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Wagner C. Valenti
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Valenti, W. C. 2008. A aqüicultura Brasileira é sustentável? Palestra apresentada durante o IV Seminário
Internacional de Aqüicultura, Maricultura e Pesca, Aquafair 2008, Florianópolis, 13-15 de maio de 2008. p.
1-11 (www.avesui.com/anais).
comunidade local, elevando sua qualidade de vida e deve respeitar sua cultura. Os
impactos ambientais ou sociais negativos causados pela aqüicultura podem ser
quantificados monetariamente e incluídos nos custos de produção. Isto é chamado
externalidade de um projeto. Esses valores podem ser arrecadados pelo poder
público e reverter-se para as comunidades prejudicadas. Os projetos devem ser
concebidos de modo a garantir lucratividade, considerando todos os custos de
produção, inclusive as externalidades.
Aqüicultura responsável é um conceito diferente. Seria a produção de
organismos aquáticos de acordo com códigos de ética estabelecidos por instituições
sociais, tais como sociedades de produtores, órgãos de governo, associações de
consumidores ou outros da sociedade civil. Normalmente esses códigos de ética
visam estabelecer boas práticas de manejo de modo a reduzir o impacto ambiental,
a exploração da mão-de-obra, os prejuízos para as comunidades locais e sofrimento
dos animais. Geralmente a aqüicultura responsável é mais próxima da aqüicultura
sustentável, mas o fato de se usar boas práticas de manejo não significa que o
sistema é sustentável. Lembremos que para ser sustentável deve ser perene no
tempo, pelo menos por mais de uma geração.
A sustentabilidade econômica depende da elaboração de projetos bem
concebidos e de uma cadeia produtiva forte. Um projeto bem elaborado deve
basear-se no uso da tecnologia mais adequada para as condições locais e do
investidor e em um plano de negócio realista. Para ser forte, a cadeia produtiva
precisa ser organizada e ter todos os elos fortes. Basta um ele fraco para que toda a
cadeia seja fraca.
Um bom projeto tem estratégia de produção adequada, baseada nas
características do mercado alvo, das condições ambientais locais e das
características do empresário ou produtor. A tecnologia escolhida deve ser
adequada a essas três características e ser harmônica. A melhor tecnologia não é a
mais moderna nem a mais sofisticada, mas aquela que melhor se adequar às
condições do projeto. Deve ser harmônica, ou seja, não pode usar recursos caros
que não paguem seu custo com o aumento na produtividade que irão condicionar.
Os projetos devem ser embasados em um plano de negócios correto, envolvendo
todos os custos de produção, considerando valores realistas de produtividade e
preço de venda da produção. Não se deve esquecer de incluir nos custos a
depreciação das obras e equipamentos adquiridos com o investimento inicial nem as
perdas que normalmente ocorrem quando se trabalha com produtos altamente
perecíveis, como é o caso do pescado.
A produção deve ser entendida como um processo amplo, que envolve todo
um conjunto de elementos que se inter-relacionam formando uma rede complexa.
Esta é chamada cadeia produtiva e envolve elementos de diferentes áreas do
conhecimento. Os principais elementos da pré-produção são: o suporte técnico, a
conjuntura econômica e legal e a infra-estrutura. A produção propriamente dita
envolve os processos biológicos e zootécnicos que compreendem a reprodução, a
larvicultura (ou fase equivalente) e a produção dos organismos alvo. A pós-
produção envolve o beneficiamento do produto, embalagem, conservação,
distribuição e venda até atingir o consumidor final. Todos esses elementos são
subdivididos em diversos outros elementos. Descrições adequadas das cadeias
produtivas da aqüicultura são apresentadas em Borghetti & Ostrensky (2000),
Valenti (2002) e Valenti & Tidwell (2006). Para se obter sustentabilidade econômica,
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deve-se fortalecer toda a cadeia produtiva. Esta é uma ação complexa que depende
de um trabalho conjunto do setor privado e órgãos gestores governamentais.
A sustentabilidade ambiental depende do uso de tecnologia que minimize o
impacto ambiental da atividade mantendo a biodiversidade e a estrutura e
funcionamento dos ecossistemas adjacentes. Para se analisar a sustentabilidade
ambiental, deve-se considerar que é impossível produzir sem causar impacto
ambiental, que a aqüicultura depende dos ecossistemas nos quais se insere e que o
valor da biodiversidade é maior que o valor dos produtos da aqüicultura. Na verdade,
o valor da biodiversidade é maior do que o valor de qualquer outro produto
agropecuário. As forças da natureza e os processos naturais devem ser usados de
modo a contribuir para o aumento da produção. Não se deve gastar energia para
neutralizá-los, mas usá-las a favor da produção. Os sistemas de produção devem
ser concebidos em harmonia com a natureza e não contra ela.
A sustentabilidade social depende de projetos concebidos para gerar
empregos diretos e indiretos e principalmente auto-empregos, distribuir riqueza entre
a população local ao invés de concentrá-la, harmonizar o modo de produção com a
cultura local e hábitos da população, e melhorar a qualidade de vida das populações
locais.
Durante os últimos anos, um grande esforço foi feito para introduzir práticas
responsáveis na aqüicultura. Códigos de Conduta e Boas Práticas de Manejo foram
elaborados e implantados (Boyd 2003). Embora se veja muito mais retórica do que
ações concretas, atualmente a aqüicultura é mais responsável do que foi há anos
atrás. No entanto, faltam mecanismos para avaliar a sustentabilidade da aqüicultura.
A introdução dos códigos de ética na aqüicultura está mais associada à evolução do
mercado consumidor que cobra ações éticas na produção de alimentos do que
propriamente com uma preocupação dos produtores com a sustentabilidade.
