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No último quartel do século XIX desenvolveu-se a ideia de que nada realmente fundamental
restava a descobrir em Física. Essa crença de que se atingira uma compreensão plena e
definitiva da máquina universal estava patente na afirmação de Lord Kelvin de que apenas duas
pequenas nuvens, o éter e a radiação de corpo negro, ensombravam ainda a Física. Aproximava-
se o final do século e, em 1895, o químico e industrial sueco Alfred Nobel institui, no seu
testamento, os prémios com o seu nome, como que a adivinhar que, imediatamente, a seguir,
teria início uma nova Ciência que viria reivindicar os seus prémios.
Roentgen havia-se interessado pelos resultados experimentais com raios catódicos (os quais só
em 1897 foram identificados como feixes de electrões por J.J. Thomson) efectuados em Berlim
por Hertz e pelo seu estudante Lenard. De facto, o trabalho de Roentgen seguia muito de perto
o de Lenard, tendo repetido os estudos deste último sobre os raios catódicos produzidos em um
tubo de vácuo (semelhante aos que se encontram nos televisores), cujo vidro era revestido por
algum tipo de material. Assim, tal como Lenard, Roentgen usou materiais fosforescentes para
poder acompanhar visualmente os raios catódicos. Porque, então, foi Roentgen na província e
não Lenard no centro mundial da Física da época quem descobriu a tal nova e misteriosa
radiação?
Apesar de, em 1895, não se saber, ainda, a constituição dos raios catódicos, já se sabia que eles
eram pouco penetrantes, isto é, que eles não atravessavam facilmente a matéria (a razão sendo,
basicamente, a sua carga, que faz com que eles interajam electricamente com as cargas dos
átomos da matéria que atravessam, o que impede a sua propagação). Desse modo, sabia-se que
os raios catódicos não conseguiam escapar através das paredes de vidro do tubo de vácuo
(chamado tubo de Crookes, na Inglaterra e de tubo de Hittorf, na Alemanha). Lenard havia
descoberto que uma folha fina de alumínio que recobria um pequeno orifício no vidro permitia
que os raios escapassem, mas que, depois disso, eles só penetravam dois ou três centímetros no
ar. Essas observações eram efectuadas usando o brilho produzido por substâncias
fosforescentes, o que permitia a detecção do feixe catódico.
Roentgen perguntou-se se não seria possível que uma pequena fracção do feixe não estivesse
continuamente escapando através das paredes de vidro, sem, contudo, ser detectada. Como o
próprio vidro é facilmente luminescente ao sofrer o impacto dos raios catódicos, o próprio tubo
produz um ténue brilho de fundo. Desse modo, se uma pequena porção do feixe escapasse
através do vidro, o fraco brilho que ele provocaria numa substancia fosforescente poderia ser
completamente mascarado pelo brilho de fundo do tubo. Por essa razão, os tubos eram
revestidos para evitar essa emissão de fundo. Só que Lenard revestia os seus tubos com chumbo
e com ferro estanhado, enquanto Roentgen sem que se saiba porque, afastou-se de Lenard
nesse ponto e revestiu o seu tubo com papelão preto fino. E aqui, entre os dois tipos de
revestimento, situou-se toda a diferença.
Ao ligar a voltagem no seu laboratório às escuras, Roentgen, para sua enorme surpresa,
percebereu uma ténue luminescência proveniente de um material fosforescente,
acidentalmente colocado sobre a sua banca de trabalho e a uma distância mais de trinta vezes
superior à que os raios catódicos podiam percorrer no ar: A luminescência não poderia ter sido
provocada pelos raios catódicos. Este acabara de descobrir uma nova e desconhecida radiação,
os raios-X.
Roentgen logo verificou o extraordinário poder de penetração da nova radiação, que podia
atravessar um livro com mil páginas, uma grossa trave de madeira, ou os tecidos moles da sua
mão, mas não os seus ossos, nem o metal de um anel num dedo da sua mulher. (Daí eles não
poderem ultrapassado os revestimentos metálicos de Lenard: alumínio fino, ainda vá, mas
chumbo nem pensar.) Mesmo grossas placas de alumínio ou cobre não conseguiam impedir
completamente a passagem dos raios-X, embora metais pesados como chumbo, ouro ou platina
o conseguissem fazer.
A sensação internacional foi enorme e imediata e só no ano de 1896 mais de cinquenta livros e
panfletos e mais de mil artigos ocupavam-se do novo tópico. A 13 de Janeiro Roentgen fez uma
demonstração para o imperador Guilherme III em Berlim. Em Março de 96 e novamente em
Março de 97 ele volta a publicar sobre os raios-X, mas, após isso, ele nunca mais retornou a esse
assunto, apesar de se ter mantido activo até à sua morte em 1923.