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ARTIGO ARTICLE 783

Violência contra idosos:


relevância para um velho problema

Violence against the elderly:


the relevance of an old health problem

Maria Cecília de Souza Minayo 1

1 Centro Latino-Americano Abstract This article presents data on morbidity and mortality due to “external causes” among
de Estudos sobre Violência
the Brazilian elderly and a review of the Brazilian and international literature on the theme. The
e Saúde, Escola Nacional
de Saúde Pública, data refer to the period from 1980 to 1998. The main sources were the Mortality Information Sys-
Fundação Oswaldo Cruz. tem (SIM) and the Hospital Information System of the Unified National Health System (SIH-
Av. Brasil 4036,
SUS). The basic cause of death was evaluated according to the 9th Review of the International
Rio de Janeiro, RJ,
21040-361 Brasil. Classification of Diseases (ICD9) for 1980 to 1995 and based on the 10th Review since then. The
cecilia@claves.fiocruz.br Brazilian and international literature review was based on texts from MEDLINE, LILACS, and
Informa. Accidents and violence are the 6th most common cause of death among individuals 60
years of age and older in Brazil. The majority of hospitalizations from external causes involve le-
sions from falls and injuries to older pedestrians by motor vehicles. However, violence against el-
derly Brazilians is more widespread and varied than this, as reflected by cases of physical, psy-
chological, sexual, and financial abuse and neglect that fail to reach the health care system;
rather, such cases are “taken for granted”, seen as basically natural within the daily routine of
family relations and various forms of social and public policy neglect.
Key words Violence; Aging Health; Health Services

Resumo Este artigo apresenta dados sobre mortalidade e morbidade em idosos brasileiros por
“causas externas”, bem como uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema. As
informações referem-se ao período de 1980 a 1998. Como fontes principais, utilizaram-se bancos
do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-
SUS). Avaliou-se a causa básica dos óbitos segundo a 9 a revisão da Classificação Internacional
de Doenças (CID9), de 1980 até 1995; e de acordo com a 10 a revisão, a partir de então. A revisão
da literatura nacional e internacional teve por base textos do MEDLINE; do LILACS e do Infor-
ma. Acidentes e violências são a sexta causa de morte de idosos com 60 anos de idade ou mais no
Brasil. A maioria das internações por causas externas são devidas a lesões e traumas provocados
por quedas e atropelamentos. As violências contra idosos, porém, são muito mais abrangentes e
disseminadas no país, evidenciando-se em abusos físicos, psicológicos, sexuais e financeiros e em
negligências que não chegam aos serviços de saúde: ficam ‘naturalizadas’, sobretudo, no cotidia-
no das relações familiares e nas formas de negligência social e das políticas públicas.
Palavras-chave Violência; Saúde do Idoso; Serviços de Saúde

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Introdução adulta e a velhice não constituem proprieda-


