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ESCRAVOS EM PERNAMBUCO, 1560-1872.

Ensaio de reconstituição macrodemográfica ∗

Heitor Pinto de MOURA FILHO♣

Palavras-chave: Escravidão; Modelo demográfico; Pernambuco

Resumo
Este trabalho apresenta um modelo demográfico para representar a evolução do contingente de
escravos africanos e de seus descendentes numa província brasileira – neste caso, em Pernambuco – de
1560 a 1872. A principal conclusão proposta neste estágio da pesquisa é a confirmação de que as
conhecidas combinações de parâmetros de mortalidade e fecundidade, dentro dos amplos intervalos
divulgados pela historiografia, podem de fato gerar populações nos tamanhos e, principalmente, com
as composições etárias e de sexo apontadas pelos primeiros dados censitários disponíveis. Tais
combinações também reforçam as análises baseadas na hipótese de que o tráfico foi o grande motor do
crescimento da população de escravos e de seus descendentes. A modelagem demográfica é uma
vertente metodológica ainda pouco explorada no Brasil, complementar à reunião de dados novos a
partir de fontes primárias e à análise crítica de dados agregados. As principais vantagens da
modelagem demográfica são a possibilidade de avaliar, em etapas seqüenciais, a compatibilidade das
diversas informações que emergem das novas pesquisas com os dados até então conhecidos e a
possibilidade de, dentro de certo contexto de informações, gerar dados indisponíveis e indicadores
impossíveis de serem calculados unicamente a partir dos dados existentes. Essa capacidade de “ir
além” dos dados históricos decorre da lógica da equação demográfica. O modelo descrito apresenta,
em formato ainda preliminar, resultados que congregam duas das principais fontes atuais sobre a
demografia de Pernambuco até o século XIX: a série histórica de importação de africanos de Silva &
Eltis e os dados do Censo de 1872.


Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de
setembro a 03 de outubro de 2008.

Uniconsult, Rio de Janeiro. Economista e Mestre em História Social (UFRJ). heitormoura@yahoo.com.br

1
ESCRAVOS EM PERNAMBUCO, 1560-1872.
Ensaio de reconstituição demográfica ∗

Heitor Pinto de MOURA FILHO ♣

Introdução
Este trabalho apresenta um modelo demográfico para representar a evolução do contingente de
escravos africanos e de seus descendentes numa capitania/província brasileira qualquer, de 1560 a
1872. No presente texto, empregamos dados referentes a Pernambuco. Trata-se de nova etapa na
exploração crítica das fontes de dados disponíveis sobre a população desta província, através de
modelagem demográfica, abordada em outros trabalhos (MOURA FILHO, 2005; 2006). Servimo-nos
de dois conjuntos de dados essenciais para a aferição do modelo: a série histórica de desembarques de
escravos africanos, pesquisada e organizada por Daniel Domingues da Silva e David Eltis (2008),
como o principal movimento demográfico a influir sobre esta população; e os dados do Censo de
1872, como referencial final, utilizado para ajustar os parâmetros de mortalidade e a fecundidade total
do modelo.

A principal conclusão proposta neste estágio da pesquisa é a confirmação de que combinações


de parâmetros de mortalidade e fecundidade dentro dos amplos intervalos divulgados pela
historiografia podem de fato gerar populações nos tamanhos e, principalmente, com as composições
etárias e de sexo apontadas pelos dados censitários. Tais combinações também reforçam as análises
baseadas na hipótese de que o tráfico foi o grande motor do crescimento da população de escravos e de
seus descendentes, sobrepujando, até a década imediatamente anterior ao censo de 1872, a força do
crescimento natural desta população.

As dificuldades de se reunirem informações suficientes para uma análise demográfica mais


precisa do Brasil antes de 1872 são conhecidas2. Em comparação com o estudo de outras províncias
brasileiras, o estudo da população de Pernambuco anterior a 1872 se ressente da falta de dados mais
completos e confiáveis sobre quase todos os aspectos de interesse demográfico. Os levantamentos
provinciais anteriores ao primeiro censo foram notoriamente falhos, na própria apreciação de Jerônimo
Figueira de Mello, o maior responsável pela reunião e sobrevivência das poucas informações,
certamente incompletas, de que dispomos hoje (MELLO, 1979). Além do mais, ainda não existem
para Pernambuco, no volume disponível para outras capitanias e províncias, estudos monográficos
sobre fontes paroquiais ou notariais que permitam cotejar os relatórios dos levantamentos
populacionais com essas fontes pontuais. Nos últimos anos, alguns estudos examinaram o movimento
demográfico de maior repercussão na formação da população de Pernambuco, que foi o tráfico de
escravos, seja de importação (FLORENTINO, RIBEIRO et al., 2004; SILVA, 2004; SILVA e ELTIS,
2008), seja interprovincial (BARBOSA, 1995). Daniel B. Domingues da Silva finaliza pesquisa
aprofundada sobre o tráfico para Pernambuco como tese de doutoramento na Emory University.


Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 29 de
setembro a 03 de outubro de 2008.

Uniconsult, Rio de Janeiro.
2
Como exemplos: “Uncertainty as to the size of the Brazilian population at the beginning of the nineteenth century makes it
difficult to establish a benchmark for analysis of trends in the period prior to 1872.”(MERRICK e GRAHAM, 1979:26) e
“Os dados conhecidos para a demografia do passado colonial brasileiro são, em geral, fragmentários e descontínuos, além de
se apresentarem revestidos de pouca credibilidade. Deste modo, não se tem a visão integral das suas estruturas demográficas
e muito menos da dinâmica da sua população [nosso grifo].” (BALHANA, 1986:21)

2
Entretanto, mesmo dados falhos e incompletos podem ser úteis, se devidamente analisados e
ajustados, como propõe Giorgio Mortara:

Em um país que possua estatísticas perfeitas do movimento da população (...) o censo


demográfico tem grande importância (...) Num país que não tenha estatísticas aceitáveis do
movimento da população, a importância do censo demográfico torna-se ainda maior,
porque ele permite conhecer aproximativamente, pelo menos em parte, alguns dados
fundamentais desse movimento, uma vez que não se receie o recurso a hipóteses prudentes
e plausíveis [nosso grifo]. (MORTARA, 1940)

Em trabalho pioneiro, Mortara (1941) reconheceu a existência de diversos tipos de erros nos
censos brasileiros e propôs sua retificação por métodos que sobrepõem aos valores pontuais
registrados pelos censos a combinação de tendências gerais e taxas demográficas de longo prazo3.
Uma das metodologias que discute para efetuar tais correções é a aplicação de coeficientes de tábuas
de sobrevivência aos dados, de modo a se obter distribuições etárias em tamanho semelhante às
populações analisadas, mas com distribuções etárias compatíveis com a progressão do fenômeno de
mortalidade observado no Brasil. Faremos uso deste mesmo método para corrigir a composição etária
da população de descendentes de africanos no censo de 1872, gerando a distribuição etária a ser
empregada como “alvo” para nossa população modelada.

A reunião de dados a partir de fontes primárias é, sem dúvida, etapa essencial para o aumento
de nossos conhecimentos sobre os temas demográficos. A estes novos dados, devemos trazer ainda a
análise crítica – e os conseqüentes ajustes – dos dados censitários falhos, conforme advogado por
Mortara. Cremos, entretanto, que existe mais uma vertente metodológica, complementar às duas
anteriores e pouco explorada no Brasil, que é a modelagem matemática sobre dados demográficos.

Vemos como principais vantagens da modelagem demográfica a possibilidade de avaliar, em


etapas seqüenciais, a compatibilidade das diversas informações que emergem das novas pesquisas com
os dados até então conhecidos, conjugada à possibilidade de, dentro de certo contexto de informações,
gerar dados omissos e indicadores impossíveis de serem calculados unicamente a partir dos dados
disponíveis. Esse capacidade de “ir além” dos dados históricos decorre da lógica da equação
demográfica, guardiã rígida dos limites do possível e fiscal do plausível em questões quantitativas de
população. O modelo descrito neste texto segue esta orientação, apresentando em formato ainda
preliminar resultados que congregam duas das principais fontes sobre demografia de Pernambuco: a
série histórica de importação de africanos de Silva & Eltis e os dados do Censo de 1872.

O modelo proposto

Variáveis
O modelo proposto, cujas equações estão descritas no anexo, calcula o tamanho da população
dividida em grupos por nacionalidade (africanos e brasileiros), por sexo e por 101 faixas etárias,
constituindo 404 subpopulações, todas acompanhadas ao longo do período de 1560 a 1872, isto é, por
313 anos, perfazendo, assim, mais de 126.000 tamanhos de população a calcular para cada
combinação de parâmetros em estudo. Para chegar a esses totais, o modelo calcula o número anual dos
seguintes 1080 eventos demográficos:

3
“Como o exame das distribuições por idade da população do Brasil constantes dos vários censos nos mostrou serem elas
afetadas por graves erros (...), logo se evidencia a conveniência de retificar essas distribuições para poder melhor utilizá-las,
direta e indiretamente, nas indagações sobre a demografia do Brasil. / Mas a multiplicidade e as interferências recíprocas dos
erros que afastam da verdade os dados censitários tornam extremamente difícil toda tentativa de correção que enfrente estes
erros separadamente. Além disto, em muitos casos faltam alicerces para essa tentativa. / Achamos, logo, que, para chegar a
uma retificação satisfatória das distribuições por idade, é preciso procurar a correção simultânea e integral de todos os vários
erros, aplicando um processo sistemático que, embora válido só para a retificação da distribuição por idade dos recenseados
naturais do Brasil, nos parece idôneo ao nosso fim.” (MORTARA, 1941:39-40)

