Você está na página 1de 3

O barbeiro de sue villa

A verdade é essa. Acho interessantíssimo o senso comum. Poxa, é passado envelhecendo, mas
também é presente, é cultura! E minha vó me surpreendeu ontem a noite:

- Meu filho...

- Oi, vó!! – fui logo cortando caminho direto aos beijos e abraços!

- Meu filho... Deixa eu te olhar direitinho.

Como num tudo bem, deixei que ela me analisa-se, parecia que alguma coisa estava errada...
No mais supremo silêncio, apertou um pouco os olhos, fez um leve bico e levou as mãos ao
queixo. Coisas de um perito experiente. E, de repente, deu um grito:

- MEU FILHO, ESTÃO ROUBANDO TUA VITALIDADE!!!

Arregalei os olhos, coração bateu mais forte...Tenso, pensei logo em certos trabalhos,
macumbas, nossa!!, e enfim perguntei:

- QUEM, VÓ?! MEU DEUS, O QUE A GENTE FAZ?!

Séria, apertou levemente meus ombros, e disse:

- Meu filho, seus cabelos...Seus cabelos estão sugando tua vitalidade!

“UUUFAA!!” Gritei nos meus pensamentos enquanto ela continuava.

- ... O que a gente faz, oras... A gente corta, meu filho!

Acordei cedinho no dia seguinte, realmente o cabelo me deixava arreliado. O tempo todo
coçando o casco suado...Ô!!! Peguei carona com mamãe, que também queria me ver quanto
antes com “cabelo arrumadinho, né, Glauco?!” Tudo bem, já estou convencido.

E o Vinhais é farto em cabeleireiros, eu gosto do meu bairro, muitos amigos. 2, 4, 7... Acho que
conheço uns 12 cabeleireiros masculinos. O que costumo cortar estava fechado. Domingão,
7:30h da manhã, nessa hora, se eu fosse eles, estaria dormindo mesmo!

Dei uma passada num que fica quase ao lado, lembrei que eles ofereciam até uma massagem
capilar antes de cortá-los!! (risadas) Deve ser pro fio ficar mais maleável. Não entendo de
cabelo. Entrei e ele estava cumprindo a tradição, estava na fase de enxágüe.
“Shhhhhhhhhhhhhhhhhiiiiiiaaaaaaaaaaaaaa”. Perguntei o preço, ele respondeu. Não acreditei,
“deve ser porque não tomei café!”.
- Desculpa, mas pode repetir?!

Ele respondeu o preço de outrora... E retruquei:

- Ah tá. Obrigado!

Parece que ele também mantém a tradição dos preços altos. Alertei mamãe que ele tinha
inaugurado os 20 no Vinhais há 2 anos. Andamos mais um pouco... Pelo menos 6
estabelecimentos se encontravam naquela avenida... Gasolina queimava e quebrou-se o
silêncio:

- Meu filho, estou atrasada. Se não for esse, é casa.

Engraçado, encontramos um dos donos indo justamente abrir a barbearia.

Entrei, sinalizei o pagamento:

- Nã, só pague se gostar!

- Ah, maravilha!

Cumpriu também seu ritual, colocou a capa, pegou as tesoura, tesourinha e tesourão, a gilete
e dispôs sobre a mesa lado a lado.

- Como vai ser?

- Rapaz, tesoura, nem baixinho nem grandinho. Mediano!

- Fechado.

Não parecia um desafio, ainda mais quando se tratava de um dos fundadores da barbearia
mais antiga do bairro.

- Como é que vai teu irmão? – Gomes perguntou.

- Bem, nesse momento, às 7:50h, com certeza está dormindo...

- Tu é o mais novo ou o mais velho?

- Ah, meu irmão tem 15 – aquele a qual Gomes se referia – e eu tenho 19.

- Ah sim! Vocês cortavam aqui há muito tempo atrás.

- É verdade! – dei um sorriso, pensei um pouco na efemeridade do tempo... Caramba! Acho


que o primeiro lugar que cortei cabelo foi aqui! – sabe, meus primos também cortam aqui!

- É verdade. Os 3, né? O 4° se casou.

“Realmente ele conhece os clientes!”


- Muito tempo cortando, hein? – Perguntei o óbvio.

O cabelos escuros e alguns brancos respondeu:

- Ô! Faz tempo!

- Muitos cortes inusitados? – sou curioso.

Deu um leve sorriso:

- Aham! Tem agora aqueles punks... É, como é que é... Restart... Mas pouca gente faz.

Não vou mentir, leitor, sorri também do Restart. Peculiares aqueles cortes.

E continuei...

- E de futebol? Um monte né?

- Ahh, é verdade. Quando tem um jogador que faz sucesso, tipo aquele Neymar, sai muito
corte! Principalmente pras crianças. Teve um trio que jogava na praça e o apelido de cada um
era um jogador do Santos. Aí cada um trouxe uma foto do jogador e fizemos os cortes. Era
Robinho, Neymar e André. Fiz o André.

Foquei no espelho...Minhas sobrancelhas pareciam também inusitadas. Uma como um


parêntese de cabeça para baixo e outra apontando para o lado. “Deve ser o medo do
cabeleireiro!” pensei.

Pausou, olhou para a parada de ônibus ao lado...E falou:

- Só gente trabalhadora...Saindo pra trabalhar a essa hora. A essa hora, estaria dormindo, mas
não posso. Não podemos.

Apertei o lábios calados.

Fim de corte, estava admirando o resultado...

- Gostei. Merece o pagamento!

- Agora sim!

Recebeu a nota e apertamos as mãos. Nos veremos daqui a alguns meses, quando minha
vitalidade estiver sendo novamente sugada, certamente.

Glauco

28/11/2010

Você também pode gostar