des substanciais que os indivíduos adquirem
Com este artigo, pretende-se contribuir para com o avanço da idade. Pelo contrário, “o pro-
compreender a situação de violência que boa cesso biológico, que é real e pode ser reconheci-
parte dos idosos brasileiros vivencia. Esta con- do por sinais externos do corpo, é apropriado e
tribuição se encaminha em dois sentidos: apre- elaborado simbolicamente por todas as socieda-
sentar uma análise exploratória sobre os dados des, em rituais que definem, nas fronteiras etá-
de morbidade e de mortalidade por violência rias, um sentido político e organizador do siste-
desse grupo populacional e discutir a dimen- ma social” (Minayo & Coimbra Jr., 2002:14).
são do problema por meio de uma revisão da Geralmente, nos diferentes contextos his-
bibliografia internacional e nacional, enfati- tóricos, há uma atribuição de poderes para ca-
zando, a partir de uma visão mais ampliada, as da ciclo da vida. Mas também faz parte da his-
principais questões universais e específicas que tória um “desinvestimento” político e social na
esse grupo populacional vive. Tendo em vista pessoa do idoso. A maioria das culturas tende a
as diferentes delimitações encontradas sobre o separar esses indivíduos, segregá-los e, real ou
assunto, neste texto considera-se como idosa a simbolicamente, a desejar sua morte. Em um
população de 60 anos em diante, ponto de cor- estudo sobre diferentes etnias africanas Riffio-
te mais comumente adotado internacionalmen- tis (2000) demonstra como, nessas tribos onde
te, sobretudo, nos estudos epidemiológicos. impera uma rígida divisão de funções etárias,
As violências contra pessoas mais velhas essa intenção de aniquilamento político dos
precisam ser vistas sob, pelo menos, três parâ- velhos é ritualizada, pois em uma determinada
metros: demográficos, sócio-antropológicos e fase da vida, eles são levados para morrerem,
epidemiológicos. No primeiro caso, deve-se si- em cavernas distantes dos seus povoados. Em
tuar o recente interesse sobre o tema, vincula- nossas sociedades, esse desejo social de morte
do ao acelerado crescimento nas proporções dos idosos se expressa, sobretudo, nos conflitos
de idosos em quase todos os países do mundo. intergeracionais, maus-tratos e negligências, cu-
Esse fenômeno quantitativo repercute nas for- ja elaboração cultural e simbólica se diferencia
mas de visibilidade social desse grupo etário e no tempo, por classes, por etnias, e por gênero.
na expressão de suas necessidades. No Brasil, Seria de esperar, então, que os velhos se
por exemplo, dobrou-se o nível de esperança conformassem com seu lugar na divisão cultu-
de vida ao nascer em relativamente poucas dé- ralmente atribuída de direitos e deveres por ci-
cadas, em uma velocidade muito maior que os clos de vida. Mas não é o que parece ocorrer. A
países europeus – que levaram cerca de 140 forma como a sociedade adulta e jovem discri-
anos para envelhecer. mina os velhos se contrapõe às expectativas
No entanto, apesar de toda essa veloz mu- que eles alimentam sobre as comunidades em
dança, a maioria dos velhos está na faixa de 60 que vivem. É ainda hoje bastante significativa
a 69 anos (a faixa onde a vitimação por violên- a pesquisa do antropólogo Simmons (1945) so-
cia, incide mais freqüentemente), constituin- bre a visão e a expectativa de velhos em 71 so-
do-se em menos de 10% da população total. Já ciedades indígenas, em relação a suas tribos e
na Europa, são os grupos acima de 70 anos os ao lugar que ocupavam. Essa investigação não
que mais crescem ( Veras, 1994). De qualquer foi replicada, mas, pela sua relevância merece
forma, sendo mais de 13 milhões de cidadãos ser citada quase 60 anos após ser feita. O autor
brasileiros, é impossível que os idosos e os pro- afirma que, em todas elas, encontrou os seguin-
blemas que lhes dizem respeito passem des- tes desejos expressos pelos idosos: viver o má-
percebidos no país. Embora a vitimação dos ximo possível; terminar a vida de forma digna
velhos seja um fenômeno cultural de raízes se- e sem sofrimento; encontrar ajuda e proteção
culares e suas manifestações, facilmente reco- para a sua progressiva diminuição de capaci-
nhecidas, desde as mais antigas estatísticas epi- dades; continuar a participar das decisões da
demiológicas, esse problema não tem se apre- comunidade; prolongar, ao máximo, conquis-
sentado como relevância social. Neste momen- tas e prerrogativas sociais como propriedades,
to histórico, a quantidade crescente de idosos autoridade e respeito. Será que, em nossa so-
oferece um clima de publicização das informa- ciedade contemporânea, variariam as expecta-
ções produzidas sobre eles, tornando-as um te- tivas da população mais velha?
ma obrigatório da pauta de questões sociais. No caso brasileiro, as violências contra a ge-
Antropológica e culturalmente, a idade cro- ração a partir dos 60 anos se expressam em tra-
nológica é ressignificada como um princípio dicionais formas de discriminação, como o atri-
norteador de novos direitos e deveres. Isso quer buto que comumente lhes é impingido como
dizer que a infância, a adolescência, a vida “descartáveis” e “peso social”. Por parte do Es-

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tado, esse grande regulador do curso da vida, o Material e método