3
a) óbitos ocorridos em cada uma das 404 populações;

b) imigrações para cada uma das 202 populações de africanos;

c) nascimentos totais para as mães de cada uma das 70 faixas etárias férteis (de africanas e
brasileiras);

d) emigrações a partir de cada uma das 404 populações.

Parâmetros
São parâmetros, informados a priori e que podem ser alterados para analisar resultados
alternativos, as seguintes distribuições etárias:

a) composição etária dos escravos chegados por tráfico (uma distribuição para homens e
outra para mulheres);

b) distribuição de taxas específicas de mortalidade para africanos recém-chegados (aplicada


no primeiro ano);

c) distribuições de taxas específicas de mortalidade para africanos (aplicada em anos


posteriores) e para brasileiros;

d) distribuição de taxas específicas de fecundidade, durante as idades férteis de 15 a 49 anos,


normalizadas para um filho ao longo da vida virtual;

e) composição etária dos emigrantes ou seja, uma “propensão a emigrar”, por faixa etária,
normalizada para o total de um emigrante/ano.

Também são parâmetros as seguintes séries anuais, para cada ano do período de estudo, de
1560 a 1872:

a) totais de escravos importados (série Silva & Eltis);

b) taxa de fecundidade total;

c) percentual de emigração sobre a população total.

As razões de masculinidade dos escravos recém-chegados e dos nascimentos em geral


complementam as distribuições e séries mencionadas acima.

Ajuste do modelo
Por sua construção parametrizada, o modelo tem condições de – havendo informações
confiáveis – representar a maior parte das características sincrônicas associadas às populações em
geral e, especificamente, às populações de escravos e de seus descendentes, tais como curvas de
mortalidade diferenciadas e composição de recém-chegados. Além disso, incorpora, em sentido
diacrônico, a possibilidade de se ajustar os resultados aos dados cronológicos, procurando reproduzir
mais fielmente as flutuações nos fluxos de entrada por tráfico ou na natalidade em função de guerras,
revoltas e epidemias.

Para qualquer combinação de parâmetros, recalcula-se o modelo de modo que suas populações
finais (de homens e mulheres, brasileiros e africanos) correspondam ao totais fixados no censo de
1872 (ou a tamanhos ajustados desses totais). Além disso, buscaram-se distribuições de taxas

4
específicas de mortalidade que aproximem as composições etárias finais do modelo às verificadas em
1872.

O ajuste mais trabalhoso foi, sem dúvida, encontrar estas curvas de taxas específicas de
mortalidade que fizessem as populações finais terem a mesma composição etária apontada pelo censo.
Dadas essas distribuições, os ajustes de tamanho foram realizados alterando-se, subjetivamente, o
nível de mortalidade total ou ou nível de fecundidade total, “conduzindo” as ferramentas da planilha
eletrônica para uma solução plausível. Estudos mais detalhados deverão examinar os efeitos de
variações na série de “propensões a emigrar” e nos demais parâmetros do modelo, bem como estudar a
sensibilidade dos resultados a alterações nos parâmetros.

A população-alvo do modelo
Consideramos como a população a ser modelada aquela constituída pelos escravos africanos
trazidos a Pernambuco e seus descendentes. Para permitir que esta população seja modelada em
separado do conjunto da população de Pernambuco, consideramos como descendentes dos escravos
unicamente os filhos de mães africanas e da descendência feminina dessas mães, excluindo, portanto,
toda a descendência de mães de outras origens com pais africanos ou descendentes de africanos, grupo
que só pode ser modelado ao trabalharmos sobre o conjunto da população de Pernambuco.

Podemos decompor a população de descendentes de africanos, em 1872, nos seguintes grupos:

a) escravos africanos que permaneciam em Pernambuco;

b) escravos africanos alforriados que permaneciam em Pernambuco;

c) descendentes brasileiros de escravos africanos que permaneciam em Pernambuco como


escravos;

d) descendentes brasileiros de escravos africanos que permaneciam em Pernambuco como


alforriados;

e) descendentes brasileiros de escravos africanos que nasceram livres e permaneciam em


Pernambuco.

As categorias empregadas para classificar a população no Censo de 1872, no entanto, fazem


outro recorte da população total, com base na condição social (livres e escravos) e na cor/origem
étnica (branco, preto, pardo e caboclo), conforme assinalado no quadro abaixo.

