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DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES

Prof.: Alexander Perazo

PROLEGÔMENOS – Fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais as


relações de direitos nascem e se extinguem (Savigny).
Fatos jurídicos englobam, então, todos os eventos provindos da vontade humana, bem como
decorrentes de fatos naturais que possam ter influência na órbita do direito.
Por sua vez, os atos humanos podem ser lícitos (atos jurídicos) ou ilícitos (atos ilícitos).
No novo Código Civil os atos humanos são os atos jurídicos que, por sua vez dividem-se
em lícitos (meramente lícitos e negócio jurídico) e ilícitos. O novo Código substitui a locução
ato jurídico por negócio jurídico (aqueles que dependem da manifestação da vontade)

OBRIGAÇÕES – O direito das obrigações consiste num complexo de normas que regem
relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em
proveito de outro. Assim, o direito obrigacional ou de crédito trata dos vínculos entre credor e
devedor, contemplando relações de caráter pessoal, excluindo de sua órbita relações entre
pessoas e coisas.

Obrigação. Conceito – Obrigação é o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito


passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa (objeto), em favor de outrem
(sujeito ativo). (Sílvio Rodrigues)

“Relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer
alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por ato
nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o
direito de exigir de nós esta ação ou omissão” (Clóvis Beviláqua)

Direitos pessoais e direitos reais – nos direitos pessoais há dualidade de sujeitos


(ativo e passivo – credor e devedor); nos direitos reais há um só sujeito, pois disciplinam a
relação entre o homem e a coisa, contendo apenas três elementos (sujeito ativo, a coisa e a
inflexão imediata do sujeito sobre a coisa)
Quando violados, os direitos pessoais atribuem a seu titular a ação pessoal, que se
dirige apenas contra o indivíduo que figura na relação jurídica como sujeito passivo, ao passo
que os direitos reais confere ao titular uma ação real contra quem indistintamente detiver a
coisa.
O objeto do direito pessoal é sempre uma prestação do devedor, enquanto que o direito
real pode ser coisa corpórea ou incorpórea.
O direito pessoal é ilimitado, sensível à autonomia da vontade, permitindo a criação de
figura contratual nova, mesmo não prevista na legislação (contratos inominados). O direito real,
por sua vez, não pode ser objeto de livre convenção, estando limitado pela norma jurídica,
havendo um numerus clausus.
O direito pessoal exige sempre um intermediário, ou seja, uma pessoa que está
obrigada à prestação, enquanto que o direito real supõe o exercício direto, pelo titular, do
direito sobre a coisa.

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No direito real existe o direito de seqüela, ou seja, a prerrogativa concedida ao seu
titular de pôr em movimento o exercício de seu direito sobre a coisa a ele vinculada, contra
todo aquele que a possua injustamente, ou seja, seu detentor.
Somente no direito real podemos falar em abandono, posse, usucapião, direito de
preferência, etc.

Diferenças entre direitos reais e direitos pessoais segundo Maria Helena Diniz – Nos
direitos pessoais há dualidade de sujeitos, enquanto que nos direitos reais há um só sujeito, a
coisa e a inflexão imediata do sujeito sobre a coisa; quando violados os direitos pessoais
atribuem a seu titular uma ação pessoal contra o devedor, nos direitos reais há uma ação real
contra quem indistintamente detiver a coisa (é oponível erga omnes); o objeto do direito
pessoal é sempre uma prestação e o do direito real pode ser coisa corpórea ou incorpórea; o
direito pessoal é ilimitado, sensível à autonomia da vontade, enquanto que no direito real existe
uma especificação legal, havendo um numerus clausus; os direitos pessoais ou creditórios
extinguem com o seu pagamento enquanto que os direitos reais são em regra duradouros; no
direito real há o direito de seqüela que é a prerrogativa concedida ao titular do direito real de
por em movimento o exercício de seu direito sobre a coisa a ele vinculada, contra todo aquele
que a possua injustamente, ou seja seu detentor; o abandono, o usucapião, a posse e o direito
de preferência são características do direito real.

OBRIGAÇÕES NATURAIS – A obrigação natural é aquela em que há um vínculo sem


possibilidade de executar forçosamente o seu cumprimento. Se distingue da obrigação moral
por ser o adimplemento desta mera liberalidade, enquanto que na obrigação natural o seu
adimplemento constitui meio de pagamento, não havendo a possibilidade de pleitear a repetição
do indébito (repetitio indebiti). Assim, mesmo não havendo a possibilidade do credor exigir o
pagamento, caso o devedor o faça, o credor possuirá a soluti retentio. Perceba que na
obrigação civil existe o debitum (débito) e caso o devedor não cumpra espontaneamente a sua
obrigação, existe a obligatio (responsabilidade), ou seja, a capacidade de execução forçada de
seus bens para o cumprimento da obrigação. Na obrigação natural somente existe o debitum.
Assim, o credor retém para si o pagamento (soluti retentio) não a título de liberalidade, mas
como certa prestação que o credor não a podia exigir judicialmente.
Ter-se-á a obrigação natural sempre que se possa afirmar que uma pessoa deve a outra
determinada prestação por um dever de justiça, devido à existência anterior de um débito
inexigível e não por um dever de consciência. Assim, podemos conceituar obrigação natural
como sendo aquela em que o credor não pode exigir do devedor uma certa prestação,
embora, em caso de seu adimplemento espontâneo ou voluntário, possa retê-la a título de
pagamento e não de liberalidade.
Art. 882, CC
Dívidas de jogo – art. 814, CC
Segundo Maria Helena Diniz (pág. 72 são obrigações naturais: o ato de dar gorjetas em
restaurantes e hotéis e as comissões amigáveis a intermediários ocasionais em negócios
imobiliários.

OBRIGAÇÕES PROPTER REM – é aquela em que o devedor, por ser titular de um


direito sobre uma coisa, fica sujeito a determinada prestação que, por conseguinte, não

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derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade. Assim, o que o faz devedor é a
condição de ser titular do direito real, liberando-se da obrigação se renunciar a esse direito.
Exemplos: art. 1297, CC (direito de vizinhança); art. 1315, CC (condômino); art. 1280, CC
(caução de dano infecto).

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS OBRIGAÇÕES – vínculo jurídico, as partes e


prestação.
Vínculo jurídico – o vínculo jurídico consiste na possibilidade de o credor, por meio da
execução patrimonial do devedor, obter a satisfação de seu crédito, através do Poder
Judiciário. (Ver Sílvio Rodrigues, p. 4, nas notas de rodapé, acerca da possibilidade de
escravidão e até mesmo de morte do devedor inadimplente)
Assim, hoje em dia, o devedor que descumpre a obrigação sujeita-se a ressarcir o dano
causado (art. 389, CC). Responsabilidade contratual
A obrigação civil reúne o debitum (a dívida) e obligatio (a responsabilidade),
diferentemente da obrigação natural.
Partes – sujeito ativo (credor), é aquele que possui a expectativa de obter do devedor
o desempenho da obrigação e o sujeito passivo (devedor) é aquele que cumpre o dever de
colaborar com o credor, fornecendo-lhe a prestação devida.
Perceba que na obrigação há uma limitação da liberdade do devedor, porém, esta
limitação ou adveio de sua própria vontade, ou de seu comportamento desastrado (ato ilícito)
ou da própria lei.
Prestação – consiste em dar, fazer ou não fazer alguma coisa. A prestação tem sempre
um conteúdo patrimonial, pois caso contrário, seria impossível repara perdas e danos em caso
de descumprimento.

FONTES DAS OBRIGAÇÕES – As fontes das obrigações são aqueles atos ou fatos
nos quais estas encontram seu nascedouro. No antigo direito romano, as fontes das obrigações
eram: o contrato, o delito, o quase-contrato e o quase delito.
O contrato é fonte de obrigação no sentido de que a avença entre as partes faz gerar
um liame entre elas. Assim, na compra e venda, o vendedor se obriga a entregar a coisa e o
comprador a pagar o preço.
O delito é fonte de obrigação porque a pessoa que intencionalmente causa dano a outra
fica obrigado a reparar. É o caso de roubo, furto ou dano.
A figura do quase-contrato surge para justificar o aparecimento de obrigações
advindas de atos humanos lícitos que não provêm de acordo de vontades. É quase como se fosse
um contrato, como por exemplo, a gestão de negócios ou a repetição do indébito.
O quase-delito referia-se à idéia de crime cometido com base na culpa, não querendo o
agente produzir o dano, mas o mesmo acaba causando-o por imprudência, negligência ou
imperícia sua.
A fórmula do direito romano é acolhida por POTHIER que insere a lei, como a fonte
principal das obrigações.
O Código Civil contempla como fonte das obrigações o contrato, as declarações
unilaterais de vontade e o ato ilícito.
Sílvio Rodrigues, assumindo que a lei é a principal fonte, classifica as obrigações em:

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Obrigações que têm por fonte imediata a vontade humana – contrato ou
manifestações unilaterais de vontade (título ao portador, promessa de recompensa, etc).
Obrigações que têm por fonte imediata o ato ilícito – se constituem mediante uma
ação ou omissão, culposa ou dolosa do agente, causando dano à vítima.
Obrigações que têm por fonte imediata a lei – obrigação de prestar alimentos,
reparar o prejuízo em caso de responsabilidade objetiva, etc.

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES – Em verdade, as obrigações se interpenetram,


v.g., a compra e venda em que o vendedor deve entregar a coisa (dar), bem como responder pela
evicção e pelos vícios redibitórios (fazer). Para efeitos didáticos, classificamos a obrigações
em (Maria Helena Diniz):
-Consideradas em si mesmas;
-Em relação ao seu vínculo – morais, civis e naturais;
-Quanto à natureza do seu objeto – dar, fazer e não-fazer (positivas e negativas);
-Relativamente à liquidez de seu objeto – líquidas e ilíquidas;
-Quanto ao modo de execução – simples e cumulativas, facultativas e alternativas;
-Em relação ao tempo de adimplemento – instantâneas e de execução continuada;
-Quanto aos elementos acidentais – pura, condicional, modal ou a termo;
-Em relação à pluralidade de sujeitos – divisível, indivisível e solidária;
-Quanto ao fim – de meio, de resultado e de garantia;
-Reciprocamente consideradas – obrigação principal e acessória.

DAS OBRIGAÇÕES DE DAR – a obrigação de dar consiste na entrega de alguma coisa, ou


seja, na tradição de uma coisa pelo devedor ao credor.
Ela se desdobra em obrigação de dar coisa certa ou incerta e também em obrigação de
dar e de restituir (depósito, comodato, etc).
A obrigação de dar coisa certa estabelece entre as partes um vínculo, pelo qual o
devedor se compromete a entregar ou restituir ao credor um objeto perfeitamente
determinado que se considera em sua individualidade (um cavalo, uma jóia, etc).
A obrigação de dar coisa incerta tem por objeto a entrega de uma coisa não
considerada em sua individualidade, mas no gênero a que pertence. Assim, indiferente é para o
credor receber esta ou aquela espécie, como por exemplo a venda de 200 sacas de café,
indiferente de onde venha ou saia o café.
Perceba que na hipótese de individualidade da coisa preocupa o credor; na outra não.
Daí haverem regras distintas.
Art. 313, CC. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida,
ainda que mais valiosa.
Perceba que na individualização da coisa, a obrigação de dar coisa incerta, transforma-
se em obrigação de dar coisa certa (art. 245).
ATENÇÃO – em caso de culpa do devedor aplica-se, sempre, o art. 389, do CC.

A tradição e a transferência do domínio – Pelo nosso sistema, a obrigação de dar não


se constitui especificamente “na entrega” efetiva da coisa, mas num compromisso de entrega
da coisa. Nosso direito ateve-se à tradição romana pelo qual a obrigação de dar gera apenas
um crédito e não um direito real.

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Assim, dentro do sistema brasileiro, que seguiu o romano, o latino e o alemão, é a
tradição e não o contrato o elemento que transfere o domínio. Nas coisas imóveis, exige-se
a transcrição no Registro de Imóveis, enquanto que nas coisas móveis, a transferência da
propriedade somente opera-se com a tradição. Assim, o contrato de compra e venda não torna
o adquirente dono da coisa comprada, mas apenas titular da prerrogativa de reclamar a sua
entrega. Art. 237 e 1267, CC.
Como já dito, convém distinguir os bens móveis dos imóveis, pois para a transferência
dos móveis basta a tradição, nos imóveis há a necessidade de registro do título translativo no
Cartório de Registro de Imóveis (art. 1245, CC).

Destino da obrigação face do perecimento ou da deterioração da coisa.


Perecendo a coisa por culpa do devedor responderá o culpado pelo equivalente, mais
perdas e danos (art. 234, parte final, CC). Ademais, é regra geral do art. 386, CC.
Deteriorando a coisa por culpa do devedor poderá o credor ou resolver o contrato e
pleitear perdas e danos ou aceitar a coisa no estado em que se encontra, reclamando a
composição do prejuízo.
Perecendo a coisa sem culpa do devedor a obrigação se desfaz, quer seja de dar, quer
seja de restituir (art. 234, CC)
Deteriorando-se a coisa sem culpa do devedor, se a obrigação era de dar aplica-se a
regra acima; se a obrigação era de restituir, a obrigação original se altera, pois o credor
somente pode reclamar a coisa deteriorada no estado em que se encontre.

O problema da atribuição dos riscos na obrigação de dar frustrada.


Vendida certa partida de papel e pago o preço, a mercadoria se inutiliza em virtude de
inesperada inundação, que avassalou os depósitos do vendedor. Quem suportará a perda?
(obrigação de dar)
Entregue em depósito certa quantidade de papel, o mesmo se inutiliza em virtude de
inesperada inundação, que avassalou os depósitos do depositário. Quem suportará a perda?
(obrigação de restituir)
Em ambos os casos, aplica-se o princípio da res perit in domino, ou seja, a coisa perece
em poder de seu dono que, por sua vez, sofre o prejuízo. Perceba que até o momento da
tradição a coisa pertence ainda ao devedor, sendo as partes colocadas ao estado em que se
encontravam antes do negócio, cabendo ao devedor a devolução do que fora pago.
Em caso de deterioração da coisa antes da atribuição, por exemplo, o automóvel
vendido que sofre avaria em seu motor antes da entrega, o credor poderá ou resolver a
obrigação, sendo-lhe devolvida a quantia eventualmente paga, ou optar por receber a coisa no
estado em que se encontra abatendo-se o prejuízo. Em caso de culpa do devedor, cumula-se
ainda as perdas e danos. Ainda aqui quem sofre o prejuízo ainda é o dono (devedor), pois não
efetuou a tradição seguindo, portanto, a regra res perit in domino.

Na obrigação de restituir, por sua vez, havendo perda da coisa sem culpa do devedor,
quem sofrerá a perda é o credor, ou seja, o dono, o depositante, portanto (res perit in domino),
art. 238, CC.
Em caso de deterioração da coisa sem culpa do devedor na obrigação de restituir, o
credor é obrigado a receber a coisa na forma em que se encontra (art. 240, CC).

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Os acessórios da coisa – Como o domínio só se transfere com a tradição, antes desta
a coisa ainda pertence ao devedor, podendo o mesmo exigir um aumento na prestação. Assim,
da mesma maneira que o proprietário arca com o ônus da deterioração, também se beneficiará
com eventual acessório. Porém os frutos percebidos pertencem ao devedor, os pendentes
pertencem ao credor. Exemplo típico é a aquisição de uma vaca que, se tiver um bezerro antes
da tradição, o mesmo pertencerá ao devedor, mas se a vaca estiver prenhe, ocorrendo a
tradição, o bezerro pertencerá ao credor.
Na obrigação de restituir, se quem sofre o prejuízo e desfruta eventual lucro é o
proprietário, o credor, se o melhoramento da coisa for sem esforço do devedor é quem lucrará
com o acessório (art. 241), ordenando ainda a lei que em relação aos frutos percebidos que
sejam observados os preceitos relativos à posse de boa ou de má-fé.

Da execução da obrigação de dar coisa certa – Pergunta-se: Na obrigação de dar


coisa certa pode o credor obtê-la, ainda que o credor se recuse espontaneamente a
prestá-la, ou deve ele contentar-se com as perdas e danos, tão somente?
Atento ao fato que o contrato não transfere a propriedade, havendo a necessidade da
tradição, o inadimplemento da obrigação, por si só, não poderia compelir o devedor a tanto.
Porém, muito imperfeito seria o direito que, havendo um meio de compelir o devedor a
cumprir determinada obrigação, optasse em compô-la por perdas e danos. Assim, sempre que
possível deve o legislador fazer cumprir a obrigação na forma em que a mesma foi avençada.
Podem surgir embaraços de ordem legal (quando a lei veda a execução in natura) ou
prática (quando morre o animal a ser entregue), não havendo outra opção a não ser as perdas e
danos.
Porém é bom frisar que não se trata aqui de ação real, baseada no domínio, mas de
ação pessoal, reclamando o cumprimento preciso de dar coisa certa.
Resumindo: na obrigação de dar coisa certa compete ao credor, sempre que possível,
obter o próprio objeto da prestação, só se reservando a condenação em perdas e danos quando
a execução direta for impossível ou envolver sério constrangimento físico à pessoa do devedor.

Nas obrigações de dar coisa incerta (aquelas determinadas somente pelo gênero) não
se pode cogitar dos riscos derivados de seu perecimento ou deterioração, pois genus non perit
(o gênero não perece), art. 246. Assim, somente com a escolha, chamada na doutrina de
concentração, é que a obrigação passa a ser de dar coisa certa.
Frise-se que, conforme preleciona Washington de Barros Monteiro, a obrigação de dar
coisa incerta pode perecer caso sejam obrigações limitadas como, por exemplo, a obrigação de
fornecer determinado carro Ferrari (gênero), porém somente existindo três no mundo todo.
Assim, poderá haver a perda caso não mais existam os carros Ferrari discriminados.
Por fim, cabe ainda salientar que a escolha caberá a quem o contrato determinar
(credor, devedor ou terceiro) ou, não havendo, ao devedor que não será obrigado a escolher a
melhor nem a pior (na verdade a lei quis inserir que o devedor estaria obrigado ao preço
médio), art. 244, CC.

DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER OU NÃO FAZER – Na obrigação de fazer o devedor


se vincula a um determinado comportamento, consistente em praticar um ato ou realizar uma
tarefa, decorrendo uma vantagem para o credor. Como exemplos temos o empreiteiro que

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ajusta a construção de uma casa, o escritor que promete um artigo de jornal, o professor ou –
mais importante – a pessoa que, em contrato preliminar promete outorgar oportunamente
um contrato futuro.
Na verdade, em determinados contratos existem as duas obrigações, como na
empreitada em que o empreiteiro fornecerá o material (dar) e executará a obra (fazer) ou na
compra e venda onde o vendedor promete a coisa (dar), mas responde pela evicção e pelos
vícios redibitórios (fazer).
Perceba que a idéia de fazer, implica uma obrigação de dar também (ambas são
positivas), pois quem promete a entrega de determinada coisa está prometendo a fazer a
referida entrega. A distinção entre as obrigações é que na de dar existe uma prestação de
coisa, enquanto que na obrigação de fazer há uma prestação de fato. Outra distinção é que na
obrigação de dar quase sempre é possível a execução forçada da obrigação, enquanto que na
obrigação de fazer quase nunca isso é possível, resolvendo-se em perdas e danos, pois haveria
ofensa à liberdade pessoal. (nemo praecise potest cogi ad factum – ninguém pode ser
forçado a agir de determinada maneira).
PS – essa concepção encontra-se ultrapassada no que tange nas obrigações de fazer
consistentes na prestação de uma declaração de vontade (art. 461, 463 e 466-A do CPC).
A verdadeira distinção entre as obrigações de dar e de fazer nos ensina Washington
de Barros Monteiro em que se verifica se o dar ou o entregar é ou não consequência do fazer.
Assim, se o devedor tem a obrigação de dar alguma coisa, porém não tem que fazê-la
previamente, trata-se de obrigação de dar; todavia, se primeiro o devedor deve confeccionar a
coisa para depois entregá-la, tecnicamente, a obrigação será de fazer.
Resumindo podemos dizer que a obrigação de fazer é aquela que tem como conteúdo
um ato a ser praticado pelo devedor, donde resulte benefício patrimonial para o credor.

Espécies – O conceito de fungibilidade está previsto no art. 85 do CC. Deste conceito


surgem as obrigações de fazer em que a pessoa do devedor constitui elemento essencial para o
seu cumprimento – obrigações intuitu personae – e as em que isso não ocorre.
Nas obrigações intuitu personae, ou seja, nas obrigações infungíveis, as qualidades
pessoais do devedor são levadas em consideração. Seja porque somente ele tem o dom de
cumprir a obrigação (fazer uma escultura, a atriz que se apresenta, etc), seja porque fora
inicialmente determinado no próprio contrato (prestação de serviços pelo advogado X, ou seja,
mesmo que em tese seja possível a obrigação ser cumprida por outra pessoa, as partes no
próprio contrato determinam que somente determinada pessoa a cumpra). Imagine o exemplo
de um determinado contrato de locação em que o fiador é pessoa abastada e cumpridor de suas
obrigações. Logicamente que a obrigação (o contrato de fiança) não pode ser cumprido por
outra pessoa.
Nas obrigações fungíveis, qualquer pessoa pode realizá-la. Como exemplo, o lavador de
automóveis, o levantamento de um muro, etc). Perceba que por força do art. 247, em princípio,
somente nas obrigações de fazer infungíveis o devedor arcará com perdas e danos, pois outra
pessoa não poderá realizar a obrigação em seu lugar.
Há, por fim, obrigações em que mesmo não havendo previsão expressa de sua
infungibilidade, sua característica é inerente. Imagine a contratação do Popó para uma luta;
logicamente não poderia nunca outro lutador apresentar-se em seu lugar.

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Conseqüências do descumprimento das obrigações de fazer – Nos artigos 248 e ss o
Código determina as conseqüências do inadimplemento das obrigações de fazer, variando de
acordo com a culpa ou não do devedor. Vejamos.
a) Se a prestação se torna impossível sem culpa do devedor, a mesma se resolve, ou
seja, voltam as partes ao statu quo ante e caso haja prejuízo deve o mesmo ser reputado ao
acaso. Exemplo seria o promitente vendedor de um imóvel que se vê impedido de outorgar a
escritura de compra e venda em virtude de uma desapropriação do prédio ou um artista
contratado para determinado show adoece nas vésperas do evento.
b) Se a prestação se torna impossível por culpa do devedor, responderá este por
perdas e danos. Como exemplo, o promitente vendedor que outorga a terceiro a escritura de
compra e venda com outro compromissado ou o músico que se mantém no estrangeiro no dia de
sua apresentação
O legislador trata ainda da hipótese de o devedor simplesmente se recusar
deliberadamente a cumprir a obrigação assumida. Neste caso, sendo a mesma infungível a regra
será a do art. 247, pois ninguém pode ser compelido a prestar um fato contra a sua vontade
(nemo praecise potest cogi ad factum). É o caso do arquiteto que se nega a desenhar um
prédio, ou da bailarina que não deseja se apresentar, ou o decorador a planejar certos adornos
a sua residência, etc. Por outro lado, sendo a obrigação fungível, seguirá a dicção do artigo
249, ou seja, poderá o credor optar pelas perdas e danos ou a possibilidade de mandar
executar o fato por terceiro à custa do faltoso.
Perceba que a regra geral será sempre a de pedir autorização judicial para fazer a
coisa à custa do devedor, pois somente em caso de urgência – que deverá ser provada pelo
devedor – o mesmo poderá, de antemão, executar ou mandar executar o fato, sendo
posteriormente ressarcido (p.u. do art. 249, CC).

Da execução da obrigação de fazer – No regime do CPC de 1939 havia a chamada


ação cominatória em que o credor intimava o devedor a praticar o ato devido sob pena de
pagar uma multa de logo arbitrada. Hoje em dia a execução da obrigação de fazer encontra-se
disciplinada nos artigos 632 e seguintes.

Da execução direta da obrigação de prestar declaração de vontade – Essa


obrigação se apresenta quando, num contrato preliminar, o devedor se compromete a outorgar-
lhe um contrato definitivo. O problema era o de se indagar se no descumprimento desta
obrigação poderia o devedor ser compelido à execução específica ou se a mesma somente se
resolveria em perdas e danos, ou seja, se alguém se recusasse a prestar declaração a que
estava obrigado, poderia o juiz, mediante sentença, substituir a declaração que deixou de ser
externada? A afirmativa positiva encontra-se no art. 466-A do CPC e também, apesar de o CC
silenciar a respeito quando trata das obrigações de fazer, disciplinou a matéria nos contratos
preliminares (art. 463 e 464).
Lembremos, por fim, a lição de Sílvio de Salvo Venosa em que entre nós o contrato não
tem o condão de transferir a propriedade, por isso, a sentença, por si só também não a
transfere. No entanto, tendo em vista a amplitude do art. 461 do CPC (art. 84 do CDC), os
efeitos dessa ação obrigacional podem atingir amplitude que permite concluir pela
transferência da coisa, mormente do bem móvel, fazendo desaparecer a tênue fronteira
entre os direitos reais e os direitos pessoais.

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DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER – É aquela em que o devedor assume o
compromisso de se abster de um fato. Trata-se, portanto, de obrigação negativa, em
contraposição às obrigações de dar e de fazer que são positivas.
As obrigações de não fazer se encontram com freqüência na prática. São exemplos, a
pessoa que promete não vender uma casa a não ser a determinada pessoa; o industrial que
promete vender toda a sua produção somente a determinada pessoa; comerciante que, ao
vender seu estabelecimento comercial, compromete-se a não abrir outro nas proximidades;
proprietário do terreno que se compromete a não erguer muro que tape a visão do vizinho
(neste último caso, em muito se aproxima da servidão, porém esta, por ser direito real,
somente se vê constituída através do registro do título no Cartório de Registro de Imóveis
(art. 1227).
A obrigação de não fazer será lícita sempre que não envolva sensível restrição à
liberdade individual. Assim, é ilícita a obrigação de não casar, não trabalhar, não pregar
determinada religião, etc. Às vezes, como por exemplo não casar, poderá ser lícito, dependendo
do caso concreto.

Do inadimplemento da obrigação de não fazer – se caracteriza quando o devedor


pratica o ato que se obrigou a não praticar. As mesmas observações quanto às obrigações de
fazer são válidas. Assim, resta saber se a abstenção deriva de culpa ou não do devedor.
Se foi sem culpa, a obrigação se extingue (art. 250, CC). Ex: alguém que se compromete
a não erguer um muro, se vê obrigado por determinação do poder público.
Se foi com culpa ou com dolo, duas alternativas se abrem: a primeira (art. 251, CC), o
credor poderá exigir que o devedor desfaça a obra, sob pena de o credor desfazer,
respondendo o devedor por perdas e danos; o segundo remédio deriva da regra geral do art.
389 em que o mal causado não tem como ser desfeito. Ex: devedor que se obriga a não divulgar
determinado segredo industrial e o faz. Outra opção não resta a não ser perdas e danos.

OBRIGAÇÕES LÍQUIDAS E ILÍQUIDAS – A obrigação líquida é aquela obrigação


certa, quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto. É expressa por um
algarismo, que se traduz por uma cifra.
A importância das obrigações líquidas está no instituto da compensação, no processo de
execução, na possibilidade de pedido de falência, no momento da mora, etc.
A obrigação ilíquida, por sua vez, é aquela incerta quanto à sua quantidade, tornando-se
certa pela liquidação. O credor, enquanto não houver a liquidação, não poderá cobrar o seu
crédito.
Assim, a obrigação ilíquida não comporta compensação, imputação do pagamento e
consignação.

OBRIGAÇÕES ALTERNATIVAS
Conceito – obrigação alternativa é aquela que, embora múltiplo o seu objeto, o devedor
se exonera satisfazendo uma das prestações. É o exemplo do contrato de seguro em que o
segurador se obriga a entregar um automóvel novo ou a consertar a avaria.
Como são vários os objetos e somente um deles deve ser cumprido, existe um momento
de opção pelo cumprimento de uma obrigação, é a chamada escolha.

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A obrigação alternativa em muito se parece com a obrigação de dar coisa incerta, mas
dela se difere, pois o gênero, em tese, nunca perece. Assim, se me obrigo a dar um entre
quatro cavalos existentes, com a morte de todos, sem culpa, a obrigação se resolve. Por outro
lado, se eu me comprometo a entregar um cavalo (dar coisa incerta), a morte dos quatro que eu
possuo não me exonera da minha obrigação, pois genus nunquam perit.
Em que pesem as semelhanças, as obrigações alternativas também se distinguem da
cláusula penal porque nesta, a prestação é uma só, sendo devida a pena em caso de
inadimplemento absoluto ou relativo. Na cláusula penal, o devedor não pode, conscientemente,
optar pela cláusula penal, sendo esta devida somente em caso de inadimplemento.
Perceba que a obrigação alternativa é útil tanto para o credor quanto para o devedor.
Para o credor, pois assegura melhor o cumprimento de seu contrato e para o devedor porque
poderá o mesmo optar pelo cumprimento da obrigação menos onerosa.

A escolha e seus efeitos – A escolha é o momento pelo qual a obrigação passa de


complexa para simples. Segundo o art. 252, do CC, as partes podem livremente dispor sobre a
quem caberá a escolha (devedor, credor ou terceiro) e, somente na falta de estipulação
contratual, a escolha caberá ao devedor.
Quando a escolha é deferida ao devedor, não pode o credor ser compelido a receber
parte em uma e parte em outra, pois ele não é obrigado a receber por partes aquilo que se
convencionou receber por inteiro (art. 314).
Exemplo típico é a empresa que poderia escolher entre pagar os salários do autor até a
sua aposentadoria ou recebê-lo de volta ao emprego, a empresa optou pelo pagamento. Depois
de algum tempo, mudou de aviso, readmitindo o funcionário de volta, tendo o mesmo
protestado, com razão, pois a escolha já havia sido feita e não poderia o credor ser forçado a
receber seu crédito parte numa prestação e parte em outra.
A exceção não se aplica se as prestações forem anuais, pois entende-se que o direito
de opção é conferido para ser exercido a cada ano. Assim, se o rendeiro facultou pagar a terra
arrendada ou com determinada quantidade de milho ou com dinheiro, poderá, anualmente,
efetuar a sua escolha. (art. 252, § 2°, CC).

Da impossibilidade de uma das prestações – Cabendo a escolha ao devedor, se uma


das prestações não puder ser objeto de obrigação, por culpa ou não do devedor, a obrigação
subsiste em relação à outra (art. 253).
No entanto, se a escolha couber ao credor e uma das prestações torna-se impossível
por culpa do devedor, poderá o credor exigir a prestação remanescente ou o valor da outra,
mais perdas e danos. (art. 255, 1° parte).
Da impossibilidade de todas as prestações – se todas as prestações se tornarem
impossíveis sem culpa do devedor, a obrigação se resolve (art. 256).
Se a escolha couber ao devedor e por sua própria culpa não puder cumprir nenhuma das
prestações, ficará obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou, mais
perdas e danos. (art. 255, 2° parte). Essa obrigação é lógica, pois o perecimento antecipado
de uma das prestações faz com que a obrigação se concentrasse na outra. Havendo o
perecimento da última, por culpa do devedor, como já era obrigação simples, será por ela
responsável, mais perdas e danos.
Por derradeiro, se todas as prestações se impossibilitam por culpa do devedor, cabendo
a escolha ao credor, pode ele reclamar o valor de qualquer uma, mais as perdas e danos. Isto

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porque o credor tinha o direito de exigir qualquer prestação, como todas estão
impossibilitadas, deverá ele exigir o valor da que lhe aprouver, cumulado com perdas e danos.

DAS OBRIGAÇÕES DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS – obrigações complexas é


quando apresentam pluralidade de sujeitos ou de objetos. Assim, quando uma relação jurídica
obrigacional se apresenta com mais de um credor ou mais de um devedor, cumpre indagar se a
obrigação se divide ou não em partes. Em caso positivo, aplica-se a regra concursu partes fiunt.
(art. 257, CC).
Todavia, a idéia de divisão da obrigação sofre exceção em duas hipóteses: no caso de
indivisibilidade e no caso de solidariedade.
Assim, havendo indivisibilidade, poderá o credor exigir o pagamento integral de cada
qual dos devedores. Estes, em rigor, não devem o todo, mas em virtude da indivisibilidade da
prestação será obrigado a cumpri-la na sua totalidade. Note que na indivisibilidade, a prestação
é exigível por inteiro, em virtude da natureza de seu objeto.
Conceito – a obrigação é indivisível, quando indivisível for o seu objeto. Um objeto
indivisível, por sua vez, será aquele que com o seu fracionamento alterada estará a sua
substância, como também quando representar sensível diminuição de seu valor.
Um quadro, uma espingarda ou um animal são indivisíveis, mas também o são a pedra
preciosa ou um estabelecimento agrícola. Lógico que o diamante pode ser repartido, mas
perderá o seu valor, da mesma forma uma fazenda quando fracionada em lotes menores.
Pluralidade de devedores – Pelo art. 259, havendo pluralidade de devedores cada um
será obrigado pela dívida toda. Interessante é notar que caso a obrigação não possa realizar-
se, as perdas e danos não são indivisíveis.
Pluralidade de credores – se a pluralidade for de credores, cada um deles poderá
exigir a dívida por inteiro, mas o devedor ou os devedores só se desobrigarão pagando a todos
os credores conjuntamente ou a um dando este caução de ratificação dos outros.
Esta situação é lógica, pois se o devedor pagasse a credor insolvente os demais
perderiam a garantia dada pelo devedor solvente.
Na hipótese de um só dos credores receber a prestação por inteiro, os demais poderão
exigir a sua parte em dinheiro (art. 261).
Por último, se um credor perdoar a sua dívida, como a prestação é indivisível, os demais
poderão exigi-la por inteiro, devolvendo ao devedor a parcela remitida. Exemplo: três pessoas
são credoras de uma máquina fotográfica, no qual um dos credores perdoou a dívida. Assim, o
devedor entregará a máquina aos dois credores subsistentes e deverá receber a importância
do crédito remitido dos dois credores. Fácil, né?

OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS – O conceito de solidariedade está previsto na própria


lei. Aduz, o art. 264, CC, que há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais
de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.
Quando há pluralidade de credores, dizemos ser a solidariedade ativa; na de
devedores, há solidariedade passiva. A fonte da solidariedade, pela dicção do art. 265, é a lei
ou a vontade das partes.

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Obrigações in solidum – No nosso ordenamento, diferente do Direito Romano, não
existe duas espécies de solidariedade (perfeita e imperfeita), mas determinadas obrigações
diversos agentes aparecem devendo a totalidade sem serem solidários.
É o caso do motorista que atropela e fere o pedestre agindo com culpa. No evento,
surge dupla responsabilidade: a do condutor do veículo e a do proprietário, sendo ambos
responsáveis pela totalidade da obrigação, podendo o credor acionar quem mais lhe aprouver.
Outro exemplo é o caso de um incêndio em uma propriedade segurada, causado por
culpa de um terceiro. In casu, tanto a segurador quanto o autor devem indenização à vítima
pelo incêndio; a seguradora, pelo limite do contrato e o agente pela totalidade do prejuízo
causado.
Contudo, nas obrigações in solidum não existe solidariedade entre os devedores
porque não existe uma causa comum, uma origem comum na obrigação. Assim,
conceituamos as obrigações in solidum como aquelas em que os liames que unem os devedores
ao credor são totalmente independentes, embora ligados pelo mesmo fato.

