Você está na página 1de 16
@ ovnAD HESSE Prof. da Universidade de Freiburg i. Br., Alemania Juiz Ex- Presidente da Corte Constitucional Alema (Bundesverfassungsgericht) A FORCA NORMATIVA DA CONSTITUIGAO (Die normative Kraft der Verfassung) Tradugdo de Gilmar Ferreira Mendes, Procurador da Repilblica ¢ Doutorado pela Universidade de Miinster, Alemaniia SERGIO ANTONIO FABRIS EDITOR Part Alenra/1991 oO APRESENTACAO Este trabalho do Professor Konrad Hesse que apresenta- mos ao Ieitor brasileizo, base de sua aula inaugural na Univers sidade de Freibujg-RFA, em 1959, € um dos textos mais signi. ficativos do Direito Constitucional moderno, Conttapondo-se 4s reflexes desenvolvidas por Lassalle (*), esforca-se Hesse por demonsteat que o desfecho do embate entre os fatores Teais de Poder ¢ a Constituicio nao hf de verificar-se, necessati mente, em desfavor desta. A Constituicio nao deve ser Zon: derada a fats mais face, Resta Hesie que « Constiigdo no significa apenas um pedaco de papel, como definido poc Lassalle. Existem pressupostos realizéveis (cealizierba:e Voraus- seteungen), que, mesmo em caso de eventual confronto, pet mitem assegurar a sua forga notmativa, A conversio das ques- {Ses juridicas (Rechestragen) em questdes de poder (Machefra- gen) somente ha de ocorrer se esses pressupostos n’o puderem set satisfeitos Sem desprezar o significado dos fatores histéricos, polfti s € socials para a forga normative da Constituicto, confer Hesse peculiac realce @ chamada vontade de Constituicao (Wille zur Verfassung). A Consticuisho, ensing Hesse, transto marse em forga ativa’ se exiscit a disposicdo de orienta: a pré- pria conduta segundo a ordem nela estadelecida, se fizerem. S¢ presentes, na consciéncia geral — particulamermente, na consciéncia dos principais responséveis ls gtdem conscituco- nal —, ndo s6 a vontade de poder (Wille zur Mache), mas tam: bém a vontade de Constituigdo (Wille zur Verfassung). Fazemos votos que a reflexiio sobre as teses desenvolvidas por Hesse possa contribuir para uma fecunda discussao, entre niés, sobre 0 significado e 0 valor da Constituiclo ¢ sobre @ necessidade de preservar a sua forsa normativa ‘A presente traducio foi feita diretamente do original ale- mio, publicado pela Editora J.C. B. Mohr (Tubingen, 1959), tendo sido conftontada, posteriormente, com a traducio para © espanhol elaborada por Pedro Cruz Villalén (in: Escritos de Derecho Constitucional, Madrid, 1983, p. 60-84). Gilmar Ferreita Mendes (©). Cf. Ferdinand Lass } . Uber das Verfassungswesen, Berlin. Buchhandlung Vorwirts Paul Sing 1907; ¥. também a tradugio para 6 espanhol de W. Roces cob o titulo “Que es una Constitucién?”, Buenos Aires, Siglo Veinte, 1957, © as traducbes para 0 pamugues Esséncia da Constituigio’’, baseada na traducdo de Walter Sténner (Hibet Juris, Rio twadusida pot a Jangito, 1985) ¢ "0 que € uma Consiulto Poles" Manuel Soates, Global Editora, Sto Paulo, 1987. 6 ASR Dev DVB. LE VVDStRL ZgesStW Abreviaturas Archiv des &ffentlichen Rechts Die 6ffentliche Verwaltung Deutsches Verwaltungsblatt Lei Fundamental Vereinigung der Deusschen Scaatstechtslehrer Zeitschrift fiir die'gesamte Staatswissenschaft A Forga Normativa da Constituigio Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassalle proferiu, nu- ma associagio libetal-progressista de Berlim, sua conferéncia sobre a esséncia da Constituicéo (Uber das Verfassuagswesen). © poder intelectual, representado pela consciéncia ¢ pela cultura gerais, As celacées faticas resultantes da conjuga- fo desis fares consitem a fora ativa deverminante aes IES ¢ das insituigdes da sociedade, fxzendo com gue eons on eessem, tdo-somente, a correlacso de forcas que resulta dos tors reals de poder, sss fatores reais do poder formam a Constituicto cea! do pats. Esse documento chamado Constitii= a Constituicio juridica - nfo passa, nas palavras de Las- de um pedago de papel (ein Stuck Papien. Sua capstias de de regular ¢ de motivar esté limitada & sua compatibilida. de com a Constituigéo real. Do conttitio, torna-se inevitavel o confit, cujo destecho hi de se velfcss contra a Consuter sho esctita, esse pedago de papel que tera de sucumbir diante dos farores reais de poder dominantes no pais Questées constitucionais nfo sfo, ofiginariamente, ques- t6es juridicas, mas sim quest6es politicas. A: ‘do apenas os politicos, mas também os juristas. “Tal como ressaltado pela grande doutrina, ainda ndo apreciada devida- Reden und Sehr 5s org. ¢ intodusto de Eduard Ber mente em todos os seus aspectos — afirma Georg