O cruzamento dessas duas classificações não pode ser realizado de modo unívoco. Vemos,
assim, que, embora as categorias censitárias que englobam “escravos” e “pretos livres” podem ser
incluídas sem maiores dificuldades na população a ser modelada de “descendentes de escravos
africanos”. Ao excluirmos as categorias “brancos livres” e “caboclos” e incluirmos a dos “pardos
livres”, incorremos em pequenos erros em conseqüência de estas categorias apresentarem
subconjuntos, de maior ou menor relevância, que ficam incorretamente excluídos ou incorretamente
incluídos na população sendo modelada. Em termos práticos, construiremos a população-alvo de 1872
a partir das categorias censitárias: “pardos livres”, “pretos livres”, “pretos escravos” e “pardos
escravos”, incorretamente deixando de fora os seguintes subconjuntos:

a) brasileiros libertos e livres descendentes de africanos que tiverem sido classificados como
“caboclos” no censo;

b) brasileiros libertos e livres descendentes de africanos que tiverem sido classificados como
“brancos” no censo.

5
Figura 1 – Possíveis combinações da classificação censitária e da classificação do modelo,
quanto à inclusão na população modelada

CATEGORIA CENSITÁRIA
Brancos Caboclos Pardos Pretos Pretos Pardos
CATEGORIA DO MODELO livres livres livres livres escravos escravos

Corretamente
Escravos africanos incluídos

Corretamente
Libertos africanos incluídos

Corretamente Corretamente
Escravos brasileiros incluídos incluídos

Incorretamente Incorretamente Corretamente Corretamente


Libertos brasileiros excluídos excluídos incluídos incluídos

Brasileiros livres descendentes de Incorretamente Incorretamente Corretamente Corretamente


africanos excluídos excluídos incluídos incluídos

Brasileiros livres não descendentes de Corretamente


africanos e sem ascendência indígena excluídos

Brasileiros livres não descendentes de Corretamente Incorretamente


africanos, com ascendência indígena excluídos incluídos

EXCLUÍDOS INCLUÍDOS

Ao mesmo tempo, incluímos incorretamente o subconjunto dos brasileiros livres não


descendentes de africanos, porém com ascendência indígena e que tiverem sido classificados como
“pardos livres” no censo. Dado o nível de precisão possível numa análise macrodemográfica deste
tipo, entretanto, cremos que esses subconjuntos não teriam relevância numérica.

A composição etária da população-alvo, no Censo de 1872


Tratando-se de parâmetro essencial para a adequada aferição do modelo, a distribuição etária
final (em 1872) requer análise pormenorizada. Optamos, como hipótese de trabalho, por gerar
distribuições etárias regulares que mantenham o tamanho da população total compreendida entre 0 e
10 anos. Este procedimento, próximo ao utilizado por Mortara, supõe que, apesar de recenseadas todas
as crianças nessas idades, teria havido somente erros de troca de idade, na declaração. Além disso,
estas curvas etárias atuariais consideram que a população naquele momento não apresente distorções
etárias em conseqüência de eventos pontuais, ocorridos nos 100 anos anteriores, que viessem a afetar
desigualmente algumas coortes com relação a outras. Sabemos que a população de escravos em
Pernambuco, durante o século XIX, sofreu de fato diversos eventos com tais tipos de efeitos, como a
venda de escravos para o sudeste nas três décadas anteriores ao censo ou a própria mortalidade
diferenciada entre escravos e livres em períodos de epidemias. Deixaremos, no entanto, o exame
dessas “amorças” nas distribuições etárias para análise em outra ocasião.

A figura adiante apresenta as três distribuições etárias, todas com o mesmo tamanho de
população entre 0 e 10 anos: a recenseada, uma calculada segundo a tábua de sobrevivência de
Bulhões de Carvalho (“A”) e outra calculada segundo tábua de sobrevivência com maior mortalidade,
construída “sob medida” para aproximar a distribuição censitária (“B”). A esperança de vida ao nascer
da população recenseada é de 23,7 anos, da população “A” é 28,8 anos e da população “B” é 23,8
anos.

Aceitando os dados censitários de 1872 como essencialmente corretos, poderíamos explicar o


diferencial de mortalidade após os 25 anos de idade apontado entre a curva “A”, calculada sobre as
características demográficas de uma população do início do século XX, e a curva “B”, de população
meio século antes, pelo progresso higiênico e médico ocorrido no intervalo entre os dois censos.
Sendo isto verdadeiro, seria interessante entender como, ainda em 1920, este progresso só teria
favorecido os adultos e mais velhos, com poucos efeitos visíveis sobre a mortalidade infantil, pelo
menos no que ficou registrado nas tábuas de sobreviência calculadas por Bulhões de Carvalho.

