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Valenti, W. C. 2008. A aqüicultura Brasileira é sustentável?

Palestra apresentada durante o IV Seminário


Internacional de Aqüicultura, Maricultura e Pesca, Aquafair 2008, Florianópolis, 13-15 de maio de 2008. p.
1-11 (www.avesui.com/anais).

A AQÜICULTURA BRASILEIRA É SUSTENTÁVEL?

Wagner C. Valenti

Centro de Aqüicultura da UNESP


Depto. de Biologia Aplicada, FCAV, UNESP
14884-900 Jaboticabal SP Brasil
e-mail: valenti@caunesp.unesp.br

O conceito de sustentabilidade vem sendo amplamente discutido no âmbito


da sociedade civil e dos tomadores de decisões, mas ainda não se chegou a um
consenso sobre o seu significado exato. Assim, sustentabilidade vem sendo definida
de várias maneiras por diferentes autores e instituições. No entanto, existe
concordância em relação a alguns pontos fundamentais que não podem faltar.
Resumindo esses pontos, podemos definir sustentabilidade como o gerenciamento
dos recursos naturais, financeiros, tecnológicos e institucionais de modo a
garantir a contínua satisfação das necessidades humanas para as gerações
presentes e futuras. Observa-se que este é um conceito antropocêntrico, que
considera acima de tudo as necessidades humanas, excluindo outras formas de
vida, a menos que estas interfiram na espécie humana. Além disso, envolve
perenidade no tempo. A escala de tempo são as gerações. Portanto, um projeto não
é considerado sustentável a não ser que sobreviva às gerações humanas. Cada
geração deve herdar um estoque de recursos naturais, igual ou maior do que o
estoque herdado pela geração anterior.
Não há também consenso sobre o que seria Desenvolvimento Sustentável.
Desenvolvimento não é crescimento; este significa aumento de tamanho e aquele
refere-se à realização de um potencial. Vamos considerar desenvolvimento
sustentável como o conjunto de ações que levam a uma combinação entre o bem-
estar humano e o bem-estar dos ecossistemas. Seria criar condições para viver com
conforto material, em paz com os outros seres e com os recursos disponíveis na
natureza, ou a melhoria social contínua, sem crescer além da capacidade de carga
da ecosfera (Bellen 2007). A sustentabilidade requer um padrão de vida dentro dos
limites impostos pela natureza; deve-se viver dentro da capacidade do capital
natural. Bem estar humano pode ser definido como condição na qual todos são
capazes de determinar e alcançar suas necessidades e realizar o seu potencial. A
expressão desenvolvimento sustentável tem sido utilizada pelos poderes públicos de
forma indiscriminada para validar ações e projetos que muitas vezes não trazem
bem estar humano distribuído de forma eqüitativa nem são sustentáveis.
A sustentabilidade pode ser dividida em diferentes dimensões. As mais
aceitas são a dimensão econômica, ambiental e social. Essas três dimensões são
indissociáveis e essenciais para uma atividade perene. Elas foram referidas para a
aqüicultura por Pillay no início dos anos 90 (Pillay 1992).
A aqüicultura sustentável pode ser definida como a produção lucrativa de
organismos aquáticos, mantendo uma interação harmônica duradoura com os
ecossistemas e as comunidades locais. Deve ser produtiva e lucrativa, gerando e
distribuindo renda. Deve usar racionalmente os recursos naturais sem degradar os
ecossistemas no qual se insere. Deve gerar empregos e/ou auto-empregos para a