Jellinek qua- renta anos mais tarde —, 0 desenvolvimento das Constituicdes demonstra que regras juridicas nZo se mostram aptas a contro- lar, efetivamente, a divisio de poderes politicos. “As forsas po- Ifticas movem-se consoante suas préprias leis, que atuam inde- pendentemente das formas juridicas’'s. Evidentemente, esse pensamento no pertence 20 passado. Ele se manifesta, de for- ma expressa ou implicita, também no presente. E verdade que hoje ele surge apenas de forma mais simplificada e imprecisa, ndo se attibuindo relevancia maior 3 consciéncia ¢ 2 cultuca erais, também contempladas pot Lassalle como fatores reais Ge poder. A concepgto"sustentada inicialmente por Lassalle parece ainda mais fascinante se se considera a sua aparente sim- plicidade ¢ evidéncia, 2 sua base calcada na realidade — 0 que torna imperioso 0 abandono de qualquer iltusio — bem como a sua aparente confirmacéo pela experiéncia hist6rica. E que a hist6ria constitucional parece, efetivamente, ensinar ie, tanto na praxis politica cotidiana quanto nas’ questdes fandamentais do Estado, 0 podet da forga afigura-se sempre superior & forca das normas juridicas, que a normatividade sub- mete-se a tealidade fitica, Podesse terordar, a propésit, tan. to 0 conflito telativo 20 orcamento da Prissia GBudgeckontite, teferido por Lassalle, como a mudanga do papel politico do Parlamento, subjacente a resignada afitmacio de Georg Jelli nek, ou ainda o exemplo da debacle da Constituicao de Wei- mat, que, em virtude de sua evidencia, revela-se insuscetivel de qualquer contestacio. Considerada em suas conseqiténcias, a concepgao da for- gq determinante das telagbesfaticas significa o seguince: 2 con- igo de eficécia da Constituigao juridica, isto é, a coincidéa- ‘co_extremo;.E que, entre.a norma fugdamentalmente estatica ‘¢.facional ¢.a tealidade fluida ¢ irracional, existe uma tensio Aecessaria ¢ imanente que nfo se deixa eliminar. Para essa con: cep¢d0 do Direito Constitucional, est configurada permanen- témente uma situacio de conflito: a Constituigio juridica, no que tem de funcamental, isto , nas disposigdes nfo propriamen- 2. Verfassungsiinderung und Verfassungswandlung (1906), p. 72. 10 te de indole técnica, sucumbe cotidianamente emface da Cons. tutwigdo real. A idéia de um efeito determinante exclusivo da Constituicao real nao significa outra coisa senio a prdpria nega- lo da Constituicio juridica. Poder-se-ia dizer, parafraseando cidas palavras de Rudolf Sohm, que o Direito Consti- ) tucional esté em contradigdo com a propia esséacia da Consti. / iste. . a ~ ssa negagio do direito constitucional imporca na negagio do sou valor enquanto ciéncia jusidica, Como toda ciéneia ju- ridica, 0 Direito Constitucional é ciéncia normativa; Diferencia- se, assim, da Sociologia e da Ciéncia Politica enquanto cién- cias da realidade. Se as notmas constitucionais nada mais ex- pressam do que relagdes fiticas altamente mutévcis, nfo hé co- mo deixar de reconhecer que a ciéncia da Constituicdo juttdi- ca constitui uma ciéncia juridica na auséncia do diteito, nfo Ihe restando cutra funcio senfo a de constatar ¢ comentat os fats ciados pela Realpoliti. Assim. o Digeito Consiucional nio escaria a servicg de uma, ordem, estatal justa,.cumprindo- Ihe tdo-somente a miserivel' fungio — indigna de qualquer ciéncia— de justificar as relagdes de poder dominantes. Se a Ciencia da Constituigao adota essa tese’€ passa a admitit a Cons- ticuigao real como decisiva, tem-se a sua descaractetizagéo co- mo ciéncia normativa, operando-se a sua conversdo numa sim ples ciéncia do set. Nio havetia mais come diferencia dase, ciologia ou da Ciéncia Politica. Afigura-se justificada a negacZo do Direito Constitucional, €.a conseqiente negacdo do proprio valor da Teoria Geral do Estado enquanto cigncia, se 2 Constituicéo juridica expressa, efetivamente, uma momentinea constelagto de poder AG contritio, essa doutrina afigura-se desprovida de fundamento se se puder admitir que a Constituigio contém, ainda que de forma limitada, uma forca pr6pria, ‘motivadora ¢ ordenadora da vida do Estado. A questio que se apresenta diz respeito 2 forga normativa da Constitui¢ao. Bxistitia, 20 lado do poder determinante das relacbes féticas, expressas pelas forcas politi- cas ¢sociais, também umaforca determinante do Dieito Cons. titucional? Qual.o fundamento ¢ o alcance dessa forca do Di- telto Constitucional? Nao seria essa forca uma ficgZo necessaria para o constitucionalista, que tenta criar a suposicdo de quie’ 6 n 4

Você também pode gostar