idoso hoje é responsabilizado pelo custo insus-
tentável da Previdência Social e, ao mesmo Os dados quantitativos sobre a mortalidade e a
tempo, sofre uma enorme omissão quanto a morbidade da população idosa brasileira, no
políticas e programas de proteção específicos. período de 1980 a 1998, que aqui se apresen-
É bem verdade que em 1994 foi promulgada a tam, são retirados de um trabalho de levanta-
Lei Federal 8.842 (Brasil, 1994), buscando orde- mento e interpretação dessa realidade, elabo-
nar a proteção aos idosos. No entanto, como é rado por Souza et al. (2001), pesquisadores do
o caso de muitas leis no Brasil, a implementa- Centro Latino-Americano de Estudos sobre Vio-
ção é ainda precária. No âmbito das institui- lência e Saúde Jorge Careli (CLAVES) da Fun-
ções de assistência social e saúde, são freqüen- dação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), utilizando o
tes as denúncias de maus tratos e negligências. método geométrico para estimar as populações
Mas nada se iguala aos abusos e negligências intracensitárias utilizadas no cálculo das taxas
no interior dos próprios lares, onde choque de de mortalidade. As fontes principais dos dados
gerações, problemas de espaço físico, dificulda- foram os bancos do Sistema de Informação de
des financeiras costumam se somar a um ima- Mortalidade (SIM), do MS (no caso dos óbitos);
ginário social que considera a velhice como e o Sistema de Informações Hospitalares (SIH-
“decadência” (Minayo & Coimbra Jr., 2002). SUS) a partir da “autorização de internação
A epidemiologia evidencia os indicadores hospitalar”, para o caso da morbidade. A causa
com os quais o sistema de saúde mede a mag- básica dos óbitos foi avaliada segundo a 9a re-
nitude das violências no cotidiano da vida, das visão da Classificação Internacional de Doen-
instituições e do próprio Estado. Para isso, usa ças (CID9 – OMS, 1985) de 1980 até 1995; e de
o conceito de causas externas que é preciso di- acordo com a 10a revisão, a partir de então. Na
ferenciar de violência. Causas externas consti- nona, o grupo das chamadas “causas externas”
tuem uma categoria estabelecida pela Organi- abrangia os códigos E800 a E900 do capítulo
zação Mundial da Saúde (OMS) para se referir suplementar; e na décima, são categorizadas
às resultantes das agressões e dos acidentes, nos códigos V01-Y98, comportando os homicí-
traumas e lesões. “Violência” é um conceito re- dios, os suicídios e os óbitos por acidentes em
ferente aos processos, às relações sociais inter- geral. A morbidade está classificada no capítu-
pessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou lo XIX da CID10 (OMS, 1995), referindo-se a le-
objetivadas em instituições, quando empregam sões por violências e envenenamentos.
diferentes formas, métodos e meios de aniqui- A revisão bibliográfica foi realizada a partir
lamento de outrem, ou de sua coação direta ou do MEDLINE e do LILACS (2000-2001) e da base
indireta, causando-lhes danos físicos, mentais Informa Biblioteca Eletrônica do CLAVES, Fio-
e morais. As violências contra idosos, também, cruz (de toda a década de 90). Todo este mate-
freqüentemente, são denominadas maus tratos rial foi analisado, considerando-se as bases teó-
e abusos, mas vou me omitir de fazer uma ava- ricas da reflexão e os dados quantitativos e qua-
liação sobre as últimas duas noções, utilizan- litativos apresentados sobre o grupo social: a
do-as como sinônimo de violência. Esse con- vítima, o agressor; as formas mais reincidentes
junto de termos se refere a abusos físicos, psico- de violência e as sugestões de cuidados clíni-
lógicos e sexuais; assim como a abandono, ne- cos, sociais e de políticas públicas. Aqui só se-
gligências, abusos financeiros e autonegligên- rão referidos os textos que ajudam a configurar
cia. Ressalto, por pertinente, que a negligência, o quadro das violências e das causas externas.
conceituada como a recusa, omissão ou fracas- Tal decisão se deve ao fato de haver, em todo o
so por parte do responsável pelo idoso em apor- material pesquisado, muita repetição de da-
tar-lhe os cuidados de que necessita, é uma das dos, de conceitos, ou de que, em grande parte
formas de violência mais presentes tanto em dos artigos, são analisadas realidades locais de
nível doméstico quanto institucional em nosso forma apenas descritiva, o que desaconselha a
país. Dela advêm, freqüentemente, lesões e sua generalização. O estudo da base Informa
traumas físicos, emocionais e sociais para a abrangeu toda a década de 90 porque são ape-
pessoa. Ambos os termos, causas externas e nas 11 as referências brasileiras sobre a proble-
acidentes e violências devem ser usados quan- mática aqui tratada no período.
do se trata do impacto desses fenômenos sobre
a saúde, pois referem-se a resultantes e a pro-
cessos relacionais e ambos estão oficializados
no documento de Política Nacional de Redução
da Morbimortalidade por Acidentes e Violên-
cias, do Ministério da Saúde (MS, 2001).

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Mortalidade e morbidade de idosos lentas, tendo se elevado de 6,7% para 7,8%, no


