública a cargo
de empresas credenciadas.
O interesse por essa categoria de trabalhadores surgiu após uma palestra da qual
participei ministrada por Fernando Braga da Costa, Doutor em Psicologia Social, que
apresentava sua vivência como varredor e a realidade destes trabalhadores. O tema central de
seu trabalho apresentava questões relacionadas à Invisibilidade Social e Humilhação Social
advindas da atividade de varredor.
A partir dessas duas questões apresentadas, a Invisibilidade Social, definida por
Fernando Braga em seu livro Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação Social como
“(...) uma espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens.”
pg. 57 e a Humilhação Social como “(...) expressão da desigualdade política, indicando
exclusão intersubjetiva de uma classe inteira de homens do âmbito público da iniciativa e da
palavra.” pg. 63
Senti-me então motivada a questionar ‘aos olhos de quem’ estes trabalhadores se
tornam invisíveis e se de fato vivem essa invisibilidade.

Carlos Prado – Varredores – 1935

1
Estágio didático apresentado á disciplina de Psicologia do Trabalho supervisionado por
Egeu Esteves que visa atender as exigências da formação do curso de Psicologia da
Universidade Cruzeiro do Sul.
3
O surgimento do termo gari, provém do nome de Pedro Aleixo Gari. Durante o
Império, ele assinou o primeiro contrato de limpeza urbana no Brasil. Aleixo costumava
reunir, no Rio de Janeiro, funcionários para limpar as ruas após a passagem de cavalos. Os
cariocas, que se acostumaram com esse trabalho, sempre mandavam chamar a “turma do
gari”. Aos poucos e de tanto repetir, a população associou o sobrenome de Aleixo Gari aos
funcionários que cuidam da limpeza das ruas , meio–fio , praças, parques e vias públicas.
Hoje o termo utilizado para designar a atividade é “Varredor”, durante a pesquisa
tomei conhecimento que tal mudança surgiu, segundo um dos Fiscais dos Varredores, com o
intuito de minimizar o impacto e a carga “preconceituosa” que o antigo termo trazia.

O Varredor trabalha com uma vassoura especial, cuidando da higiene e recolhendo os


detritos que a cidade produz diariamente e não trata. Esse profissional é muito importante
dentro da sociedade, pois é o varredor quem faz com que o lixo não se acumule nas ruas e nos
bueiros, evitando enchentes e a proliferação de bichos e doenças.
Porém, tal importância é desvalorizada segundo destaca Ricardo2, Fiscal que
acompanha e coordena o trabalho de algumas duplas de Varredores, que além da
desvalorização do trabalho em si faz referência à invisibilidade pública que acredita assolar os
trabalhadores. “É o tipo de trabalho que todos precisam, mas que ninguém reconhece,
imagine como seria a cidade se não tivessem esses trabalhadores? Mas as pessoas nem
percebem que eles estão ali.” ( Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

MÉTODO

Para compreensão das relações de trabalho, do comportamento, do cotidiano e da


identidade profissional dos participantes foram utilizados procedimentos dos quais Spink
(2008) definiu em seu artigo o pesquisador conversador no cotidiano como: “(...) conversas
espontâneas em encontros situados.” pg. 72. Tal procedimento nada mais é que a
aproximação do pesquisador de seu objeto através de encontros, conversas e troca de
experiências que possibilitam o ‘estar junto’ compartilhando o cotidiano comum.
Após investigação sobre a estruturação do trabalho de Limpeza Urbana em artigos,
documentos e diálogo com funcionários da Subprefeitura, foi possível compreender as
subdivisões e responsabilidades.

2
Todos os nomes citados são fictícios para preservar a identidade dos trabalhadores
4
O passo seguinte foi o contato com um funcionário da empresa credenciada que é o
responsável pela fiscalização do trabalho de varrição de domínio da Subprefeitura em questão.
Deste contato surgiu a oportunidade de visitar o alojamento dos varredores possibilitando uma
aproximação dos trabalhadores.
Do período de Março á Junho de 2009 foram realizados nove encontros com os
trabalhadores, conversas e acompanhamento das atividades diárias de trabalho.
Os encontros aconteceram nas ruas pertencentes aos setores de cada dupla.
Primeiramente observava à distância, logo em seguida me aproximava e estabelecia o
primeiro contato.
Durante o período da pesquisa acompanhei o trabalho de três duplas de varredores,
duas mistas (homem e mulher) e uma formada apenas por homens. Destas três duplas
aprofundei o vínculo com uma das mista. Conversei também com um outro varredor da
Subprefeitura, com dois Fiscais de duas Subprefeitura do Município de São Paulo e com um
Vigia de Rua.
Todas as informações, observações e trechos das falas dos trabalhadores foram
registradas em diário de campo.

DISCUSSÃO DO ENRREDO

Acompanhando os varredores em parte de seus trajetos, conversando, observando as


relações entre eles, deles com as outras pessoas e deles com o processo de trabalho, foi
possível identificar características destes trabalhadores e seus traços identitários comuns.

O Ensaio

Visitei o alojamento dos varredores, mais parecido com uma grande garagem ou
depósito rústico, pois os ônibus que levam os trabalhadores até seus setores e os trazem de
volta estavam estacionados junto com os caminhões das equipes de trabalhadores da
carpinagem, trabalhadores que cuidam da limpeza de praças e retirada de entulhos, Ricardo,
Fiscal que me acompanhava, explicou que estes trabalhadores depois são promovidos à
Varredores.
Neste 1° dia cheguei bem cedo, antes dos Varredores saírem para seus percursos, por
volta das 6h40 da manhã. Muitos estavam do lado de fora do alojamento, sentados no chão
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tomando seu café da manhã - pão e leite com café- comprados no bar logo em frente.
Acompanhada pelo Fiscal, a sala em que os Varredores ‘batem o ponto’. Ricardo aproveitou
para me mostrar um dos Holerites dos Varredores.
Conheci o vestiário, sala de equipamentos e ferramentas. Circulei entre os varredores
conversando com algumas duplas.
Através deste primeiro encontro foi possível colher informações em relação à
organização do trabalho, divisão dos setores de varrição e trajetos percorridos pelas duplas.
Ao conversar com Mário, ele demonstrou claramente sua insatisfação em relação aos trajetos,
sobretudo aos pontos em que deve deixar os sacos de lixo, pontos estratégicos para a coleta
dos caminhões, mas que não levam em conta as dificuldades dos varredores em carregar por
longas distâncias os sacos de lixo.
Mário retirou do bolso um pedaço de papel amassado, era um mapa onde estava
marcado com canetinha as ruas que deveria percorrer naquele dia. “Tá vendo aqui?! São 25
ruas e só posso deixar os sacos em dois pontos, a gente tem que andar muito carregando
peso.” (Mário, Diário de Campo, 25/03/09).
Mário comentou que os moradores reclamam quando eles deixam o saco de lixo em
frente às suas casas, seu companheiro, Júlio, aproveita a conversa sobre o saco de lixo para
enfatizar a relação com os moradores.
A gente agüenta muito na rua, as pessoas não tem
educação, querem que a gente barra a calçada, mas a gente
não pode é, só o meio-fio, chama a gente de preguiçoso, tem
varredor que acaba xingando também, mas eu finjo que não
escuto, prefiro terminar logo o serviço. (Júlio, Diário de Campo,
25/03/09)
Este é o comportamento que Júlio afirma assumir diante das dificuldades que encontra
com os moradores, porém Ricardo, o Fiscal que me acompanhou durante a visita, comentou
que existem muitos outros problemas de relacionamento entre varredores e moradores, por ele
chamado de ‘contribuintes’, Ricardo justifica:
Eles ganham pouco, como você viu, ai têm problemas
familiares, alguns chegam bêbados para trabalhar, ou então
voltam bêbados para cá, é muito complicado. Eu procuro
conversar sempre com eles, mas é difícil, eu nunca vi aqui, mas
a gente sabe também que tem problemas com drogas. Quando

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estão bêbados eu geralmente suspendo eles, como falei pra
você, é uma vida muito sofrida.
Alguns são muito fechados, não gostam mesmo de
conversar, outros já são mais agressivos, arrumam confusão na
rua.
(Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

Ricardo comentou que estes problemas se estendem até mesmo para a relação entre
eles, segundo conta, arrumam confusão entre si, motivo pelo qual, deixa a critério dos
próprios varredores a escolha do parceiro. “Existem problemas de relacionamento entre eles,
o convívio é difícil, muitos são mal humorados, calados, eu sou muito amigo deles, faço o que
posso, lidar com pessoas não é fácil.” (Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)

A Estréia

A partir dessa experiência prévia no alojamento a próxima etapa foi aprofundar a


relação com os varredores, vivenciar com eles seu cotidiano de trabalho, observar o
desenvolvimento da atividade, suas dificuldades, a relação entre eles e com os moradores,
comerciantes e transeuntes, presenciar atitudes, ouvir seus relatos e percepções sobre o
trabalho e sobre a própria identidade profissional.

1° Ato ‘ São Eles que mandam’ (Opressão e Passividade)

A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a


partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres
conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua
submissão. Os pobres sofrem freqüentemente o impacto dos maus
tratos. Psicologicamente, sofrem continuamente o impacto de uma
mensagem estranha, misteriosa: "vocês são inferiores". (Gonçalves
Filho, 1998, pg.25)