Conseqüência da solidariedade – podemos destacar, de antemão, duas conseqüências:


a) não havendo solidariedade ativa, a insolvência do devedor, após o pagamento de um
credor, deverá ser suportada pelos outros, pois sendo várias as relações jurídicas, a solução de
uma delas não afeta as demais. Ao contrário, havendo solidariedade ativa, o pagamento
efetuado a um dos credores, pelo insolvente, deverá ser rateado pelos demais.
b) no caso de solidariedade passiva, se o devedor não solidário se torna insolvente,
suportará a perda o credor, pois não poderá reclamar de outros co-devedores por serem
autônomos os vínculos obrigatórios; havendo a solidariedade, logicamente, o credor optará por
demandar o devedor mais abastado, sendo indiferente a insolvência de alguns.

Diferença entre solidariedade e indivisibilidade – basicamente, a indivisibilidade


refere-se a natureza do objeto enquanto que a solidariedade decorre da vontade das partes ou
de disposição legal.
Porém, a questão maior encontra-se na composição das perdas e danos. Pois, no caso da
obrigação indivisível, havendo perdas e danos, cada devedor somente poderá ser cobrado
por sua parte viril, ou seja, volta a regra do concursu partes fiunt, (art. 263), enquanto
que na solidariedade, havendo perdas e danos, continuam os devedores solidariamente
obrigados, pois a solidariedade persiste promanando da vontade contratual ou da lei e não
da natureza do objeto.

Vantagens da solidariedade – A solidariedade que oferece maior interesse é a


solidariedade passiva, pois assegura o adimplemento da obrigação, garantindo os interesses
do credor. Assim, o credor ao invés de acionar cada qual de seus devedores, poderá reclamar
de um, alguns ou vários devedores (logicamente, optará pelo mais solvente)
Constituem fontes da solidariedade, em consonância com o art. 265 do CC, a lei ou a
vontade das partes.

Solidariedade ativa – ocorre solidariedade ativa quando, em uma relação obrigacional,


houver vários credores, podendo cada um exigir do devedor o cumprimento da obrigação.
Assim, o devedor se libera da dívida pagando a qualquer um dos credores.

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Tal instituto, de manifesto inconveniente para o credor, é raro na prática, existindo
ainda no ordenamento por força do Direito Romano.
A possível vantagem da solidariedade ativa (que seria o fato de evitar a cobrança
parcelada) pode ser obtida pelo mandato, com maiores vantagens, pois este é revogável, além
de implicar responsabilidade contratual do mandatário.
Como exemplo de solidariedade ativa, Sílvio Rodrigues cita a existência de conta
conjunta em um banco.

Solidariedade passiva – ocorre solidariedade passiva quando havendo vários


devedores, o credor tem direito de exigir de um, ou alguns deles, parcial ou totalmente, a
dívida comum (art. 275, CC).
É evidente que um dos devedores não poderá, por sua própria conduta, agravar a
situação dos demais, como por exemplo, estipular, após a formação da obrigação, uma taxa de
juros mais elevada. É o dizer do art. 278, CC.
Ao devedor demandado é vedado opor exceções pessoais de outros devedores, mas
poderá opor as suas, bem como as exceções comuns a todos os devedores. Por exemplo, o
devedor demandado poderá opor exceções comuns (título prescrito, falsidade, pendência de
condição, etc) ou pessoais (compensação, remissão, etc), mas não poderá opor exceções
pessoais dos outros devedores (art. 281, CC).

Interessante solução é a do devedor solidários que quita toda a dívida. Ora, deverá ser
reembolsado pelos demais devedores nos seus respectivos quinhões, porém a cota de eventual
devedor insolvente deverá ser repartida entre todos os devedores solidários (art. 283, CC)
Daremos um exemplo: A, B, C, D e E devem solidariamente a X a quantia de R$ 1.000,00 em
partes iguais. Demandado A pagou toda a dívida, ocasião em que poderá exigir dos demais
devedores a quantia de R$ 200,00 de cada um. Ocorre se B está insolvente, A ficaria num
prejuízo (pois pagou toda a obrigação) maior de que os demais devedores. Assim, a insolvência
de B deverá se rateada por todos os demais devedores em relação a A.

CESSÃO DE CRÉDITO – É o negócio jurídico, em geral de caráter oneroso, pelo qual o


sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negócio original,
independentemente da anuência do devedor. O alienante passa a chamar-se cedente, o
adquirente, cessionário e o devedor de cedido.
Para fins de estudo, devemos ter em mente que a cessão de crédito possui as mesmas
características da compra e venda, relativa, porém, a bens incorpóreos.
Se distingue da novação por não haver uma nova obrigação e da sub-rogação dado o seu
caráter especulativo.
Nos primórdios, encontramos o instituto da delegação novatória, em que havia a
indispensabilidade de aceitação do devedor. Empós, a procuração em causa própria também
desempenhara situações similares.
Pressupostos de validade – deve o agente ser capaz (inclusive para atos de alienação),
o objeto deve ser lícito (art. 286: qualquer crédito pode ser cedido, se a isso não opuser a
natureza da obrigação, a lei, ou a convenção entre as partes) e deve ser obedecida, quando
solicitada, a forma legal.

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Em relação ao objeto, fácil notar que os direitos personalíssimos não podem ser
cedidos, assim como os créditos alimentícios ou trabalhistas, por exemplo. Tampouco podem
ser cedidos créditos que atentem contra a lei ou os bons costumes ou aqueles em que a própria
convenção não o permite.
No que tange à forma, ao contrato de cessão a lei não impõe forma específica, porém
para que possa valer perante terceiros deverá o instrumento ser registrado em Cartório de
Registros e Documentos. Frise-se que “terceiros” está implícito também o devedor, posto que
não participou do negócio, porém em relação a este, será necessário também a sua notificação.
Assim, a notificação ao devedor representa a forma inconteste de dar-lhe ciência da
cessão, basicamente por duas razões:
1. até a notificação poderá o devedor cumprir com sua obrigação pagando ao credor
primitivo;
2. no instante em que é notificado, o devedor pode (e deve) opor, tanto ao cedente
quanto ao cessionário, as exceções que lhe competirem, não sendo lícito fazer em outro
momento, pois presume-se que aceitou a cessão.
Efeitos da cessão:
a) transferência da relação jurídica – o principal efeito da cessão de crédito é
transferir o crédito do cedente para o cessionário, inclusive com todos os seus acessórios.
b) responder pela garantia – outro efeito da cessão, e por isso se iguala à compra e
venda, consiste na obrigação de o cedente responder pela existência da dívida à época do
negócio. Assim, da mesma forma que o vendedor deve fazer boa a coisa vendida e responde
inclusive pela evicção, o cedente é responsável pela existência do crédito à época da cessão.
Perceba que o cedente responde pela existência do crédito, mas não pela solvabilidade
do devedor, por se tratar de contrato aleatório, a não ser que expressamente o tenha se
responsabilizado, com a cláusula del credere (art. 296).
Mesmo assim, em havendo responsabilização nesse sentido, a lei somente obriga ao
cedente a responder até a concorrência da importância que houver recebido, acrescida dos
juros e das despesas da cessão (art. 297). Tal regra parte do princípio que havendo a cláusula
del credere , o negócio deixa de ser aleatório, não mais se justificando por parte do
cessionário um lucro desmerecido.
Somente em duas situações o cedente não responderá pela existência do crédito. São
elas:
a) a cessão a título gratuito, se de boa-fé o cedente;
b) quando a cessão se operar não por vontade das partes, mas por força de lei.

CESSÃO DE DÉBITO – A assunção de dívida, tanto no campo doutrinário como no


legislativo, não desperta maiores interesses, em virtude de sua parca utilidade. Isto porque a
cessão de débito, se não igual, se assemelha em muito à novação subjetiva passiva, conforme
demonstraremos adiante.
A cessão de débito é o negócio jurídico pelo qual o devedor transfere para outra
pessoa sua posição na relação jurídica, de modo que esta o substitua na obrigação.
Aos que defendem diferença entre a novação subjetiva passiva e a cessão de débito,
está no fato em que na primeira a dívida anterior se extingue, enquanto que na assunção de
débito é a mesma obrigação que subsiste.

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Ocorre, porém, que na assunção de débito a anuência do credor é indispensável, o
que diferencia o instituto da cessão de crédito. Tal distinção é de natureza lógica, pois na
obrigação a pessoa do devedor é de alta relevância para o credor, já que o valor do crédito
depende sempre da solvência dele.
Perceba que em relação às garantias dadas por terceiros, estes deverão também ser
consultados, havendo, na prática, verdadeira sincronia entre este instituto e a novação.
O direito brasileiro não cogitava expressamente acerca da assunção de dívida, mas em
virtude da liberdade das convenções, o admitia porque lícito. Porém, como dito, para que
ocorresse a cessão de débito, faz-se necessário o assentimento do credor e de todos os
terceiros eventualmente obrigados.
Segundo Sílvio Rodrigues é possível uma hipótese de cessão de débito em que não será
indispensável a anuência do credor. Será quando os débitos forem assegurados por garantia
real de comprovada eficácia, como quando o valor da garantia for muito superior ao débito.

CESSÃO DE CONTRATO – Se do contrato defluem créditos e débitos para as partes


e se estas os podem transferir, poderão, portanto, transferir toda a relação obrigacional,
incluindo aí os débitos e os créditos. Nisso se resume a cessão de contrato.
Assim, a cessão de contrato consiste na transferência da inteira posição ativa e passiva
do conjunto de direitos e obrigações de que é titular uma pessoa, derivados de um contrato
bilateral já ultimado, mas de execução continuada ou diferida.
Exemplos:
1. o locatário com opção de compra do prédio locado, autorizado pelo próprio
instrumento, que transfere sua inteira posição contratual a outrem;
2. o promitente comprador de terreno loteado que transfere a terceiro sua posição no
compromisso de compra e venda, mesmo sem a anuência do credor, tendo em vista a garantia
real dada;
3. no contrato de empreitada, em que poderá haver sub-contratação, com a anuência do
contratante.
4. o contrato de mandato que freqüentemente é transferido a outrem, pelo
subestabelecimento sem reserva de poderes.
Por se tratar de autonomia das partes, a cessão de contrato pode se dar com liberação
do cedente ou não, possuindo como função básica tornar possível a circulação do contrato,
por meio de um único negócio jurídico.

PAGAMENTO – Pagamento é o meio pelo qual a obrigação se extingue, por ato


espontâneo do devedor. Se inclui entre a espécie do gênero adimplemento que, por sua vez,
abrange todos os meios, diretos e indiretos de extinção da obrigação.
O pagamento implica a existência de três elementos: a) um vínculo; b) a pessoa que
paga (solvens); c) a pessoa que recebe (accipiens). O vínculo é de enorme importância, pois
eqüivale à causa justificadora do pagamento, sem a qual pode surgir a figura do pagamento
indevido.

De quem deve pagar – o principal interessado no pagamento da dívida é o devedor, a


quem cabe o dever e o direito de pagar. Outras pessoas podem ter interesse direto no

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pagamento como é o caso do fiador ou do sublocatário. Assim, o pagamento levado a efeito
por outro interessado que não o próprio devedor conduz à sub-rogação (transferência de
todos os direitos do credor para aquele que solveu a obrigação) do solvens em todos os
direitos do accipiens.
O pagamento, por sua vez, pode se dar por terceiro não interessado. Assim, se o
terceiro não interessado paga em nome do devedor, será mera liberalidade (pai que paga a
dívida do filho, o homem de sua namorada, etc). Esta interpretação está, a contrario sensu, do
art. 305, CC que dispõe que terceiro não interessado que paga em seu próprio nome a dívida,
tem direito à indenização.
Perceba que se terceiro não interessado paga a dívida em seu próprio nome, terá
direito à indenização, porém, não se sub-roga nos direitos do credor. Terá que se valer,
portanto, da ação de in rem verso.
Por fim, o pagamento efetuado por terceiro não interessado em seu próprio nome,
extingue a dívida inicial e inicia uma outra nova (por isso não há sub-rogação), agora com partes
diferentes. Este pagamento poderá ocorrer com a anuência ou não do devedor. Caso sejam
plausíveis os motivos alegados pelo devedor (exceções pessoais, por exemplo), o solvens terá
direito de ser reembolsado apenas na quantia que aproveita ao devedor (art. 306). Por
exemplo: A deve R$100,00 a B quando C (terceiro não interessado) paga a dívida. Ocorre que A
(devedor) não aceita alegando que possui um crédito de R$ 30,00 com B, devendo a dívida ser
compensada. Assim, C ao pagar R$ 100,00 terá ação autônoma contra A, porém somente na
quantia de R$ 70,00.

O pagamento pode consistir não na entrega em dinheiro, mas sim na transmissão do


domínio de coisa móvel ou imóvel ou até mesmo na dação em pagamento (em que o devedor
entrega, com a anuência do credor, coisa diversa da prometida). Nesses casos, estipula o CC
que o solvens tenha capacidade (em relação à pessoa e ao objeto) para o ato de alienação que
se tem em vista.
Assim, deverá o solvens, além de ser capaz, ter legitimação para efetuar o pagamento
(tutor que não pode vender o imóvel de seu pupilo), devendo o objeto também ser idôneo para o
fim a que destina (entrega de coisa inalienável, por exemplo)
Exceção a tal princípio encontra-se no art. 307, p.u., CC, quando o pagamento consistir
na entrega de coisa fungível, entregue ao credor de boa-fé, que a recebeu e a consumiu. Neste
caso, o pagamento é válido, ainda que o solvens não tivesse legitimidade para efetuá-lo.
São, portanto, condições para que se opere esta exceção: a) tratar-se de pagamento
efetuado mediante coisa fungível; b) boa-fé por parte do accipiens; c) consumo da coisa
fungível pelo mesmo accipiens.

Daqueles a quem se deve pagar – Regra geral, art. 388, o pagamento deve ser feito
ao credor ou a quem o represente. Isso não ocorrendo, prosperará a máxima de quem paga
mal, paga duas vezes. Porém, nem sempre é válido o pagamento efetuado ao credor, bem
como, por vezes, o pagamento efetuado a terceira pessoa libera o devedor.
Assim, não é válido o pagamento feito ao credor incapaz de quitar, ao menos e na
medida em que o ato reverte em proveito dele. Também é ineficaz o pagamento feito ao credor
intimado da penhora sobre seu crédito, desde que o devedor tenha ciência.

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Por outro lado, o pagamento poderá ser feito nem ao credor ou seu representante e ser
válido. É o caso de o credor o ratificar, se a ele aproveitar ou se tratar de credor putativo.
Vejamos cada caso de per si.
Pagamento efetuado ao credor incapaz de quitar – ora, é regra geral, o direito de
quitação por parte do devedor que efetua o pagamento. Assim, o pagamento feito cientemente
ao credor incapaz, não é válido. Pode ocorrer, contudo, que embora incapaz o accipiens tenha
dado ao pagamento um bom destino. Neste caso, o pagamento será válido até onde aproveitou o
incapaz.
Pagamento efetuado ao credor cujo crédito foi penhorado – previsão contida no art.
312 do CC, o pagamento não é válido quando o devedor tiver sido intimado da penhora feita
sobre o débito por que é responsável ou quando for intimado de impugnação oposta por
terceiros, pois nesses casos cuida-se de preservar os direitos de credores do credor.
Pagamento efetuado ao representante do credor – os representantes podem ser legais
(pais, tutores, curadores), judiciais (depositário nomeado pelo juiz, inventariante, síndico) e
convencionais (portadores de mandato ou o adjectus solutionis causa – pessoa designada no
título para receber o pagamento). Há um caso de mandato presumido ( juris tantum) que é
aquele onde o accipiens é portador da quitação ou onde possui o título cobrado (cartularidade).
Em todos esses casos, prevalecerá sempre o bom senso comum ao homem médio. Assim, se um
mendigo, por exemplo, é portador do título, o caso específico será diferente de um gerente da
empresa estar portando a quitação.
Pagamento efetuado a terceiro quando o credor o ratifica – perceba que o terceiro
(sem quitação) pode às vezes ser considerado como gestor de negócios. Assim, a simples
ratificação posterior do pagamento pelo credor, o considera válido desobrigando o devedor.
Pagamento efetuado a terceiro quando beneficia o credor – veja que o pagamento,
mesmo efetuado a terceira pessoa que não o credor, poderá aproveitar o credor, razão por que
deverá ser aproveitado na proporção em que beneficia o credor.
Pagamento efetuado a credor putativo – nesta situação, o devedor crê estar diante de
pessoa autorizada pelo credor a receber o pagamento. Assim, caberá a cogitação acerca da
escusabilidade do erro, a fim de perscrutar se o pagamento libera ou não o devedor. São
exemplos: o herdeiro aparente, o vendedor que se passa por gerente, etc (art. 309. CC).

Objeto do pagamento e sua prova – Em relação ao objeto do pagamento, instituiu o


Código de 1916 o princípio do nominalismo. Assim, nas obrigações em dinheiro o devedor se
desobrigava pagando em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação e oferecendo a
mesma quantia recebida.
Com a intensificação do fenômeno inflacionário, reduzindo o valor da moeda, o pagamento das
obrigações em dinheiro não constituía a forma justa de adimplemento da obrigação, pois o valor
aquisitivo da moeda já não era o mesmo. O recurso à cláusula móvel era a forma viável de fugir
dos efeitos funestos do nominalismo.
A cláusula móvel é aquela que faz variar a prestação segundo índices de custo de vida
ou segundo o preço de determinadas mercadorias. Assim, estipula o credor que o pagamento
ser-lhe-á feito em moeda, porém em valor correspondente ao custo de determinadas
mercadorias, principalmente, gêneros de primeira necessidade, cuja desvalorização torna-se
sensível à oscilação monetária. A questão central seria estabelecer se a cláusula móvel seria
conveniente (ou existiria para estimular a inflação) ou lícita (pois impede o curso forçado da
moeda.