por causas violentas no Brasil período. Ressalta-se, ainda, o alto percentual
de óbitos por causas e intencionalidade ignora-
Dentre as principais causas de morte em ido- das em 1980 (19,4%), o que felizmente vem de-
sos no Brasil, nos anos de 1980 a 1998, as cau- crescendo, chegando em 1998 a 11,9%. Esse úl-
sas externas representaram 3,5% da mortalida- timo campo de classificação ainda fala alto so-
de geral, ocupando, nesse conjunto, o sexto lu- bre problemas de notificação, mas também in-
gar. Os dados indicam tendência de queda des- dica o êxito dos esforços acadêmicos e institu-
se tipo de óbitos que, já em 1998, significou cionais para esclarecimento de causas básicas
3,2% da mortalidade geral nessa faixa etária de mortes violentas. Portanto, é importante in-
(ou seja, na população de 60 anos ou mais), dagar sob a plausibilidade de que os aumentos
tendo sido superado pelas doenças infecciosas detectados nas proporções de falecimentos por
e parasitárias (DIP), que estavam logo abaixo causas específicas reflitam real incremento ou
no ranking das causas de mortalidade. Em 1998, melhor qualidade das informações sobre as
morreram 13.184 idosos por acidentes e vio- circunstâncias que envolveram o evento fatal.
lências no país, significando, por dia, cerca de Seis Unidades da Federação destacam-se
37 óbitos. como as mais violentas para os idosos: Goiás,
No período de 1980 a 1998, as taxas de óbi- Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia,
tos da população de 60 anos e mais, por todas Roraima e Rio de Janeiro, com taxas que variam
as causas, no país, apresentaram comporta- de 133,7 a 249,5 óbitos por 100 mil habitantes.
mento decrescente em ambos os sexos, com pi- Piauí e Maranhão evidenciam as taxas mais
cos entre 1984, 1988 e 1993. Em 1980, essas ta- baixas, cerca de 52/100 mil.
xas para o sexo masculino foram de 4.425,4 por Na distribuição espacial das causas especí-
100 mil habitantes e em 1998, de 4.191. No sexo ficas, os acidentes de trânsito e transporte que
feminino foram, respectivamente, 3.531,8 e vitimaram os idosos têm as maiores taxas em
3.180,6. Roraima (135,1/100 mil), Rondônia (59,9), Goiás
Tomando-se como base os anos de 1980 e (50,9), Espírito Santo (50,5), Paraná (48,7) e
1998, verificou-se que, exceto em 1998, na faixa Distrito Federal (47,7) e Acre (42,0). Bahia, Ser-
etária de 80 anos ou mais, a mortalidade dos gipe e Maranhão foram os Estados da Federação
homens idosos, por causas violentas, predomi- que apresentaram as menores taxas de morta-
nou sobre a do grupo de mulheres, mesmo lidade, por essa causa específica, em 1998: 12,7,
sendo a população feminina muito mais eleva- 14,5 e 15,2 por 100 mil, respectivamente.
da em todas as faixas. Na faixa citada, em 1998, As quedas, causa específica cuja relevância
a proporção foi de 3,3 mortes masculinas para só é considerada pelos óbitos por lesões e trau-
cada óbito feminino. Tal relação passou para mas provocadas por acidentes e violências no
2,0 entre 70 a 79 anos; e para 0,9 na população trânsito, têm as maiores taxas encontradas no
de 80 anos ou mais, evidenciando-se diferen- Distrito Federal (37,5), Paraná (34,2), Rio de Ja-
ças estatisticamente significativas entre grupos neiro (33,9), Minas Gerais (26,2), Espírito Santo
etários e entre os sexos, pois a razão mais cons- (25,2) e Pernambuco (19,6). Para este tipo de
tante é de 2,2 óbitos masculinos para cada óbi- agravo, as menores taxas foram encontradas no
to feminino. Maranhão (2,5) e no Amapá. Esse último não
No conjunto das violências, as que mais vi- apresentou nenhum caso notificado de morte
timaram os idosos no período estudado foram em idosos por essa causa específica, em 1998.
os acidentes de trânsito e transporte, as quedas Em um estudo realizado por Uchikawa & Go-
e os homicídios. Essas três causas específicas mes (1999) em um grande hospital geral de São
representam 54,1% do total dos óbitos por vio- Paulo sobre os arquivos hospitalares de 1995,
lência entre os idosos em 1980; e 55,8%, em evidenciou-se que 54% dos idosos internados
1998. É importante destacar que, embora ain- por causas externas o foram por quedas, e 63%
da sejam a causa violenta mais significativa de desse grupo apresentavam traumatismo crâ-
mortes da população com mais de 60 anos, os nio-encefálico. Do total dos internados, 23%
acidentes de trânsito e transporte decresceram foram a óbito.
proporcionalmente no ano de 1998. Ao contrá- A distribuição espacial da mortalidade por
rio, os homicídios e as quedas apresentaram homicídios evidencia as maiores taxas ocorren-
crescimento proporcional, passando, respecti- do no Amapá (62,3) e em Roraima (52) em 1998.
vamente, de 7,2% e 13,7% do total das mortes Piauí e Sergipe destacam-se como as unidades
por acidentes e violências, em 1980, para 9,6% da Federação com as menores taxas de morta-
e 16,6%, em 1998. Não é desprezível a propor- lidade por homicídios de idosos, também em
ção de suicídios, no conjunto das mortes vio- 1998 (2,9 e 3,4 por 100 mil, respectivamente).

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Em um estudo focalizado sobre o Estado do No Brasil, as informações sobre morbidade