6
Figura 2 – Pernambuco (1872). Três distribuições etárias da população masculina
descendente de africanos

12.000
Censo 1872
10.000 População A
População B

Distribuição etária
8.000

6.000

4.000

2.000

0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Idade

Nota: “Censo 1872” – Distribuição etária da população recenseada de “pardos livres”, “pretos
livres”, “pardos escravos” e “pretos escravos”. “População A” – Distribuição etária de população
fictícia, calculada a partir da tábua de sobrevivência de Bulhões de Carvalho sobre o Censo de 1920,
de modo que a população total com idades de 0 a 10 anos seja igual à população recenseada nas
mesmas faixas etárias. “População B” – Distribuição etária de população fictícia, calculada a partir
de tábua própria de sobrevivência, com a mesma igualdade das faixas de 0 a 10 anos, porém com
mortalidades específicas mais próximas às mortalidades aparentes nos dados censitários de 1872.

Fontes: Dados censitários de 1872:(BRASIL, 1872-76); tábua de sobrevivência “A”:(BULHÕES DE


CARVALHO, 1928); tábua de sobrevivência “B”: o Autor.

Os dados sobre tráfico interatlântico para Pernambuco


Adotamos a série do tráfico anual para Pernambuco apresentada por Daniel B.Domingues da
Silva e David Eltis em The Slave Trade to Pernambuco, 1561-1851, onde descrevem sua série
pesquisada e analisam as diversas fontes para o tráfico desembarcado em Pernambuco. A principal
base de dados empregada por esses autores é a 2ª. edição do Transatlantic Slave Trade Database, que
compila todas as viagens conhecidas de navios negreiros com destino às Américas, complementada
por fontes sobre períodos menores para atingir a série atual. Trata-se, sem dúvida, da fonte secundária
que reúne o maior volume de pesquisas sobre o assunto.

Figura 3 – Pernambuco (1560-1850). Evolução anual de escravos desembarcados.

12.000
Períodos com dados Períodos com dados
estimados detalhados por viagem
Número de escravos desembarcados

10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1560 1590 1620 1650 1680 1710 1740 1770 1800 1830

Fonte: (SILVA e ELTIS, 2008)

7
Alguns resultados

Evolução da população4
Ao examinarmos a evolução secular da população masculina modelada, percebemos três
momentos claramente distintos de relação entre os grupos africano e brasileiro da população de
descendentes de africanos. (Ao incluirmos a população feminina, estas distinções se amplificam na
medida em que a proporção de mulheres no grupo de africanos é bem menor do que entre os
brasileiros.)

No “Período 1”, de 1560 a 1630, a subpopulação de brasileiros cresce (a uma média de 4,86%
ao ano) basicamente em função do próprio crescimento da população africana, ou seja, representa
essencialmente primeira e segunda gerações de brasileiros de uma população africana em crescimento
muito rápido (5,80% ao ano).

No “Período 2”, de 1630 a 1830, a população de brasileiro continua crescendo, mas a ritmo
mais lento (a uma média de 1,3% ao ano), enquanto a população de africanos oscila em função das
entradas pelo tráfico, permanecendo abaixo do patamar de 100.000 habitantes.

No terceiro período, de 1830 a 1872, a população brasileira continua em crescimento ainda


mais lento (0,6 % ao ano), agora inteiramente por sua própria dinâmica, e a de africanos se reduz
aceleradamente (a 6,7% a.a.), chegando ao momento censitário representando somente 1% da
população conjunta de africanos mais seus descendentes brasileiros.

Figura 4 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da população


masculina, segundo a nacionalidade.
PERÍODO 1 PERÍODO 2 PERÍODO 3
1.000.000

100.000
População

10.000
População de africanos
População de brasileiros
População total
1.000
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860

Quadro 1 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Taxas anuais de crescimento


da população masculina.

Período Africanos Brasileiros

de 1560 a 1630 5,80% 4,86%


de 1631 a 1830 0,26% 1,31%
de 1831 a 1872 -6,69% 0,59%
Fonte: O modelo, na combinação de parâmetros “1”.

4
“População”, “população masculina” etc. são sempre referências às populações de africanos e seus
descendentes, conforme descrito inicialmente. Não tratamos aqui da população total de Pernambuco.

8
Distribuição entre africanos e brasileiros
Numa outra forma de se ver a mesma dinâmica entre o número de brasileiros e de africanos,
examinamos abaixo a evolução da proporção de africanos na população total, dado freqüentemente
disponível nos relatos coevos e, assim, útil para comparações entre a população modelada e fontes
específicas.