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O contato com a 1° Dupla, Joana e Almir, se deu de maneira peculiar, eu estava dentro
do ônibus e os vi depositando um saco de lixo na calçada de uma movimentada Avenida,
percebi neste instante a oportunidade de um encontro. Desci em um ponto adiante e retornei
até o local que os tinha visto.
Não os encontrei, olhei para todos os lados, perguntei para as pessoas que ali se
encontravam se avistaram uma dupla de varredores, ninguém os havia percebido, percorri
algumas quadras da Avenida e a minha sensação foi que os instantes anteriores não passaram
de ilusão. Desisti.
Os encontrei no mesmo ponto na semana seguinte, Joana varria mais a frente enquanto
Almir recolhia de cabeça baixa os montinhos que ela ia acumulando. Trabalhavam
silenciosos, quando os abordei, cumprimentando-os, levantaram o olhar, retribuíram e ficaram
parados olhando para mim, congelados naquela cena. Apresentei-me e pedi para que
continuassem, seguimos conversando.
Eles me contaram que não partem do Alojamento, que se encontram em um ponto
específico do trajeto em que guardam o carrinho, a vassoura e os materiais e seguem para a
rotina de trabalho. Segundo me contaram, percorrem as mesmas ruas juntos há 10 anos e
trabalham como varredores há mais ou menos 30 anos.
Almir comentou que trabalha na rua desde os 18 anos de idade, começou retirando
entulho das ruas e limpando praças, confessa sua insatisfação em relação à mudança para o
alojamento:
Eu e ela trabalhamos há 10 anos nesse trajeto, pra mim
é muito melhor vir direto, mas eles mandam né?, Não dá pra
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gente reclamar, não posso reclamar de nada, tenho sempre meu
‘dinheirinho’ garantido no final do mês. (Almir, Diário de
Campo, 13/04/09)
Por mais que este trabalhador verbalize sua insatisfação diante da nova organização do
trabalho, demonstra sua passividade diante ‘Deles’, dos que ‘mandam’, a ele cabe apenas
acatar a decisão da empresa, pois não tem voz ou força para lutar contra esta situação, o que
vale é o dinheiro que garanta o sustento no final do mês.
O trabalho faz experimentar de uma forma extenuante o
fenômeno da finalidade devolvida como uma bola; trabalhar para
comer, comer para trabalhar... Se consideramos um dos dois como
um fim, ou ambos separadamente, estamos perdidos. O ciclo contém a
verdade ...
A grande dor do trabalho manual é que somos obrigados a
nos esforçar por longas horas seguidas, simplesmente para existir.
O escravo é aquele a quem não se propõe nenhum bem como
finalidade dos seus cansaços, a não ser a simples existência. Ele deve
então ou ser desapegado ou cair no nível vegetativo. (Weil apud
Gonçalvez Filho, 1998, pg. )
Para solucionar a questão dos trajetos longos, Ricardo comenta que em breve, mais
equipes sairão do Alojamento ao invés de seus próprios pontos fixos, que a quantidade de
varredores aumentaria melhorando a divisão dos setores.
Durante nosso encontro presenciei demonstrações de afeto e coleguismo entre a dupla
e um vigia e cumprimentos amistosos a alguns comerciantes. Em outra oportunidade pude
conversar apenas com esse vigia, o Corinthiano, este revelou que conhece a dupla há três
anos, considera muito a dupla e, em particular, Joana.
Corinthiano, percebe o trabalho da dupla como muito sofrido, os considera tranqüilos
em relação às pessoas e ao trabalho, mas muitas vezes vê que as pessoas os exploram ou os
maltratam, sobretudo os lojistas que abusam do trabalho deles, como afirma, pois sabem que
eles não podem varrer a calçada e mesmo assim pedem “ Eles não têm voz ativa para
enfrentar a situação, sabe, não respondem, abaixam a cabeça e continuam o trabalho deles.”
( Corinthiano, Diário de Campo, 28/04/09)
A afirmação de Corinthiano além de alertar para postura oprimida e submissa dos
varredores, amplia a questão. Não é apenas em relação à empresa contratante que estes
varredores perdem sua voz e força, “Eles”, nas palavras de Almir, “mandam”, posso

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apreender deste fato que a força opressora extende-se também em relação aos contribuintes,
às pessoas em geral.
Sobre isto Gonçalves Filho afirma:
O ambiente político da dominação começa a agir
também nas horas de trégua: age por dentro. Para os
humilhados, a humilhação é golpe ou é frequentemente sentida
como um golpe iminente, sempre a espreitar-lhes, onde quer
que estejam, com quem quer que estejam. (Gonçalves Filho,
2004, pg. 13)
Ainda no Alojamento presenciei uma situação que alerta para a questão da opressão e
passividade, Tadeu estava com a vassoura bem gasta e nada havia reclamado sobre isso, um
de seus principais instrumentos. Ricardo ao verificar a vassoura antes deste varredor seguir
para o trajeto, pede para que ele a troque por uma nova na sala de equipamentos e comenta
comigo. “É muito difícil eles reclamarem alguma coisa, chegar em mim e dizer alguma
coisa, você viu a vassoura do Tadeu? Já estava esgarçada e eu mesmo que tive que pedir
para ele trocar.” ( Ricardo, Diário de Campo, 25/03/09)
Presenciei, em outra oportunidade, como esses trabalhadores são mutilados em sua
liberdade de expressão, o que corrobora para a passividade e submissão, configurando a
opressão ao qual são submetidos.
Avistei a dupla, Osvaldo e Kleber, eles trabalham em uma rua de um bairro de classe
média, me aproximei deles, me apresentei e comentei meu objetivo, ambos pararam o que
estavam fazendo e fizeram questão de conversar. Ambos trabalham como varredor há mais ou
menos sete anos, vindos de atividades pouco especializadas, auxiliar de serviços gerais,
pintor, segurança.
Kleber comentou que gosta do que faz por acreditar que controla seu trabalho e por se
sentir mais livre na rua.
Após pouco tempo de conversa com a dupla um dos Fiscais daquele setor parou com a
moto.
Basicamente, tomou a frente e a voz dos varredores, falando de sua experiência como
fiscal, mas principalmente, expressou o quanto considera o trabalho dos varredores sofrido e
desgastante, como ele orienta seus varredores para saírem daquela situação, como busca
ajudá-los no que for preciso, pois, segundo ele, muitos não conhecem seus direitos.
Eu vejo o trabalho deles, conheço a vida de muito deles,
são na maioria pessoas humildes sem muita instrução, - Claro

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que tem os malandros, esses ai a gente percebe logo-, mas eles
não sabem muito dos direitos que tem... (Rogério, Diário de
Campo, 11/05/09)
Enquanto o Fiscal Rogério falava a dupla apenas ouvia em silêncio, não
argumentavam nem acrescentavam às falas do Fiscal com suas opiniões, em mais um indício
de opressão.
O embotamento das emoções e dos gestos, como afirma Costa (2004) são
conseqüências da sensação da força exercida sobre eles, força esta que os oprime, e as
palavras mesmo que tímidas são dominadas pelo medo, medo da represália ou de humilhações
ainda mais severas.
Rogério fez uma diferenciação entre ele e o Fiscal de outro setor para mostrar o quanto
é preocupado com os varredores, comentou que nesse outro setor o Fiscal ‘marcava em cima’
e não era próximo aos varredores, mas que lá eles:
Realmente merecem, pois não querem nada com nada,
não cumprem os setores todos, faltam sem justificativas, muito
deles tem passagem pela polícia. Fico chateado, mas não posso
fazer nada se a pessoa não quiser ser ajudada. (Rogério, Diário
de Campo, 11/05/09)
Neste encontro surgiram informações referentes ao preconceito em relação à atividade,
porém mais na fala do Fiscal do que na dos próprios Varredores. Rogério afirmou durante
nossa conversa, que o trabalho é desvalorizado, mas que isso se dá pela postura dos próprios
trabalhadores. Ele pensa que os trabalhadores estão em uma situação muito ruim, por isso
incentiva que façam cursos e se especializem, mas acredita que pouco pode fazer por eles,
pois ‘eles não se ajudam’.
Foi possível perceber que, embora mais uma vez o trabalho seja visto pelos fiscais
como sofrido e desgastante, um deles comentou que os Varredores precisam de ajuda, mas
que a maioria deles não estão nem ai para suas dificuldades.
Porém, como o próprio Fiscal impediu que eles se expressassem, ficou a questão:
Será que são ouvidos sobre o quê necessitam? Ou sempre existe alguém dizendo para eles o
que devem ou não necessitar, pensar e agir, antes mesmo que consigam se expressar? Assim
eles mesmos acabariam acreditando que não devem e nem tem o direito para tal.
Como afirma Gonçalves Filho:
A opressão no campo e na cidade refreou os gestos, alienou o
trabalho, impediu a ação e o governo, inibiu o riso e a voz,

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desmoralizou as religiões e as idéias dos oprimidos. Infestou o
sentimento, a imaginação e a lembrança dos pobres por mensagens
senhoriais ou patronais, mensagens de comando e desprezo... a
humilhação social é sofrimento ancestral e repetido. (Gonçalves
Filho, 2004, pg. 13)
À partir do encontro com outra dupla, Jacira e Roberto,desta vez mista, outro indício de
humilhação social pode ser percebido.
“O humilhado atravessa uma situação de impedimento para sua humanidade, uma situação
reconhecível nele mesmo – em seu corpo e gestos, em sua imaginação e em sua voz – e também
reconhecível em seu mundo – em seu trabalho e em seu bairro.” (Gonçalves Filho, 1998, pg. )
Já havia feito contato e conversado com essa dupla em semanas anteriores e tendo os
encontrado na Avenida, no horário do almoço, questionei onde haviam almoçado, Jacira deu a
seguinte resposta “No curralzinho... Não é onde os bichos comem?!” (Jacira, Diário de
Campo, 16/06/09). Tendo em vista que o local indicado pela varredora é a garagem de um
Sacolão de frutas e verduras, observei o local e havia muitos caixotes, lá eles utilizaram
alguns dos caixotes vazios como cadeira e apoio para a marmita e se sentam na calçada bem
em frente ao portão da garagem.
Apesar de os varredores receberem, vale refeição, conforme afirmou o Fiscal Ricardo
na visita ao alojamento e depois confirmado por esta mesma dupla, Jacira afirmou que quando
está com esse parceiro prefere trazer a comida de casa e a marmita fica guardada no fundo do
carrinho, prefere assim, pois economiza os vales para utilizar em outras ocasiões segundo a
necessidade como em uma viagem, passeio aos finais de semana, ou quando o orçamento
aperta.

