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Anencefalia: de Ministro a mulheres populares no STF

Posted: 15 Sep 2008 06:17 PM CDT

Estamos à véspera da quarta audiência pública no STF sobre interrupção da


gravidez por anencefalia. Mulheres de Olho traz aqui breve retrospectiva das duas
primeiras (26 e 28 de agosto), e uma síntese da terceira audiência, realizada em 4
de setembro.

Na primeira audiência pública participaram representantes religiosos, que não


tiveram consenso sobre a ADPF 54. Católicas pelo Direito de Decidir e Igreja
Universal do Reino de Deus posicionaram-se a favor; e CNBB, Associação Médico-
Espírita do Brasil e Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, contra.

Na segunda, os argumentos se alternaram entre religiosos e científicos. O saldo foi


uma forte evidência de que um feto anencéfalo não tem chance de vida extra-
uterina. Sete palestrantes defenderam a aprovação da ADPF 54, e dois
condenaram. Em “Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no
desespero” reportamos essas duas audiências. (leia aqui)

A terceira audiência pública, realizada em 4 de setembro, contou com participações


que cobriram um leque amplo de personalidades, desde o Ministro da Saúde, José
Gomes Temporão, até mulheres que viveram a experiência de interromper uma
gravidez de feto anencéfalo, o que aconteceu nos três meses de 2004 em que
vigorou a liminar permitindo o procedimento.

Os depoimentos das mulheres foram reproduzidos na palestra da antropóloga Lia


Zanotta Machado (leia aqui), que apresentou trechos de um vídeo e conduziu um
casal, que pôde relatar sua experiência e responder perguntas do ministro Marco
Aurélio Mello, presidente da sessão:

“Eu pensei muito, discuti com minha família e decidi. Senti uma paz, um alívio
depois de fazer. Não senti culpa, remorso” (Michele Gomes de Almeida/ 28 anos)

O Ministro da Saúde defendeu a ADPF 54, assim como a feminista Lia Zanotta
Machado – representando a Rede Feminista de Saúde – e a socióloga e também
feminista Jacqueline Pitanguy, em nome do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher. Ambas aprofundaram o argumento já levantado anteriormente, de que
obrigar uma mulher a manter a gravidez de feto anencéfalo é comparável a tortura,
além de ser um desrespeito a seus familiares.
Outra fala favorável à ADPF 54 foi da jornalista Claudia Werneck, fundadora da
Escola de Gente Comunicação em Inclusão, organização que trabalha em defesa
dos direitos das crianças com deficiência. Claudia foi clara ao dizer que a
interrupção da gravidez nos casos de anencefalia não configura discriminação:

“Embora a anencefalia expresse a diversidade da pessoa humana, interromper a


gravidez não é um caso de negação ao direito à vida, pois não há expectativa
favorável de vida a partir do parto”.

Na contramão deste raciocínio, a endocrinologista Ieda Therezinha Verreschi,


representante a Associação de Desenvolvimento da Família, argumentou que a
aprovação da ADPF 54 seria “um retorno da sociedade à barbárie”, e um reflexo de
que o ser humano estaria sendo avaliado por sua eficiência, com a sociedade
passando recibo de intolerante diante do “imperfeito”.

O Ministro Temporão fez questão de atestar a capacidade do SUS de atender a


demanda para ecografias que diagnosticam com segurança as malformações
cerebrais, e indagou se a proibição de interromper uma gravidez de feto anencéfalo
não seria “controle político do corpo das mulheres em nome de crenças, certezas
absolutas”:

“A definição legal para a morte no Brasil é a morte cerebral, o que autoriza a


retirada de órgãos para transplante mesmo que o coração continue batendo. Uma
vez estabelecido que o feto com anencefalia não possui o córtex cerebral, invoca-se
a analogia com a definição legal de morte anencefálica. Esse feto é potencialmente
morto”.

Jacqueline Pitanguy também seguiu este raciocínio para defender que, no caso do
feto anencefálico, não cabe o debate filosófico sobre a vida. A socióloga defendeu a
interrupção como um direito de escolha da mulher, e apontou a regra vigente como
grave desrespeito a seus direitos, procedendo a leitura do documento oficial do
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher sobre essa questão (leia aqui a fala de
Pitanguy)

Além de Ieda Verreschi, depuseram contra a ADPF a pediatra Cinthia Macedo


Specian, Coordenadora do Serviço de NeoNatologia e da UTI NeoNatal do Hospital
São Francisco, e o médico obstetra Dernival da Silva Brandão, Presidente da
Comissão de Ética e Cidadania da Academia Fluminense de Medicina.

Na linha da defesa da vida do feto enencéfalo, Dernival Brandão destacou o


entendimento da Comissão Nacional de Bioética da Itália, segundo a qual o
anencéfalo é uma pessoa viva e deve ter seus direitos e dignidade humana
respeitados, como um exemplo a ser seguido:

“Estamos falando de um abortamento eugênico, já que não existe risco de morte


para a mãe no caso da anencefalia do feto”.

Para ele, manter uma gravidez de feto com a anomalia “aumenta a dignidade da
mãe”. Esta afirmação provocou uma pergunta do ministro Marco Aurélio Mello,
questionando se Brandão defendia a tese de que o sofrimento purifica o ser
humano. Brandão confirmou que sim, afirmando que a dor aproxima as pessoas.
Neste dia foram 4 falas a favor da DPF 54 e três contra.

Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão

Para Dossiê imprensa sobre Anencefalia acesso site da CCR

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