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comunidade local, elevando sua qualidade de vida e deve respeitar sua cultura. Os
impactos ambientais ou sociais negativos causados pela aqüicultura podem ser
quantificados monetariamente e incluídos nos custos de produção. Isto é chamado
externalidade de um projeto. Esses valores podem ser arrecadados pelo poder
público e reverter-se para as comunidades prejudicadas. Os projetos devem ser
concebidos de modo a garantir lucratividade, considerando todos os custos de
produção, inclusive as externalidades.
Aqüicultura responsável é um conceito diferente. Seria a produção de
organismos aquáticos de acordo com códigos de ética estabelecidos por instituições
sociais, tais como sociedades de produtores, órgãos de governo, associações de
consumidores ou outros da sociedade civil. Normalmente esses códigos de ética
visam estabelecer boas práticas de manejo de modo a reduzir o impacto ambiental,
a exploração da mão-de-obra, os prejuízos para as comunidades locais e sofrimento
dos animais. Geralmente a aqüicultura responsável é mais próxima da aqüicultura
sustentável, mas o fato de se usar boas práticas de manejo não significa que o
sistema é sustentável. Lembremos que para ser sustentável deve ser perene no
tempo, pelo menos por mais de uma geração.
A sustentabilidade econômica depende da elaboração de projetos bem
concebidos e de uma cadeia produtiva forte. Um projeto bem elaborado deve
basear-se no uso da tecnologia mais adequada para as condições locais e do
investidor e em um plano de negócio realista. Para ser forte, a cadeia produtiva
precisa ser organizada e ter todos os elos fortes. Basta um ele fraco para que toda a
cadeia seja fraca.
Um bom projeto tem estratégia de produção adequada, baseada nas
características do mercado alvo, das condições ambientais locais e das
características do empresário ou produtor. A tecnologia escolhida deve ser
adequada a essas três características e ser harmônica. A melhor tecnologia não é a
mais moderna nem a mais sofisticada, mas aquela que melhor se adequar às
condições do projeto. Deve ser harmônica, ou seja, não pode usar recursos caros
que não paguem seu custo com o aumento na produtividade que irão condicionar.
Os projetos devem ser embasados em um plano de negócios correto, envolvendo
todos os custos de produção, considerando valores realistas de produtividade e
preço de venda da produção. Não se deve esquecer de incluir nos custos a
depreciação das obras e equipamentos adquiridos com o investimento inicial nem as
perdas que normalmente ocorrem quando se trabalha com produtos altamente
perecíveis, como é o caso do pescado.
A produção deve ser entendida como um processo amplo, que envolve todo
um conjunto de elementos que se inter-relacionam formando uma rede complexa.
Esta é chamada cadeia produtiva e envolve elementos de diferentes áreas do
conhecimento. Os principais elementos da pré-produção são: o suporte técnico, a
conjuntura econômica e legal e a infra-estrutura. A produção propriamente dita
envolve os processos biológicos e zootécnicos que compreendem a reprodução, a
larvicultura (ou fase equivalente) e a produção dos organismos alvo. A pós-
produção envolve o beneficiamento do produto, embalagem, conservação,
distribuição e venda até atingir o consumidor final. Todos esses elementos são
subdivididos em diversos outros elementos. Descrições adequadas das cadeias
produtivas da aqüicultura são apresentadas em Borghetti & Ostrensky (2000),
Valenti (2002) e Valenti & Tidwell (2006). Para se obter sustentabilidade econômica,

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deve-se fortalecer toda a cadeia produtiva. Esta é uma ação complexa que depende
de um trabalho conjunto do setor privado e órgãos gestores governamentais.
A sustentabilidade ambiental depende do uso de tecnologia que minimize o
impacto ambiental da atividade mantendo a biodiversidade e a estrutura e
funcionamento dos ecossistemas adjacentes. Para se analisar a sustentabilidade
ambiental, deve-se considerar que é impossível produzir sem causar impacto
ambiental, que a aqüicultura depende dos ecossistemas nos quais se insere e que o
valor da biodiversidade é maior que o valor dos produtos da aqüicultura. Na verdade,
o valor da biodiversidade é maior do que o valor de qualquer outro produto
agropecuário. As forças da natureza e os processos naturais devem ser usados de
modo a contribuir para o aumento da produção. Não se deve gastar energia para
neutralizá-los, mas usá-las a favor da produção. Os sistemas de produção devem
ser concebidos em harmonia com a natureza e não contra ela.
A sustentabilidade social depende de projetos concebidos para gerar
empregos diretos e indiretos e principalmente auto-empregos, distribuir riqueza entre
a população local ao invés de concentrá-la, harmonizar o modo de produção com a
cultura local e hábitos da população, e melhorar a qualidade de vida das populações
locais.
Durante os últimos anos, um grande esforço foi feito para introduzir práticas
responsáveis na aqüicultura. Códigos de Conduta e Boas Práticas de Manejo foram
elaborados e implantados (Boyd 2003). Embora se veja muito mais retórica do que
ações concretas, atualmente a aqüicultura é mais responsável do que foi há anos
atrás. No entanto, faltam mecanismos para avaliar a sustentabilidade da aqüicultura.
A introdução dos códigos de ética na aqüicultura está mais associada à evolução do
mercado consumidor que cobra ações éticas na produção de alimentos do que
propriamente com uma preocupação dos produtores com a sustentabilidade.
A sociedade percebeu que a produção de alimentos é um processo complexo,
que afeta muitos aspectos da vida das pessoas, como o ambiente em que elas
vivem, sua saúde, sua consciência ética, entre outros. O velho paradigma “Produzir
Alimento Abundante e Barato” não é aceito por grande parte da sociedade. Além
disso, a velha política de “Produzir Muito e Barato” tem sido ruim para os produtores.
Os lucros são temporários porque a competição reduz os preços e a margem torna-
se muito pequena, inviabilizando vários empreendimentos. O modelo de produção
usado atualmente na aqüicultura não atende aos anseios da sociedade e dos
produtores e aos princípios da sustentabilidade. Portanto, mudanças devem ser
implementadas. O novo desafio é o desenvolvimento de sistemas inovadores,
economicamente, ambientalmente e socialmente balanceados. Sistemas que
otimizem a eficiência de produção, a geração e a distribuição de renda e mantenham
a integridade dos ecossistemas costeiros e interiores. Devemos desenvolver
sistemas verdadeiramente sustentáveis. Portanto, novos paradigmas devem ser
introduzidos.