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No Código de 2002 ficou expressamente permitida a alteração do objeto da prestação
pelo juiz quando, por motivos imprevisíveis, advier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o momento de sua execução, visando atingir o valor real da prestação (art.
317), além da adoção explícita da teoria da imprevisão (art. 478 e ss).
Em relação à prova do pagamento a mesma consiste na quitação. O art. 320, CC
determina quais são os requisitos para a quitação, ou seja, o recibo, porém o próprio parágrafo
único do prefalado artigo dispensa a obediência a tais requisitos se dos termos ou das
circunstâncias resultar haver sido paga a dívida. Frise-se, por fim, que obter a quitação é um
direito do solvens e caso o accipiens não forneça o recibo estará em mora no recebimento da
prestação, não sofrendo o devedor nenhum prejuízo em relação ao atraso. O mais escorreito,
certamente, será o solvens consignar o pagamento em juízo quando houver mora accipiendi, ou
seja, quando o accipiens negar a entrega do recibo.

O Código ainda estabelece determinadas regras específicas como por exemplo, o art.
322 dispondo que pagamento em cotas periódicas a quitação da última faz presunção de
estarem as anteriores devidamente quitadas (presunção juris tantum); outra regra é a da
quitação do capital sem menção aos juros, presume-se que os mesmos estão devidamente pagos
(art. 323); a entrega do título ao devedor (art. 324) que firma a presunção do pagamento; por
último, o art. 325 que determina que as despesas efetuadas com o pagamento e a quitação
competem, via de regra, ao devedor.

Do lugar do pagamento – regra geral é que o pagamento, na ausência da vontade das


partes, seja efetuado do domicílio do devedor (dívida quesível, ou do francês quérable, ou
do inglês querable). Por outro lado, o contrato pode estipular que a dívida seja adimplida no
domicílio do credor, ocasião em que o devedor deverá “portar” a dívida até o domicílio do
credor (dívida portável, ou do francês portable, ou do inglês portable, com pronúncia
diferente).
Em verdade, é lícito às partes que estipulem o lugar onde a obrigação deva ser
executada, podendo, inclusive, ser outro que não o domicílio do devedor ou do credor (art. 78,
CC). Sendo o contrato silente, regra geral o cumprimento será do domicílio do devedor, porém
melhor será perscrutar as circunstâncias de cumprimento da obrigação, podendo inclusive a
dívida mudar de quérable para portable, dependendo do caso concreto.
Apenas como exemplo, podemos citar a improcedência de uma ação de despejo por falta
de pagamento se o locatário conseguir provar que a dívida era quesível (quérable), ou seja,
cabia ao locador (credor) a obrigação de ir buscá-la no domicílio do devedor e o mesmo nunca
se apresentou para reclamá-la.
O art. 328 estabelece que se o pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em
prestações relativas ao imóvel, o local será onde esteja situado o bem. Tal situação, na visão de
Sílvio Rodrigues, o que também concordamos, não tem razão de ser, pois em nada obsta que um
aluguel de um imóvel, por exemplo, seja pago em outro local que não onde esteja situado o bem.

Do tempo do pagamento – a questão do tempo do pagamento torna-se relevante, pois


antes do vencimento, em tese, a obrigação não pode ser reclamada.
Assim, a obrigação pode ser reclamada a qualquer tempo se não houver cláusula a esse
respeito (a não ser cláusulas implícitas que também devem ser levadas em conta). Se, por sua
vez, houver convenção a esse respeito, somente no vencimento a obrigação deve ser cumprida.

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Há possibilidade de pagamento antecipado da obrigação se o mesmo se der por quem
for o beneficiado do prazo estabelecido. Explico melhor: num contrato de mútuo, entende-se
beneficiado pelo prazo o próprio devedor, porquanto o credor não poderá antecipar o seu
pagamento. Porém o devedor, sendo este o beneficiado, poderá pagar antecipadamente a
dívida, ocasião em que, sendo relação de consumo, os juros vencíveis devem ser abatidos (art.
52, CDC). Por outro lado, existem obrigações em que o prazo beneficia o credor, como por
exemplo, o construtor que adquire, ainda no início de sua construção, todos os materiais que
serão utilizados. Desta forma, o construtor estabelece que a cerâmica, v.g., somente deverá
ser entregue em 60 dias (época indispensável para o levantamento das paredes da casa). Neste
caso, a obrigação não poderá ser cumprida a destempo.
Em situações específicas permite a lei (art. 333) ao credor o direito de cobrar
imediatamente a dívida, pois a possibilidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor
está sendo reduzida. Vejamos as hipótese:
I – em caso de falência do devedor ou de abertura de concurso creditório;
II – em caso de os bens dados em garantia (hipoteca, penhor ou anticrese) forem
penhorados em execução por outro credor;
III – em caso de as garantias dadas, reais ou fidejussórias, em pagamento cessarem ou
se tornarem insuficientes e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO – É o depósito judicial, ou em estabelecimento


bancário, feito em pagamento de uma dívida. Consiste em um modo indireto de liberação da
dívida por parte do devedor. Assim, se por um lado o devedor é obrigado ao pagamento, tem
também o direito de efetuar o pagamento em tais condições a fim de não se ver em mora.
Pelo exposto, percebe-se que a ação de consignação em pagamento representa um
remédio que a lei confere ao devedor para cumprir com sua obrigação, quer o credor a recuse,
quer uma outra circunstância dificulte o pagamento ou torne duvidosa a sua legitimidade.
Já foi dito em aulas passadas que o devedor não é obrigado a consignar o pagamento em
caso de mora accipiendi (mora do credor). Todavia, embora desobrigado de fazê-lo, é sempre
conveniente o depósito, pois, a) evita-se o debate sobre quem é o culpado pelo atraso; b)
revela o propósito de cumprir com a obrigação (boa-fé); e c) cessam os riscos pela
guarda do objeto.
Note que, pela parte final do art. 334, a consignação deve ser feita nos casos e forma
legais, razão por que deverá haver previsão legal para a ação, sob pena de ser considerada
improcedente, incorrendo o devedor em mora, além de todas as despesas processuais.

Casos para a consignação – O art. 335 enumera em cinco incisos os casos em que é
permitida a consignação. Nada impede, contudo, que outra lei preveja outros casos, pois a
enumeração aqui é exemplificativa, porém, como dito acima, há necessidade de previsão legal.
1) Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar
quitação na forma devida. Nessa primeira hipótese, perceba que o devedor não estará obrigado
à consignação, pois a mora é accipiendi. Muito comum essa situação nos contratos de locação.
Outro caso é quando o credor entrega recibo como alguma restrição, v.g., pois é direito
do solvens a quitação na forma do art. 320, CC.

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2) Se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos.
Trata-se de casos de dívida quérable, ou seja, aquelas em que o credor deve ir buscar o
pagamento no domicílio do devedor.
3) Se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir
em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil. Caso de dívida portable em que o devedor se
torna desconhecido (falece deixando herdeiros desconhecidos, por exemplo) ou simplesmente
desaparecer.
4) Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento
do depósito. Fica o devedor em dúvida consistente sobre quem deve, efetivamente, receber o
pagamento. Diante da máxima de quem paga mal, paga duas vezes, o devedor deverá optar por
consignar o pagamento. Veja que neste inciso, a dúvida é sobre a pessoa do devedor.
5) Se pender litígio sobre o objeto do pagamento. Aqui a dúvida é sobre o objeto do
pagamento, pois o mesmo é litigioso. Assim, mesmo que aos olhos do devedor, não caiba dúvida
sobre quem seja o verdadeiro proprietário da coisa, havendo litígio, deve o devedor consignar,
a não ser que assuma o risco da pagar mal. É a regra do artigo 344, CC.

Requisitos – O art. 336 do CC cuida dos requisitos da consignação que são os mesmos
necessários para a validade do pagamento.
Quanto às pessoas, a ação deve ser proposta contra o credor, ou seu representante,
por quem tenha qualidade para efetuar o pagamento (devedor, terceiro interessado e terceiro
não interessado que pagar em nome do devedor).
Quanto ao objeto, a prestação deve ser oferecida na íntegra, pois o credor não é
obrigado a receber por partes aquilo que se convencionou a receber por inteiro.
Quanto ao tempo, a consignação deve efetuar-se em época aprazada ou sempre
acompanhada dos encargos de mora, a não ser quando a mora tornar a prestação inútil
(inadimplemento absoluto).
Quanto ao lugar, a consignação deve ser efetuada no local do pagamento (art. 337).

OBS – Sílvio Rodrigues entende que somente as prestações de dar podem ser
consignadas, pois impossível imaginar uma consignação de uma obrigação de fazer e,
principalmente, as de não fazer. Entendo, data maxima venia, perfeitamente possível a
consignação da obrigação de fazer quando a mesma vier embutida em uma obrigação de dar, em
conclusão diferente do renomado mestre.
Sendo obrigações alternativas, cabendo a escolha ao credor, será este citado para esse
fim num prazo de dez dias, sob pena de a escolha passar para o devedor.
Processo da consignação – Ver artigos 890 e seguintes do CPC.

PAGAMENTO COM SUB-ROGAÇÃO – O termo sub-rogação, para o Direito, significa


substituição. Assim, a sub-rogação não extingue propriamente a obrigação, pois há uma
substituição do sujeito da obrigação.
Desta forma, no pagamento com sub-rogação, um terceiro, e não o primitivo devedor,
efetua o pagamento. Este terceiro substitui o credor originário da obrigação, de forma que
passa a dispor de todos os direitos, ações e garantias que tinha o primeiro. Não deve haver
prejuízo algum para o devedor que, ao invés de pagar seu credor originário, deverá pagar agora
um terceiro.

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A sub-rogação possui muitos pontos de contato com a cessão de crédito, porém com ela
não se identifica. Primeiro porque a cessão pode ter caráter especulativo, o que não existe na
sub-rogação; segundo porque na cessão de crédito há uma alienação de um direito
(aproximando-se da compra e venda), na sub-rogação não; terceiro, na cessão a operação é
sempre do credor, enquanto que a sub-rogação pode operar-se até mesmo contra a vontade do
credor.

Sub-rogação legal – o art. 346 traz três situações em que a sub-rogação opera-se ex
vi legis, de pleno direito em favor:
I – do credor que paga a dívida do devedor comum – A situação pressupõe a existência
de mais de um credor de um devedor comum. Pode acontecer que um credor tenha interesse
em afastar um outro credor por possuir, por exemplo, preferência de crédito em um bem
indivisível.
II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do
terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre o imóvel – Ora o imóvel,
mesmo hipotecado, pode ser alienado, mas, geralmente, o adquirente deseja que o bem reverta
em suas mãos, livre e desembaraçado, ocasião em que optará por quitar a hipoteca. Esta
hipótese é raríssima, pois quem adquire um imóvel logicamente tomará todas as cautelas
necessárias para adquirir um imóvel livre e desembaraçado.
III – do terceiro interessado que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no
todo ou em parte – trata-se da questão mais útil ao dia-a-dia. Trata-se do fiador, dos
devedores solidários, das obrigações indivisíveis, etc.
Outras hipóteses poderão existir de sub-rogação legal, desde que, por óbvio, estejam
previstas em lei.

Sub-rogação convencional – O art. 347 admite duas formas de sub-rogação


convencional:
I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere
todos os seus direitos – nessa hipótese há iniciativa do credor, em que, segundo Venosa, o
devedor não necessita aquiescer e por isso difere da cessão de crédito;
OBS – não concordo com a opinião do Prof. Venosa, pois a própria lei manda aplicar para
o caso específico a cessão de crédito, ou seja, para o caso em tela será indispensável a
aquiescência do devedor para operar-se a sub-rogação convencional.
II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida,
sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito –
aqui a iniciativa é do devedor. Muito comum nas Caixas Econômicas que emprestam dinheiro
para que o devedor quite suas outras dívidas a juros bem mais baixos

Efeitos da sub-rogação – Pelo art. 349 podemos perceber que a sub-rogação


transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em
relação à dívida, contra o devedor principal e seus fiadores. Perceba que na legal o sub-rogado
não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até a soma, que tiver
desembolsado para desobrigar o devedor (art. 350). Na convencional, por sua vez, poderá
haver estipulação em contrário, mas o devedor deverá expressamente concordar.

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Por último o art. 351 fala que o credor só em parte reembolsado terá preferência ao
sub-rogado no recebimento de seu crédito, se os bens do devedor não bastarem para saldar
todo o débito. Como exemplo, imagine que a dívida seja de 1000. Um terceiro paga 500 e sub-
roga-se nos direitos dessa importância. Assim, o devedor original fica a dever 500 para o
credor e 500 para o sub-rogado. Quando da cobrança de seus 500, terá o credor originário
precedência, caso os bens do devedor não cumpram com toda a dívida.
Alguns entendem injusta tal aplicação, pois seria melhor aplicar a disposição do código
italiano que prevê que ambos suportem por igual a insolvência do devedor.

IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO – Imagine uma situação onde um mesmo devedor


contraiu várias obrigações com o mesmo credor. Deve parcela vencida de um empréstimo, deve
prestação de um aluguel em atraso e deve uma promissória, cada uma no valor de R$ 100,00,
totalizando a quantia de R$ 300,00. Pergunta-se: como ficará o pagamento caso o devedor
envie ao credor a quantia de R$ 100,00 apenas? Ou seja, qual das prestações será abatida com
o pagamento parcial de seu débito? A resposta será indagar qual a obrigação estará o devedor
atribuindo o seu numerário, imputando seu pagamento.
Assim, a imputação de pagamento é forma de se quitar um ou mais débitos, quando
existem vários, de mesmo devedor em relação ao mesmo credor, desde que sejam todas da
mesma natureza, líquidas e vencidas (art. 352).
O tema ganha importância quando pensamos em um débito automático autorizado pelo
correntista do banco. Se o correntista não possui saldo suficiente para efetuar diversos
pagamentos pré-autorizados, devem ser aplicados os princípios da imputação de pagamento,
podendo a instituição financeira ser responsabilizada, caso assim não proceda.
Assim, a escolha da preferência da dívida a ser adimplida é do devedor (art.
352). Se o devedor se mantiver silente e não se manifestar, o direito de escolha passará
ao credor. Se nenhum dos dois se manifestar oportunamente a lei dá parâmetros para
fixar qual dos débitos será pago.

Requisitos – No art. 352 do CC, encontramos os requisitos quando aduz que “a pessoa
obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar
a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos”.
Assim, deverá inicialmente haver pluralidade de débitos (não se constituem débitos os
pagamentos mensais de mesma obrigação).
Deverá também haver os mesmos credores e devedores.
Todos os débitos devem ser da mesma natureza (não são compatíveis obrigações de
dar com as de fazer, ou obrigação em dinheiro com obrigação de dar coisa certa, etc).
Devem as dívidas ser líquidas (considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua
existência e determinada quando ao seu objeto – art. 1533 do CC/1916).
O pagamento ofertado pelo devedor deve cobrir ao menos um débito na sua totalidade.
E se o pagamento for superior a um débito, mas inferior ao outro, entende-se que a quitação é
do débito menor, pois não há como saldar o débito maior.
Deve a dívida estar vencida, ou seja, relevante é o conceito do tempo do pagamento
para a sua imputação.

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Imputação do pagamento feito pelo devedor – Se não houver acordo em contrário, a
escolha da imputação cabe ao devedor, devendo o mesmo declarar oportunamente qual o débito
a ser quitado. Referido direito é mitigado quando houver capital e juros (o pagamento será dos
juros vencidos, podendo as partes convencionar o contrário, mas não o devedor impor a sua
vontade). Também não poderá o devedor imputar o pagamento em apenas parte de sua dívida.

Imputação do pagamento feito pelo credor – se ofertar o pagamento a uma ou mais


dívidas e não disser o devedor qual a sua imputação, o credor dará quitação naquela que lhe
aprouver. Pelo art. 353, referida imputação somente não terá valor se cometida por violência
(coação) ou dolo (perceba que a lei não menciona o erro que não é causa para anulação da
imputação). Por fim, a imputação do pagamento pelo credor deve ocorrer no momento do
pagamento, quando da quitação, pois se as partes forem omissas haverá a imputação legal.

Imputação do pagamento feita pela lei – se as parte se tornarem inertes, diz a lei
que a imputação do pagamento se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se
as dívidas forem todas líquidas e vencidas no mesmo tempo, a imputação far-se-á na
mais onerosa. Neste diapasão, a lei procura facilitar a situação do devedor.

DAÇÃO EM PAGAMENTO – Já vimos em aulas passadas que, a teor do art. 313, o credor de
coisa certa não é obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa, segundo o brocardo aliud
pro alio invito creditore solvi non potest.
Prefalada regra existe em benefício do próprio credor que poderá, se assim o desejar e em
concordância com o devedor, aceitar o pagamento pela entrega de outra coisa que não a
prometida. Assim, ocorre a dação em pagamento (datio in solutum)1 quando o devedor entrega
em pagamento ao seu credor, e com a sua anuência, prestação de natureza diversa da
que lhe era devida, nos termos do art. 356, CC/2002.
Em muito o instituto da dação em pagamento se aproxima da compra e venda, pois o
devedor que entrega coisa corpórea em paga atua como se estivesse vendendo, ao seu credor e
pelo valor do crédito, o objeto que assim lhe transmite. De resto, o próprio Código Civil em seu
art. 357 determina que determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações
entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda. Por outro
lado, se o pagamento se efetua pela transmissão ao credor de um crédito do qual o devedor é
titular, o instituto se assemelha à cessão de crédito.

Requisitos – que a coisa dada em pagamento seja outra que não o objeto da prestação;
e que o credor dê sua concordância a tal substituição.

Como a lei manda aplicar as disposições da compra e venda, deverá o devedor responder
pelos vícios redibitórios e, no que tange à evicção, diz o Código que se o credor for evicto da
coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando sem
efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiro.

