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OS FRUSTRADOS

de

Walter de Azevedo

EPISÓDIO 02

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

participação especial

ANDRÉ ABUJAMRA

como O PORTEIRO
CENA 01 - Tomada de São Paulo de manhã. Várias cenas mostrando o movimento da

cidade.

CORTA PARA:

CENA 02 – Frente do escritório de Lucas. Parece um pouco decadente, apesar de bem

cuidado. Em cima da porta de entrada lê-se uma placa onde está escrito ARQUITETURA

BUENO E PACHECO. A palavra PACHECO está riscada com tinta.

CORTA PARA:

CENA 03 – ESCRITÓRIO DE LUCAS/INT/DIA

Lucas está falando ao telefone quando Roberto entra. Ele vê o amigo e faz um sinal para

que se aproxime.

LUCAS – Como, despencou, minha senhora? (pausa) Matou

alguém? (pausa) Então do que a senhora está reclamando? (pausa)

Sem educação é a senhora! Psiu! Psiu! Fica quieta que eu tô falando!

(pausa) A senhora está falando com a pessoa errada. Quem fez a

porcaria da obra na sua casa não fui eu, foi o meu ex-sócio! (pausa)

Ele não disse que é meu ex-sócio? Mas é. Olha só!

Lucas apanha um cartão e mostra para o telefone.

LUCAS – Olha só. O nome dele tá até riscado. (pausa) Como é? Ele

falou que pra qualquer problema a senhora podia me procurar?

(pausa) Louca é a senhora que contrata um incompetente mentiroso e

depois vem jogar a culpa em cima de mim. (pausa) É a senhora! Sua

velha boca suja! (pausa) O que? (pausa) Eu não sei o que é isso, mas

é a senhora! Passar bem, minha senhora!

Lucas bate o telefone.


ROBERTO – É assim que você trata os seus clientes? Dá pra

entender porque você tá na pindaíba.

LUCAS – Não é cliente minha. É cliente do outro. Do explorador.

Do adorador de bicha velha. Acredita que ele fez o gesso do teto da

mulher e despencou tudo?

ROBERTO – Machucou alguém?

LUCAS – Não. Caiu na cabeça dessa velha sem educação. Antes

tivesse machucado, assim ela tava em estado de coma no hospital e

eu não tinha que ouvir abobrinha no telefone. (pausa) Ele me xingou

de umas coisas que eu nunca ouvi na vida. Preciso renovar o meu

repertório.

ROBERTO – Bom, eu me atrasei porque tive que resolver uns

negócios no fórum.

LUCAS – A essa hora da manhã? E desde quando o fórum tá aberto

a essa hora? Isso é algum rabo de saia.

ROBERTO – Ela é juíza. Têm a chave do fórum. Eu queria

experimentar pra ver como era na sala de audiência. Se era mais

emocionante.

LUCAS – E é?

ROBERTO – Não muito. Na hora do bem bom eu ficava olhando

praquela estátua da justiça. Parecia que era a minha mãe me

vigiando.
LUCAS (FAZENDO CARA DE NOJO) – Que horror! Bom, eu vou

lá dentro pegar o jornal. Eu anotei alguns apartamentos pra gente ir

ver.

ROBERTO – O Caio falou até que preço a gente pode ir?

LUCAS – Não, mas quando eu disse que tinha o anúncio de uma

cobertura, tive a impressão que ele se engasgou no telefone.

ROBERTO – Ele sempre se engasga.

LUCAS – Por isso eu não me preocupei. Vou lá buscar.

Lucas sai e Roberto fica andando pelo escritório. De repente ele vê uma barata no chão e

pisa nela. Lucas volta e vê.

LUCAS (GRITANDO) – Não!

ROBERTO (ASSUSTADO) – O que foi?

Lucas se aproxima com o jornal na mão e fica olhando para o chão com cara de pena.

LUCAS – Você matou a Marta Rocha!