Alguns novos paradigmas para serem explorados em programas Pesquisa &


Desenvolvimento e no planejamento da aqüicultura são sugeridos abaixo:

1. Sistemas multiespaciais e multitróficos ao invés de sistemas de monocultivo


intensivamente arraçoados;
2. Uso dos subprodutos ao invés de descartá-los;
3. Sistemas que usam muita mão-de-obra ao invés de sistemas automatizados;

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4. Preocupação com o bem estar animal ao invés de simples aumento na


produtividade;
5. Aqua-turismo como fonte de renda complementar;
6. Aqüicultura Ecológica como estratégia de marketing.

O primeiro é o mais importante e precisa ser cuidadosamente analisado. A


maioria dos sistemas de aqüicultura no ocidente é baseada nos sistemas de
monocultivo intensivamente arraçoados. Esses sistemas são ecologicamente
ineficientes porque menos de 20% do material fornecido na dieta é convertido em
biomassa da espécie alvo. Isso passa despercebido porque geralmente se calcula
apenas a conversão alimentar aparente. Enquanto a dieta comercial fornecida
contém cerca de 90% de matéria seca, os organismos produzidos contém apenas
20-25%. Portanto, para uma conversão alimentar de 1,6:1, tem-se na verdade cerca
de 7:1 de conversão real. Mais de 80% de toda dieta fornecida aos animais
cultivados, que geralmente é o maior custo de produção, é transformada em
poluição ou incorporada à biota do viveiro. Portanto, isso é um grande desperdício
de recursos ambientais e de dinheiro. Este fato leva a dieta a ser o principal custo de
produção na maioria dos monocultivos. Não será possível reduzir significativamente
esse custo enquanto “jogarmos no lixo” a maior parte da dieta.
Um grande esforço de pesquisa tem sido dirigido para estudos de nutrição e
genética de organismos aquáticos, visando melhorar a eficiência das dietas
comerciais. No entanto, o potencial para redução da conversão alimentar com
melhoramento genético e com o conhecimento das necessidades nutricionais dos
organismos é pequeno e os resultados são muito demorados e caros. Por outro
lado, a inclusão de uma nova espécie no cultivo, que aproveite os resíduos
alimentares da espécie principal leva a uma dramática redução na conversão
alimentar real em biomassa produzida (somando as duas espécies) por si só.
Portanto, os sistemas multitróficos precisam receber mais atenção dos
pesquisadores. Um sistema multitrófico usado no Brasil com sucesso há longo
tempo é o policultivo de carpas em integração com suínos no Alto Vale do Itajaí, SC
(Figura 1). O sistema de monocultivo intensivamente arraçoado é claramente não-
sustentável, mas continua sendo a base das pesquisas e da produção aquícola no
ocidente. Isto porque geralmente apenas produtividade, ganho de peso e
sobrevivência do organismo cultivado são considerados na análise de resultados
dos projetos de Pesquisa & Desenvolvimento. Portanto, é urgente e necessário o
estabelecimento de outros indicadores para medir a eficiência dos sistemas de
produção.