1 Em verdade a datio in solutum deriva do Direito Romano apenas no que tange ao processo de
execução, em que, no intuito de proteger o devedor, podia ele entregar em pagamento seu patrimônio, mas
pelo justo valor.

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Para que tenhamos noção da extensão da lei, faremos breve exposição dos institutos da
evicção e dos vícios redibitórios.

EVICÇÃO – Como já vimos, existe um conjunto de garantias que o alienante, por força de lei,
está obrigado na transferência da coisa ao adquirente. Na evicção, o dever de garantia
refere-se a eventual perda da coisa, total ou parcial, cuja causa seja anterior ao ato de
transferência. Assim, a evicção garante contra os defeitos de direito, da mesma forma que os
vícios redibitórios garantem contra os defeitos materiais.
Regra geral, todos os contratos onerosos possuem essa garantia, não sendo existente
nos contratos gratuitos, pois nestes não existe um prejuízo. Porém nada impede que as partes
estipulem a garantia também nos contratos gratuitos.
“Desse modo, para que se torne operativa essa garantia, é necessário que exista
uma turbação de direito com relação à propriedade ou posse do adquirente e que esse
terceiro invoque um título anterior ou contemporâneo ao negócio que atribuiu a coisa ao
adquirente. A perda da posse ou da propriedade põe em marcha o direito de evicção. O
termo vem de evincere, ex vincere, vencer, colocar de lado, excluir. Nossa língua possui
o verbo evencer, com sentido técnico. Evictor é o que se vence, o vencedor que fica com
a coisa; evicto é o que se vê despojado dela, o excluído, o perdedor. No caso, o evicto
está intitulado aos direitos decorrentes da evicção. (Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil.
Atlas, 2004. p. 580).
Na evicção existem o adquirente (que será evicto), o evictor (terceiro que reivindica a
coisa) e o alienante (que responderá pela evicção perante o adquirente). Havendo ação
possessória, que possui caráter dúplice, tanto o réu quanto o autor poderão ser evictos, por
isso o CPC estipula que haverá obrigatoriedade da denunciação da lide para a proteção dos
direitos de evicção ao autor e ao réu.

Requisitos – Inicialmente, é mister que ocorra uma perturbação de direito fundada em


causa jurídica. Uma turbação de fato provenientes de terceiros devem ser protegidas pelo
próprio adquirente, que tem à sua disposição os remédios possessórios. Essa perturbação pode
fundar-se em direito real (propriedade, usufruto, etc) ou pessoal (arrendamento, etc)
arvorado pelo terceiro em relação à coisa.
Em segundo, o vício deve ser anterior ou concomitante à alienação, pois se o vício tem
origem posterior ao negócio, a responsabilidade é do novo dono. Nos vícios redibitórios, o
momento em que se examina sua existência é a tradição; na evicção, é o momento da
transferência da posse ou da propriedade, a data, enfim, da formalização do negócio
jurídico.
Por último, há a necessidade de existir uma sentença, pelo qual o adquirente perde o
uso, posse ou propriedade, para que haja o instituto da tradição.

Requisitos da existência de sentença judicial (segundo Venosa) – a doutrina,


sistematicamente, vem adotando essa exigência para a possibilidade de evicção. Sílvio
Rodrigues é categórico acerca da existência da sentença judicial. Washington de Barros
também.
Porém, a realidade do mundo contratual já não permite uma posição estanque. Segundo
Venosa, qual a diferença entre o adquirente de imóvel que o perde por decisão judicial, porque

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o alienante não era proprietário, e o adquirente de veículo, que o perde porque a autoridade
policial o apreende por se tratar de coisa furtada com documentação falsificada, mas emitida
pelo Estado? Ora, a decisão administrativa, nesse sentido, eqüivale a uma decisão judicial.
É bem verdade, contudo, que o direito de terceiro deve apresentar-se de forma
precisa e cristalina. Na dúvida, a mais remota que seja, haverá a necessidade de sentença
judicial transitada em julgado. Até mesmo porque o alienante pode defender-se (e por isso é
obrigatória a denunciação da lide), sustentando que a posição do terceiro não é pacífica.
Convém lembrar ainda – como veremos a seguir – que não haverá responsabilidade pela evicção
quando o evicto sabia que a coisa era alheia ou litigiosa (art. 457), até mesmo porque paira em
todas as modalidades de garantia a boa-fé nos contratos.

Obrigatoriedade de denunciação da lide – Dispõe o art. 456 que o adquirente deverá


notificar do litígio o alienante, para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta.
Assim, sem a denunciação da lide (art. 70, CPC), o adquirente decai do direito à evicção.
Pode acontecer que o vício jurídico no título seja anterior ao próprio alienante e este
tenha que também exercer a denunciação, sob pena de perder seu próprio direito de evicção,
formando uma cadeia de litisdenunciados. Porém, segundo o art. 73 do CPC, prevê que o
denunciado poderá intimar o responsável pela indenização. Assim, não se estabelecerá uma
cadeia de lides secundárias, pois a lei ao determinar a intimação e não a citação do segundo
denunciado, não o coloca automaticamente em parte. Assim, o denunciado poderá, depois, se
haver da ação regressiva, porém em nada obsta que o segundo denunciado atue como
assistente, pois tem interesse (e muito) na causa.
Concordamos, também, com Venosa quando afirma que a exigência absoluta da
litisdenunciação não inibe, sem sua falta, a ação de indenização decorrente dos princípios
gerais, do inadimplemento dos contratos, ação essa transmissível aos herdeiros e
legatários.
A evicção, por fim, pode ser total ou parcial, podendo haver exclusão contratual,
diminuição ou aumento da responsabilidade, existente, inclusive, nas aquisições judiciais,
conforme se demonstra com a leitura dos artigos correspondentes.

VÍCIOS REDIBITÓRIOS – A obrigação do vendedor ou do transmitente da coisa não


termina com a entrega da res. O alienante deve garantir ao adquirente que ele possa usufruir
da coisa, conforme sua natureza e destinação. Assim, deve o alienante abster-se de praticar
qualquer ato que implique turbação do direito adquirido, deve, também, evitar que terceiros
turbem o exercício desse direito e assegurar a materialidade idônea da coisa, garantindo o
adquirente dos vícios ocultos.
A garantia dos vícios redibitórios está presente não só nos contratos de compra e
venda, mas em todos aqueles em que há a transferência da posse. Deriva do próprio princípio
da boa-fé dos contratantes.
Na doutrina, os vícios de fato são os vícios redibitórios, enquanto que os vícios de
direito é a evicção.

Conceito – o art. 441 do CC, encarrega-se de conceituar os vícios ocultos: a coisa


recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos
ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuam o valor.

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Perceba de antemão que somente nos contratos comutativos é possível o vício
redibitório, pois o contrato aleatório é incompatível com essa modalidade, pelo menos no que
tange à parte sujeita a álea.
Por outro lado, fez bem a nossa lei ao disciplinar os vícios redibitórios de forma
generalizada e não dentro da compra e venda, pois tal instituto aplica-se aos contratos
comutativos em geral.
A garantia refere-se a vícios ocultos na coisa, no tempo da transmissão, pois infere-se
que o negócio não teria se realizado caso o adquirente soubesse da existência do defeito na
coisa.
A noção aplica-se aos contratos comutativos, porém poderá ser aplicada também à
doação onerosa.
Contudo, não é todo e qualquer vício que se traduz em redibitório, mas tão somente
aquele que torne a coisa imprópria ao uso ou diminua o seu valor. Quem compra um cavalo de
corridas, com uma doença no coração que o impede de correr, adquire o semovente com vício
oculto que o torna impróprio ao uso a que se destina. Porém esse mesmo cavalo pode ser
adquirido para puxar carroça (ou para o abate, sendo um boi, por exemplo) e a doença em nada
afeta o animal.
Por fim, podemos dizer que os vícios devem ser analisados pela noção do homem médio,
não podendo reclamar pelo vício quem adquire produto usado e avariado com a ressalva do
vendedor de que a coisa é entregue no estado em que se encontra.

Distinção entre vício redibitório e inadimplemento contratual – No vício redibitório o


contrato é cumprido de maneira imperfeita, enquanto que no inadimplemento contratual é ele
descumprido. Assim, se alguém compra café de um tipo e recebe de outro, não há vício
redibitório, mas inadimplemento, pois o vendedor prometeu entregar uma coisa e entregou
outra. Da mesma forma se alguém adquire um automóvel ano 2003 e quando recebe, percebe
que o modelo era 2002/2003. O negócio pode ser desfeito, com perdas e danos, nos termos do
art. 389, CC/2002.
No vício redibitório o defeito além de oculto é excepcional em mercadorias
semelhantes não podendo o adquirente, ordinariamente, contar com a presença de tal defeito
na coisa comprada.

Distinção entre vício redibitório e erro essencial – quando o erro essencial diz
respeito à qualidade essencial do objeto principal da declaração (art. 139, I), em muito se
assemelha ao vício redibitório. Porém no erro sobre o objeto da declaração ou qualidade a ele
essencial, a coisa objeto da declaração é outra, diferente da que o declarante tinha em mente.
O exemplo clássico é o dos candelabros prateados que o adquirente pensa ser de prata. O fato
de o mesmo ser apenas prateado não representa um defeito ou um vício, apensa existe uma
disparidade entre a vontade do comprador e o propósito do vendedor, suscetível de anulação.
No vício redibitório, o negócio é ultimado tendo em vista um objeto com aquelas
qualidades que todos esperam que ele possua. Porém, o objeto, fugindo da sua normalidade,
apresenta um vício particular e não comum aos demais bens de sua espécie. Desta forma, se
alguém adquire ovelhas para reprodução, logicamente as imagina férteis. Se descobre depois a
sua infertilidade, seria o caso de vício oculto.
No erro essencial, o defeito é subjetivo, pois existe um ato volitivo que não teria se
externado caso o adquirente tivesse exata noção do que estava adquirindo; enquanto que no

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vício redibitório, o defeito é objetivo, pois a coisa apresenta uma imperfeição a ela peculiar,
mas que não é encontrável na maioria das coisas semelhantes.
A diferença reveste-se de caráter prático, pois no erro essencial a competente ação é
a ação anulatória, com prazo prescricional de 04 anos (art. 178, II), enquanto que no vício
redibitório, a ação será a ação redibitória ou a quanti minoris e o prazo será aquele ditado
pelo art. 445.

Efeitos – duas são as ações que poderão ser intentadas, a critério do credor: a ação
redibitória e a ação de quanti minoris (art. 442). Escolhida uma ação, não caberá ao adquirente
mudar posteriormente. Em defesa, poderá o réu alegar que o defeito era do conhecimento do
autor, ou que o mesmo se originou após a transferência, podendo, ainda, ter ocorrido a renúncia
da garantia ou a decadência do prazo de reclamação.
Se a coisa não mais existe, remanesce o direito de redibição, porém se a coisa foi
transformada, não pode o contratante ser compelido a receber coisa diversa da que entregou,
havendo neste caso somente a ação estimatória (também denominada edilícias, tendo em vista
as suas origens).
Há uma aplicação da teoria do dolo no que tange ao vício redibitório: se o alienante
sabia do defeito e mesmo assim o vendeu, responderá pelo defeito mais as perdas e
danos; se não houve culpa, restituirá o valor singelamente, além das despesas de
contrato.
Na relação civil, podem as partes, diante da autonomia da vontade, renunciar, ampliar
ou diminuir a garantia redibitória, não sendo permitida tal situação no que tange às relações de
consumo.

Prazos – O prazo para a redibitória e para a estimativa é prazo decadencial e começa


com a entrega do bem (nem sempre a entrega do bem se dá com a assinatura do contrato).
No CC/1916 o prazo era de 15 dias para coisas móveis e seis meses para coisas imóveis
(art.178, §§ 2° e 5°).
No atual Código, pecou o Código por não acompanhar o CDC, criando duas situações.
Assim, no art. 445, estabelece o prazo de 30 dias para o adquirente obter a redibição ou o
abatimento no preço, se a coisa for móvel e um ano em se tratando de coisa móvel. Referido
dispositivo acrescenta ainda que se o adquirente já estava de posse da coisa, o prazo conta-se
da alienação, mas reduzido da metade. (melhor seria se o legislador mantivesse os prazos,
contando-os a partir da posse).
Para os casos em que os vícios só podem ser percebidos mais tarde, dispõe o parágrafo
primeiro do art. 445 que: quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais
tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele se tiver ciência, até o prazo máximo
de cento e oitenta dias em se tratando de bens móveis; e de um ano para os imóveis.
Em relação aos animais, há previsão específica no art. 445, § 2° a ser disciplinada em
lei especial.
Por fim, o art. 446, em verdadeira confusão, por demonstrar não conhecer o CDC,
determina: não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de
garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias
seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência.

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Perceba que esse prazo de trinta dias não é para o ingresso judicial (que se mantém o
mesmo), mas sim para a comunicação formal ao fornecedor do defeito no produto, solicitando
providências. Feito isto, o prazo decadencial para a ação continua o mesmo.

DA NOVAÇÃO – há novação quando as partes criam obrigação nova para extinguir uma
antiga. É modo de extinção, pois ao mesmo tempo em que a obrigação primitiva se esvai, surge
uma nova tomando o seu lugar.

A novação é, portanto, um processo de simplificação, uma vez que dispensa o recurso de duas
operações (pagamento de uma obrigação e criação de uma nova), obtendo as partes igual
resultado com um único ato.
Alguns exemplos podem ilustrar a sua concepção: alguém deve um valor representado por um
cheque que, na data de pagamento, entrega o devedor uma duplicata, ficando, portanto,
obrigado somente a esta última; ou alguém deve entregar certa quantia de arroz e na data do
pagamento convenciona que entregará a quantia correspondente de feijão, extinguindo, desta
forma, a obrigação primitiva. Perceba que nos exemplos suso mencionados, em muito o instituto
da novação se assemelha à dação em pagamento, com sutis diferenças. Assim, na dação o
credor aceita coisa diversa da combinada, enquanto que na novação surge uma nova obrigação,
com a aquiescência do credor.

Origem histórica – No direito romano, como já vimos, a obrigação surge como um liame
pessoal, insuscetível de alteração. Não podendo transmitir a obrigação, o direito romano valia-
se da novação para que persistisse a mesma obrigação, porém com características diferentes.
Assim, no direito romano apenas a novação subjetiva era conhecida, ou seja, apenas era
possível a novação quando o objeto da dívida continuasse o mesmo.
A vontade de novar, isto é, o animus novandi, sempre foi, desde o direito romano,
característica sine qua non para a novação, pois sem ela a segunda obrigação apenas
confirmaria a primeira (art. 361).
Note que, hoje em dia, a novação não tem a mesma importância que tinha no direito romano,
pois com a possibilidade da cessão de crédito, cessão da posição contratual, assunção de dívida
e a sub-rogação as garantias se ampliam ao credor que, obviamente, as usará. No direito
alemão, a novação sequer é mencionada.

Espécies – para estudo, figuremos três exemplos específicos:


a) o devedor de juros não pagos que convenciona a incorporação do mesmo ao capital;
b) o mutuário que por ocasião do vencimento de sua dívida, indica um seu devedor para quitar a
prestação, obtendo a concordância dos demais interessados;
c) credor que dá quitação ao seu devedor com o consentimento que este fique a dever, a mesma
quantia, a terceiro (novo credor).
Note que nos três exemplos adrede em comento houve novação. No primeiro, houve a
substituição do objeto, no segundo mudou o sujeito passivo e no terceiro caso, houve a
mudança do credor.
Assim, quando a novação se dá com mudança no objeto ou na causa da obrigação, dizemos ser a
novação objetiva (exemplo 01); quando, por sua vez, o elemento novo se refere aos sujeitos da

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relação, dizemos tratar-se de novação subjetiva, que, por sua vez pode ser novação subjetiva
passiva (exemplo 02) ou novação subjetiva ativa (exemplo 03).
Referidos exemplos encontram-se disciplinados no art. 360.
A novação subjetiva passiva pode ocorrer por dois modos: ou pela delegação (existe o
consentimento do devedor originário) ou pela expromissão (verdadeira expulsão do devedor,
independente de sua vontade).

Pressupostos da novação
1. existência de uma obrigação anterior – assim não podem ser objeto de novação as obrigações
nulas e extintas (as anuláveis podem) art. 367. Esta explicação se dá porque os vícios que
tornam anuláveis eventuais obrigações não afetam a ordem pública.
2. criação de uma obrigação nova – da novação deve surgir nova obrigação distinta da primeira.
Assim, o recebimento de parcelas em atraso, aumento ou diminuição de garantias, mudança do
lugar do cumprimento da obrigação, etc, não implica novação.
3. elemento novo – a inserção de um aliquid novi na segunda obrigação é o que torna a mesma
diferente da primeira. Esta inovação pode ser do objeto ou sobre o sujeito da obrigação.
4. animus novandi – é o elemento psicológico da novação. Há necessidade que as partes tenham
o desejo de que a extinção da primeira obrigação seja causa de nascimento da segunda.
5. capacidade e legitimação das partes – sendo um negócio jurídico, mister sejam as partes
capazes e legítimas. Assim, o procurador somente pode pleitear ou aceitar novação se tiver
poderes específicos.

Efeitos da novação – o principal efeito da novação é extinguir a obrigação anterior. Por razão
óbvia, extinguindo a obrigação original, estarão extintos também os acessórios. Assim, os juros
convencionais deixam de fluir, os efeitos da mora não mais se apresentam, desaparece a
cláusula penal, etc. Porém perceba que a própria lei permite que as partes acordem no
sentido de manutenção das garantias acessórias (art. 364), mas essas garantias serão
garantias novas, produtos da nova manifestação da vontade.
Em relação a terceiros, o acordo entre as partes não poderá vinculá-los. É o caso do fiador em
que havendo a novação, o mesmo estará automaticamente exonerado (art. 366). A mesma
concepção se aplica no caso de devedores solidários, ou de garantias, reais ou fidejussórias,
dadas por terceiros.