2° Ato “Se não estudar vai virar Gari” (Preconceito)

Reconquistar o que se perdeu é muito difícil: difícil é o


caminho da volta às coisas, de volta ao mundo da vida pré-categorial
e pré-reflexiva, para reencontrar os fenômenos face a face. Esse
caminho pede um alto grau de tomada de consciência da vida em si
que começa na recusa do estabelecido, na suspensão da validade
mundana. (Ecléa Bosi, 2003, pg. 116)

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Dos pontos destacados e observados durante a pesquisa foi possível verificar algumas
características comuns a esses trabalhadores. Em sua maioria são pessoas oriundas de diversos
tipos de trabalho subalternos, braçais e com pouca especialização.
Rogério relata que os Varredores sentem vergonha de dizer o que fazem, porém em
seu discurso fica claro que esse preconceito está relacionado á sua própria questão, como
quando comenta a dificuldade que enfrentou no começo do relacionamento com sua esposa.
No começo todos diziam para ela, sai dessa, o cara
dirige caminhão de lixo, não tem nada na vida, você é muito
melhor do que ele. Se comigo é assim imagine com eles, eu
ganho 1200 reais, mas hoje em dia você não é você, você é o
que você tem. (Rogério, Diário de Campo, 11/05/09)
No contato com os varredores foi possível perceber que a questão do uniforme está
diretamente ligada ao preconceito que se instala em relação à atividade e que se estende para
os trabalhadores. Pois, como afirma Goffman:
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e
o total de atributos considerados como comuns e naturais para os
membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais
estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade e serem
neles encontradas. (Goffman, 1988, pg. 12)
Quando conheci a dupla Jacira e Roberto, a mulher se mostrou muito extrovertida,
simpática, fez questão de comentar que gosta muito de se atualizar, lendo jornais e revistas.
Tem 42 anos e trabalha há 3 anos como varredora. Sempre foi dona de casa e por conta de
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dificuldades financeiras que sua família estava enfrentando à época decidiu buscar emprego.
Comentou que no início foi difícil se adaptar à atividade, trabalhar na rua exposta ao tempo e
ao preconceito das pessoas: “Parece que as pessoas sentem nojo, elas olham, acho que para
o uniforme, as luvas, e se afastam, ou então olham pra gente e acham que vamos pedir
alguma coisa” (Jacira, Diário de Campo, 05/05/09).
Em outro momento em que acompanhei Jacira e André durante o horário de trabalho
Jacira comentou que no lugar onde guardam o carrinho, um posto de gasolina, deram um
armário para eles, e que eles se trocam lá, o uniforme fica guardado nesse armário assim
como os materiais que o fiscal entrega. Acompanhei os dois até esse local na hora de ir
embora, depois que Jacira tirou o uniforme olhou para mim e disse: “Olha só, nem parece
mais aquela mulher que você estava conversando, viu? Sou uma pessoa normal” (Jacira,
Diário de Campo, 19/06/09).
Outra informação que Jacira relatou é que considera interessante quando ela passa sem
o Uniforme nos lugares que geralmente passa quando está trabalhando, casa das pessoas e
banca de jornal ela diz que os outros não a reconhecem.
Ainda em relação ao uniforme, outro varredor compartilhou sua percepção sobre a
questão. Comentou que estando uniformizado para o trabalho quando pega ônibus sente que
as pessoas evitam sentar ao seu lado.
Eu olhava para mim, mas eu não estava sujo, mesmo
assim acho que as pessoas evitam sentar perto, porque quando
pegava ônibus com roupa de sair nunca vi acontecer igual.
(Leandro, Diário de Campo, 05/06/09)
A razão para tal atitude das pessoas, segundo ele, está relacionado ao que Jacira
também mencionou em sua fala, o nojo das pessoas, relativo ao que representa o uniforme
indica o tipo de trabalho que aquela pessoa executa, que são varredores, que lidam
diretamente com a sujeira, com os restos jogados nas ruas.
“No trato com as pessoas isso acontece frequentemente. Elas
nos aparecem como que embaçadas pelo esteriótipo, e é preciso
tempo e amizade para um trabalho paciente de limpeza e
reconstituição da figura do amigo, cujos contornos procuramos
salvar cada dia do perigo de uma definição congeladora.” (Ecléa
Bosi, 2003, pg. 117)
Porém, Leandro demonstrou claramente sua indignação em relação a esse preconceito,
comentou que vê realmente muitos varredores com o uniforme desgastado e aspecto

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descuidado e, em relação a isso disse: “Não é só porque varre o chão tem que ser sujo como
ele.” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).
Este comentário de Leandro em relação á ser simplificado ao trabalho que executa e a
conseqüência sofrida é o que Ecléa Bosi (2003) define como percepção social falseada.
Segundo a autora comenta ignoramos exceções e tendemos a simplificar elementos que
recobrem a realidade não nos permitindo o real contato com a experiência possivelmente pela
complexidade dos objetos sociais.
Quanto a essa afirmação em relação ao uniforme, em meus encontros com diferentes
varredores e de diferentes regiões também tive a mesma percepção. A 1° dupla com que
conversei e acompanhei usavam uniformes bem gastos, com o mesmo aspecto mencionado
por Leandro, contudo, a meu ver, pelas falas e atitudes desta dupla, como já comentado, são
trabalhadores que apresentam traços de opressão. Já outra dupla, Osvaldo e Kleber, que são
varredores de um setor em que as ruas são de um bairro de classe média, aliás, esse é o
mesmo bairro do Leandro, os uniformes pareciam mais conservados. Alguns varredores
comentaram que podem pedir a troca de uniformes fora do período que a empresa padroniza,
de seis à dez meses, porém muitas vezes é em vão, André comenta que se o sapato fura, ou o
uniforme gasta, eles têm que dar um jeito, remendando, costurando com dinheiro do próprio
bolso, pois fazem a solicitação e demora tanto que acaba no mesmo prazo da troca
padronizada.
Olha só, eu já furei o sapato com um prego dos grandes,
até machuquei o pé, e você acha que trocaram meu sapato?
Fiquei uns dois meses ou mais enchendo o saco do fiscal pra
trocar o sapato. Minha mãe colou um pedaço de uma borracha
onde estava o furo. Mas o sapato só veio no período da troca
mesmo, depois de quatro meses, sabe? Não adianta. (André,
Diário de Campo, 19/06/09)
André tem 20 anos, há dois anos trabalha como varredor, atualmente estuda Gestão
Ambiental e seu intuito é fazer Engenharia Ambiental. Em suas palavras comentou que este é
o ‘pior trabalho do mundo’. Porém, comentou que tanto os horários quanto a liberdade da rua
e o salário no final do mês são o que dão condições para que ele possa pagar seus estudos e
poder comprar o que quiser.
Leandro, tem 32 anos, trabalha na empresa há 4 anos, após vários outros trabalhos como
ajudante geral, pedreiro, ajudante de serralheiro.

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Segundo o que comentou, disse que a maioria das pessoas não gostam do que fazem, na
verdade se acostumam porque não tem outro jeito, Antônio disse que voltou a estudar no
período da noite porque quer melhorar e não apenas ficar reclamando. Pensa em terminar o
ensino médio e fazer curso técnico em contabilidade, pois gostaria de trabalhar em um
escritório, vestido de social, segundo suas palavras “ acho que as pessoas me respeitariam
mais”. (Conversa com varredor Leandro, Subprefeitura, 05/06/09).
André, tem vergonha de dizer para as pessoas que é varredor, quando perguntado
apenas diz que presta serviços para a prefeitura, quanto a isso justifica que prefere não dizer,
porque geralmente as pessoas ficam com pena, segundo ele.
É engraçado, mas uma vez uma senhora me disse na rua
depois que peguei a sacola dela que caiu no chão: Nossa, que
pena, um menino tão bonito, tão novo, você estuda?... Mal ela
sabe que estou quase me formando em Gestão Ambiental, sou
bem diferente dos outros varredores. (André, Encontro com a
Dupla Jacira e André, 19/06/09).
Leandro e André são dois varredores que parecem não se identificar e nem se
reconhecer com os outros semelhantes de sua profissão, para eles a atividade vai além do
‘ganho pão’ e do simples sustento, André vê a atividade como temporária, tem 20 anos e
comenta que vê a empresa como uma porta de entrada para atuar na área que está estudando.
Já Leandro, mostrou-se ainda esperançoso em continuar os estudos e almeja trabalhar
dentro de um escritório, pois busca o reconhecimento e acredita que apenas trabalhando em
um escritório vestido com roupas ‘sociais’ conseguirá tal desejo.
Roupas ‘sociais’ e não um uniforme que pode ser compreendido como um estigma, uma
marca daqueles que trabalham com o lixo, daqueles que não possuem ‘capacidade’ de
executarem outras atividades com mais valor ‘social’.
Falo em ‘capacidade’ referindo-me ao episódio que o próprio Leandro vivenciou e
comentou em nossa conversa. O varredor conta uma situação da qual foi vítima do
preconceito de um morador em relação à sua atividade.
Segundo Leandro, todos os dias em que passava para varrer uma rua um menino de 10
anos atirava pedras nele e em seu companheiro. Um dia se aborreceu e correu atrás do menino
para tirar satisfação. O pai apareceu e disse: “Você não é ninguém para fazer isso, é um burro
que só serve para varrer rua” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09).

16
O varredor comentou que o homem ligou para a Subprefeitura e como conseqüência foi
suspenso e mudaram ele de setor. Hoje em dia Leandro comentou que evita discussões, ignora
os ‘ataques’ das pessoas, pois precisa do emprego.
Em relação às brigas com os moradores, Jacira afirma que prefere se manter em
silêncio também, como Leandro, e apenas fazer seu trabalho:
Eu não tenho obrigações, eu tenho responsabilidades é
assim que vejo o meu trabalho, dependendo da situação, ou a
forma como a pessoa pede posso até fazer algumas coisas, mas
sei o que tenho que cumprir, sei o que tenho que fazer. (Jacira,
Diário de Campo, 05/05/09).
Todos os varredores com que conversei, sem exceções, justificam o silêncio diante das
situações que lhes desagradam, como por exemplo, as brigas com os moradores, ao fato de ao
menos estarem empregados e recebendo seu salário no final do mês.
Jacira afirmou que para ela ser varredora é um trabalho como outro qualquer e assim
como os outros participantes justificou que é deste trabalho que tira seu sustento.
Em outro momento comentou que este trabalho cabe bem às necessidades básicas, e
afirmou “Se o cara tiver a cabeça boa, com nosso salário consegue até sua casinha própria”
(Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).
Acrescido a esta justificativa existe a questão da própria empresa contratante reforçar a
importância de respeitar o contribuinte, os moradores e penalizar o trabalhador que
desrespeitar essa simples regra. Como comenta André, a empresa investe bastante em
palestras para que os varredores saibam conviver e respeitar os moradores, mas pouco oferece
para o aprimoramento pessoal dos trabalhadores, ou sequer permitem um espaço para que eles
façam reclamações ou sugestões.
Basicamente, o contato que estes trabalhadores tem com a empresa é através do Fiscal,
ficam a mercê da boa vontade e empenho deste. São expostos, desta forma, a todo tipo de
humilhação, desde o medo de requerer uma vassoura nova quando a sua já está gasta, até
ouvir silenciosamente que é ‘burro e apenas serve para varrer ruas’.
Gonçalves Filho (2004) comenta: “São mensagens arremessadas em cena pública...São
gestos ou frases dos outros que penetram e não abandonam o corpo e a alma do rebaixado”
pg. 26

Bastidores

17
“ Uma vida muito sofrida”

Durante a pesquisa, os momentos em que passei com esses trabalhadores,


acompanhando as atividades, as conversas que ao longo desse artigo foram apresentadas, é
fato constatar que o trabalho do varredor é desgastante, sofrido no sentido de estarem na rua
enfrentando sol, chuva e frio. Andam por trajetos longos, carregam peso, vassouras gastas que
exigem mais esforço e atrelado á isso o desrespeito já mencionado em algumas situações de
algumas pessoas para com estes trabalhadores, além do vínculo abismal que existe entre esses
trabalhadores e a empresa e também a falta de valorização pelo trabalhador por parte da
mesma como afirma Leandro quando desabafou sobre o episódio de sua briga com um
morador, “Trocam a gente como se a gente fosse roupa suja” (Leandro, Diário de Campo,
05/06/09).
Existem situações complicadas em se tratando do relacionamento entre eles mesmos,
como afirmou Leandro: “Cada um é de um jeito, tem gente que é muito chata, calada, faz
coisa errada” (Leandro, Diário de Campo, 05/06/09). Comenta sobre o vício alcoólico de
alguns e até o que considerou como ruim no comportamento de alguns varredores, como
‘enrolar no trabalho’ dados estes já comentados anteriormente e citados pelos fiscais Ricardo
e Rogério, e outros varredores.
Jacira, em uma de nossas conversas, confessou que o Fiscal Ricardo é muito bem quisto
por todos os trabalhadores, é bem próximo e facilita a vida dos varredores.