Avaliando a sustentabilidade

A grande dificuldade para avaliar a sustentabilidade é o desafio de explorar e


analisar um sistema de forma holística. É necessário contemplar todas as
dimensões e medidas de variáveis de natureza muito diferentes devem ser
comparáveis. Por outro lado, o estabelecimento de ferramentas que permitam
analisar diferentes sistemas de forma comparativa são essenciais para a tomada de
decisões em direção a um mundo viável. Assim, alguns índices e indicadores foram
propostos para avaliar a sustentabilidade de vários modos de produção e setores da
economia (Bellen 2007). Na aqüicultura, propostas para avaliar a sustentabilidade

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ambiental são apresentadas por Pullin et al. (2007) e Boyd et al. (2007). Arana
(1999) apresenta uma abordagem interessante para o estudo da sustentabilidade
social. No entanto, não há nenhum consenso entre os pesquisadores e gestores
públicos nacionais e internacionais. Recentemente (2005) a União Européia deu um
grande passo ao estabelecer um conjunto de indicadores da sustentabilidade da
aqüicultura européia com o projeto “Multi-stakeholder platform for sustainable
aquaculture in Europe”. O assunto é muito novo e trabalhos de avaliação da
sustentabilidade de empreendimentos ou de processos ligados à aqüicultura são
extremamente raros. Abaixo, apresentamos uma posposta de medidas da
sustentabilidade que podem ser aplicados na aqüicultura brasileira.

Dimensões, indicadores e índices de sustentabilidade

Aqui serão consideradas três dimensões: econômica, ambiental e social. Para


cada uma delas serão definidos os elementos-chave a serem avaliados. Para cada
um será definido um indicador (ou mais de um), que são aspectos mensuráveis e
representativos de cada elemento usado para a avaliação. Eles simplificam
fenômenos mais complexos e resumem as características de um sistema em um
valor numérico.
Os indicadores de cada dimensão serão combinados para originar um
subíndice. Os três serão combinados para originar um único índice geral de
sustentabilidade. Para combinar indicadores é necessário converter todos para uma
mesma escala. Propomos o uso de uma escala de performance, com intervalos
entre padrões pré-definidos:

• insustentável (0-20);
• baixa sustentabilidade (20-40);
• média sustentabilidade (40-60);
• potencialmente sustentável (60-80);
• sustentável (80-100).

Cada intervalo representa valores atingíveis e desejáveis de cada indicador,


definidos com base em dados técnicos específicos para cada área, derivados de
pesquisa com base científica. Os indicadores serão convertidos em valores dentro
dessa escala de performance por interpolação. Um valor péssimo receberia o valor
zero e um valor excelente, mas atingível receberia o valor 100. A seguir, divide-se a
escala em partes iguais ou diferentes, conforme a natureza do indicador. Uma
performance pior que o menor valor no inicio da escala receberá o valor zero e uma
performance melhor que o maior valor receberá 100.
Na composição dos índices, os indicadores poderão ser ponderados ou não.
Mas as três dimensões terão o mesmo peso na composição do índice final. Este
índice final pode ser representado em um gráfico tridimensional com três eixos, um
para cada dimensão, de modo que se pode identificar a contribuição de cada uma e
estabelecerem-se volumes equivalentes a cada faixa acima citada. Assim, se uma
das dimensões tiver baixa sustentabilidade não será possível atingir uma área
sustentável mesmo que a média dos índices seja satisfatório.
Indicadores e índices poderão ser usados para avaliar diferentes tratamentos
em um experimento, ou comparativamente dois ou mais projetos a serem
implantados em uma região ou dois sistemas de produção de organismos aquáticos.

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Para avaliar tratamentos em um experimento, os indicadores podem ser suficientes,


já que a comparação será feita entre eles. Assim, evita a definição do que é muito ou
pouco sustentável, que pode ser uma tarefa complexa. Basta então dizer “T1 é mais
sustentável que..” ou “T1 é menos sustentável que...”

1. Indicadores de sustentabilidade econômica

Devem-se usar indicadores que mostrem que os recursos financeiros são


usados com a máxima eficiência e que o projeto é capaz de gerar renda suficiente
para manter o produtor na atividade.