Rio de Janeiro, Souza et al. (1998) mostraram por causas violentas em idosos ainda são pou-
que aí predominam, como causas violentas de co consistentes, fato observado também na li-
morte de idosos, acidentes de trânsito e quedas. teratura internacional que ressalta a sub-noti-
Estas últimas vitimam, sobretudo, mulheres na ficação em todo o mundo. Por meio de investi-
faixa dos 70 ou mais anos de vida. Porém, é evi- gações mais localizadas, com trabalho de cam-
dente também o crescimento de óbitos por su- po e busca ativa, alguns autores estimam que
focação no período de 1980 a 1994, indicando cerca de 70% das lesões e traumas sofridos pe-
falhas nos serviços assistenciais e ausência de los velhos não estão incluídos nas estatísticas
prestação de cuidados médicos. (Chavez, 2002). Considerando essa limitação,
Na maioria das capitais das regiões metro- entende-se que os dados existentes permitem
politanas, a mortalidade de idosos por violên- perceber a gravidade dos problemas e observar
cias e acidentes ocupou entre o sexto e o séti- onde devem ser realizados investimentos do
mo lugar no conjunto das causas de óbito em sistema de saúde e das políticas sociais de pro-
1998. As causas externas estão na sexta posição teção. Por isso, a opção é trabalhar a partir do
no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em São que existe, buscando melhorar as informações
Paulo, em Curitiba e em Porto Alegre. E no séti- desde sua origem.
mo lugar, em Belém, Fortaleza e Recife. A análise do Sistema de Informações Hos-
Nas capitais de regiões metropolitanas, exis- pitalares do SUS revela que, em 1999, registra-
tem algumas especificidades dignas de nota: as ram-se 69.637 internações por violências no
de Recife e Curitiba apresentaram as mais ele- SIH/SUS. Destas, 55% deveram-se a quedas; e
vadas taxas de violência em idosos: respectiva- 23,4%, a acidentes de transporte e trânsito, so-
mente, em 1998, 491,6/100.000 e 388,3/100.000. bretudo a atropelamentos (Souza et al., 2001).
Recife se destaca pelas altas proporções de ho- Desse conjunto, 63,2% se referiram a fraturas;
micídios nesse grupo etário (14,5% em 1998); e 19,7%, a lesões traumáticas; 6,3%, a ferimen-
Curitiba se evidencia pelos suicídios que atin- tos; 3,5%, a luxações; e 3,1%, a amputações.
giram, em 1998, 16,3% do total dos óbitos por Além dos dados hospitalares, pode-se verificar,
causas externas. Também em Curitiba é consi- analisando-se os registros policiais, que pes-
derável o aumento proporcional de mortes por soas idosas são vítimas de seqüestros, roubos,
quedas, que passaram de 1,7%, em 1980, para assaltos, invasão de domicílio, roubo de pro-
26,4%, em 1998. priedade e de veículos, em proporção menor,
Salvador apresentou uma relação de cinco mas da mesma forma que outros grupos popu-
óbitos masculinos para cada óbito feminino lacionais (Souza et al., 2001).
por violências e acidentes, na faixa etária de 60 Alguns estudos internacionais e nacionais
a 69 anos, em 1998. Nessa capital, constatou-se (Payne et al., 1992; Souza et al., 1998, 2001) re-
a relação entre os sexos mais elevada do país. A ferem que, enquanto os acidentes de trânsito e
análise de séries temporais no período de 1980 de transporte são a primeira causa específica
a 1998 indicou haver uma tendência de cresci- de mortes de idosos, quedas são o principal ti-
mento na vitimização desse grupo etário em po de agravo que leva à internação desse grupo
Belo Horizonte. Em Porto Alegre, é importante populacional e o mais importante motivo de
evidenciar três questões: a melhoria na quali- sua demanda aos serviços de emergência. Fre-
dade dos dados sobre causas externas que pro- qüentemente, as quedas que provocam lesões
vocam a morte dos velhos, havendo um de- e traumas ocorrem entre o quarto e o banheiro,
créscimo considerável na proporção de infor- dentro do ambiente doméstico; ao atravessar
mações sobre causalidade e intencionalidade as ruas e ao subir nos ônibus ou ao se locomo-
ignoradas: passaram de 36,6% em 1980 para verem dentro deles. Associam-se, na maioria
3,5% em 1998. Em segundo lugar, deve-se res- das vezes, a enfermidades e fragilidades como
saltar a elevada proporção de suicídios em ido- osteoporose, instabilidade visual e postural
sos. Essas proporções passaram de 10,9% em mais típicas da idade e podem indicar também
1980, para 15,8% em 1998. Por fim, é digno de negligências em prover proteção aos idosos.
nota o considerável aumento nas mortes por Souza et al. (2001) ressaltam a existência de
quedas, nessa capital, indo de 2%, em 1980, pa- uma razão de três quedas não-fatais para cada
ra 32,2%, em 1998, no conjunto das causas ex- queda fatal. E observam que a elevada relação
ternas. É claro que a melhoria de qualidade dos entre óbitos e lesões também costuma ser uma
dados, graças ao investimento na vigilância expressão de vários tipos concomitantes de
epidemiológica da região metropolitana, está maus-tratos por parte dos familiares ou dos
refletida no crescimento das proporções de óbi- cuidadores, dentro dos lares ou nas instituições
tos por causas específicas. de abrigo. Um terço desse grupo que vive em