Indagação final
1. podem as obrigações naturais ser objeto de novação? Justifique sua resposta.

DA COMPENSAÇÃO – compensar significa contrabalançar, contrapesar, equilibrar. No


que tange ao direito das obrigações significa um acerto de débito e crédito entre duas pessoas
que possuem, concomitantemente, a condição recíproca de credor e de devedor. É a noção da
lei quando diz que se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra,
as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Se A deve 100 a B e, em contrapartida, B deve 150 a A, as dívidas se compensam até
onde se eqüivalem, daí resultando remanescer apenas um débito de 50, de B para com A.

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Origem histórica – os romanos, apegados ao individualismo e à autonomia da vontade,
de início não conhecia o instituto da compensação, embora fosse permitida a compensação
convencional.
Uma das formas mais antigas de compensação era a compensatio argentari. O banqueiro
(argentarius) que tivesse uma conta corrente com um cliente, era obrigado a compensar o
crédito e não cobrá-lo. Assim, poderia ser vencido na ação por ter incidido em uma plus petitio.
Outra forma de compensação no direito romano era a deductio do bonorum emptor. O
bonorum emptor era o comprador em bloco de todo um patrimônio, geralmente de pessoa
insolvente. Se esse comprador fosse também credor do falido, as dívidas se compensavam.
Neste caso, o juiz concedia a bonorum ao comprador cum deductione, ou seja, somente na
diferença de seus créditos.
Também no direito romano era conhecida a compensação resultante das ações de boa-
fé, bem como a petição recíproca, mutua petitio, que originou a própria reconvenção.

Modalidades – Pela doutrina, podemos encontrar a compensação legal, a voluntária, a


judicial (aquela decretada em reconvenção) e a facultativa (quando apenas uma das partes pode
opor compensação – é o caso de uma obrigação alimentícia e uma dívida civil. O credor da dívida
civil não pode opor compensação com a dívida alimentícia, devendo cumprir a obrigação
alimentar).
Compensação legal – é a mais importante de todas. Vejamos seus principais requisitos.
a) reciprocidade de créditos – é o requisito fundamental da compensação, sendo
mister a presença de créditos e débitos para que haja a aplicação do instituto. Desta noção
decorrem conseqüências interessantes.
1) o devedor solidário só pode compensar com o credor o que este deve a
seu coobrigado, até ao equivalente da parte deste na dívida comum.
2) obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar esta dívida
com a que o credor dele lhe dever. É o exemplo do mandante e do mandatário. Se o
mandatário se obriga, transforma o mandante em devedor.
3) o devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a
terceiros dos seus direitos, não pode opor ao cessionário a compensação. Suponha que A
deve a B e B deve a A. Se A cede seu crédito a C, B deverá opor-se, sob pena de aceitar a
cessão. Caso contrário, ficará credor de A, porém devendo a C não havendo mais possibilidade
de compensação.
b) liquidez das dívidas – o antigo Código Civil definia dívida líquida aquela certa quanto
à sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Haverá possibilidade de compensação de
dívidas ainda não liquidadas quando a mesma for convencional.
c) exigibilidade atual das prestações – da mesma forma quando tratamos da
imputação do pagamento, para a compensação há necessidade de estarem as dívidas vencidas.
Exceção feita quanto ao beneficiário do tempo do pagamento (ver nota de aula acerca de
pagamento).
d) fungibilidade dos débitos – há necessidade de as prestações sejam fungíveis e
fungíveis entre si. Assim, carvão e açúcar são coisas fungíveis, mas não são entre si.

Compensação convencional – esta opera quando há falta de um dos requisitos previstos


acima. Desta forma, as partes podem convencionar a compensação. Interessante é que a
compensação convencional poderá ser levada a cabo por vontade de somente uma das partes.

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Tal hipótese será quando o credor de dívida vencida deseja compensar um débito vincendo.
Como somente ele seria o prejudicado, a lei permite que ele compense, se quiser, seu crédito
vincendo.

Dívidas não compensáveis – apesar de haver a compensação legal ou convencional, a lei


prevê algumas possibilidades em que a compensação não se operará, São elas:
a) se provier de esbulho, furto ou roubo;
b) se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;
c) se uma for de coisa não suscetível de penhora (ver Lei 8009/90)

Renúncia à compensação – o Código Civil permite a renúncia à compensação, quer por


manifestação de um dos contratantes, quer por convenção entre as partes. Imagine o exemplo
de uma dívida com garantia real e outra pessoal. As partes podem, ab initio, convencionar que
ambas não se compensarão. A renúncia unilateral somente se dará quando o credor beneficiado
assim se manifesta.

Por fim, cabe ressaltar que a compensação não poderá prejudicar terceiros. Imagine a
seguinte hipótese ofertada por Sílvio Rodrigues: “Tito é devedor de Celso de importância de
100 e, para extinguir a obrigação, compra um crédito de igual importância, em que Celso figura
como devedor. A reciprocidade das dívidas provocaria, ordinariamente, a compensação legal,
extinguindo-se as duas relações jurídicas. Entretanto, se o último dos débitos houvesse sido
penhorado por algum credor de Celso, e em respeito ao interesse dessa pessoa, a cessão obtida
por Tito não teria o efeito de provocar a compensação”.

DA TRANSAÇÃO – inicialmente, cumpre ressaltar que o instituto da transação, em


quase a totalidade dos códigos e da doutrina, está inserido como contrato. O Código Civil de
1916, seguindo a opinião de Beviláqua, inseriu o instituto entre os modos de extinção das
obrigações, tendo, o novo CC/2002 tratado o instituto como contrato.
Assim, para fins didáticos e para que haja um estudo comparativo, trataremos também
da transação, embora sua natureza, hoje inclusive por força de lei, seja nitidamente
contratual.

Conceito – o termo transação possui um sentido vulgar, referente a convênio, ajuste ou


operação comercial. Por outro lado, para fins jurídicos o conceito de transação é forma de
extinção das obrigações, sendo compreendido nos exatos termos do art. 840 quando aduz que
é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígios mediante concessões mútuas.
Desta forma, o conceito de transação nos é dado por aquele de uma pessoa intransigente, ou
seja, pessoa que não faz acordo, que não cede em nada.
Sílvio Rodrigues fornece um exemplo de transação quando o inquilino de dois armazéns
que foi vencido em ação renovatória (de cuja decisão ainda pende recurso) compõe-se com seu
locador para desocupar um deles e pagar pelo outro o triplo do aluguel que pagava por ambos.
Perceba que há concessões mútuas, pois, de um lado o locatário tinha o receio de ficar privado
dos armazéns e, por outro, o locador que evitou os riscos de uma decisão que revertesse sua
sentença.

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Princípios da transação – indivisibilidade, interpretação restritiva e a possibilidade de
pena convencional.
a) indivisibilidade – sendo produto da vontade das partes, a transação se apresenta
como um bloco harmônico sendo certo que será nulo o negócio, se nula for qualquer de suas
cláusulas (art. 848).
Tal regra encontra um conceito de justiça, pois se a transação representa uma
recíproca troca de concessões, cada cláusula pode, eventualmente, constituir o motivo e a
justificativa da renúncia de um direito por parte de um dos transatores. Ora, nula tal cláusula,
pode-se desequilibrar a balança em que se colocaram os favores recíprocos e, dessa maneira,
aquilo que, por ser contratual era justo, talvez venha a deixar de sê-lo.
A exceção se faz no parágrafo único do art. 848 que pensa na hipótese em que a
transação possua vários negócios todos autônomos e independentes entre si, permitindo a
existência dos negócios autônomos, por não prejudicarem nenhum dos contratantes. Porém, não
se aplica a regra em estudo quando a causa da concessão efetuada for exatamente a
transigência do outro, pois então estaria rompendo o equilíbrio do negócio.
b) interpretação restritiva – não pode a transação ser ampliada por analogia, nem
tampouco alcançar situações que não foram expressamente especificadas no instrumento
contratual (art. 843).
c) pena convencional – melhormente situada no terreno contratual, é despicienda a
previsão legal de aplicação de uma pena convencional, uma vez que tal instituto é inerente aos
contratos em geral.

Elementos da transação – são elementos da transação: o acordo entre as partes, a


existência de relações controvertidas, com a intenção de lhes pôr termo (já em litígio ou na
iminência) e concessões recíprocas para alcançar tal escopo.
Em acórdão do Tribunal de São Paulo, houve anulação da transação em que o advogado
com poderes especiais reconheceu direitos à parte contrária, entendendo, depois, que a
transação perdera seu objeto, por não haver mais res litigiosa e o ato ter equivalido à
verdadeira alienação, ineficaz à míngua de poderes expressos.

Objeto da transação – a transação tem por objeto somente direitos patrimoniais de


caráter privado (art. 841). Assim, estão fora da transação os bens fora do comércio (direitos
indisponíveis, relativos ao estado e capacidade das pessoas, os direitos puros de família,
direitos personalíssimos, etc) e as relações jurídicas de caráter privado que interessam
diretamente à ordem pública.

Efeitos da transação – sendo a transação contrato extintivo de obrigações, a mesma


não aproveita nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa
indivisível (art. 844).
Assim, com a transação desaparecem os acessórios, inclusive a fiança e, em relação a
devedores solidários, os demais estarão libertos.
Quanto aos efeitos declaratórios da transação, o art. 843 aduz, por razões de política
legislativa, que através dela não se transmitem, apenas e declaram ou reconhecem direitos.
Desta forma, presume o legislador que os direitos ao final reconhecidos na transação já se
encontravam no patrimônio de cada uma das partes que, dessa maneira, não os adquire nesse
ato. Trata-se de presunção legal juris et de jure não admitindo prova em contrário.

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COMPROMISSO – Para Beviláqua, o compromisso situava-se no direito obrigacional, pois seu
fim não seria criar, modificar ou extinguir direitos, mas dirimir questões. Desta forma foi
tratado no CC/1916. Já no novo código, o compromisso está situado nos contratos em espécie –
logo depois da transação – já que, em verdade, é ato de vontade capaz de criar relações na
órbita jurídica, sendo, por conseqüência, negócio jurídico.
Podemos definir compromisso como sendo o contrato pelo qual as partes ajustam
afastar a jurisdição ordinária, em litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis,
para confiar a decisão de suas pendências a árbitros de sua confiança, previamente
eleitos.
Optamos, ainda, por determinar compromisso o instituto de direito material, enquanto
que arbitragem seria instituto de direito processual que indicaria a forma de seguir o
compromisso.
Assim, a lei que regulamenta a arbitragem hoje em dia é a Lei n° 9.307/96 que, dentre
outras situações, inovou em seu art. 18, dando nova força ao compromisso, ao determinar que o
árbitro é juiz de fato e de direito e que a sentença que proferir não fica sujeita a
recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
Em legislações anteriores, além da inexecutoriedade da cláusula compromissória, havia
a necessidade de homologação da sentença arbitral, razão mais que justificada para o seu
desuso. A nova lei, além de permitir a execução específica da cláusula compromissória, ainda
afasta o Judiciário, somente tornando indispensável a ação judicial para a execução da
sentença arbitral ou alguma medida cautelar porventura reclamada.

Distinção entre compromisso e cláusula compromissória – O compromisso, como dito,


é o contrato em que as partes decidem submeter suas pendências a árbitros nele nomeados. A
cláusula compromissória (pactum de compromittendo), por sua vez, é mera cláusula contratual
em que as partes se comprometem a submeter seus litígios eventuais e futuros a árbitros, que
em momento oportuno serão escolhidos. Tal distinção encontra-se explícita nos artigos 4° e 9°
da Lei de Arbitragem.

No regime anterior, o descumprimento da cláusula compromissória ensejava as


conseqüências de um inadimplemento contratual (perdas e danos). A Lei 9.307/96, por sua vez,
instituiu a possibilidade de execução específica da cláusula, levando a parte para o Judiciário a
fim de que, citada, compareça em Juízo a fim de lavrar-se o compromisso em audiência
especialmente designada para esse fim, nos termos do art. 6° e ss, da Lei n° 9.307/96.
No compromisso, deverá conter os requisitos do art. 10 (obrigatoriamente) e do art. 11
(facultativamente) da Lei de Arbitragem.
Interessante ainda é que o compromisso pode instaurar-se também quando já existe
demanda judicial a respeito, devendo as partes celebrá-lo por termo nos autos e o juiz
homologando sua sentença.

Dos árbitros – qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes pode ser
árbitro, nos termos do art. 13, devendo as partes nomear um ou mais, porém sempre em
número ímpar.

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Perceba que, em se tratando de compromisso arbitral, há liberdade na vontade das
partes, podendo estabelecer critérios para o processo de escolha dos árbitros, sendo o mais
normal que as partes atribuam a um órgão arbitral institucional ou a uma entidade
especializada.

Do procedimento arbitral – da cláusula compromissória as partes passam para a


estipulação do compromisso, sendo instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelos
árbitros. Havendo suspeição ou impedimento de algum árbitro e o mesmo não sendo
substituído, ou ainda alegação de nulidade, invalidade ou ineficácia da arbitragem, os autos
deverão ser encaminhados ao Judiciário.

Da sentença arbitral – a sentença arbitral encerra a atividade dos árbitros e põe


termo ao compromisso. O prazo para sentença será o estipulado pelas partes ou, na sua
ausência, em seis meses a partir da instituição da arbitragem ou da substituição de algum
árbitro.
O art. 26 determina os requisitos obrigatórios da sentença arbitral, sendo, em suma, os
mesmos da sentença judicial.

Nulidade da sentença arbitral – duas são as formas de se pleitear judicialmente a


nulidade de uma sentença arbitral: por meio de ação própria de nulidade ou através de
embargos do devedor, em ação de execução. Porém, a demanda para a decretação de
nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no CPC, devendo
ser proposta no prazo decadencial de até noventa dias após o recebimento da notificação
da sentença arbitral ou de seu arbitramento.
As hipóteses de nulidade encontram-se disciplinadas no art. 32.

Sentenças arbitrais estrangeiras – é bem verdade que o maior campo da atuação da


arbitragem é o dos contratos internacionais privados. Assim explicita o art. 34: “a sentença
arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados
internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo
com os termos desta lei. Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que
tenha sido proferida fora do território nacional”.
A sentença deverá obrigatoriamente ser homologada pelo STJ, podendo ser opostos
embargos à execução, pois “execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da
homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da
mesma natureza” (art. 34).
Indispensável é a leitura do art. 38 da Lei 9.307/96 a fim de determinar as hipóteses
em que a homologação da sentença arbitral estrangeira poderá ser negada.

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CONFUSÃO – Na obrigação, é essencial a existência de dois pólos: um credor do lado
ativo e um devedor do lado passivo. Ninguém, em tese, pode ser credor e devedor de si mesmo.
Ocorre que, às vezes, por fatores externos à vontade das partes, as características de credor
e devedor se fundem. Assim, ocorre a confusão quando há a reunião em uma única pessoa e na
mesma relação jurídica, da qualidade de credor e de devedor.
Há confusão, por exemplo quando, João, filho de Antônio, é credor deste último. Com a
morte de Antônio seu patrimônio passará automaticamente para seu filho que era seu credor.
Sílvio Rodrigues enquadra a confusão como a neutralização de um direito em virtude da reunião
em uma única pessoa de duas qualidades incompatíveis, pois em verdade, a teor do art. 384, na
confusão as obrigações não se extinguem e sim neutralizam.
Nos dizeres de Venosa, a confusão pode se originar de uma transmissão universal de
patrimônio. Esse fenômeno pode ocorrer causa mortis o que é mais comum. O herdeiro passa a
ter ambas as qualidades do credor e devedor com o desaparecimento do autor da herança e a
dívida se confunde. Pode ocorrer por ato inter vivos quando, por exemplo, uma empresa
credora da outra, vem a receber por qualquer razão todo o patrimônio da outra. Pode ainda o
fenômeno derivar de um título singular, como no caso de alguém ter uma dívida com outrem que
lhe faz um legado de crédito.
A confusão pode extinguir toda a dívida ou parte dela. Assim, teremos a confusão total ou
parcial. Se o herdeiro é apenas credor de uma parte de dívida divisível do de cujus a confusão
será parcial.

REMISSÃO – ocorre a remissão de uma dívida quando o credor libera o devedor, no todo ou
em parte, sem receber pagamento. É mera liberalidade do credor.
Atenção: a remissão é o ato ou efeito de remitir, perdoar uma dívida; não se confunde
com remição, ato ou efeito de remir, resgatar, que instituto de direito processual.
A remissão não se confunde com a renúncia, pois depende da anuência, expressa ou tácita do
devedor que pode repelir a remissão consignando o pagamento. Seja por não aceitar favores de
seu credor, seja para provar à sociedade que paga suas dívidas, o motivo não importa para o
direito.
Há certa semelhança entre a remissão e a doação, mas não se confundem, pois a remissão será
sempre um ato sinalagmático.
A remissão poderá ser total ou parcial, a critério do credor que poderá remitir todo o seu
crédito ou apenas parte dele.
Poderá também a remissão ser expressa ou tácita. Sendo a dívida representada por
instrumento particular, a mera entrega voluntária do documento pelo credor cria a presunção
de pagamento, eqüivalendo à remissão tácita. Quando o título da obrigação for instrumento
público, porém, a remissão somente será admitida expressamente.
A devolução do objeto dado em penhor presume a remissão do credor ao direito real (à
garantia), mas persiste ainda a dívida.
Remissão e a solidariedade passiva – a remissão concedida a um dos devedores solidários
extingue a dívida na parte que diz respeito a esse devedor, de maneira que a obrigação
individual de cada um dos co-devedores continua a mesma. Ocorre que, como a dívida original
do devedor remitido já se extinguiu, cada um dos devedores remanescentes ao ser cobrado
pelo todo, pode pedir a dedução da parte perdoada, nos termos do art. 388.

