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Regimes estatísticos

Alexandre de Paiva Rio Camargo


Doutorando em Sociologia pelo Iuperj, Mestre em História pela UFF e
Pesquisador-assistente do Projeto História das Estatísticas Brasileiras
(1822-2002)
“Regime estatístico” (Jean-Pierre Beaud )

- Regimes vigoram em relativa simultaneidade nos países ocidentais,


cada qual configurando um complexo formado por estruturas, normas
e práticas estatísticas.
- As estruturas referem-se à organização e à divisão do trabalho
estatístico; as normas compreendem regras, prescrições e referentes
que orientam e enquadram as práticas; as práticas as atividades
organizacionais, além dos recursos e competências empregados para
sua realização.
- Pré e Proto-estatístico (até 1840-60); nacionalização estatística
(1840-60 a 1920-40); Macro-management estatístico (1920-40 a
1980-90); Mundialização neoliberal (1980-90).
- Regimes constituem modalidades estatísticas de questionamento do
mundo, modos diferentes de pensar a sociedade e a economia,
segundo as tecnologias de governo e de ação pública (“Estado
engenheiro”, “Estado Liberal”, “Estado providência”, “Estado neo-
liberal).
Pré e proto estatística (até 1840-60)
• Estrutura:
• - Estatística como “espelho do Príncipe”: instrumento administrativo
de tributação e conscrição militar.
• - Estatística predominantemente descritiva, associada à história e à
geografia como saber de utilidade política
• -Não há agência ou aparelho responsável pela coleta de informações
de interesse estatístico. Censos são eventuais e não são
institucionalizados.
• - Censos são realizados por ministérios e sofrem concorrência de
instituições privadas, como a Igreja, responsável pela coleta dos
registros civis
• - Em conseqüência, não há monopólio da produção estatística
• - Os estatísticos são viajantes proeminentes que, como pequenos
empreendedores individuais, pensam, formulam, coletam, processam
e analisam as informações. São escolhidos pelo conhecimento prático
do terreno, elaborando estudos de natureza compósita e eclética.
Pré e proto estatística (até 1840-60)

- Não há divisão, e sim Indissociação do trabalho científico, uma


vez que o conhecimento estatístico abrange a geografia, a
cartografia, a topografia.
 
Normas:

- Estatística de perfil militante, no contexto de descolonização e


militarização revolucionária.
- Função político-pragmática da estatística na arregimentação da
constituição nacional e na edificação do sistema representativo.
- Transformação da estatística enquanto saber estratégico do
governante e segredo de Estado: publicização das informações .
Pré e proto estatística (até 1840-60)

• Práticas:

• - Não há censos em intervalos regulares

• - Estatística de autor: monografias estatísticas realizadas por políticos


proeminentes, que se encarregam da produção estatística de caráter
eventual, dotando-lhe de uma credibilidade técnica que provém do
prestígio pessoal.

• - Trabalhos estatísticos e cartográficos revelam o território nacional


ainda em construção, mais como um emaranhado incompleto de
regiões e localidades do que um conjunto estabelecido. Há uma
relação dialética entre a nação que se constrói e a estatística que a faz
existir.
Nacionalização estatística (1840-60 a 1920-40)

• Estrutura:

• - Criação das primeiras instituições nacionais de estatística, de relativa


estabilidade, responsáveis pela coordenação da coleta e produção de
informações.
• - Instituições estatísticas se emancipam da função judiciária e vigilante
das agências de controle, que a marcaram no início do século XIX.
• - Aparecimento dos ministérios de trabalho e da demanda e produção
das primeiras estatísticas econômicas (ocupacionais, industriais e
agrícolas)
• - Centralização horizontal da produção estatística (transferências de
poder para criar categorias e nomenclaturas e de realizar pesquisas
com certa autonomia) e vertical (limitando consideravelmente o
desenvolvimento de estatísticas provinciais / estaduais)
Nacionalização estatística (1840-60 a 1920-40)

- Internacionalização da atividade estatística: entre a


formalização da linguagem e dos procedimentos científicos de
objetivação estatística e o desenvolvimento burocrático do
Estado Nacional
-Paradoxo essencial: entre a ciência universal e as tradições
nacionais (Alain Desrosières)