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casa e a metade dos que vivem em instituições Canadá, revelam uma prevalência de maus tra-
sofrem pelo menos uma queda anual. A fratura tos de 10% para toda a população idosa. (Cha-
de colo de fêmur é a principal causa de hospi- vez, 2002; Kleinschmidt, 1997; Wolf, 1995), fato
talização e metade dos idosos que sofrem esse que não se pode comprovar no Brasil, pelo es-
tipo de lesão falece dentro de um ano. Grande tado incipiente das investigações.
parte dos que sobrevivem fica totalmente de- No caso nacional, embora a violência que
pendente do cuidados de outras pessoas. Isso ocorre no âmbito familiar seja apresentada co-
representa altos custos financeiros e sociais mo de indiscutível presença (Menezes, 1999;
(Kleinschimdt, 1997; Sijuwade, 1995). MS, 2001; Souza et al., 1998), há outras três
questões que disputam com ela um espaço de
relevância. Em primeiro lugar, um tipo de ne-
Discussão dos dados frente gligência social difusa que se manifesta como
à bibliografia internacional e nacional uma cultura de relação com os idosos, juntan-
do, em sua configuração, o Estado que se omi-
Por mais que impressionem os números relati- te quanto a programas de proteção e quanto à
vos aos 13.184 idosos mortos por violências avaliação das instituições que oferecem assis-
(cerca de 37 pessoas por dia) em 1998 e os tência; instituições que abrigam e cuidam dos
69.637 que ficaram internados por lesões e en- velhos como se eles estivessem em um corre-
venenamentos em 1999, a violência contra os dor de espera da morte; e famílias que, por di-
idosos é muito mais intensa, muito mais disse- ficuldades financeiras e vários outros motivos,
minada e muito mais presente nas sociedades costumam abandonar seus familiares em asi-
e também na sociedade brasileira do que os los e clínicas (Machado et al., 2001). Em segun-
números revelam. Na verdade, como já se ex- do lugar, como uma derivação dessa cultura
plicitou, os registros de morte e de morbidade negligente, assinala-se a violência institucio-
por “causas externas” referem-se, exclusiva- nal, cuja maior expressão são os asilos de ido-
mente, aos casos de lesões, traumas ou fatali- sos, sobretudo os conveniados com o Estado,
dades que passam pelos serviços de saúde ou onde são comuns processos de maus-tratos, de
pelo Instituto Médico Legal, constituindo-se despersonalização, de destituição de poder e
na ponta do iceberg de uma cultura relacional vontade, de falta ou inadequação de alimentos
de dominação, de conflitos intergeracionais ou e, também, omissão de cuidados médicos es-
de negligências, familiares ou institucionais. pecíficos e personalizados. Freqüentemente,
A partir dos dados coletados na literatura os idosos são vistos como ocupantes de um lei-
internacional e nacional, pode-se concluir que to a mais para obtenção de financiamento pú-
a violência contra os idosos constitui um pro- blico. Esse problema crucial tem no caso da
blema universal. Estudos de várias culturas e Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, sua
de cunho comparativo entre países têm de- expressão paradigmática (Guerra et al., 2000;
monstrado que pessoas de todos os status so- Souza et al., 2002).
cioeconômicos, etnias e religiões são vulnerá- Em terceiro lugar, ressalta-se a questão dos
veis aos maus-tratos, que ocorrem de várias transportes públicos e do trânsito, assunto que
formas: física, sexual, emocional e financeira. diz respeito à vida urbana e à circulação dos
Freqüentemente, uma pessoa de idade sofre, idosos pelas cidades. Essa forma de violência
ao mesmo tempo, vários tipos de maus-tratos começa no design dos ônibus com escadas de
(Chavez, 2002; Menezes, 1999; Wolf, 1995). Essa acesso muito altas e roletas apertadas ou difí-
classificação pode ser entendida como uma ti- ceis de mover. Evidentemente, a comodidade e
pologia universalizada, pois todos os autores a adequação desses veículos até hoje não têm
que fazem investigação empírica ou têm anali- levado em consideração os velhos ou quais-
sado arquivos de Emergências Hospitalares e quer pessoas portadoras de deficiência. Mas o
de Institutos Médico-Legais comprovam even- desrespeito se expressa, sobretudo, na insensi-
tos dessa natureza como bases de lesões e trau- bilidade de motoristas e cobradores. Muitos
mas físicos, mentais e emocionais (Chavez, não param nos pontos quando os vêem; arran-
2001; Menezes, 1999; MS, 2001; Pavlik et al., cam e freiam bruscamente. Por vezes, usuários
2001). Por exemplo, Wolf (1995), em uma revi- dos coletivos não lhes oferecem lugares de as-
são de várias pesquisas canadenses, ressalta, sento aos que, pretensamente, teriam priorida-
como abusos mais freqüentes, os de origem fi- de. Esse tema foi intensamente trabalhado por
nanceira (12,5%), a agressão verbal (1,4%) e as Machado et al. (2001), em estudo qualitativo
agressões físicas (0,5%). com idosos do Rio de Janeiro.
Países com maior acumulação de conheci- Na maioria dos estudos internacionais, en-
mento sobre o tema, como Estados Unidos e fatiza-se, como a mais freqüente forma de vio-