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Havendo obrigação indivisível, “se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará
extinta para com os outros; mas estes só poderão exigir, descontada a cota do credor
remitente” (art. 262).

CRISE NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Inadimplemento das obrigações – Pacta sunt servanda. As obrigações surgem para que possam
ser cumpridas. Inadimplemento é, pois, a falta da prestação devida. Neste contexto, duas
hipóteses podem surgir: ou a impossibilidade é inimputável ao sujeito passivo, resultando pura a
simplesmente na extinção da obrigação, ou o devedor é responsável pelo não-cumprimento e
então cabe ao credor exercer sobre o patrimônio do devedor o poder de suprir a ausência da
prestação.
Para o segundo caso, não cumprindo com a obrigação, responde o devedor por perdas e danos.
(art. 389).
Podemos antever que o art. 389 constitui a regra fundamental da responsabilidade contratual,
enquanto que o art. 186 regula a responsabilidade delitual, extracontratual ou aquiliana. Não
cumprida a obrigação, portanto, nasce o dever de reparar o prejuízo, devendo ser apurado qual
o dano que o credor experimentou, impondo ao inadimplente o dever de indenizá-lo.
Para fins didáticos, podemos visualizar a impossibilidade sob o critério subjetivo (quando se
refere às circunstâncias pessoais ligadas ao devedor ou ao credor) ou objetivo (quando a
prestação é afetada em si mesma), podendo subdividir-se em objetivo natural (quando há um
acontecimento de ordem física) e objetivo jurídico (quando há um obstáculo no próprio
ordenamento).
Inadimplemento absoluto e relativo – diz-se absoluto quando estiver faltando completamente
a obrigação, de forma que o credor já não mais receba aquilo convencionado, não havendo
possibilidade de ser executada a prestação. Será relativo, se apenas parte da res debita
deixou de ser prestada, ou se o devedor não cumpriu oportunamente a obrigação, havendo
possibilidade de que ainda venha a fazê-lo, constituindo a mora. Ressalte-se que, pela melhor
doutrina, não é pela possibilidade do cumprimento da obrigação que se distingue a mora do
inadimplemento, mas sob o aspecto de sua utilidade para o credor.

Dolo e culpa – como dito, o descumprimento que sujeita o devedor a perdas e danos é o
originário de uma falta sua, entendida a expressão em sentido largo, abrangente de qualquer
infração de um dever legal ou contratual. Mas na sua objetividade, a falta do devedor pode
percorrer toda uma gama de intensidade, desde a infração intencional e voluntária, dirigida no
propósito de causar um mal, até a que provém de uma ausência de cuidados especiais a seu
cargo. Assim configuramos o dolo e a culpa.
Inicialmente, para espancar dúvidas, cabe advertir que a idéia de dolo no cumprimento da
obrigação não se confunde com o dolo defeito do negócio jurídico.
Desnecessária as distinções de praxe, entre dolo e culpa, já adotadas em outras Cadeiras do
Curso, o legislador civil não preconizou a gradação (intensidade) do dolo ou da culpa como fator
indenizatório. Assim, ocorrendo a culpa, em sentido amplo, haverá o dever de indenizar.
A culpa, por sua vez, tendo em vista o interesse violado, diz-se contratual (aquela decorrente
da infração de uma cláusula ou disposição de contrato celebrado pelas partes) ou

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extracontratual (derivada de um dever legal de respeitar bem jurídico alheio ou de um dever
geral de não causar dano a outrem).
Não obstante haver unidade de culpa (aquiliana e contratual), na culpa extracontratual ao
queixoso incumbe demonstrar todos os extremos da responsabilidade, evidenciando a
transgressão, o dano e a relação de causalidade, enquanto que na culpa contratual há uma
inversão deste encargo, ou seja, quando há um contrato, existe um dever específico de
cumprimento das obrigações, impondo, por si só, a responsabilidade em caso de
inadimplemento.

Caso fortuito e força maior – pressuposto essencial da reparação é, em regra, a


imputabilidade da falta, pois faltando a sua imputabilidade descabe indenização. Se então a
prestação se impossibilita não pelo fato do devedor, mas por imposição de acontecimento
estranho ao seu poder, extingue-se a obrigação, sem que caiba ao credor ressarcimento.
Dentre as inúmeras – e confusas – definições optamos pelo escólio de Agostinho Alvim quando
aduz que o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou
com sua empresa, enquanto que a força maior advém de um acontecimento externo.
Em outro diapasão, o caso fortuito, segundo Caio Mário, se traduz pelo acontecimento natural
ou o evento derivado da força da natureza, como o raio do céu, a inundação ou o terremoto.
Força maior, por sua vez, seria o dano originado pelo fato de outrem, como a invasão do
território, a guerra, o furto, roubo, etc. (Venosa e Sílvio Rodrigues já entendem o contrário).
A questão é tão tormentosa que Sílvio de Salvo Venosa quando se refere à distinção de caso
fortuito e força maior em seu Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos (Vol.
II) coloca como força maior todas as situações não derivadas de atos humanos (inundações,
tufões, maremoto, terremoto, tempestade, etc). Já na mesma coleção, quando trata de
Responsabilidade Civil (Vol. IV), o próprio Venosa enquadra tais acontecimentos como caso
fortuito (act of God), conforme se depreende com a leitura acurada dos citados livros.
A legislação atual optou por assemelhar os dois institutos (o que andou bem), conceituando
ambos como o fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Para o acontecimento do fortuito, portanto, há a necessidade de encontro de dois requisitos:
a) necessariedade, não é qualquer acontecimento, por mais grave e ponderável, bastante para
liberar o devedor, porém somente aquele que impossibilita o cumprimento da obrigação. Se o
devedor não pode prestar a obrigação por uma razão pessoal, mesmo que relevante, não ficará
exonerado; inevitabilidade, requer, ainda, que não haja meios de evitar ou impedir os seus
efeitos; a imprevisibilidade, contudo, não é causa de exoneração da responsabilidade, pois
embora previsível o fato, não raro a vítima não se pode furtar da sua ocorrência, porém, via de
regra, a imprevisibilidade redundará na inevitabilidade do evento.2

Fortuito e ausência de culpa – pelo acurado exame do art. 392, verifica-se que a inexecução
das obrigações somente conduzirá ao dever de ressarcir se houver ao menos culpa. De fato,
prevê a lei que nos contratos benéficos responde por culpa o contratante a quem ele aproveite
e somente por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos bilaterais, por sua vez, cada
uma das partes responde por culpa.
Por outro lado, o art. 393 oriente que havendo fortuito, não responderá o inadimplente, a
menos que expressamente se tenha obrigado.

2 Outra questão por demais tormentosa, pois conforme estudaremos, a jurisprudência sempre se refere
à imprevisibilidade como causa determinante para o fortuito.

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Assim, ao estudioso mais exigente, poderão surgir duas hipóteses de exclusão de
responsabilidade: a ausência de culpa e o fortuito. Ou seriam tais expressões equivalentes?
Consulta obrigatória, Agostinho Alvim caminha no sentido de serem as expressões
equivalentes. Assim, caberia ao devedor, além de provar sua diligência, evidenciar que no caso
concreto tomou todos os cuidados, tudo fazendo para o cumprimento da obrigação.
Em sentido contrário, encontra-se a posição de Arnoldo Medeiros da Fonseca, citado por Sílvio
Rodrigues, em que o gênero (ausência de culpa) não pode confundir-se com a espécie (caso
fortuito), sendo que a inevitabiliadade do evento constituiria o fator diferenciante.
Assim, caso fortuito implica a ausência de culpa + a inevitabilidade do evento.
Perceba, então, que a ausência de culpa será meio liberatório de mais fácil acesso
do que o caso fortuito, de modo que, em algumas situações, o legislador exonera o
inadimplente desde que ele demonstre não ter agido com culpa e em outras situações, a
exoneração só virá quando o devedor de fato comprovar a ausência de culpa, mais a
inevitabilidade do evento.

DA MORA – Como já dito, a mora caracteriza-se no atraso para o cumprimento da


obrigação. Pode se dar em virtude de o devedor não efetuar o pagamento ou de o credor que
não o quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados.
Ponto central de distinção entre a mora e o inadimplemento absoluto, se dá na análise
da utilidade da prestação para o credor. Assim, existe mora quando a obrigação, embora não
cumprida, ainda pode sê-lo; e inadimplemento absoluto quando o não cumprimento da obrigação
se torna definitivo.
Pelo art. 394, o Código nos fornece a definição de mora: “considera-se em mora o
devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo,
lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Mora do devedor e mora do credor


Mora do devedor – a mora do debendi ou mora solvendi ocorre quando este deixa de
efetuar o pagamento na forma, tempo e lugar devidos. São características:
 culpa – a culpa é elementar para a caracterização da mora solvendi. Assim, não
havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora (art.
396). É nisso que a mora se distingue do mero retardamento, pois este é fator
temporal, independente de culpa. Perceba que, como dito em sala de aula, o ônus
da prova, por se tratar de responsabilidade contratual, pertence ao devedor.
 Conseqüências da mora debendi:
a. Se a prestação, por causa da mora, torna-se inútil ao credor, este poderá
enjeitá-la e exigir perdas e danos. Assim, ou o credor aceita a prestação
com a reparação da mora, ou prova que a prestação se tornou inútil e exige
perdas e danos, sendo que o ônus da inutilidade pertence ao credor;
b. Perpetuatio obligationis (perpetuação da obrigação) – se o devedor está em
mora, ele passa a responder pela impossibilidade da prestação, mesmo que
tal impossibilidade resulte do fortuito, apenas se eximindo se provar a
isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse
desempenhada em tempo. Um exemplo esclarecedor, vem de Caio Mário com
a coisa fixa ao solo e destruída pelo raio, na pendência de mora solvendi:

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ainda que o devedor houvesse cumprido a tempo a obrigação, perderia o
credor a coisa, pela força do fogo no céu. Neste mesmo exemplo, o devedor
responderá pelo fortuito se a coisa era destinada à alienação e o
retardamento na entrega impediu o credor de realizá-la. É que com a
traditio oportuna não haveria prejuízo para o credor.

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Mora do credor – a mora accipiendi se dá quando este, sem justa causa se recusa a receber o
pagamento. Características:
a) independe de culpa – o credor somente pode recusar a prestação se tiver justa causa para
tanto, ocasião em que haverá mora do devedor. Assim, se outro motivo impediu o credor de
receber a prestação (doença), a mesma não caracterizará mora do devedor, estando o credor
em mora. Duas razões para esse entendimento podem ser alegadas: a primeira, de ordem legal,
pois o art. 396 somente exige a culpa na conduta do devedor; a segunda, de ordem prática, uma
vez que enquanto não entrega a prestação, o devedor responde pelos riscos da coisa. Ora, se o
credor que recusa a prestação pudesse escapar da mora accipiendi, por agir sem culpa, tal fato
iria sobrecarregar por demais o devedor que também sem culpa passaria a responder
pelos riscos.
b) conseqüências da mora do credor:
1. subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa
– Assim, regra geral, aquele que guarda a coisa deve conservá-la, porém se a
guarda advém de mora accipiendi, a responsabilidade do devedor cessa, a menos
que tenha ele agido com dolo. O comodatário que tenta devolver o cavalo
emprestado e esbarra na negativa do credor não mais será responsável pela
conservação do semovente, porém se deixar de alimentar o cavalo (dolo)
causando a sua morte, responderá. Em verdade, essa assertiva não permitirá
que o devedor abandone coisa.
2. obriga o credor a ressarcir as despesas efetuadas para conservar a coisa –
se o devedor não está obrigado a conservar a coisa por mora accipiendi, caso
conserve terá direito ao reembolso das despesas efetuadas. Perceba que
somente as benfeitorias necessárias serão passíveis de indenização, pois a
lei refere-se às “despesas empregadas em conservá-la” (art. 400).
3. sujeita o credor a receber a coisa pela estimação mais favorável ao devedor
– se a mercadoria não foi recebida na data aprazada, por mora accipiendi, e se
o preço variou entre esse dia e o da efetiva entrega, pode o devedor escolher o
valor pelo qual a presta, obtendo indenização pela diferença.

Termo inicial do retardamento culposo – nas obrigações em que não se fixou época
para pagamento, o credor poderá exigi-la a qualquer tempo, devendo, porém, notificar ao
devedor de sua intenção (mora ex persona). Assim, nas obrigações sem prazo determinado,
somente após a notificação, judicial ou extrajudicial, colocará o devedor em mora.
Nas obrigações a prazo, por sua vez, com o mero advento do termo desacompanhado do
cumprimento da obrigação, estará o devedor em mora (mora ex re), pois dies interpellat pro
homine (o termo interpela em lugar do credor). Nas obrigações comerciais havia a
obrigatoriedade de notificação do devedor para a constituição em mora. Com a unificação dos
institutos, tanto no Direito Civil quanto no Comercial, na mora ex re, dies interpellat pro
homine.

Purgação da mora – a purgação da mora é o procedimento espontâneo do contratante


moroso, pelo qual ele se prontifica a remediar os efeitos do retardamento culposo de sua
obrigação. Poderá ser em relação ao credor ou em relação ao devedor.
O devedor purga a mora oferecendo a prestação mais a importância dos prejuízos
decorrentes até o dia da oferta.

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O credor purga a mora oferecendo-se para receber o pagamento e sujeitando-se
aos efeitos, porventura onerosos, defluentes de sua anterior recusa.

DAS PERDAS E DANOS – o inadimplemento da obrigação sujeita o devedor ao dever


de reparar as perdas e danos sofridos pelo credor. Perdas e danos são expressões sinônimas
que, por lei, referem-se ao dever de indenizar. Indenizar é tornar indene, isto é, reparar o
prejuízo porventura sofrido. Indene, por sua vez, é aquele que não sofreu prejuízo, que está
incólume. Perceba, desde já, que na indenização não pode o credor experimentar lucro, e sim,
ser satisfeito apenas com o prejuízo que lhe fora causado.
Irrelevante é a existência de dolo, ou graus de culpa na indenização, sendo que a mesma
deve compor o prejuízo. Pela mesma razão, não havendo prejuízo não se cogita em indenização.
Assim, correto o exemplo de Venosa quando aduz que a parte que se comprometeu a
representar seu mandante em reunião condominial e, faltando, comprova que a mesma não se
realizaria, independentemente de sua falta, não se cogita de indenização. O dano, portanto, é
efetivo e não hipotético.
Todavia, ocorrendo o dano a indenização deverá ser a mais completa possível, incluindo
tudo o que o credor efetivamente perdeu (danus emergens), bem como o que razoavelmente
deixou de lucrar (lucrum cessans).

Dano emergente – cumpre ao credor provar o dano que experimentou. No Código de


1916 o legislador entendia que nas obrigações de pagamento em dinheiro a perda consistia no
pagamento dos juros de mora e das custas. Hoje em dia, em sábio entendimento, o Código
permite ao juiz que se ficar provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo e não
havendo pena convencional, poderá conceder ao credor indenização suplementar. (art. 404,
p.u.).

Lucro cessante – além do que efetivamente perdeu, cabe ao credor o direito de ser
pago daquilo que razoavelmente deixou de lucrar.
Como bem salienta Sílvio Rodrigues, “a prova do lucro futuro é sempre incerta, pois,
enquanto o prejudicado tende a aumentar os possíveis ganhos que experimentaria, o
inadimplente tende a depreciar tais lucros, atribuindo-os à fantasia do credor”.
A lei também atribui arbítrio ao juiz quando emprega a palavra razoavelmente. Assim,
refere-se com que o bom senso diz que o credor lucraria, tendo em vista os antecedentes da
hipótese.
As exceções, no que tange aos lucros cessantes, são duas:
a) só se deve cogitar daqueles lucros defluentes direta e imediatamente do
inadimplemento (art. 403). Exemplifica Pothier quando um negociante vende a um lavrador vaca
que sabe doente e contagia todo o rebanho, devendo o alienante indenizar não só o valor do
animal devido, mas também aqueles que morreram em virtude do contágio. Imagine, por outro
lado, que a moléstia contagia também os bois de serviço, de modo a impossibilitar o cultivo da
terra, resultando maiores prejuízos. Estes, contudo, porque situados mais distantes do fato
lamentável, não são reparáveis, pois não constituem conseqüências diretas dele.
b) só se computam os lucros que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação.
Não pode o inadimplente responder por possíveis ganhos totalmente excepcionais, pois
absolutamente imprevisíveis. Ainda em Pothier, citado por Sílvio Rodrigues, se dou em locação

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um prédio, sofrendo o locatário evicção, devo indenizar o locatário pelas despesas da mudança
e pela mais-valia que terá que pagar caso o aluguel tenha aumentado. Mas, se após a locação o
inquilino montou comércio, não devo indenizá-lo pelos lucros que deixou de ter, pois estes não
eram previsíveis.

Perda da chance – pelo conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um
processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance
ocorre a frustração na percepção desses ganhos, constituindo a perda da oportunidade em
efetiva perda patrimonial e não mera expectativa, sendo certo que o grau de probabilidade é
que fará concluir pelo montante da indenização. Pela doutrina, a perda da chance estaria
situada entre o dano emergente e os lucros cessantes.
Como exemplos concretos, temos alguém que deixa de prestar o exame vestibular, por atraso
no sistema de transportes, ou o advogado que não impetra o recurso no tempo correto, levando
à extinção da causa.
Perceba que, nos dizeres de Caio Mário se a ação se fundar em mero dano hipotético, não
cabe reparação. Mas esta será devida se se considerar, dentro da idéia da perda de uma
oportunidade e puder situar-se na certeza do dano.
Haverá efetiva perda da chance para engenheiro jovem que vitimado por atropelamento torna-
se tetraplégico, pois evidente que em seu mercado de trabalho não mais obterá o mesmo
salário de um engenheiro sadio.
Porém, para que não haja enriquecimento ilícito, os limites da indenização continuam a ser os
descritos pelo art. 402 do CC.
Por sua vez, o dano reflexo ou dano em ricochete é aquela situação de dano reflexo que
sofre uma pessoa por dano causado à outra. Assim, é reparável o dano reflexo ou em ricochete,
desde que seja certa a repercussão do dano principal, por atingir a pessoa que lhe sofra a
repercussão e este seja devidamente comprovado.