Figura 5 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da proporção


de africanos na população total.
PERÍODO 1 PERÍODO 2 PERÍODO 3
80%

Proporção de africanos na população 70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860

Vemos o crescimento desta proporção até 1630, correspondente ao aumento das importações
de africanos. Desta data até 1830, a proporção de africanos se reduz em decorrência do crescimento
total da população e dos picos de importações de escravos. Após 1830, a proporção se reduz até
desaparecer.

Evolução da composição etária


Outro dado de interesse comparativo entre a população modelada e fontes históricas é a
composição etária dos grupos populacionais. Ilustramos abaixo a evolução dessas distribuições para a
população de africanos e de brasileiros, que apresentam caracteristicas bastante diferenciadas entre si.
Enquanto a população de africanos se renova unicamente pela imigração de grupos com uma mesma
composição, jovem, a população de brasileiros evolui naturalmente, demonstrando seu
envelhecimento pela alteração na curva etária.

Figura 6 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da composição etária


das populações masculinas africana e brasileira.
3.500 10.000
1670 1670
9.000
3.000 1770 1770
8.000
1800 1800
Composição etária

2.500 7.000
Composição etária

1830 1830

2.000 1860 6.000 1860


5.000
1.500
4.000

1.000 3.000
2.000
500
1.000
0 0
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

População africana masculina População brasileira masculina

9
Assim, a curva de distribuição etária dos africanos se eleva e ao final baixa, pelo aumento e
depois redução no número de habitantes, mas mantém-se próxima à distribuição etária fixa dos recém-
chegados. A dos brasileiros “engorda”, em conseqüência do envelhecimento, ainda que parcial, devido
ao crescimento natural. Além disso, as curvas se expandem para cima pelo aumento da população.

Essas distintas evoluções das composições etárias também podem ser compreendidas pelo
exame da evolução das idades médias das duas populações. Enquanto a idade média dos brasileiros se
mantém abaixo dos 25 anos, demonstrando sua composição de população em crescimento natural, mas
com alta mortalidade, a idade média dos africanos se mantém – como esperado – acima da idade
média dos recém-chegados, oscila conforme as flutuações do volume do tráfico e se eleva rapidamente
a partir da diminuição das importações.

É interessante notar que, no período anterior a 1630, quando o principal responsável pelo
crescimento da população brasileira era o próprio crescimento da população africana (e, portanto, do
número de potenciais mães de brasileiros), este rápido crescimento rejuvenecia a população de
brasileiros, pois aumentavam os nascimentos no Brasil.

Figura 7 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da idade média


das populações de africanos e de brasileiros.
50
45
Idade média da população

40
35
30
25
20
15
10 Brasileiros
5 Africanos
0
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860

Nota: Ambos os grupos começam com idade média de 22 anos, pois essa foi a
idade média escolhida tanto para os grupos de desembarcados como para um
contingente de 1000 brasileiros, tidos como uma população inicial em 1560.

Taxas específicas de mortalidade


Figura 8 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Curvas etárias de mortalidade.
80%
Homens brasileiros
Taxa específica de mortalidade

70%
Mulheres brasileiras
60% Homens africanos
Mulheres africanas
50%

40%

30%

20%

10%

0%
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

10
As curvas de taxas específicas de mortalidade, por faixa etária, foram construídas por
aproximações sucessivas, a partir da curva obtida pela tábua de Bulhões de Carvalho, para que a
composição etária final, em 1872, fosse muito próxima da distribuição censitária ajustada (conforme
se ilustra na Figura 2). Como esta curva de taxas de mortalidade foi mantida idêntica por todo o
período de estudo5, o único fator que altera a taxa geral de mortalidade (figura seguinte) é a evolução
da composição etária das populações, que também podemos acompanhar por sua idade média.

Figura 9 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da taxa geral


de mortalidade masculina (por 1000).
140
Africanos
Taxa geral de mortalidade, por 1000
120
Brasileiros
100

80

60

40

20

0
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860

Vemos que a taxa geral de mortalidade dos africanos se eleva em estágios, com seu (pequeno)
envelhecimento, mantendo-se oscilante em torno de 60 por mil durante a maior parte do período, até o
final do tráfego, em 1850. A partir daí, aumenta bastante, em decorrência do envelhecimento
sistemático da população africana residual. Na população brasileira, o envelhecimento tem efeito
contrário, pois tal envelhecimento significa redução na incidência das faixas infantis (de mortalidade
mais alta) e aumento das faixas de adultos (de menor mortalidade). O quadro adiante resume estes
dados.

Quadro 2 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Taxas gerais de mortalidade (por 1000) e


idade média da população (em anos), média por período, população masculina.