• Receita Líquida: corresponde ao Lucro somado ao custo de oportunidade (o


custo de oportunidade inclui: remuneração do proprietário, juros sobre capital
fixo, circulante e remuneração da terra). Se ela for negativa o projeto não tem
sustentabilidade econômica. Se ela for positiva é um indício que o projeto pode
ser sustentável. Mas isso não é suficiente. Ela deve garantir a permanência do
proprietário na atividade, tirando dela o seu sustento ou parte dele. Somando o
lucro + custos de oportunidade deve-se obter um valor suficiente para dar ao
proprietário e sua família um padrão de vida aceitável na região na qual o
empreendimento está instalado.

• Proporção do capital investido que foi gerado no próprio setor: a sustentabilidade


de cada setor da aqüicultura (ex. tilapicultura, carcinicultura etc) pode ser
avaliada pela proporção do capital investido que foi gerado no próprio setor.
Setores que crescem com capital gerado em outros setores da economia ou com
subsídios governamentais não são sustentáveis. Esta análise deve ser feita para
a própria aqüicultura brasileira como um todo.

• Tamanho mínimo do empreendimento: o tamanho mínimo do empreendimento


que garanta rentabilidade para a sobrevivência de uma família com boa
qualidade de vida. Pode-se tomar como base uma família de quatro pessoas.
Empreendimentos menores seriam mais sustentáveis.

• Renda líquida/investimento inicial: empreendimentos com investimento inicial


menor e que gerem a mesma renda líquida seriam mais sustentáveis, pois
correspondem a um uso mais adequado do recurso capital.

• Indicadores de viabilidade econômica tradicionais: Taxa Interna de Retorno (TIR),


Período de Retorno do Capital (PRC), Relação Benefício/Custo (RBC), Valor
Presente Líquido (VPL) e Lucro (L). Estes são mais indicados para
empreendimentos que envolvem investidores. Para o pequeno produtor pode ser
irrelevante o tempo que o capital retorna ou a sua rentabilidade real. O mais
importante para ele permanecer na atividade é se ele consegue sustentar sua
família dentro de um bom padrão de vida com aquele negócio.

2. Indicadores de sustentabilidade ambiental

O ambiente fornece serviços e insumos para a aqüicultura, tais como a diluição e


processamento dos efluentes e alimento para moluscos filtradores, respectivamente.

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Portanto, esses devem ser conservados pelo próprio interesse da atividade. A


sustentabilidade ambiental deve ser medida com base em três aspectos principais:

1. O uso de recursos naturais (quanto usa de materiais e energia para cada unidade
de produto gerado);
2. A eficiência no uso dos recursos (quanto dos recursos é incorporado na produção
e quanto é desperdiçado)

3. A produção de poluentes que podem prejudicar os ambientes receptores (quanto


polui para cada unidade de produto gerado).

Indicadores para medir o uso de recursos:

• Espaço: Quantos m2 de área usada para cada kg produzido? E=área


usada/produção
• Água: Quantos m3 para cada kg produzido? A = volume consumido/produção
• Energia: Quantos joules para cada kg produzido? E = energia
consumida/produção
• Materiais: Quantos g de determinado material para cada kg produzido M=
material aplicado/ produção
o N = massa de nitrogênio aplicada/produção
o P = massa de fósforo aplicada/produção
o Prot = massa de proteínas aplicada/produção
Deve-se atribuir um peso maior para os recursos que não são renováveis na
mesma taxa de seu uso pelo homem. Ex. fósforo, que se perde para o
oceano.

Indicadores para medir a eficiência no uso dos recursos:

• Energia: E = energia aplicada/energia recuperada na produção


• Materiais: M= materiais aplicados/mesmo material incorporado na produção
o N = massa de nitrogênio aplicada/massa de nitrogênio recuperado na
produção
o P = massa de fósforo aplicada/massa de fósforo recuperada na
produção
o Prot = massa de proteínas aplicada/massa de proteínas recuperada na
produção
Deve-se atribuir um peso maior os recursos que não são renováveis na
mesma taxa de seu uso pelo homem. Ex. fósforo.