18
Segundo Jacira, Ricardo faz de tudo para melhorar a relação entre eles, é sempre solícito
quando alguém adoece, é flexível, permite que eles encontrem a melhor forma de
trabalharem, desde que cumpram os trajetos.
Nós aqui podemos parar para tomar um cafezinho, uma
água, ele não fica em cima, é bem diferente do Fiscal do outro
Setor, ninguém quer ir para lá, o controle de horário e trajeto
lá é muito grande, rígido, aqui não, e todo mundo faz o
trabalho. (Jacira, Diário de Campo, 05/05/09)
A dupla mista, Jacira e Roberto, ressaltaram que para o dia render é preciso
camaradagem entre os companheiros.
Quando aprofundei meu vínculo com Jacira e seu outro companheiro, André, foi
possível identificar e presenciar algumas estratégias e comportamentos adotados para tornar
suportável e até mesmo vantajosa a rotina e as relações estabelecidas da atividade de varredor,
por isso a camaradagem entre eles passa a ser primordial.

“ O pior trabalho do mundo”

Embora, Jacira afirme que algumas pessoas são grosseiras, tem muitas amizades por
onde passa segundo ela. Em outra oportunidade a varredora comunicou que se sente
incomodada pelo fato de olharem para ela, o uniforme e as luvas e até pensarem que quer
pedir algo, porém contou com certa naturalidade que em determinados momentos e de acordo
com a relação com as pessoas troca favores com elas.
Tem um barzinho no outro bairro que eu faço no sábado,
a dona é muito amiga minha, eu chego logo pela manhã e ela
me dá o café com leite e pão na chapa, em troca eu varro a
calçada dela, pegos os sacos de lixo e mais outras coisas, ai
não custa nada né?! Ela é legal comigo, nunca teve um acordo,
ela que me via e me oferecia o café, então passei a ajudar
também. (Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).
Jacira contou também que muitos moradores sabem exatamente o dia e o horário em
que passam, alguns param para conversar, outros oferecem água, suco e até bolachas e bolo.
Em muitos casos sente-se até vigiada.
Em um dos dias em que acompanhei esta dupla pude verificar esquemas que, de certa
maneira, evitam o desprazer da monotonia e mecanicidade em relação à atividade. Jacira e o
19
companheiro André comentaram que preferem chegar um pouco mais cedo, meia hora antes
do horário, 6h30 da manhã, durante o trabalho fazem apenas uma pequena pausa para o café
para poderem sair mais cedo e almoçar em casa.
Verifiquei o trajeto e percebi que havia muitas ruas, por mais que fizessem o trabalho
um pouco mais rápido e sem pausas não daria para terminar todo ele até o horário que
informaram. Então, durante o trajeto percebi que eles pularam algumas ruas, e em outras,
Jacira varria apenas um lado da rua. Questionei sobre isso e a varredora respondeu:
Ah, agente sabe como fazer, não dá pra fazer isso
sempre, já te disse, os vizinhos ficam de olho grande na gente,
um dia a gente pula uma, na outra vez a gente pula outra e vai
revezando. (Jacira, Diário de Campo, 19/06/09).
André comentou que esse esquema de pular as ruas e dar um jeito de sair mais cedo, é a
forma que encontra para ter tempo de fazer os trabalhos da faculdade e também para aliviar o
cansaço da rotina. Já Jacira comenta que assim tem tempo para cuidar da casa também.
Durante esse dia a dupla também revelou que existe um certo acordo informal entre os
varredores, em hipótese alguma eles devem sair de seus trajetos com o uniforme,
principalmente fora do horário. Tal dado foi revelado porque comentei que um dia peguei um
ônibus por volta das 11h30 da manhã e me sentei ao lado de um varredor. André comentou:
Ai não pode né? O cara ta queimando a gente, o que um
varredor ta fazendo as 11h30 dentro de um ônibus? Todo
mundo tem seus esquemas sabe?! É por causa desses ai que a
gente se ferra, se um fiscal da prefeitura pega, já era. (André,
Diário de Campo, 19/06/09).
Jacira comentou que eles têm que tomar muito cuidado, pois além do fiscal da empresa,
existem os fiscais da Subprefeitura: “Com esses daí não tem conversa” (Jacira, Diário de
Campo, 19/06/09).

CENÁRIO FINAL

Durante a pesquisa alguns pontos tornaram-se relevantes para a compreensão dos


aspectos envolvidos em relação à atividade dos varredores, assim como às conseqüências
sofridas, parte pela exposição destes trabalhadores a elementos físicos –condições climáticas
como o sol, a chuva, riscos por estarem na rua, trabalhando no meio fio de avenidas

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movimentadas sem instrumentos realmente adequados– e parte pelo impacto direto da pressão
exercida pela desigualdade das classes sociais.
Os traços de opressão e submissão percebidos em maior ou menor grau nos
varredores estão diretamente ligados à humilhação social a que estes trabalhadores estão
submetidos. André, que a princípio mostrou empenho em reivindicar sapatos novos, porém
com o descaso da empresa uma conformidade foi percebida e revelada no final através da fala
de André: “Sabe, não adianta”. Conformidade que resultará na passividade fruto da opressão
percebida em alguns trabalhadores que passam a não ter atitude nem para pedir uma vassoura
nova quando a sua já está gasta. Também como no caso de Jacira que se compara à ‘bicho’
quando relata onde geralmente almoça, junto à caixotes de verduras e legumes, aí pode-se
perceber os traços da humilhação social.
A opressão e a submissão, aqui compreendidas como conseqüência da humilhação
social, advinda da desigualdade das classes, como afirma Gonçalves Filho (1998), também
tem como causa o preconceito, sobre tudo como foi percebido em relação ao uniforme dos
varredores. O uniforme tem em sua origem uma dupla função, proteger o trabalhador, quando
adequado, e ao mesmo tempo identificá-lo.
Segundo comentam os varredores as pessoas olham para o uniforme e sentem ‘nojo’
e/ou ‘repulsa’, pois através da identificação do uniforme esses trabalhadores passam também
a estarem associados ao lixo e a sujeira, como maneira reducionista de percepção. O uniforme
surge então como uma marca estigmatizada onde o preconceito encontra vias para se
expressar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bosi, E. (2003) O tempo vivo da memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê
Editorial
Costa, F.B. da (2004) Homens Invisíveis: Relatos de uma humilhação Social. São Paulo:
Globo.

21
Goffman, E. (1988) Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de
Janeiro: LTC.
Gonçalves Filho, J. M. Humilhação social - um problema político em psicologia. Psicol. USP.
1998, vol.9, n.2, pp. 11-67.

ANEXO – DIÁRIO DE CAMPO

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Alojamento dos Varredores 25/03/09

1° Encontro

Logo que acordei ás 5:00 da manhã pensei “ Que vida dura dos varredores” Cheguei
ao alojamento por volta das 6:45, encontrei alguns trabalhadores do outro lado da rua e
perguntei onde poderia encontrar o Ricardo, apontaram para o portão me dirigi até ele, o
portão estava fechado, me identifiquei ao porteiro que logo passou um rádio para o Fiscal.

23
Ricardo me recepcionou, me apresentei novamente e agradeci pela atenção e
oportunidade, ele pediu para que eu entrasse, havia muitos trabalhadores no local. É um
espaço aberto parecido com uma garagem de ônibus, haviam alguns estacionados no local.
Levou-me até o escritório onde ficava a máquina do ponto, foi me apresentando á
alguns varredores que estavam circulando por ali, estava muito movimentado. Observando os
ônibus e caminhões no local, perguntei sobre eles, se aqueles ônibus traziam os trabalhadores,
Ricardo então respondeu que eles vinham de suas casas e que aqueles ônibus e caminhões
levavam os trabalhadores até seus percursos, e que no final do turno por volta das 15:00 horas
voltava para buscá-los e trazê-los de volta ao alojamento. Os caminhões pertenciam às
equipes dos mutirões. Questionei então quais trabalhadores eram do Mutirão e quais as
diferenças entre eles e os varredores.
O Fiscal apontou para alguns que estavam de amarelo indicando que eram aqueles,
continuou dizendo:
“Aqueles são os amarelinhos, todos começam como eles, fazem o serviço de
carpinagem, recolhem entulhos, lavam as praças, fazem a pintura do meio fio. Depois de
algum tempo são promovidos para varredores e passam a ganhar 100 reais a mais.”
Observei que não haviam mulheres no local, questionei então se elas não compunham
as equipes, Maurício respondeu que faziam parte sim, mas por causa do alojamento que ainda
não está pronto não dava para acolher todas as equipes, a maioria das mulheres ficam em um
alojamento em Itaquera. Perguntei se haviam equipes mistas, ele respondeu que sim, mas que
deixa á critério dos varredores escolherem suas duplas, surgiu em mim então uma dúvida a
respeito dessa autonomia, então Maurício completou:
“Existem problemas de relacionamento entre eles, o convívio é difícil, muitos são mal
humorados, calados, eu sou muito amigo deles, faço o que posso, lidar com pessoas não é
fácil.”
Andamos pelo alojamento enquanto conversávamos paramos próximo a um grupo de
varredores cumprimentei-os e me apresentei. Ricardo pediu para que eles me mostrassem o
material que usavam, me mostraram o carrinho em que carregam os sacos, a vassoura e a pá,
ao olhar ele percebeu que uma delas estava bem gasta, pediu para que o trabalhador trocasse
por uma nova. Pediu também para que me mostrassem o mapa de seus percursos, um deles
tirou do bolso o papel amassado, o percurso estava pintado com canetinha, eram muitas ruas,
perguntei seu nome e me disse que era Mário, continuou dizendo que os trajetos eram muito
longos, que não podiam colocar os sacos de lixo em qualquer ponto, tem que carregar os