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lência contra os idosos, a que acorre no âmbito nezes, 1999; Ortmann et al., 2001; Reay & Brow-
familiar. Chavez (2002) e Kleinschmidt (1997) ne, 2001; Sanmartin et al., 2001; Williamson &
demonstram que 90% dos casos de maus-tra- Schaffer, 2001; Wolf, 1995).
tos e negligência contra as pessoas acima de 60 Dentre todos os fatores, a maioria dos estu-
anos ocorrem nos lares. Essas pesquisas reve- diosos referidos ressalta a forte associação en-
lam que cerca de 2/3 dos agressores são filhos tre maus-tratos aos velhos e dependência quí-
e cônjuges dos idosos vitimizados (Chavez, 2002; mica. Segundo Anetzberger et al. (1994), 50%
Reay & Browne, 2001; Williamson & Schaffer, dos abusadores que entrevistaram tinham pro-
2001). Tais dados, além de mostrar o ambiente blemas com bebidas alcoólicas. Esses autores e
familiar como conflituoso, abusivo e perigoso, Chavez (2002) assinalam que os agressores físi-
ressaltam também o fato de a questão do idoso cos e emocionais dos idosos usam álcool e dro-
continuar a ser, na maioria das sociedades, res- gas em uma proporção três vezes mais elevada
ponsabilidade das famílias. Para o Brasil, algu- do que os não-abusadores.
mas pesquisas como a de Menezes (1999) de- Alguns pesquisadores vêm desmistificando
monstram também a alta prevalência de vio- a idéia de que os cuidadores familiares seriam
lência familiar, mas o estado atual dos traba- os maiores agressores e que as situações de
lhos existentes não permite explicitar a propor- maus-tratos e negligências tenderiam a piorar,
ção em que esse fenômeno incide sobre o con- quanto mais o idoso fosse dependente e mais
junto das violências e acidentes em idosos. tempo exigisse de atenção e dedicação. Kleins-
Estudos nacionais (Menezes, 1999; MS, 2001) chmidt (1997) e Reay & Browne (2001) consta-
e internacionais (Anetzberger et al., 1994; Ort- taram que essa relação, sem dúvida estressan-
mann et al., 2001; Wolf, 1995) evidenciam que te, só se transforma em violenta quando o cui-
existe um perfil do abusador familiar: por or- dador se isola socialmente; quando sofre de
dem de freqüência, costumam ser, em primei- depressão ou problemas psiquiátricos; quando
ro lugar, os filhos homens mais que as filhas; e são frouxos os laços afetivos entre o idoso e ele;
a seguir, noras e genros; e esposos. Sanmartin ou quando quem assiste à pessoa idosa foi víti-
et al. (2001), em uma amostra de 307 idosos ma de violência por parte dela. Afirmam Wil-
maltratados acima de 70 anos, encontraram o liamson & Schaffer (2001) que análises multi-
seguinte perfil de agressores: 57% eram filhos e variadas sugerem ser a qualidade da relação
filhas; 23% eram genros e noras: 8%, um dos pré-enfermidade ou anterior ao estado de de-
cônjuges. Anetzberger et al. (1994) também pendência do idoso em relação ao cuidador
evidenciaram, como principais agressores, fi- que determina a forma positiva ou negativa co-
lhos homens em 56,5% dos casos; e filhos ho- mo este último percebe seu trabalho (como
mens solteiros com idade inferior a 49 anos, castigo ou como ato de dedicação amorosa),
em 78,3% dos casos, em um estudo qualitativo sendo preditiva de estados de depressão e de
realizado com abusadores e não-abusadores, possíveis comportamentos violentos. É muito
nos Estados Unidos. ilustrativo o trabalho de Caldas (2002), que, por
A caracterização do agressor foi mais apro- meio de uma abordagem fenomenológica, ou-
fundada por alguns autores que se pergunta- ve e interpreta a ótica dos cuidadores sobre o
ram pelas situações de risco que os idosos vi- impacto em suas pessoas e em suas famílias,
venciam nos lares, ressaltando as seguintes: da convivência com idosos em processo de de-
agressor e vítima viverem na mesma casa; o fa- mência. Em seu estudo, Caldas chama atenção
to de os filhos serem dependentes financeira- para o processo de sofrimento dos cuidadores
mente de seus pais de idade avançada; ou de os que, “com toda a dificuldade e mesmo sem
idosos dependerem da família de seus filhos apoio, conseguem cuidar, fazendo adaptações
para sua manutenção e sobrevivência; o abuso que geram grandes custos materiais e compro-
de álcool e drogas pelos filhos, outros adultos metem sua saúde física e mental” (Caldas,
da casa ou pelo próprio idoso; haver, na famí- 2002:70). Suas falas evidenciam uma urgente e
lia, ambiente e vínculos frouxos, pouco comu- profunda necessidade de suporte material, ins-
nicativos e pouco afetivos; isolamento social titucional e comunitário.
dos familiares e da pessoa de idade avançada; No que concerne à especificidade de gêne-
o idoso ter sido ou ser uma pessoa agressiva ro, estudos demonstram que, no interior da ca-
nas relações com seus familiares; haver histó- sa, as mulheres, proporcionalmente, são mais
ria de violência na família; os cuidadores terem abusadas que os homens; e ao contrário, na
sido vítimas de violência doméstica; padece- rua, eles são as vítimas preferenciais. De am-
rem de depressão ou qualquer tipo de sofri- bos os sexos, os idosos mais vulneráveis são os
mento mental ou psiquiátrico (Anetzberger et. dependentes física ou mentalmente, sobretu-
al., 1994; Chavez, 2002; Laschs et al., 1998; Me- do quando apresentam déficits cognitivos, al-