Africanos Brasileiros
Período
Idade Idade
TGM TGM
Média Média
1560-1630 48,9 26,9 44,5 16,7
1631-1830 64,6 29,9 35,3 21,1
1831-1850 73,5 31,7 35,3 22,5
1851-1872 108,7 39,8 35,0 23,3

Só a título de um exemplo comparativo, entre tantos disponíveis na historiografia, podemos


citar os comentários de Eschwege, em 1815, referentes a Minas Gerais, que dão as seguintes taxas de
mortalidade estimadas: brancos 28,3 anos; mulato escravo 60,0; mulato livre 27,5; preto escravo 68,6;
preto livre 53,8; indios 37,0. apud Pedro Carvalho de Mello (1977:108).

5
O modelo aceita curvas de mortalidade específica diferenciadas por subperíodos ou até anualmente. O principal
empecilho à opção mais detalhada é a capacidade de computação disponível.

11
Natalidade e fecundidade
Dentro da combinação de parâmetros escolhida para este primeiro teste do modelo, a evolução
da natalidade e da fecundidade, por mães de cada nacionalidade, apresentam comportamentos
semelhantes, claramente influenciados pelo composição etária geral da população em cada período.
Ambas as taxas se estabilizam com valores maiores para as mães brasileiras do que para as mães
africanas, em conformidade com a proporção entre seus respectivos parâmetros de fecundidade total.
As flutuações das taxas referentes a mães africanas deve-se essencialmente às alterações trazidas à
composição da população de mulheres em idade fértil pelas importações oscilantes. Para as mães
brasileiras, as taxas partem de valores médios correspondentes à hipotética população inicial, baixando
radicalmente, na medida em que a população brasileira cresce, aumentando o número de crianças, e se
estabilizando quando a população brasileira atinge composição etária também estável.

Figura 10 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Evolução da natalidade e da fecundidade,


conforme a nacionalidade da mãe
50 200

Nascimentos por 1000 mulheres férteis


45 180
Nascimentos por 1000 habitantes

40 160

35 140

30 120

25 100

20 80

15 60

10 40 Mães africanas
Mães africanas
5 20 Mães brasileiras
Mães brasileiras
0 0
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860 1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860

Natalidade Fecundidade
(nascimentos totais por 1000 habitantes) (nascimentos por 1000 mulheres em idade fertil)

Forças de crescimento
Podendo dispor, pela própria construção do modelo, de séries completas tanto para as
populações como para os eventos demográficos, torna-se simples analisar os componentes da variação
total da população, distinguindo um efeito corrente de imigração e outro do crescimento natural.

Figura 11 – Modelo-Pernambuco (1560-1872). Taxas de variação da população.


70 12

60 Variação natural 10 Variação natural


Taxas de variação, por 1000
Taxa de variação, por 1000

50 Variação migratória
8 Variação migratória
40 6

30 4

20 2
10 0
0 -2
-10 -4
-20 -6
1560 1610 1660 1710 1760 1810 1860 1830 1840 1850 1860 1870

12
Reforçamos a necessidade de se definir e expor com muito cuidado esse tipo de indicador,
pois o “efeito migratório” não se resume à população entrada ano a ano, que certamente também influi
sobre as gerações seguintes, nascidas de mães imigrantes, como tivemos ocasião de comentar acima
com relação ao aumento inicial da natalidade de mães brasileiras, quase que exclusivamente
decorrente do aumento da imigração de africanos. Tratamos aqui do indicador em sua forma mais
simples: o total de imigrantes relativo à população média do período.

Até o início do século XVIII, vemos efeitos migratórios importantes, que se limitam nas
décadas seguintes à faixa até 20 por mil. O componente de variação natural apresenta-se negativo por
quase todo o período de estudo (a não ser logo nos primeiros anos) e só demonstra uma tendência
efetiva de impulso ao crescimento a partir da década de 1860, conforme transparece da figura na
direita, ampliação do gráfico completo para as últimas décadas do período.

Comentário final
Não examinamos de modo sistemático as diversas alternativas lógicas e históricas,
proporcionadas pela aplicação do modelo, que poderiam validar ou invalidar comentários coevos e
fontes demográficas conhecidas sobre mortalidade e natalidade de escravos e livres descendentes de
escravos. Trata-se de trabalho de grande fôlego, a ser realizado coletivamente e a longo prazo, para o
qual esperamos que este modelo ou seus sucedâneos venham contribuir, aumentando certezas onde as
fontes só indicam possibilidades. Esperamos ter demonstrado aqui, contudo, a amplitude de recursos
que um modelo matemático pode trazer para a análise demográfica, permitindo a exploração de
diversas combinações de parâmetros e das interrelações de características e dinâmicas das populações.