24
sacos e isso acaba deixando eles mais cansados ainda. Mário tira o papel do bolso e me
mostra
“ Tá vendo aqui?! São 25 ruas e só posso deixar os sacos em dois pontos, a gente
tem que andar muito carregando peso.”
Então perguntei se eles se revezavam, seu companheiro então respondeu que sim, um
dia cada um. O Fiscal então completou dizendo que dependia da dupla, tem uns que preferem
varrer, outros já preferem puxar o carrinho, afirmou que prefere deixar que eles escolham.
Mário voltou a questão dos sacos de lixo, disse:
“ A gente poderia deixar o saco em cada rua, mas por causa do trajeto do caminhão
que recolhe não dá, mas tem muito problemas com os moradores, eles não gostam que a
gente deixe os sacos lá, mas querem que a gente limpe tudo.”
Seu parceiro completou:
“ A gente agüenta muito na rua, as pessoas não tem educação, querem que a gente
‘barra’ a calçada, mas a gente não pode é só o meio fio, chama a gente de preguiçoso, tem
varredor que acaba xingando também, mas eu finjo que não escuto, prefiro terminar logo o
serviço.”
O fiscal interrompeu dizendo que logo que o alojamento ficasse pronto as coisas iriam
melhorar, pois teria mais varredores e os trajetos iriam diminuir.
Perguntei ao Mário quanto tempo ele trabalhava me respondeu sorrindo que já
trabalhava há 20 anos, que já havia passado por muitas empresas. Questionei ao Ricardo
como era feita as contratações, que explicou que eram feitas por indicação, preferência das
empresas para evitar problemas, Ricardo disse:
Eles faltam muito, não fazem o trabalho direito,
arrumam confusão entre si, com as pessoas na rua. Por
exemplo, o Filho do Tião que trabalha com a gente está
desempregado, então ele é indicado e entra como
carpineiro, os amarelinhos, mesmo sendo indicado ainda
sim dá muito problema, pra você ver 4 faltas não
justificadas dá justa causa, brigas dá suspensão.
Ricardo me disse que estava na empresa há dois anos, mas que já trabalhava como
fiscal há 16 anos.
“ As empresas saem e os funcionários ficam, é mais fácil manter os que já trabalham,
pois conhecem o serviço, claro que ficam os que são bons, que não dão muito problemas.”

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Neste momento o ônibus já estava de partida, Ricardo sinalizou para os que estavam
com a gente entrar no ônibus, nos despedimos e os varredores seguiram para a rua.
O relógio marcava 7:20, segui com o Ricardo até o escritório, lá ele me mostrou o
Holerite de um dos trabalhadores, o salário de um varredor é em torno de 430 reais, e de um
carpineiro é de 330, neste momento perguntei como ele via o trabalho dos varredores, então
ele me disse que via como um trabalho muito sofrido, em todos os sentidos, eu ainda estava
com o Holerite nas mãos e ele apontou para o papel dizendo que o salário era muito baixo e
que o trabalho era muito pesado, o que ajudava muito era o vale refeição, o plano de saúde e a
cesta básica que recebiam.
“ É o tipo de trabalho que todos precisam, mas que ninguém reconhece, imagine
como seria a cidade se não tivessem esses trabalhadores? Mas as pessoas nem percebem que
eles estão ali.”
Perguntei se os varredores reclamavam quanto à isso, Ricardo então me disse que eles
não são de reclamar de nada:
“ É muito difícil eles reclamarem alguma coisa, chegar em mim e dizer alguma coisa,
você viu, a vassoura do Tião já estava esgarçada e eu mesmo que tive que pedir para ele
trocar.”
Perguntei sobre os principais problemas que ele considerava no dia a dia dos trabalhadores.
São muitos, a segurança é um deles, no mês passado
dois morreram, e foi de dia, os dois estavam varrendo o
meio fio de uma avenida e o caminhão simplesmente
passou por cima, por isso eles usam aquele colete
iluminado sabe, mesmo de dia, semana passada uma
mulher foi atropelada, quebrou até a vassoura, a empresa
toma todas as providências quanto á isso, mas é difícil,
eles correm muitos riscos na rua.
Eu acompanho o trabalho deles de moto, faço os
percursos pra ver se estão mesmo no local, ou se estão
precisando de alguma coisa, mas as pessoas são horríveis
mesmo, eu corro risco de moto também, os carros não
respeitam a gente.
Continuou dizendo outros problemas, principalmente entre eles, muitas brigas,
discussões:

26
Eles ganham pouco, como você viu, ai tem problemas
familiares, alguns chegam bêbados para trabalhar, ou
então voltam bêbados para cá, é muito complicado eu
procuro conversar sempre com eles, mas é difícil, eu
nunca vi aqui, mas a gente sabe também que tem
problemas com drogas, quando estão bêbados eu
geralmente suspendo eles, como falei pra você é uma vida
muito sofrida. Alguns são muito fechados, não gostam
mesmo de conversar, outros já são mais agressivos,
arrumam confusão na rua.
Era 7:45 e o Ricardo me disse que precisava cuidar de algumas coisas antes de sair
para a rua, eu agradeci novamente por ele ter me recebido e me apresentado alguns dos
trabalhadores, ele se colocou à disposição, disse que eu poderia acompanhar o trabalho deles,
indo até o alojamento e saindo com eles nos ônibus. Nos despedimos e eu fui embora.

Dupla Joana e Almir 13/04/09

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Semana passada, no dia 1° de abril, estava voltando de meu atendimento na clínica
escola da faculdade, dois pontos antes de descer, avistei, ainda dentro do ônibus, uma dupla
de Varredores, um homem e uma mulher, estavam depositando sacos de lixo na calçada.
Desci no ponto seguinte com o intuito de fazer uma aproximação com esta dupla,
voltei á pé até o local onde estavam, porém não os encontrei, perguntei para algumas pessoas
que estavam no ponto se sabiam da dupla, se alguém tinha visto, as respostas foram negativas,
ninguém havia notado. Continuei, olhando para dentro dos bares e das lojas com a esperança
de encontrá-los.
A Avenida possui alguns cruzamentos, olhei para as ruas e para o meio fio com a
intenção de encontrar uma pista sobre a dupla, mas não tive sucesso.
Hoje resolvi voltar à esta Avenida no mesmo horário da semana passada com a
esperança de encontrar novamente a dupla. Fiquei parada em um ponto de ônibus, perguntei
ao Camelô se ele conhecia ou já tinha reparado em uma dupla de Varredores que passava por
ali, ele disse que sim, que passavam todos os dias, mas não sabia exatamente o horário.
Poucos minutos depois percebi a dupla se aproximando, acompanhei-os com os olhos
e esperei que passassem por mim. Fui atrás deles e os cumprimentei os dois levantaram os
olhos e retribuíram o cumprimento, me apresentei como estudante de Psicologia, contei sobre
meu interesse a respeito do trabalho deles, informei que já havia conhecido outros
trabalhadores quando visitei o alojamento e perguntei se poderiam me ajudar. Ambos
concordaram, estavam parados olhando para mim então pedi que continuassem que eu os
acompanharia e que não queria atrapalhar.
Seguimos conversando pela rua, Joana tem 51 anos, trabalha desde os 22 anos como
Varredora. Perguntei sobre o trajeto deles, ela me informou que começam as 7:00 da manhã
na mesma Avenida, varrem toda ela e algumas outras ruas nas intermediações, voltam as
15:00 horas e deixam o carrinho e as vassouras em um estacionamento localizado na mesma
Avenida.
Perguntei, então se não iam até o alojamento, Joana disse que não, mas que daqui um
mês teriam que ir até lá para “bater o cartão”
“Vai ficar muito ruim ter que ir até lá, vai demorar muito, é melhor do jeito que está
porque venho direto da minha casa para cá, mas fazer o que né?!”
Perguntei onde ela morava e me disse que era no Jardim da Conquista. Ela continuou
varrendo mais a frente e me aproximei do homem que puxava o carrinho, seu nome é Almir,

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tem 53 anos e trabalha como varredor desde os 18 anos de idade. Ele me disse que morava ali
mesmo no bairro e que também achava ruim ter que ir até o alojamento:
“Eu e ela trabalhamos há 10 anos nesse trajeto, pra mim é muito melhor vir direto,
mas eles mandam né?, Não dá pra gente reclamar, não posso reclamar de nada, tenho
sempre meu ‘dinheirinho’ garantido no final do mês”
Estava garoando, por esta situação, perguntei como era pra ele trabalhar na rua
exposto a estas situações:
“É normal, to acostumado, a gente só para se começar a chover muito, se continuar
essa garoa a gente coloca a capa e segue ‘trabaiando’
Perguntei se já havia passado por alguma situação difícil na rua, como acidente, por exemplo,
ele me disse que não.
Perguntei á ele se poderia me dizer como era um dia ruim em seu trabalho:
Não tem dia ruim não, Desde que aceitei Jesus eu
vejo que tudo é bom, não brigo com ninguém, faço o meu
trabalho, tenho muita fé... Me converti tem 9 anos, minha
vida era sofrida vivia bebendo, jogado pelos cantos, não
queria saber de muita coisa, mas agora eu ando com
Jesus e sou feliz.
Almir andava com a cabeça baixa recolhendo os montinhos de lixo que a Joana
juntava ao longo do meio fio, falou muito sobre a Igreja que freqüentava, que eu deveria me
converter também. Eu disse que a família do meu namorado também era evangélica e que eu
havia ido a um culto de Páscoa, ele levantou a cabeça, olhou para mim e sorriu dizendo:
“isso mesmo, tem muita maldade na vida, as pessoas só querem o mal uma das
outras, só Jesus pode salvar a gente, mas não adianta ir lá idolatrar ídolos, tem que ser em
Jesus Vivo”
Como ele havia me dito que começou como varredor com 18 anos, perguntei como foi
o início para ele e porque começou como varredor. Almir disse que seus outros irmãos
estavam quase todos encaminhados, um era policial, outro trabalhava como auxiliar
administrativo em uma subprefeitura, ele não tinha estudado e percebia que não teria outra
chance. Ficou muito tempo como ajudante, limpando as praças, carregando entulho, só depois
passou a só varrer, mas que não se arrependia do caminho que havia seguido. Hoje entende e
é feliz e pensa mais na Família.