A sociedade percebeu que a produção de alimentos é um processo complexo,
que afeta muitos aspectos da vida das pessoas, como o ambiente em que elas
vivem, sua saúde, sua consciência ética, entre outros. O velho paradigma “Produzir
Alimento Abundante e Barato” não é aceito por grande parte da sociedade. Além
disso, a velha política de “Produzir Muito e Barato” tem sido ruim para os produtores.
Os lucros são temporários porque a competição reduz os preços e a margem torna-
se muito pequena, inviabilizando vários empreendimentos. O modelo de produção
usado atualmente na aqüicultura não atende aos anseios da sociedade e dos
produtores e aos princípios da sustentabilidade. Portanto, mudanças devem ser
implementadas. O novo desafio é o desenvolvimento de sistemas inovadores,
economicamente, ambientalmente e socialmente balanceados. Sistemas que
otimizem a eficiência de produção, a geração e a distribuição de renda e mantenham
a integridade dos ecossistemas costeiros e interiores. Devemos desenvolver
sistemas verdadeiramente sustentáveis. Portanto, novos paradigmas devem ser
introduzidos.
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Avaliando a sustentabilidade
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ambiental são apresentadas por Pullin et al. (2007) e Boyd et al. (2007). Arana
(1999) apresenta uma abordagem interessante para o estudo da sustentabilidade
social. No entanto, não há nenhum consenso entre os pesquisadores e gestores
públicos nacionais e internacionais. Recentemente (2005) a União Européia deu um
grande passo ao estabelecer um conjunto de indicadores da sustentabilidade da
aqüicultura européia com o projeto “Multi-stakeholder platform for sustainable
aquaculture in Europe”. O assunto é muito novo e trabalhos de avaliação da
sustentabilidade de empreendimentos ou de processos ligados à aqüicultura são
extremamente raros. Abaixo, apresentamos uma posposta de medidas da
sustentabilidade que podem ser aplicados na aqüicultura brasileira.
• insustentável (0-20);
• baixa sustentabilidade (20-40);
• média sustentabilidade (40-60);
• potencialmente sustentável (60-80);
• sustentável (80-100).
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1. O uso de recursos naturais (quanto usa de materiais e energia para cada unidade
de produto gerado);
2. A eficiência no uso dos recursos (quanto dos recursos é incorporado na produção
e quanto é desperdiçado)
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Projetos com esses índices maiores teriam mais sustentabilidade social. Mas há
pontos importantes que não estão contemplados como a adequação da tecnologia à
cultura local.
Precisamos criar indicadores de bem estar animal. Estes podem ser incluídos
na dimensão social porque gera tranqüilidade de consciência para os proprietários e
para os consumidores quanto ao sistema de produção. Práticas inaceitáveis sob o
ponto de vista ético podem ser transformadas em um “indicador de veto”, ou seja,
que considera o sistema como insustentável porque apresenta aquela característica.
As medidas do bem estar de organismos aquáticos são ainda muito discutidas
e estão indefinidas. Vários pesquisadores e gestores ainda discutem se esses
animais sentem dor. Sugestões de indicadores são dadas abaixo:
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A aqüicultura brasileira tem crescido muito, mas ainda não é uma atividade
sólida. Durante os últimos 20 anos vários projetos foram implantados e faliram.
Muitas vezes, a atividade é financiada por recursos que vêm de outros setores. As
cadeias produtivas são fracas. A maioria dos projetos não é concebida em harmonia
com o meio ambiente; áreas naturais ainda são degradadas e a atividade está
baseada em monocultivos intensivamente arraçoados de espécies exóticas. Muitos
empregos têm sido gerados, mas os salários são baixos e programas de valorização
da mão-de-obra são escassos. A maioria dos empreendimentos busca reduzir mão-
de-obra e não se preocupa com as comunidades locais.
Análises adequadas e realistas da sustentabilidade da aqüicultura brasileira
ainda precisam ser feitas. No entanto, os pontos mencionados no parágrafo anterior
indicam que a aqüicultura brasileira não é sustentável. Tem se observado uma
preocupação muito maior com o crescimento do que com a sustentabilidade da
atividade. Essa política tem gerado um crescimento desordenado e irresponsável
com grandes oscilações em vários setores da aqüicultura brasileira, levando
numerosos empreendimentos à falência, trazendo prejuízos incalculáveis para
empresários, proprietários rurais e para os investimentos estatais na forma de
subsídios. Deve-se lembrar que desenvolvimento não significa crescimento, mas
realizar um potencial. Portanto, para se atingir o desenvolvimento sustentável da
aqüicultura não deve haver preocupação com o crescimento da atividade, mas sim
com o modo como ela é praticada. Análises acuradas devem ser realizadas para
avaliar a sustentabilidade de cada setor e de cada empreendimento antes de se
estabelecer incentivos governamentais ou conceder sua liberação.
Os indicadores e índices propostos neste artigo podem auxiliar investidores,
gestores e tomadores de decisão de órgãos públicos na escolha de seu investimento
e/ou na elaboração de políticas públicas. Além disso, são essenciais no trabalho de
cientistas para avaliar diferentes tratamentos em experimentos de manejo.
Desenvolver tecnologias de produção pouco sustentáveis não tem nenhuma
validade, nem atende aos anseios da sociedade que financia as pesquisas.
Implementá-las junto ao setor produtivo é desperdício. Evidentemente, que os
indicadores propostos precisam ser testados para serem aperfeiçoados de modo a
se obter um conjunto de indicadores comparáveis, que reflitam a sustentabilidade
em todas as suas dimensões.
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