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conta a bíblia que, após a saída do egito, os hebreus vagaram por quarenta

anos no deserto antes de entrar na terra prometida. este período de tempo, explicam
os intérpretes do livro, tem um significado. quarenta anos correspondia a uma
geração. ou seja, era preciso que a geração dos cativos se extinguisse, que houvesse
uma renovação populacional, para que as memórias da escravidão se desfizessem e
para que uma nova fase histórica tivesse início.
a expectativa de vida aumentou e hoje quarenta anos já não correspondem a
uma geração. mesmo assim, o aspecto simbólico das quatro décadas persiste e serve,
entre outras coisas, para nos lembrar que há quarenta anos, em 1964, ocorria o golpe
militar que mudou, bruscamente, o rumo da história do país. vínhamos de um
período de crescente agitação, de manifestações revolucionárias (ainda que em boa
medida utópicas, como se viu depois) e de grande efervescência cultural. 1964
instaurou, ou tentou instaurar, o silêncio. para os intelectuais este foi um período
particularmente amago quando não perigoso; disso dá testemunho, em seu
depoimento, carlos heitor cony, uma das mais extraordinárias figuras na resistência
contra o autoritarismo e a censura. a este depoimento, juntamos dois contos: à época,
realidade e ficção (grotesca) freqüentemente se confundiam.
quarenta anos é muito tempo. a memória começa a se transformar em história,
e alguns jovens já consideram o golpe de 1964 matéria do currículo escolar. daí a
necessidade de evocar aquele período. vivemos uma fase de crescimento da
democracia, sobretudo no brasil. mas a longa marcha da humanidade rumo a um
futuro melhor e mais justo não se faz em linha reta; ocorrem vacilações, pausas e até
recuos. a tentação autoritária está sempre presente, e não apenas na macro-política,
aquela executada pelos governos; ela, não raro, condiciona relações pessoais,
transformando-se num discurso que ainda pode mistificar. É preciso aprender com o
passado, e este é o objetivo do livro que agora oferecemos aos leitores. (ms)

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