29
Perguntei se ele era casado, Almir respondeu que hoje tinha uma companheira, que era
separado e que tinha um filho desse casamento antigo, mas não sabia onde a ex-esposa e seu
filho moravam.
Olhei para o carrinho e vi que o saco de lixo estava quase cheio, perguntei então como
eles faziam com os sacos. Joana se aproximou e disse que assim que eles enchem os sacos
amarram e deixam na Avenida, geralmente nos mesmos pontos. Eu disse que outros
varredores reclamaram sobre essa questão do saco de lixo, ela então afirmou que em seu
trajeto não tinha problema, eles podem deixar os sacos em qualquer ponto da Avenida.
Neste momento um homem se aproximou, cumprimentou Almir e abraçou a Joana, ela
o chamou de “ Corinthiano” ficaram conversando por um tempo, eu e Almir continuamos
andando. Aproveitei a situação e perguntei como era a relação dele com as pessoas ali da
região. Ele informou que era boa, conhecia quase todo mundo, a maioria das pessoas eram
educadas, que nunca teve problema com ninguém.
Joana nos alcançou novamente e então eu perguntei para ela quem era aquele homem,
ela então informou que era o segurança que olhava os carros para algumas lojas, fiz a mesma
pergunta para ela em relação ao relacionamento com as pessoas, Joana compartilhou da
mesma opinião de Almir.
Perguntei para Joana como ela via o seu trabalho:
“ É um trabalho como outro qualquer, tenho meu horário para entrar e para sair, se
a gente faltar a rua vira um lixo só, sou muito querida por algumas pessoas daqui, não tenho
do que reclamar.”
Questionei se ela poderia me dizer como era um dia ruim de trabalho, Joana disse que
seria relacionado a brigas com o companheiro ou com as pessoas, mas que havia muito tempo
que isso não acontecia, seu relacionamento com Almir era bom, mas que no passado isso era
constante com outros companheiros homens e mulheres. Considera-se muito tranqüila e sua
preocupação é fazer seu trabalho. Assim como Almir considera-se uma pessoa com muita fé,
é Católica e vai a Igreja todo sábado, acredita também que a religião é muito importante e que
isto ajuda muito no dia-a-dia.
Era quase meio-dia e a dulpa logo iria parar para almoçar, eu perguntei se poderia
voltar outro dia para acompanhá-los no trajeto e continuar com a conversa, ambos se
colocaram á disposição. Almir pediu para que eu voltasse no dia seguinte, pois queria me
entregar uma água ungida, eu aceitei e agradeci pela ajuda da dupla e me despedi.

30
Vigia de Rua 28/04/09

Fiquei esperando pela Dupla Joana e Almir no mesmo ponto em que havíamos
combinado, esperei por uns 15 minutos, percorri algumas quadras da avenida, mas não os
encontrei. Decidi conversar com o vigia amigo da dupla.
Fui até ele e me apresentei, informei sobre o trabalho que estou realizando e perguntei
como era o relacionamento dele com a dupla. Corinthiano informou que os conhece há muito
tempo, mais ou menos 3 anos, considera a Joana como sua mãe, que esta é muito doce e
atenciosa, gosta muito de conversar com ela.
Vê o trabalho deles como sofrido, principalmente pela relação com as pessoas, apesar
de ambos serem muito tranqüilos, percebe que muitas pessoas, e alguns lojistas os tratam mal,
ou ignoram, até mesmo explorando, sabem que eles não podem varrer a calçada, mas sempre
arrumam confusão.
“Eles não tem voz ativa para enfrentar a situação, sabe, não respondem, abaixam a
cabeça e continuam o trabalho deles.”
Informou que sempre que pode os ajuda, compra alguma coisa para eles comerem,
água, suco. Quando percebe algum abuso por parte das pessoas ele os defende como pode.
Corinthiano disse que não poderia ficar muito tempo conversando comigo, que tinha
que ficar andando olhando os carros para a loja de roupas. Eu agradeci pelas informações nos
despedimos e fui embora.

31
Dupla Jacira e Roberto 05/05/09

1° Encontro

Fiquei esperando pela dupla na esquina da Rua que Corinthiano me indicou, logo os
avistei. Aproximei-me da mulher me apresentei e falei a respeito do meu trabalho, perguntei
se ela poderia me ajudar. Seu parceiro estava mais adiante puxando o carrinho e logo se
aproximou, me apresentei também.Eu disse para ambos que não queria incomodar o trabalho
deles que eu poderia acompanhá-los, ambos disseram que não tinha problema, e ficamos
parados na esquina da rua.

Logo a mulher se apresentou seu nome é Jacira tem 42 anos e trabalha como varredora
há 3 anos. Informou que sempre foi dona de casa e que após uma crise financeira percebeu a
necessidade de ter também seu salário. Muito falante e simpática essa fez questão de dizer que
gosta de se manter informada, gosta de ler livros e revistas. Disse que foi difícil para se
adaptar no começo, sente preconceito por parte das pessoas quando por exemplo entra em
uma padaria.

“Parece que as pessoas sentem nojo, elas olham acho que para o Uniforme, as luvas,
e se afastam, ou então olham pra gente e acham que vamos pedir alguma coisa”

Jacira informou também, que seu filho mais velho é também varredor, em outro ponto
ela faz dupla com ele. O filho está fazendo faculdade, Gestão Ambiental, e pretende
futuramente fazer Engenharia Ambiental.

A varredora diz que sente esse trabalho como um outro qualquer, é dele que tira boa
parte de seu sustento, algumas pessoas são realmente grosseira, mas procura fazer amizade
por onde passa sente-se até mesmo vigiada em alguns momentos pelos moradores:

“Eles estão sempre de olho no horário que a gente está passando, se está fazendo o
percurso todo, as pessoas são engraçadas, tenho mais amizade com um do que com outros,
sei onde posso pedir meu copo d´agua”

Jacira contou que quando tem alguma briga com moradores ou transeuntes ela prefere
se manter em silêncio, não discutir, afirmou saber do seu trabalho, geralmente as reclamações
são porque querem que eles varram as calçadas ou tirem lixo que não é da responsabilidade
deles, assim ela diz:

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“Eu não tenho obrigações, eu tenho responsabilidades é assim que vejo o meu
trabalho, dependendo da situação, ou a forma como a pessoa pede posso até fazer algumas
coisas, mas sei o que tenho que cumprir, sei o que tenho que fazer.”

Jacira informou que gosta muito do Fiscal, Ricardo, sente que ele é bem próximo dos
trabalhadores, faz de tudo para melhorar a relação entre eles, é sempre solícito quando alguém
adoece, é flexível, permite que eles encontrem a melhor forma de trabalharem, desde que
cumpram os trajetos.

“Nós aqui podemos parar para tomar um cafezinho, uma água, ele não fica em cima,
é bem diferente do Fiscal do Brás, ninguém quer ir para lá, o controle de horário e trajeto lá
é muito grande, rígido, aqui não, e todo mundo faz o trabalho.

Outra questão que Jacira abordou foi referente ao uso de protetor, disse que o trabalho
é sofrido nesse sentido, pelas condições do ambiente mesmo, que é muito difícil no verão,
com muito sol, como essa dupla ainda não vai para o alojamento o protetor é por conta deles,
mas que este é muito caro, mas mesmo que eles passassem no alojamento antes de sair para a
rua, durante o turno de trabalho o protetor perde sua ação.

Pensa ser ruim, assim como seu parceiro, ter que ir até o alojamento para pegar o
material e bater o ponto.

“Vamos perder muito tempo, até esperar o ônibus, vamos ter que fazer tudo correndo
depois, eu acho que alguns setores vão ficar sujos, porque temos horário para pegar o ônibus
de volta, não sei como vai ser não”

Neste momento Jacira convidou-me para acompanhá-la em dia de trabalho

“Você pode acompanhar eu e meu filho no outro trajeto, só assim você sentiria na
pele tudo o que eu digo, eu estou no setor de Bairro, geralmente as mulheres fazem Avenida,
porque é mais tranqüilo, mas você pode me acompanhar, sentir o sol, como as pessoas são”

Eu aceitei disse que conversaria com Ricardo sobre a possibilidade do uniforme, Jacira
diz que acha engraçado, pois alguns varredores tem ciúmes de seus instrumentos, as pás e
vassouras, não gostam de emprestar.

Roberto, seu parceiro, disse que era melhor com o uniforme, porque talvez as pessoas
achariam estranho alguém trabalhando sem a roupa.

Ele tem 40 anos, começou a trabalhar novo no Interior de São Paulo, mas como
carpineiro, depois veio para São Paulo, fez pequenos trabalhos como carpinteiro e há 10 anos
é varredor

Outra informação que Jacira relatou é que considera interessante quando ela passa sem
o Uniforme nos lugares que geralmente passa quando está trabalhando, casa das pessoas,
banca de jornal ela diz que os outros não a reconhecem. Neste momento citei o trabalho do
Fernando, que ele teve a impressão contrária, ao vestir o uniforme sentiu-se invisível. Jacira
comentou que já tinha ouvido falar neste trabalho, que concorda que existe o preconceito por

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parte das pessoas sim, disse que seu filho acha o trabalho “quase o fim do mundo”, mas que
ela sempre diz que é através deste trabalho é que eles tiram o sustento e que ele pode estudar.

Ambos os varredores informaram que para o dia render mais o importante é o


relacionamento com o companheiro, pensa que o tempo passa mais rápido se tem conversa se
as pessoas se dão bem, sem fazer corpo mole. Mas que é muito difícil, Jacira disse que já
trabalhou com uma mulher, mas não gosta, tem muita fofoca e intriga, prefere trabalhar com
homens nem que para isso tenha que pegar o setor dos bairros que geralmente é direcionado
aos homens.

Estava quase no horário do almoço deles, nos despedimos combinando o próximo


encontro que seria agora com o Filho de Jacira.

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Dupla Osvaldo e Kleber 11/05/09

Encontrei a Dupla próximo à um Hipermercado de um bairro de classe média, me


aproximei e me apresentei, ficamos parados em frente ao Hipermercado.
O primeiro homem se apresentou, seu nome é Kleber, tem 38 anos e trabalha há 7 anos
como varredor, anterior a esse emprego disse que já foi oficial da polícia, fazia serviços gerais
mas ficou por apenas um ano, disse não ter se adaptado ao ambiente, foi pintor, segurança,
auxiliar de serviços gerais, estava desempregado quando surgiu a vaga para varredor viu uma
possibilidade de estabilidade. Disse gostar do trabalho, pois se sente livre, gosta de ficar na
rua e poder controlar o que faz.
Seu Parceiro é o Osvaldo, tem 43 anos e também trabalha há 7 anos como varredor, foi
também pintor, auxiliar de serviços gerais, trabalhou em construção civil e informou que um
dia estava no centro da cidade procurando emprego, viu uma fila em frente á uma Agência de
Emprego e entrou também na fila, só depois descobriu a vaga, preencheu a ficha e está no
Trabalho até hoje.
Neste instante uma moto se aproximou da gente, informaram que era o Fiscal,
Rogério, este me disse que aquele setor era de responsabilidade da Sub Prefeitura de Vila
Formosa- Aricanduva. Informei sobre o Trabalho que estava realizando e este brincou
dizendo:
“Ah, você que conversar com trabalhadores, ih, tem que mudar de dupla então”
Todos sorriram.
Rogério começou a falar sobre sua trajetória profissional, disse que antes era motorista
de ônibus de coleta das empresas anteriores, depois surgiu a oportunidade para ser fiscal,
disse que na verdade é registrado como Orientador, mas apenas para receber menos porque o
trabalho é o mesmo.