Dano moral – geralmente, o descumprimento de um contrato não leva a um dano moral,


sendo o mesmo mais versado na responsabilidade aquiliana. O dano moral é um prejuízo que não
afeta o patrimônio econômico, mas sim a mente, a reputação da vítima. No dano moral, não há
reparação de um prejuízo, mas uma compensação, um lenitivo. Pelo art. 186 do CC, percebe-se
que a legislação atual refere-se ao dano moral como indenizável. Em verdade, qualquer
indenização não pode ser tão mínima a ponto de nada reparar, nem tão grande ao ponto
de levar à penúria o ofensor.
Não é qualquer dissabor comezinho que redundará em dano moral, Leva-se em conta o
critério objetivo do bonus pater familias, não se levando em conta o psiquismo do homem
excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem tampouco o homem
de pouca ou nenhuma sensibilidade.
No que tange à indenização, a regra geral é que a mesma se estabelece pela extensão
do dano e não pela culpabilidade. O atual Código Civil, abre um leque, no que tange à culpa
levíssima, à discrição do juiz quando aduz que se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir eqüitativamente a indenização. (art.
944. p.u.).
Indenização do dano moral – Se até 1988, a discussão era indenizar ou não o dano
moral, a partir de então a discussão desloca-se para os limites e as formas de indenização.

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Utilizavam os tribunais no passado, por analogia, o Código Brasileiro de
Telecomunicações – de 5 a 100 salários mínimos (Lei 4.117/62) e a Lei da Imprensa – de 5 a
200 salários mínimos (Lei 2.250/69).
Pelo Projeto de Lei n° 150/99, caso seja aprovado (o que não imaginamos), haverão
valores indenizatórios por dano moral dentro de determinadas faixas. Assim, de acordo com a
ofensa o dano seria: para ofensas leves, até vinte mil reais; para ofensas médias, de vinte a
noventa mil reais; para ofensas graves, de noventa e cento e oitenta mil.
Em verdade, a indenização por dano moral sempre será portentosa e sublime a
atividade do juiz, pois na maioria das vezes os danos nessa categoria sequer necessitam de
prova. Assim, é importante que o magistrado tenha consciência dessa importância e possua
formação cultural, lastro social e preparo técnico suficiente para dar uma resposta justa à
sociedade.

Súmula 37 do STF: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral
oriundos do mesmo fato

DOS JUROS LEGAIS – Juro é o preço do uso do capital, ou seja, é o fruto produzido
pelo dinheiro. Remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que
incorre de o não receber de volta.
Podem ser compensatórios ou moratórios; convencionais ou legais.
Juros compensatórios – são os frutos do capital empregado. Sendo certo que o capital
rende frutos com a sua utilização, os juros compensatórios existem em virtude de o credor
estar, momentanamente, privado de certa quantia.
Juros moratórios – os juros moratórios, por sua vez, constituem indenização pelo
prejuízo resultante do retardamento culposo. Assim, estando em mora o devedor para a
entrega do capital, deverá responder pelo atraso com o pagamento dos juros de mora.
Juros convencionais e legais – diz-se convencionais, quando livremente estipulados
pelas partes e legais quando derivem de imposição imposta por lei.
Quando cogitamos da aplicação de juros, inicialmente devemos ter em mente o combate
à usura pela Igreja Católica na Idade Média, não se admitindo a cobrança de juros, pois numus
numum non gerat (o dinheiro não produz frutos). Assim, caso houvesse o empréstimo em
dinheiro não poderia o devedor devolver mais do que recebeu.
Em outra visão, devemos distinguir o empréstimo de consumo e o empréstimo
destinado à produção. Enquanto que no primeiro, em tese, poderíamos admitir a não cobrança
de juros, pois caracterizar-se-ia uma exploração ao necessitado, em relação ao segundo, ou
seja, quando o dinheiro destina-se a obtenção de lucro, logicamente, seria permitida a
estipulação dos juros.
Podemos distinguir, também, a clássica noção entre dívidas de dinheiro e dívidas de
valor. Enquanto que nas primeiras, há impossibilidade de variação, pois representa o princípio
do nominalismo, nas dívidas de valor há clara possibilidade de variação, posto que são
representativas da cláusula de escala móvel. Exemplo das dívidas de dinheiro são os títulos de
crédito; exemplo característico das dívidas de valor são as pensões alimentícias. Porém,
pergunta-se: seria a dívida representativa de uma pensão alimentícia mais importante que uma
dívida representada por uma promissória por exemplo? Por acaso não poderia a dívida da

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promissória ser para comprar mantimentos? Assim, haverá possibilidade de tratamento
diferenciado em relação às mencionadas dívidas?
Hoje em dia, percebe-se, não se cogita mais acerca da impossibilidade de cobrança de
juros e sim acerca do montante dos juros que podem ser cobrados. Tal pensamento é
facilmente comprovável pela simples leitura do art. 407 do CC/2002, pois ainda que não se
alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros de mora.
Pelo Código de 1916, época extremada do individualismo, foi permitida a livre taxa na
estipulação dos juros. Porém, logo em 1933 houve a denominada Lei da Usura, Dec. n° 22.626,
de 07.04.33, fixando em 12% a taxa máxima de juros a serem avençados em qualquer tipo
de contratos.
O momento em que começa a correr os juros da mora é, em rigor, desde o momento do
retardamento culposo, pois dies interpellat pro homine; nas obrigações sem termo, por sua vez,
a mora se caracteriza pela citação válida, pois esta tem o efeito de constituir o devedor em
mora (art. 219, CPC).

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MÚTUO FENERATÍCIO – o empréstimo em dinheiro em que se estabelece a cobrança de
juros é denominado feneratício, derivado da foenus (empréstimo com juros) do direito romano.
No sistema do atual Código, os juros presumem-se devidos se o mútuo tiver destinação para
finalidade econômica que, por sua vez, deverão ser estabelecidos de acordo com a regra do
novel art. 406.
Perceba que será difícil, se o artigo for aplicável, que as autoridades monetárias e
financeiras permitam vida longa a esse dispositivo.
De forma sucinta, em matéria de juros devemos sempre trazer à baila a já citada Lei de Usura
(Decreto n° 22.626/33) que permite a convenção de juros até 12% ao ano, proibindo
expressamente a prática do anatocismo (ana, repetição e tokos, juros).
Ocorre, porém que as exceções são trazidas pelas próprias leis e, a despeito da própria
economia de mercado, a revogação do art. 192 da CF/88, à exceção do caput, fez trazer à tona
a intenção de que é impossível refrear as leis de mercado, devendo, o direito tratar de
regulamentá-las, e não o contrário.
Em corroboração com este pragmático entendimento, perceba que a prática do anatocismo é
permitida, ex vi legis, pelos financiamentos rurais (Dec-lei n° 167/67) e industriais (Dec-lei n°
413/69) e, principalmente, às instituições financeiras que, sob o escudo da lei de Mercado de
Capitais (Lei n° 4595/64) colocam-se fora do sistema de juros do Código Civil e da Lei de
Usura, inclusive com a chancela do STF quando proclama que: as disposições do Decreto n°
22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o Sistema Financeiro
Nacional.
Atualmente, as instituições bancárias são regidas, no que couber, pela aplicação do Código de
Defesa do Consumidor em suas relações jurídicas, uma vez que a matéria foi julgada pelo STF.
Em verdade, concluímos, com Venosa e de acordo com orientação jurisprudencial, que a
capitalização de juros é proibida apenas no que tange às convenções. Quid juris? Pune-se o
particular que cobra juros acima da taxa; autoriza-se o banco a cobrá-la.
Assim, a mencionada Lei de Mercado de Capitais de 1964, autoriza o Conselho Monetário
Nacional a estabelecer a política de moeda e crédito no país, permitindo que, por meio do
Banco Central, fixe os juros e as taxas de mercado.
Por último, cabe ainda ressaltar que as instituições financeiras ainda
estabeleceram (criaram) outras taxas incidentes sobre financiamentos e débitos, com
diversos nomes (comissão de permanência, juros remuneratórios, etc), permitindo apenas
o aumento nas taxas de juros, tratando-se, decerto, de odioso bis in idem. A única saída
são os princípios e dicções expressos do CDC e as inovadoras decisões judiciais a esse
respeito.

DA CLÁUSULA PENAL – Cláusula penal é uma obrigação de natureza acessória pelo


qual uma pessoa, para assegurar a execução de uma outra obrigação (principal), se compromete
a dar alguma coisa em caso de inexecução.
Trata-se de uma obrigação que pode ser inserida em qualquer tipo de contrato. Nula
será a multa convencional, quando nulo for o contrato, pois o acessório segue o principal, mas a
recíproca não é verdadeira.

Finalidade da cláusula penal

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a) serve de reforço para o cumprimento da obrigação principal (cláusula penal
moratória);
b) representa um sucedâneo, pré-avaliado, das perdas e danos, em virtude de
inadimplemento absoluto (cláusula penal compensatória).
Na compensatória, portanto, cabe ao credor uma alternativa: ou exige as perdas e
danos, conforme o art. 389 do CC ou pode optar demandar somente a importância da multa que
corresponde às perdas e danos previamente calculados. Perceba que não será necessária a
demonstração do prejuízo caso o credor opte por demandar a cláusula penal, sendo esta a
principal importância do instituto.
OBS – Após a escolha de um via, não poderá o credor mudar de opinião, pois electa una via non
datur regressum ad alteram (escolhida uma via, não se pode optar pela outra).

Cláusula penal como benefício do credor – não cabe ao devedor, em princípio, optar
pelo cumprimento da obrigação ou o pagamento da cláusula penal, pois, neste caso, teríamos
uma obrigação alternativa. Assim, ao credor cabe a escolha, em caso de inadimplemento do
devedor, de demandar a cláusula penal ou pleitear as perdas e danos. Tal assertiva encontra-se
prevista no art. 410 do CC.
Como exemplo, imagine um contrato de promessa de compra e venda, com cláusula penal
para o caso de descumprimento da obrigação, se negando o vendedor a fornecer escritura
definitiva. Abre ao credor algumas hipóteses:
a) mediante ação judicial poderá o credor obter uma sentença que substitua a
declaração do vendedor transferindo o domínio do prédio (execução
específica);
b) pode o credor pleitear o pagamento da multa convencionada;
c) poderá ainda, caso o credor entenda exígua a multa, pleitear as perdas e
danos, ocasião em que terá que demonstrar o dano.
d) Haverá uma última oportunidade, desde que esteja expressamente previsto
no contrato (art. 416, p.u.), de o credor optar pela cláusula penal e
comprovar que a mesma ainda é insuficiente para a sua indenização, pedindo
indenização complementar. Nesse caso, a cláusula penal funcionará como um
patamar mínimo indenizatório.

A distinção do tipo de cláusula penal ainda é útil, pois somente a cláusula penal
moratória permite o acúmulo com o cumprimento da prestação. Já na compensatória, ou o
credor exige o cumprimento do contrato, ou a cláusula penal, ou as perdas e danos. Tal
assertiva está prevista no art. 411 do CC.
Para a distinção do tipo de cláusula penal, convém analisar os valores, pois se é de valor
elevado, aproximando-se da obrigação principal, a cláusula penal será compensatória; se, por
outro lado, seu valor é reduzido, sensivelmente inferior ao da obrigação principal, será
moratória a cláusula penal.

Valor da cláusula penal – quanto ao montante da cláusula penal, a restrição, a priori, é


do art. 412, ou seja, limita seu valor ao da obrigação principal. Porém, a escorreita delimitação
encontra-se no art. 413 que obriga (antes facultava) ao juiz, em caso de cumprimento
parcial da obrigação, a possibilidade de reduzir eqüitativamente a pena estipulada para o

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caso de mora ou inadimplemento, bem como se o montante da penalidade for
rigorosamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Outro teto para a imposição da cláusula penal encontra-se na Lei de Usura (Dec
22.626/33), mais precisamente em seu artigo 8° e 9°, limitando a 10% da dívida, restringindo,
o âmbito de sua aplicação, ao contrato de mútuo.
Por último, outra limitação, não menos importante, está condicionada às relações de
consumo, quando envolver outorga de crédito ou concessão de financiamento, em que a cláusula
penal moratória não poderá ser superior a 2% do valor da dívida.

DAS ARRAS – Arras tem sentido de garantia (arrha). No direito romano havia a arrha
sponsalicia que era a garantia dada pelo noivo reforçando a promessa de casamento e, em caso
de rompimento pela noiva, esta pagaria o quádruplo do valor recebido. Assim, podemos
conceituar o instituto como sendo “ a importância em dinheiro ou a coisa dada por um
contratante ao outro, por ocasião da conclusão do contrato, com o escopo de firmar a
presunção de acordo final e tornar obrigatório o ajuste”. (Sílvio Rodrigues).
São as arras, portanto, o sinal dado para demonstrar que os contratantes estão com
sérios propósitos a respeito do contrato, com a verdadeira intenção de contratar e manter o
negócio.
Duas são as espécies: em princípio e como função principal, é uma garantia que serve
para demonstrar a seriedade do negócio, significando princípio de pagamento; e em segundo
plano, pode servir de indenização em caso de arrependimento de qualquer dos contratantes.
Temos, desta forma, as arras confirmatórias e as arras penitenciais.
Constitui pacto acessório ao contrato principal (pois depende da existência de um outro
contrato) e de caráter real (uma vez que se aperfeiçoa pela entrega da coisa, motivo que
diferenciam as arras da cláusula penal).
Há ainda um tipo de arras, não disciplinada por lei e criada pelos usos, principalmente
para a aquisição de imóveis. Dá-se quando para assegurar um negócio, o comprador entrega uma
importância, geralmente um cheque, ficando na dependência de o negócio primitivo ser
aprovado. Perceba que nesses casos, o cheque ou será devolvido, ou descontado, se o negócio
for devidamente aprovado. Trata-se das arras securatórias ou assecuratórias, se
aproximando, e muito, das arras confirmatórias. Frise-se que, neste caso, há a intenção de
contratar, mas o contrato fica na condição suspensiva, dependendo de evento futuro (por outro
lado, não cabe qualquer tipo de alegativa para a não realização do negócio, mas somente aquele
anteriormente aventado).

Função das arras – como dito, pode o sinal ter função confirmatória ou penitencial. À
falta de estipulação, as arras têm função meramente confirmatória, seguindo a regra do art.
417, CC, não podendo nenhuma das partes arrepender-se do contrato assinado, sujeitando o
inadimplemento às perdas e danos.
Assim, tendo natureza confirmatória, o art. 419 declara que se a parte inocente
experimentar prejuízo excedente ao valor das arras, pode ela reclamar o excesso, provando o
maior prejuízo. Neste caso, as arras valerão como valor mínimo da indenização.
Por outro lado, permite a lei que, por expressa convenção entre as partes, as arras
assumam o caráter penitencial. Nesta caso, a faculdade de arrependimento deriva não da
natureza da arras, mas da avença entre os contratantes. Neste diapasão, aduz o art. 420 que

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se no contrato for estipulado o direito de arrependimento, as arras terão função
unicamente indenizatória, perdendo, quem as deu em benefício da outra parte ou
recebendo o valor mais o equivalente (o dobro), a depender da culpa, não havendo direito
à indenização suplementar.
Perceba que impossível, portanto, a cumulação das arras penitenciais com as perdas e
danos, uma vez que essa modalidade constitui exatamente no cálculo prefixado das perdas e
danos.
Nas arras penitenciais, existe, em verdade, a alternativa entre a desistência ou o
cumprimento do contrato, porém se diferencia das obrigações alternativas, pois nessa
modalidade de obrigação a alternatividade já nasce com mais de uma possibilidade de
obrigação, enquanto que as arras servem de reforço do vínculo obrigacional, que é um só.
Fixando antecipadamente as perdas e danos.
Com a cláusula penal, por sua vez, as arras têm maiores pontos em comum, pois ambas
servem de garantia para o cumprimento de um contrato, porém no sinal deve ocorrer a entrega
efetiva de algo para firmar o contrato (natureza real), enquanto que na cláusula penal é
matéria obrigacional.

Arras do atual Código – as arras no CC/2002 foram tratadas de modo mais moderno,
assegurando, regra geral, a função de início de pagamento ou confirmação de um negócio,
nos termos da leitura acurada do art. 417, sendo certo que o sinal em dinheiro deverá ser
computado no pagamento do preço total. Perceba que a função confirmatória queda mais
evidente quando se tratar de coisa dada em garantia diversa do objeto do negócio, pois deverá
(por óbvio) ser devolvida após o cumprimento do contrato.
Quando se tratar de arras sem possibilidade de arrependimento, aplica-se o art. 418.
Porém, fácil constatar pelo que já estudamos, que a parte inocente poderá pleitear a execução
específica do contrato, caso em que a mesma não seja viável (a critério do inocente), este
poderá reter as arras ou devolvê-las com o equivalente. Note que a lei não se refere mais à
devolução em dobro e sim ao equivalente que corresponderá ao dobro, mais a correção,
juros e honorários advocatícios (se for o caso).
O art. 419 permite que seja pedido pela parte inocente indenização suplementar, além
do valor do sinal, provando maior prejuízo, servindo as arras como valor mínimo. Assim, o valor
indenizatório poderá superar a devolução em dobro das arras, desde que haja comprovação dos
prejuízos. Perceba que o valor suplementar somente será possível em contrato irretratável,
pois havendo possibilidade de retratação as arras serão penitenciais, aplicando-se o art. 420.

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