Indicadores para medir poluentes liberados no ambiente:

• Carga de N: gramas de N liberado nos efluentes/kg pescado produzido;


• Carga de P: gramas de P liberado nos efluentes/kg pescado produzido;
• Carga de Mat Orgânica: gramas de mat. org. liberado nos efluentes/kg
pescado produzido;
• Carga de Material em Suspensão: gramas de material em suspensão liberado
nos efluentes/kg pescado produzido;

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• Carga de DBO5: gramas de DBO5 liberado nos efluentes/kg pescado


produzido;
• Carga de gases do efeito estufa: gramas de CO2 + CH4 (medido em eq. de
CO2) liberada para a atmosfera/kg pescado produzido.

Indicadores para medir poluentes acumulados no interior do viveiro:

• Carga de N acumulado no sedimento: gramas de N acumulado no


sedimento/kg pescado produzido;
• Carga de P acumulado no sedimento: gramas de P acumulado no
sedimento/kg pescado produzido;
• Carga de Matéria Orgânica acumulada no sedimento: gramas de matéria
orgânica acumulada no sedimento/kg pescado produzido.

3. Indicadores de sustentabilidade social

A sustentabilidade social deve ser avaliada, considerando-se a distribuição de


renda e os benefícios para as comunidades locais. Pode-se analisar a proporção
dos custos que corresponde ao pagamento do trabalho, a remuneração do trabalho
por unidade de produto (R$/kg), o número de posições de trabalho por unidade de
produto, a proporção de renda distribuída em relação à renda gerada, entre outros.

• Custo proporcional do trabalho: porcentagem do “breakeven price” que


corresponde à remuneração do trabalho. Custo da mão-de-obra (inclui
trabalho familiar)/custo de produção. Ex. Custo de produção (“breakeven
price”): R$ 64.000,00; mão-de-obra + remuneração do trabalho familiar: R$
28.500,00; proporção de mão-de-obra = (28.500,00/64.000,00)x100 = 44,5%;

• Trabalho requerido por unidade de área ocupada: homens-hora por ano/área


ocupada (ha);

• Distribuição da renda: valor pago como salários + encargos + benefícios


sociais (ex. plano de saúde da empresa)/lucro gerado;

• Remuneração do trabalho por unidade de produção: valor pago em


remuneração de mão-de-obra (inclusive do proprietário)/1000 kg de pescado
produzido;

• Trabalho requerido por unidade de produção: homens-hora por ano (inclui


proprietário, se ele trabalhar)/1000 kg de pescado produzido;

• Geração de empregos diretos: número de empregos e auto-empregos diretos


gerados/investimento realizado;

• Geração de empregos total: número de empregos e auto-empregos gerados


(diretos + indiretos)/investimento realizado;

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• Porcentagem de auto-empregos: número de auto-empregos gerados/número


total de postos de trabalho gerados;

• Uso de mão-de-obra local: número de postos de trabalho gerados que


permite recrutamento entre população local/número total de postos de
trabalho gerados;

• Fixação de renda na economia local: custos que são pagos no mercado


local/total de custos, ou seja, a proporção das compras que são feitas no
mercado local;

• Consumo local: kg de pescado vendidos no mercado local/produção total.


Esse indicador mede a melhoria na disponibilidade de alimentos para a
comunidade local.

Projetos com esses índices maiores teriam mais sustentabilidade social. Mas há
pontos importantes que não estão contemplados como a adequação da tecnologia à
cultura local.

Viabilidade social dos projetos

Um projeto seria viável socialmente se gerar renda de modo a permitir um


padrão de vida razoável para uma família, incluindo pagamento de boa escola, plano
de saúde, lazer etc. Considerando uma família de quatro pessoas como padrão, este
valor pode ser estimado. Ex. cerca de R$ 100.000,00/ano (US $ 50,000/ano).
Portanto, somando o lucro + custos de oportunidade (ou seja, a Receita Líquida)
deve-se obter esse valor por ano. Alternativamente, num primeiro momento, pode-se
considerar um projeto viável socialmente como aquele que garante um padrão de
vida compatível com o que é aceitável na região na qual o empreendimento
está/será instalado.
Esse valor pode ser usado, por exemplo, para a determinação de tamanho
mínimo de propriedade para que tenha viabilidade. Por outro lado, deve-se pensar
em estabelecer o tamanho máximo adequado para as empresas familiares.
Observa-se que ao crescer, um empreendimento geralmente não possibilita maior
renda para a família proprietária porque o dinheiro a mais movimentado é gasto em
re-investimentos, novos custos inerentes ao maior tamanho etc. A família continua
vivendo com os R$ 100.000,00/ano. Então, para que crescer?