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Falou sobre o seu relacionamento com os trabalhadores, disse que procura ser o
melhor possível, sente que todos eles necessitam de muito apoio e orientação mesmo,
principalmente no alojamento, sempre conversa com sua equipe, sobre tudo com os mais
novos, para não se acomodarem, para fazerem cursos, se especializarem para saírem daquela
situação. Considera o trabalho muito desgastante, sofrido, disse que as empresas não se
importam com o Funcionário, que o preconceito parte primeiramente delas, informou que
todas as empresas que estão relacionadas a limpeza pública é do mesmo dono.
Informou que existe em suas próprias palavras “ muita maracutáia”, propina e o descaso é
muito grande com os trabalhadores, Informou que sempre que tem a oportunidade briga junto
a Coordenação pelos funcionários:
Eu vejo o trabalho deles, conheço a vida de muito
deles, são na maioria pessoas humildes sem muita
instrução, claro que tem os malandros, esses ai a gente
percebe logo, mas eles não sabem muito dos direitos que
tem, pra você ver a empresa deposita só a metade do
nosso fundo de garantia, isso não está certo, vou me
aposentar daqui 4 anos, só quero ver, eu estou indo atrás
dos meus direitos, já estou procurando um advogado, eu
falo para eles fazerem o mesmo.
Informou que o Sindicato ( SIENCO) não faz nada por eles, sobre o fundo de Garantia
disse que informaram para procurar o direito e apenas isso, pensa que o próprio Sindicato
deve ter acordo com a empresa, para tentar fazer o menos possível.
Osvaldo informou que tem 500 reais de FGTS em 3 anos de empresa, fala para os
outros trabalhadores que isso está errado, muitos não entendem e outros tem medo de fazer
algo e perder o emprego.
Osvaldo e Kleber informaram que gostariam que os benefícios fossem melhorados,
recebem 5 reais de vale refeição por dia, 129 reais de Vale alimentação, essas coisas deixam
eles desmotivados, fora as situações que enfrentam na rua, como o preconceito das pessoas, as
grosserias.
Rogério disse que as relações pessoais da maioria dos trabalhadores é complicada,
muito deles tem vergonha de dizer que são varredores, principalmente quando vão conhecer
alguma mulher. Eu perguntei se ele teria algum exemplo ou situação para ilustrar o que estava
dizendo, este informou que o seu caso mesmo. Está casado Há 3 anos com uma engenheira da
Sub prefeitura, enfrentou muito preconceito da família da esposa, amigos entre outros.

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No começo todos diziam para ela, sai dessa, o cara
dirige caminhão de lixo, não tem nada na vida, você é
muito melhor do que ele. Se comigo é assim imagine com
eles, eu ganho 1200 reais, mas hoje em dia você não é
você, você é o que você tem.
Perguntei para o Kleber se ele vivenciou uma situação parecida, ele disse que não, mas
que a mulher dele trabalha em um laboratório e ganha muito mais do que ele, mas isso entre
eles não é problema.
Osvaldo disse que é mais tranqüilo, mas os trabalhadores mais novos, sofrem sim esse
preconceito, o salário é muito baixo, querem sair e para fazer bonito ás mulheres e os amigos
gastam tudo na “ Balada “ e acabam não tendo nada, e muitos deles não dizem o que fazem
exatamente dizem que fazem serviços gerais para a Prefeitura.
Rogério comentou que procura orientá-los quanto á isso, falou sobre religião, disse
que nesse setor que está não tem muitos problemas, mas que nas outras regiões existem
muitos problemas relacionados ao álcool e as drogas. Ele antes de punir, prefere conversar
com o funcionário, dar conselhos, porque duas suspensões e o funcionário é mandando
embora por justa causa. Outros fiscais são mais rígidos, disse que na região do Brás é bem
complicado.
Rogério comenta:
“Realmente merecem, pois não querem nada com nada, não cumprem os setores
todos, faltam sem justificativas, muito deles tem passagem pela polícia, relatou que fica
chateado, mas que não pode fazer nada se a pessoa não quiser ser ajudada.”
O fiscal também relatou que existe muita informação e exigências trocadas entre as
Sub Prefeituras, que na região da Mooca, são muito rígido quanto ao Uniforme, a do
Aricanduva já não é tanto. Desse que acha ruim a falta de contato direto entre os funcionários
e a empresa, pois ou saem direto de suas casas para os setores, ou vão para os alojamentos,
mas de qualquer forma essa distância prejudica no diálogo ou até mesmo para as chefias
sentirem os problemas.
“Uma coisa é eu chegar e dizer os problemas que tem, outra coisa é eles verem, mas
ninguém ta nem ai, até a assistente social lá na Matriz, fui falar com ela a respeito dos
benefícios, passei até por cima do meu coordenador, e ele deu com os ombros.”
Era quase meio-dia e a dupla informou que estava quase na hora de seu almoço, eu
então me despedi deles, Rogério disse para mim:
“Aproveita bastante essas informações, esses homens precisam de muita ajuda”

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Nos despedimos e fui embora, no caminho pensei, eu informei ao Fiscal que gostaria
de conversar com os varredores, este de certa forma foi o porta-voz o tempo todo, quase não
pude dialogar com os próprios, apesar de que as informações que Fabio trouxe completaram
um pouco mais a realidade desses trabalhadores, porém este não permitiu que a dupla se
manifestasse muitas vezes.

Conversa com o Varredor Leandro – Subprefeitura 05/06/09

Conforme o combinado, fiquei aguardando pelo Ricardo na Subprefeitura, este chegou


40 minutos atrasado dizendo que teria uma reunião com a Sandra, responsável pela varrição e
que não saberia se poderia conversar comigo. Apresentou-me um varredor, seu nome é
Leandro e tem 32 anos.
Ficamos conversando no pátio da Subprefeitura próximo à saída dos carros. Este
varredor me contou que morava no Interior da Bahia e que lá passava muita necessidade. Com
23 anos decidiu morar aqui em São Paulo com seu irmão mais velho. Trabalhou como
ajudante de pedreio, ajudante de serralheiro, fez pequenos bicos até que seu cunhado o
indicou para trabalhar como varredor.
Está na empresa há 4 anos, disse que no começo quando chegou em São Paulo tinha
muita dificuldade para encontrar trabalho registrado, quando apareceu a oportunidade de ser
varredor não pensou duas vezes, porém não gosta do trabalho, no começo demorou para se
acostumar. Atualmente faz o setor do Bairro e uma vez por semana na Subprefeitura.
Segundo disse, ia para o setor já de uniforme e no ônibus percebia que as pessoas não
se sentavam ao seu lado, só quando o ônibus já estava lotado.
“Eu olhava para mim, mas eu não estava sujo, mesmo assim acho que as pessoas
evitam sentar perto, porque quando pegava ônibus com roupa de sair nunca vi acontecer
igual”
Leandro contou que muitos trabalhadores ficam com o uniforme velho e até sujo, em
suas palavras “ Tem gente que é muito relaxada, mas eu não, pode ver” apontando para sua

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roupa disse que “não é só porque varre o chão tem que ser sujo como ele”. Disse estar
sempre limpo e perfumado acredita ser melhor assim.
Foi um detalhe que também percebi, o uniforme dele, assim como dos varredores
Kleber e Osvaldo são mais conservados.
O varredor contou também que além do trabalho ser duro não gosta porque mesmo em
dupla sente-se sozinho, já teve muito problemas com outros companheiros, “ cada um é de um
jeito, tem gente que é muito chata, calada, faz coisa errada” Já trabalhou com pessoas que
considerou ruins, viciadas e que enrolam no trabalho. Disse que não se acostuma com o povo
aqui de São Paulo, pois as pessoas são ignorantes e grossas, mas alertou que não tem outro
jeito, que se não fosse esse trabalho possivelmente passaria necessidade.
Contou que já sofreu acidente trabalhando na rua, estava varrendo uma avenida onde
havia muitos carros estacionados, no vão entre um e outro passou uma moto e o atropelou,
Leandro disse que além do motoqueiro não ter parado ainda disse palavrões para ele. Quebrou
o pé, mas recebeu todo o apoio da empresa, não tem do que reclamar.
Também, segundo o que comentou, disse que a maioria das pessoas não gostam do
que fazem, na verdade se acostumam porque não tem outro jeito.
Leandro disse que voltou a estudar no período da noite porque quer melhorar e não
apenas ficar reclamando. Pensa em terminar o ensino médio e fazer curso técnico em
contabilidade, pois gostaria de trabalhar em um escritório, vestido de social, segundo suas
palavras “acho que as pessoas me respeitariam mais”.
Informou que mora sozinho, tem uma namorada que é empregada doméstica e um
filho que ficou na Bahia, contou que futuramente pensa em voltar para sua terra.
Leandro disse que possui um bom relacionamento com as pessoas, com os moradores,
relatou que tem uma senhora que no final da tarde quando ele passa para fazer sua rua ela
sempre espera ele e seu companheiro com pedaços de bolo, oferece suco, contou que faz de
tudo para quem o trata bem, mas para que não trata ele prefere ignorar, nesse sentido
informou que já teve problemas com moradores.
Contou um caso, logo no início quando começou o trabalho, toda vez que passava por
uma rua um menino de uns 10 anos atacava pedras nele e em seu companheiro, até um dia em
que perdeu a paz e foi ameaçar o menino correndo atrás dele.
Na semana seguinte o pai deste menino foi para cima dele, o ameaçando e
humilhando, segundo ele o homem disse “Você não é ninguém para fazer isso, é um burro
que só serve para varrer rua” O homem ligou para a subprefeitura e reclamou sobre ele,
contou que foi suspenso e mudaram ele de setor.

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Contou também que é bem melhor trabalhar em setor de bairro mais pobre, pois as
pessoas são mais próximas.
Depois desse episódio disse que entendeu que não adianta brigar, por mais que o
Ricardo seja legal os patrões mesmo não querem saber e em suas próprias palavras “Trocam
a gente como se a gente fosse roupa suja”
Segundo o que Leandro pensa comentou que deve ser assim em outro lugares, pois sua
namorada sempre tem problemas com as patroas, contou que toda vez que perdem alguma
coisa elas sempre pensam que foi a namorada dele.
Para almoçar disse que prefere guardar o vale refeição e geralmente leva marmita,
deixa em um bar em que o dono é seu amigo e na hora do almoço volta lá para comer, disse
que tem bom relacionamento com os freqüentadores do bar que até jogam bola de vez em
quando nos finais de semana.
Leandro me informou que já estava na hora de ir embora, agradeci por nossa conversa
e nos despedimos.