ROBERTO – Como é?

LUCAS – A Marta Rocha. Lembra que eu disse que morava aqui

com duas baratas? A Marta Rocha e a Adalgisa Colombo. Você

acabou de matar a Marta. (pausa) Matar a marta é uma coisa meio

trava língua.

Roberto fica olhando do alto para a barata.

ROBERTO – Como você sabia qual era a Marta Rocha? Ela era a

mais clarinha?

LUCAS – Não. É que eu achava que ela tinha um gingado meio

baiano. Toda vez que eu tocava axé ela ficava doidinha.


ROBERTO (COMPREENSIVO) – Ah.

LUCAS – Agora, antes de sair a gente precisa fazer o funeral dela.

ROBERTO – Você vai fazer...Um funeral pra uma barata?

LUCAS – Você não fale assim dela! Seu assassino sem coração! Já

não basta ter matado a pobrezinha? Tava aí, sem fazer mal pra

ninguém. Toda alegre e feliz, dançando o tcham, aí você chega com

esse seu pé psicopata e acaba com a vidinha dela!

ROBERTO – Tá bom. O que você vai fazer com...O corpo?

LUCAS – Jogar na privada, é claro. Você pensou que eu fosse

colocar ela no mausoléu da família?

Roberto olha com uma cara impaciente para Lucas.

CORTA PARA:

CENA 04 – Caio vem andando pela rua e falando no celular.

CAIO (IRRITADO) – Não, Analy! (pausa) Não, Analy! (pausa)

Analy, não! (pausa) Não, eu não fico falando só não. Eu falo Analy

também. (pausa) Como você quer que eu seja razoável?

(COMEÇANDO A FICAR VERMELHO E SE COÇAR) Eu sei

muito bem porque você faz isso! Você sabe que quando eu fico

nervoso ou sou contrariado eu começo a ter urticária! (pausa) Claro

que eu tô me coçando! (pausa) Analy, pára de rir. (pausa) Analy, não

manda as crianças rirem. (pausa) Analy, agora eu estou ocupado e

não posso falar com você. (pausa) Porque eu não consigo falar no

celular e me coçar ao mesmo tempo!

Caio desliga o celular com raiva e pára de andar.


CAIO – Coceira desgraçada que não passa. Calma, Caio! Calma!

Respira fundo!

Caio respira fundo e parece ficar mais calmo, mas logo volta a se coçar.

CAIO – Não adianta! Essa louca vai me matar. Eu vou acabar sem

pele de tanto me coçar.

CORTA PARA:

CENA 05 – Roberto e Lucas estão na porta de um prédio esperando Caio. Roberto olha

assustado para Lucas. O prédio é velho e parece fazer parte de um cenário de filme de

terror.

ROBERTO – Você tem certeza que é aqui?

LUCAS – Tenho

ROBERTO – No prédio da família Adams?

LUCAS – Também não é assim. Lá no fundo ele tem um certo

charme.

ROBERTO – Bem lá no fundo.

LUCAS – No porão.

Caio chega.

CAIO – Vocês já chegaram?

LUCAS – Não. Nós somos dois hologramas.

CAIO – Engraçadinho.

LUCAS – Me falaram a mesma coisa quando eu fui eleito a Rainha

Gay do Carnaval em 2003.

CAIO (ASSUSTADO) – Você foi eleito a Rainha Gay do Carnaval?

LUCAS – Não Caio. Eu só estou sendo espirituoso.


CAIO – (ALIVIADO) – Ah bom.

LUCAS (SUSSURRANDO PARA CAIO) – Eu fiquei em segundo

lugar.

CAIO – Escuta aqui. Não tinha um prédio melhor?

LUCAS – Tinha. Um monte. Mas dentro do que você quer pagar

tinha esse e uns barracos na vila Pantanal, mas eu achei que lá ficava

um pouco longe do seu trabalho.