Indicadores de ética e bem estar animal

Precisamos criar indicadores de bem estar animal. Estes podem ser incluídos
na dimensão social porque gera tranqüilidade de consciência para os proprietários e
para os consumidores quanto ao sistema de produção. Práticas inaceitáveis sob o
ponto de vista ético podem ser transformadas em um “indicador de veto”, ou seja,
que considera o sistema como insustentável porque apresenta aquela característica.
As medidas do bem estar de organismos aquáticos são ainda muito discutidas
e estão indefinidas. Vários pesquisadores e gestores ainda discutem se esses
animais sentem dor. Sugestões de indicadores são dadas abaixo:

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• Número de organismos mortos durante o cultivo/kg de organismos


produzidos;
• Número de animais injuriados + doentes / número total de animais
despescados;
• Fator de condição: média da razão W/Lb, sendo W massa de cada indivíduo,
L comprimento de cada individuo e b o coeficiente alométrico da relação
Peso/Comprimento.

A comunidade científica precisa pesquisar alterações morfológicas e


fisiológicas de fácil medida que reflitam as condições dos animais. Como exemplo
temos o cortisol como indicador de estresse em peixes.

A aqüicultura brasileira é sustentável?

A aqüicultura brasileira tem crescido muito, mas ainda não é uma atividade
sólida. Durante os últimos 20 anos vários projetos foram implantados e faliram.
Muitas vezes, a atividade é financiada por recursos que vêm de outros setores. As
cadeias produtivas são fracas. A maioria dos projetos não é concebida em harmonia
com o meio ambiente; áreas naturais ainda são degradadas e a atividade está
baseada em monocultivos intensivamente arraçoados de espécies exóticas. Muitos
empregos têm sido gerados, mas os salários são baixos e programas de valorização
da mão-de-obra são escassos. A maioria dos empreendimentos busca reduzir mão-
de-obra e não se preocupa com as comunidades locais.
Análises adequadas e realistas da sustentabilidade da aqüicultura brasileira
ainda precisam ser feitas. No entanto, os pontos mencionados no parágrafo anterior
indicam que a aqüicultura brasileira não é sustentável. Tem se observado uma
preocupação muito maior com o crescimento do que com a sustentabilidade da
atividade. Essa política tem gerado um crescimento desordenado e irresponsável
com grandes oscilações em vários setores da aqüicultura brasileira, levando
numerosos empreendimentos à falência, trazendo prejuízos incalculáveis para
empresários, proprietários rurais e para os investimentos estatais na forma de
subsídios. Deve-se lembrar que desenvolvimento não significa crescimento, mas
realizar um potencial. Portanto, para se atingir o desenvolvimento sustentável da
aqüicultura não deve haver preocupação com o crescimento da atividade, mas sim
com o modo como ela é praticada. Análises acuradas devem ser realizadas para
avaliar a sustentabilidade de cada setor e de cada empreendimento antes de se
estabelecer incentivos governamentais ou conceder sua liberação.
Os indicadores e índices propostos neste artigo podem auxiliar investidores,
gestores e tomadores de decisão de órgãos públicos na escolha de seu investimento
e/ou na elaboração de políticas públicas. Além disso, são essenciais no trabalho de
cientistas para avaliar diferentes tratamentos em experimentos de manejo.
Desenvolver tecnologias de produção pouco sustentáveis não tem nenhuma
validade, nem atende aos anseios da sociedade que financia as pesquisas.
Implementá-las junto ao setor produtivo é desperdício. Evidentemente, que os
indicadores propostos precisam ser testados para serem aperfeiçoados de modo a
se obter um conjunto de indicadores comparáveis, que reflitam a sustentabilidade
em todas as suas dimensões.

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Valenti, W. C. 2008. A aqüicultura Brasileira é sustentável? Palestra apresentada durante o IV Seminário
Internacional de Aqüicultura, Maricultura e Pesca, Aquafair 2008, Florianópolis, 13-15 de maio de 2008. p.
1-11 (www.avesui.com/anais).

Referências

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da UFSC. 310p.
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Rio de Janeiro, Editora FGV. 2ª. Ed. 253p.
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278.

Figura 1. Viveiros de policultivo de carpas no Alto Vale do Itajaí. (Foto de Sérgio


Tamassia)

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