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Dupla Jacira e Roberto 16/06/09

2° Encontro

Percorri algumas ruas conhecidas do trajeto da dupla, os avistei ao longe sentados ao


lado de um Sacolão em uma Avenida. Fiquei observando estavam almoçando, os dois
sentados em um caixote na calçada em meio à verduras e frutas, ao lado conversavam com um
camelô.

Quando percebi que os dois haviam terminado de almoçar os alcancei mais adiante na
avenida, me aproximei e cumprimentei. Jacira ficou surpresa e disse que eu estava sumida,
reclamando que queria me ver de uniforme. Perguntou como eu estava e como estava o
trabalho. Eu disse que havia conversado com outras duplas, e que tinha um tempo que estava
tentando encontrá-la novamente, mas nossos horários não batiam.

Pedi para que eles continuassem o trabalho, começamos a andar, Jacira disse que
estava com um pouco de preguiça, pois havia acabado de almoçar, perguntei então onde ela
havia almoçado. Neste momento ela olhou para trás e apontou para o local dizendo “ No
curralzinho” Eu então perguntei porque “ curralzinho?” Jacira sorriu, Roberto permaneceu em
silêncio, e então ela disse “ E não é onde os bichos comem?!” No mesmo instante disse que
era brincadeira, mas que lá parecia uma fazendo, pelos caixotes de alface e tomate.

Jacira contou que pela manhã eles deixam a marmita com o pessoal do Sacolão,
próximo ao horário do almoço eles voltam e a Rosana já colocou as marmitas deles no banho
maria, mas eles não comem na cozinha deles. “Ah, já são muito bacanas em esquentar nossa
comida” disse Jacira.
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Mais a frente no caminho, presenciei um lojista reclamando com a dupla, ele saiu da
loja e falou em tom áspero e com a voz alterada que a frente da sua loja estava um lixo, que
eles sempre passavam lá e o lixo ficava. Roberto respondeu que eles estavam varrendo. O
homem mesmo assim continuou reclamando, os dois permaneceram em silêncio, varrendo e
ignorando aquele ato, quando o homem se deu conta da minha presença, parou de falar, olhou
por alguns momentos e entrou em sua loja.

Roberto me disse que quase sempre é a mesma coisa, a frente da loja dele sempre tem
carros parados, que é difícil varrer entre os vãos, que eles ficam sem saída, pois podem riscar
os carros ao tentar tirar todo lixo, informou que na maioria das vezes é melhor ouvir o homem
falar, mas não prejudicar ninguém. Contou que este é o único lojista daquela área que os trata
assim, não tem do que reclamar quanto aos outros que são simpáticos.

Jacira informou que aquele era o último dia que estaria com Roberto, trocaria o
parceiro para ficar em todos os setores com o filho. Combinamos então que na próxima
semana eu os acompanharia desde cedo, do ponto de partida deles até o final. Jacira sorriu e
perguntou se eu iria de uniforme. Contei o que o Ricardo havia me dito sobre as questões de
segurança e que não seria possível. Agradeci pela conversa e me despedi da dupla.

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Dupla Jacira e André 19/06/09

Encontrei Jacira e seu filho trabalhando próximos à Avenida, os observei por alguns
instantes antes de me aproximar. Ambos pareciam alegres e percebi que estavam caminhando
rápido. Um ritmo mais acelerado do que com seu outro parceiro, Roberto.
Logo que me aproximei Jacira sorriu e disse: “Achei que não iria te ver tão cedo por
aqui.” Me apresentou seu filho, André. Perguntei sua idade e como começou a trabalhar como
varredor. André revelou que tem 19 anos e trabalha como varredor há um ano, mas que antes
prestava serviço junto ao pai que é responsável por obras de saneamento básico.
Conta que se sentiu enganado pelo pai, pois quando surgiu a oportunidade da vaga o
pai lhe havia dito que era para trabalhar como fiscal. Quando entrou o pai disse que era pra
esperar até conseguir a vaga. No começo ficava apenas nas praças, o trabalho era fácil, mas
depois foi mandando para as ruas. “Foi muito difícil no começo, cheguei a trabalhar na rua de
casa, as pessoas comentavam sabe? – pelo menos não é vagabundo como os outros dessa rua.”
André comentou que com o tempo foi se acostumando, foi melhor quando começou a
trabalhar com a mãe, os dois se entendem melhor. Jacira, neste momento complementa que a
relação entre os varredores é muito complicada, muitos têm inveja deles:
Pelo meu marido ter contato com a empresa, a
gente teve certos privilégios para entrar, meu filho ficou
pouco tempo como carpineiro, logo já era varredor, isso

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geralmente não acontece, a carpinagem é bem sofrida,
mais pesada e também quando a gente entrou foi pra
tapar o buraco, tinha um pessoal que estava de férias na
época em que a empresa nova entrou, então colocaram a
gente no lugar desse pessoal, mas eles também não
voltaram na data certa para a recontratação, então
perderam.
Continuamos andando pelas ruas, o sol estava bem quente pela manhã, André
comentou que quando está com a mãe eles geralmente param pouco para poderem chegar em
casa mais cedo. Comentou que está fazendo faculdade, Gestão Ambiental, e que a única coisa
que acha ‘boa’ no trabalho de varredor é que tem tempo para fazer seus trabalhos, pois chega
cedo em casa, fica na internet e não ganha ‘tão mal assim.’ Jacira completou dizendo que a
melhor sensação era poder passar em frente a uma loja e saber que tem dinheiro para comprar
algo se quiser, comentou também que “se o cara tiver cabeça boa, com nosso salário consegue
até sua casinha própria.”
Perguntei para André se em sua sala as pessoas sabiam sobre seu trabalho, o varredor
então comenta que não diz exatamente, comenta apenas que presta serviço para a prefeitura,
questionei o por quê de não revelar, André então diz que as pessoas tem precoceito e fica com
vergonha de dizer para as pessoas:
É engraçado, mas uma vez uma senhora me disse
na rua depois que peguei a sacola dela que caiu no chão:
Nossa, que pena, um menino tão bonito, tão novo, você
estuda?...Mal ela sabe que estou quase me formando em
Gestão Ambiental, sou bem diferente dos outros
varredores.
Sobre os ‘outros varredores’ André comenta que a maioria é ‘acomodada’, a empresa
oferece pouco aprimoramento profissional, palestras, mas também quando tem ninguém se
interessa.
Perguntei para Jacira o trajeto que fariam naquele dia, ela me mostrou um mapa com
as ruas, comentou que logo dariam uma parada, pois estava muito quente e ‘uma água não
faria mal’. André relutou dizendo que precisava ir para casa logo. Neste momento Jacira
comentou que na maioria das vezes prefere chegar mais cedo e fazer tudo rápido sem parar
para sair mais cedo, por volta do meio-dia ou um pouco mais. Quando pensei sobre as ruas

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que ainda faltavam me dei conta de que mesmo se eles fizessem o trabalho o mais rápido
possível e sem parar não conseguiriam sair nesse horário.
Paramos para tomar água em um comercio, o balconista já os conhecia e fez questão
de colocar um pouco de gelo no copo com água que havia oferecido para a dupla, ficamos por
uns 5 minutos no local e logo retornaram ao trabalho.
Jacira perguntou para mim se eu tinha percebido que uma senhora ficou olhando para
eles, eu então respondi que não, Jacira afirmou que aquela senhora não gostava deles. Mora
na rua do comércio em que entramos, Jacira comentou que aquela senhora vive vigiando eles,
a varredora comenta que não gosta de se sentir vigiada. Pergunto porque ela acredita que
aquela senhora não gosta dela. Jacira responde:
pelo jeito que ela me olha, e outra coisa, uma vez,
ou jogaram um cachorro morto em frente a casa dela, ou
o bicho morreu lá mesmo, não sei, e a mulher queria
porque queria que a gente tirasse o cachorro dali, eu não
sou paga para isso, discutimos um pouco sabe, mas eu me
recusei, então meu outro parceiro, tirou o cachorro da
porta dele, era pequeno até, andamos com aquele
cachorro no carrinho até o ponto em que deixamos o saco
de lixo, quando o fiscal passou a gente avisou.
Jacira comenta que existem muitas pessoas grosseiras, mas que também tem muita
amizade por onde passa, sente-se mal quando percebe que as pessoas ficam olhando para o
uniforme, para a luva a acham que vai pedir alguma coisa, porem a varredora relata:
Tem um barzinho no outro bairro que eu faço no
sábado, a dona é muito amiga minha, eu chego logo pela
manhã e ela me dá café com leite e pão na chapa, em
troca eu varro a calçada dela, pego os sacos de lixo e
mais outras coisas, ai não custa nada né? Ela é legal
comigo, nunca teve um acordo, ela que me via e oferecia
o café, então passei a ajudar também.
Continuamos pelo trajeto e percebi que pulamos algumas das ruas que estava no mapa
e em outros momentos percebi que Jacira varria apenas um lado da rua, questionei sobre isso
e a varredora respondeu: “Ah, agente sabe como fazer, não dá pra fazer isso sempre, já te
disse, os vizinhos ficam de olho grande na gente, um dia a gente pula uma, na outra vez a

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gente pula outra e vai revezando” André comentou que assim dá pra aproveitar mais o dia e
aliviar o cansaço da rotina.
A dupla revelou que existe um acordo informa entre os varredores, que em hipótese
alguma devem sair de seus trajetos com o uniforme, principalmente fora do horário. Tal dado
foi revelado porque comentei que um dia peguei um ônibus por volta das 11h30 da manhã e
me sentei ao lado de um varredor. André comentou:
“Ai não pode né? O cata ta queimando a gente, o que um varredor ta fazendo as
11h30 dentro de um ônibus? Todo mundo tem seus esquemas sabe? É por causa desses ai
que a gente se ferra, se um fiscal da prefeitura pega, já era.”
Fui com os varredores até o posto de gasolina onde eles guardam o carrinho, os
materiais e trocam de roupa. Jacira comentou que foi ela que pediu o lugar e que deram até
um armário velho para eles guardarem a roupa, o fiscal já sabe desse lugar e deixa sempre os
matérias para eles lá. Depois que se trocou Jacira comentou: “Tá vendo, nem pareço mais
aquela mulher que você tava conversando”. Nos despedimos e fui embora.

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