CAIO (SEM GRAÇA) – Esse aqui parece ser bom. Vamos entrar.

Caio entra no prédio.

LUCAS – Ele continua o mesmo pão duro da época da escola.

ROBERTO – Pára de reclamar, Lucas. Entra logo.

CORTA PARA:

CENA 06 – SAGUÃO DO PRÉDIO/INT/DIA

Apesar de ser de manhã, o saguão do prédio é muito escuro. Parece mesmo um cenário de

filme de terror. Caio, Roberto e Lucas entram e parecem um pouco assustados.

CAIO – Será que têm alguém aqui?

LUCAS – Vivo? Acho que não.

ROBERTO – Não falaram pra você que a chave do apartamento

estava com o porteiro?

LUCAS – Falaram.

ROBERTO – Então é porque têm um porteiro.

LUCAS – Ou teve..
O porteiro entra de uma porta atrás deles, assim eles não percebem a sua chegada. Ele é

gordo, veste uma camiseta branca muito surrada e suja e está comendo um sanduíche de

mortadela. Seus olhos são arregalados, porém inexpressivos, e ele quase não pisca.

PORTEIRO – Posso ajudar?

Os três gritam assustados, se encostam na parede e ficam olhando para o porteiro.

PORTEIRO – Posso ajudar?

CAIO (ASSUSTADO) – Você...Sabe onde está o porteiro?

LUCAS (SUSSURRANDO) – Se ele disser onde colocou o corpo

vai ter que te matar depois.

PORTEIRO – Eu sou o porteiro.

CAIO – Ah. Bom é que...Nós viemos ver o apartamento.

PORTEIRO – Sei.

O porteiro fica parado sem tomar nenhuma atitude.

CAIO – O apartamento que está pra alugar.

PORTEIRO – Sei.

LUCAS – Ele sabe de bastante coisa, né?

ROBERTO – Fica quieto, Lucas!

LUCAS – Não fala assim comigo. Você já matou a minha barata

hoje. Teu nome tá na minha listinha.

ROBERTO – Será que o senhor podia pegar a chave pra nós darmos

uma olhada.

PORTEIRO – Eu vou pegar.

O porteiro sai e os três parecem ficar um pouco mais aliviados.

CAIO (TENTANDO SE CONVENCER) – Simpático ele.


LUCAS – Comparando com o Frankenstein ou com o Lobisomem?

ROBERTO – Gente, vamos ver o apartamento. Quem sabe não é

bom? Sabe como é prédio antigo.

LUCAS – Sei. Tem traça, vazamento e vizinho que cheira a

naftalina. O prédio da Rosemary era velho e olha só o que aconteceu.

CAIO – Que Rosemary.

LUCAS – A do bebê. Já vou avizando que se um casal de vizinhos

caindo aos pedaços quiser que eu tenha um filho do capeta, eu não

concordo! Nem adianta vocês pedirem!

O porteiro volta.

PORTEIRO – Eu vou com vocês até lá. Ordem do síndico.

LUCAS (SUSSURRANDO) – Se o porteiro é assim eu imagino o

síndico.

O porteiro se dirige á escada.

CAIO (ESTRANHANDO) – Espera um pouquinho. Nós não vamos

de elevador?

PORTEIRO – O elevador caiu.

ROBERTO – Misericórdia!

LUCAS – A gente precisa mesmo continuar? Eu tô me sentindo uma

mocinha peituda de filme de terror prestes a subir as escadas. Elas

sempre morrem.

PORTEIRO – Os senhores vão ver o apartamento ou não?

CAIO – Vamos, claro que vamos.

Os quatro começam a subir as escadas.


CORTA PARA:

CENA 07 – CORREDOR DO PRÉDIO/INT/DIA

A câmera focaliza uma placa onde se lê “12º ANDAR”. O porteiro é o primeiro a aparecer e

parece não estar nem um pouco cansado. Caio, Lucas e Roberto estão ofegantes e suados.