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terações no sono, incontinência, dificuldades primária como os do setor de emergência se


de locomoção, necessitando assim, de cuida- preparem cada vez melhor para a leitura da
dos intensivos em suas atividades da vida diá- violência nos sinais deixados pelas lesões e trau-
ria. E concomitantemente, as conseqüências mas que chegam aos serviços ou levam a óbi-
dos maus-tratos provocam neles experiências tos. Em vários estudos, demonstra-se o pouco
de depressão, desesperança, alienação, desor- envolvimento das equipes para ir além dos pro-
dem pós-traumática, sentimentos de culpa e blemas físicos, mesmo quando em seu diag-
negação das ocorrências e situações de maus- nóstico fica evidente a existência de violências
tratos (Wolf, 1995). como causa básica das ocorrências. A lógica
que define seu não-envolvimento costuma ser
a consideração do problema dos maus tratos,
Conclusões como sendo do âmbito privado, portanto, fora
da competência da medicina. O texto de Hirsch
Pode-se observar uma convergência entre as & Loewy (2001), escrito especialmente para mé-
causas externas específicas de mortalidade dicos, alerta-os para a necessidade de melho-
de idosos, entre os motivos de internação por rarem seu diagnóstico em casos de maus-tra-
maus-tratos e as expressões de violência, mui- tos e ensinando-lhes a reconhecerem alguns
to mais amplas, difusas, naturalizadas e repro- sinais. Os autores afirmam que é preciso pres-
duzidas na cotidianeidade das relações sociais tar atenção à aparência desse cliente; ao fato
no interior das famílias, nas instituições e em de que procure seguidamente seus cuidados
diferentes contextos sociais. Mortes no trânsito para o mesmo diagnóstico; a suas repetidas au-
(primeira causa específica de morte) e quedas sências às consultas agendadas; aos sinais físi-
(primeira causa específica de internação) re- cos suspeitos; e às explicações improváveis de
sultam, na maioria das vezes, de negligências, familiares para determinadas lesões e traumas.
omissões e maus-tratos. É importante ressaltar, E concluem instruindo os médicos para, no ca-
também, a universalidade do problema e sua so de observarem a ocorrência de abusos ou
dimensão histórica, presente nas sociedades negligências, providenciarem um monitora-
complexas e contemporâneas e nas comunida- mento mais cuidadoso que inclua visitas domi-
des primitivas, como se evidenciou neste texto. ciliares periódicas, e se for o caso, que denun-
Em qualquer política de prevenção e aten- ciem, às autoridades competentes, a existência
ção à violência contra os idosos, atualmente, dos maus-tratos, para que se tomem providên-
precisa-se considerar as diferentes formas de cias relativas a proteção dos idosos e à penali-
configuração do problema. Devem ser objeto zação dos abusadores.
de atenção: políticas públicas que redefinam, Em todas as formas de aumentar o respeito
de forma positiva, o lugar do idoso na socieda- à população mais velha, todas as políticas pú-
de e privilegiem o cuidado, a proteção e sua blicas voltadas para sua proteção, cuidado e
subjetividade, tanto em suas famílias como nas qualidade de vida precisa-se considerar a par-
instituições, tanto nos espaços públicos como ticipação dos idosos, grupo social que despon-
nos âmbitos privados. Por exemplo, a travessia ta como ator fundamental na trama das orga-
mais segura das ruas, a conservação das vias, a nizações sociais do século XXI. Ricos ou pobres,
reeducação de motoristas de coletivos para ga- ativos ou com algum tipo de dependência, mui-
rantirem a segurança na subida e no interior tos sustentam famílias, dirigem instituições e
dos veículos, maior tempo de sinalização para movimentam um grande mercado de serviços
a travessia podem colaborar para a prevenção que vão do turismo, lazer, estética, cosmética,
de acidentes nesta faixa etária. Do mesmo mo- produtos e assistência médica e social.
do, cuidados básicos de segurança, principal-
mente nas moradias, apoio nos banheiros, ta-
petes antiderrapantes e melhor iluminação,
entre outros, poderiam evitar a ocorrência de
quedas fatais. Embora as campanhas publici-
tárias tenham efeito duvidoso quando feitas
isoladamente, é importante usar esse instru-
mento ou outras formas criativas de comuni-
cação para sensibilizar a sociedade quanto ao
envelhecimento da população e ao cuidados
que a maior idade demanda.
No caso dos serviços de saúde, é preciso que
os profissionais, tanto os dedicados à atenção

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VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS 791

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