Normas:
- Forte contraste entre o discurso de tipo
administrativo/científico e o discurso explicitamente político do
regime anterior.
-Transição entre estatística autoral e estatística anônima:
despersonalização dos trabalhos estatísticos, aparecimento das
comissões censitárias, com assinatura institucional.
Nacionalização estatística (1840-60 a 1920-40)
- Crescente tecnicização do discurso estatítico, em conseqüência do
movimento de burocratização e da emergência de um saber
estatístico esotérico, ampliado pela matematização da estatística.
-Aparecimento e consolidação de manuais de treinamento e
periódicos científicos regulares. Fromação de quadros
especializados com cursos técnicos e escolas.

Práticas:
- Estabelecimento das condições que fundamentam um censo
moderno; regularização e sistematização do recenseamento como
fonte de informação básica.
- Vinculação entre estatística e história na formação do discurso
construtivista da “comunidade imaginada”.
- Estatística entre a mediação simbólica da nação e instrumento de
investigações sociais. O deslocamento em relação ao regime
anterior (caso brasileiro)
Macro-management estatístico (1920-40 a 1980-90)

Estrutura:

- Emergência do Estado planejador e reorganização dos sistemas


estatísticos nacionais: gestão estatal da população com emergências
das contas nacionais e dos indicadores.
- Produção estatística centraliza-se ainda mais para atender políticas
estatais em nível macro. Censos quadruplicam seu custo per capita
(participação no orçamento) e o quadro de pessoal amplia-se em até
10 vezes. Concentração de pessoas, recursos e atividades em uma
única organização.
- Incorporação de cientistas sociais, economistas, demógrafos e
outros: diversificação do perfil do produtor de estatística.
- Deslocamento definitivo do paradigma censitário da demografia
política para o paradima censitário da demografia científica.
Deslocamento definitivo da estatística de autor para a estatística
anônima.
Macro-management estatístico (1920-40 a 1980-)

Normas:
- Tecnicização do discurso estatístico e separação definitiva entre
estatística pública e acadêmica (matemática)
- Discurso administrativo/científico do regime anterior torna-se
tecnicista e fechado ao debate social.
Práticas:
- Impacto da adoção das técnicas de amostragem, multiplicação das
pesquisas e da produção dos próprios registros científicos pelas agências
de coordenação.
- Despolitização e desenraizamento dos elos sociais que fundam a
atividade estatística. Memória profissional da atividade reterá apenas as
referências recentes, presentes na constituição da estatística e da
demografia como disciplinas científicas. Do ponto de vista da
identidade dos grupos sociais, assiste-se a um inusitado processo de
obscurecimento dos founding fathers institucionais.
Mundialização neo-liberal

Estrutura

- Recuo e “enxugamento” do Estado: descentralização das


instituições nacionais de estatística
- Desenvolvimento da micro-informática e da internet fragiliza o
argumento da centralização, debilitado pelas integrações
continentais/regionais e formas diversas de regionalização
(separatismos, reivindicações autonomistas, etc.).
- Crítica neo-liberal ao tamanho e atribuição do Estado
(supranacional) junta-se à crítica contra o déficit democrático
(infranacional). Como agência de Estado, as instituições
estatísticas sofrem pesados cortes orçamentários e têm sua
dimensão socialmente questionada.
Mundialização neo-liberal

Normas

-Escala sincro substitui a escala macro: sociedade organizada torna-


se demandante legítimo das estatísticas e torna-se avaliador da
qualidade de seus trabalhos.

-Dispensa de vários serviços, em atendimento a novas clientelas


sensíveis à qualidade e ao preço. Torna-se necessário conhecer a
clientela, abandonar pesquisas que não respondas suas demandas de
informação e consagrar um discurso da eficiência e do marketing,
além de generalizar o princípio da qualidade total.

Mundialização neo-liberal

Práticas

- Calendário de publicação dos resultados e tensões resultantes


(sociedade e classes políticas)
- Novas resistências da população: contraste entre a
exaustividade do modelo censitário e interesse pragmático e
premente de setores sociais, em contexto de carência de
recursos e valorização de políticas públicas estatais e não-
estatais.
- Objetividade estatística e mensuração da percepção subjetiva:
o caso das estatísticas étnico-raciais

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