PORTEIRO – Chegamos.

LUCAS – Que pena. Tava adorando o exercício. O bom de morar

aqui é que a gente pode economizar com a academia.

CAIO – Acho que eu tô com arritmia.

ROBERTO – Eu acho que você tá fora de forma. Vamos logo ver

esse apartamento.

O porteiro apanha a chave e abre a porta.

CORTA PARA:

CENA 08 – APARTAMENTO/SALA/INT/DIA

Roberto, Lucas e Caio entram na sala. O apartamento têm a mesma aparência do prédio. É

sujo e mal-cuidado.

PORTEIRO – Eu vou até a cozinha. Se os senhores precisarem de

alguma coisa é só me chamar.

O porteiro vai para a cozinha.

LUCAS – Sabia que conhecia esse porteiro de algum lugar. Acabei

de me lembrar.

CAIO – De onde?

LUCAS – Você viu O Massacre da Serra Elétrica?

CAIO – Lucas, pára de brincar. Nós precisamos achar um

apartamento e logo.
ROBERTO – Tudo bem, Caio, mas não vai ser esse aqui. Olha só o

estado. Olha só essa mancha no teto. Deve ser um super vazamento.

Tá até com ferrugem.

CAIO – Eu vou perguntar pro porteiro.

LUCAS (CHAMANDO) – Jason!

Caio dá um sorriso cínico para Lucas.

CAIO – Moço, o senhor poderia vir aqui um momento?

O porteiro entra na sala.

PORTEIRO – Pois não?

CAIO – Essa mancha que tá aqui no teto. Isso é vazamento!

PORTEIRO – Não. É sangue.

LUCAS (ASSUSTADO) – Santo Antônio do porquinho!

ROBERTO (ASSUSTADO) – Sangue? Como, sangue?

PORTEIRO – É que o último inquilino descobriu que a mulher tava

chifrando ele com o vizinho e atirou nos dois.

Lucas se aproxima e fica olhando para o teto.

LUCAS (ESTRANHANDO) E...Eles tavam lá em cima? Que

loucura. Essa posição eu ainda não conhecia.

PORTEIRO – Ele matou os dois no quarto. Aqui ele se ajoelhou.

Colocou a espingarda na garganta e atirou na cabeça. Precisava ver o

trabalho que deu pra tirar os miolos do teto.

LUCAS – Que meigo.

ROBERTO – Acho que o apartamento já tá visto, não é?

CAIO – Mais do que visto. Muito obrigado, meu senhor. Passar bem.
Os três saem do apartamento enquanto o porteiro fica olhando o teto com os mesmos olhos

inexpressivos.

CORTA PARA:

CENA 09 – ESCRITÓRIO DE LUCAS/INT/TARDE

Lucas, Caio e Roberto estão no escritório de Lucas. Aparentam estar muito desanimados.

CAIO – Não tinha nenhum apartamento que prestasse.

LUCAS – Eu falei que pelo que você quer pagar, não ia arranjar

nada. Tá pensando que com uma pechincha você vai conseguir uma

casa no campo onde possa guardar seus amigos, seus discos, seus

livros e seus nada mais?

ROBERTO – Lucas tá com a razão.

CAIO – Bom gente. Eu tenho que ir embora agora. Têm cliente me

esperando. Vamos fazer o seguinte. (pausa) Pode escolher uns um

pouco mais caros.

LUCAS - Oba!!!

CAIO – Eu falei um pouco.

LUCAS – Pode deixar, chefinho. Amanhã mesmo nós vamos

encontrar a nossa casa.

ROBERTO – Só quero ver.

A câmera focaliza o jornal onde se lê o anúncio. “BELO APARTAMENTO DE 3

DORMITÓRIOS NO ITAIM. TRATAR COM A PROPRIETÁRIA”.

(FIM DO EPISÓDIO)

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