Referências bibliográficas
BALHANA, Altiva Pilatti. A população. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (Ed.). O Império
luso-brasileiro, 1750-1822. Lisboa: Editorial Estampa, 1986. p.19-62. (Nova História da
Expansão Portuguesa)
BARBOSA, Josué Humberto. Um êxodo esquecido. O porto do Recife e o tráfico
interprovincial de escravos no Brasil: 1840-1871. (Mestrado). CHLA-Pós graduação em
História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1995. 242 p.
BRASIL. Recenseamento do Brazil em 1872 - Pernambuco. Rio de Janeiro. 1872-76
Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/visualiza_colecao
_digital.php?titulo=Recenseamento Geral do Brasil 1872 - Província de Pernambuco&
link=Provincia de Pernambuco
BULHÕES DE CARVALHO, José Luiz S. População por idades. In: Estatísticas, BRASIL.
Directoria Geral de (Ed.). Recenseamento do Brazil, realizado em 1 de setembro de 1920.
Vol.IV (2a.parte) Tomo I. Rio de Janeiro, 1928. p.V(4)-LXXVIII(96) Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/visualiza_colecao_digital.php?titul
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%20t1&link=CD20_v4_pt2_t1#
FLORENTINO, Manolo, RIBEIRO, Alexandre Vieira, et al. Aspectos comparativos do
tráfico de africanos para o Brasil (Séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, v.31, p.83-126. 2004.
Disponível em: http://www.afroasia.ufba.br/pdf/31_3_aspectos.PDF

13
MELLO, Jeronymo Martiniano Figueira de Ensaio sobre a estatística civil e política da
Província de Pernambuco. Recife: Conselho Estadual de Cultura-Estado de Pernambuco
1979. 309 p.[1852]
MELLO, Pedro Carvalho de. The Economics of Labor in Brazilian Coffee Plantation, 1850-
1888. Dept. of Economics, University of Chicago, Chicago, 1977. 252 p.
MERRICK, Thomas e GRAHAM, Douglas H. Population and Economic Development in
Brazil. 1800 to the Present. Baltimore The Johns Hopkins University Press. 1979. 385 p.
MORTARA, Giorgio. Estudos sobre a utilização do censo demográfico para a reconstrução
das estatísticas do movimento da população do Brasil. I. Estimativa do número dos
nascimentos. . Revista Brasileira de Estatística, v.I, n.1, jan-mar, p.7-35. 1940.
Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/ (Coleção digital)
______. Estudos sobre a utilização do censo demográfico para a reconstrução das estatísticas
do movimento da população do Brasil. V. Retificação da distribuição por idade da
população natural do Brasil, contante dos censos, e cálculo dos óbitos, dos nascimentos e
das variações dessa população no período 1870-1920. Revista Brasileira de Estatística,
v.II, n.5, p.39-89. 1941. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/ (Coleção digital)
MOURA FILHO, Heitor Pinto de. Um século de pernambucanos mal contados. Estatísticas
demográficas nos oitocentos. (Diss.Mestrado). Programa de Pós-graduação em História
Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. 197 p.
______. Demografia da escravidão. Um micromodelo dos efeitos do tráfico XV Encontro
Nacional de Estudos Populacionais ABEP-Associação Brasileira de Estudos
Populacionais. Caxambu - MG: ABEP 2006. Disponível em: http://www.abep.nepo.
unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_147.pdf
SILVA, Daniel B. Domingues da. The Slave Trade to and from Pernambuco, 1576-1851: a
New Profile. Workshop: The Transaltlantic Slave Trade: New Data and New
Interpretations. Emory: Emory University 2004.
SILVA, Daniel B. Domingues da e ELTIS, David. The Slave Trade to Pernambuco, 1561-
1851. In: ELTIS, David e RICHARDSON, David (Ed.). Extending the Frontiers: Essays
on the New Transatlantic Slave Trade Database. New Haven: Yale University Press,
2008

14
ANEXO – DESCRIÇÃO DO MODELO

1. CARACTERÍSTICAS GERAIS

1.1. Notação genérica

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
Varíavel de população X, referente ao final do período t, associado à coorte com
idade completa i
X(t,i)
ou variável de fluxo demográfico X, referente ao fluxo durante o período t,
associada à mesma coorte
XA(t,i) Idem, referente somente ao grupo de africanos
XB(t,i) Idem, referente somente ao grupo de nascidos no Brasil
Taxa específica (de mortalidade, de fecundidade) associada à coorte de idade
x(i) completa i;
ou percentual de uma população na faixa entre as idades completas i e i+1
Idem, referente somente ao grupo de africanos (A); idem referente ao grupo de
xA(i)
brasileiros (B)
P ou p Variável referente à população ou algum subconjunto seu.
D ou d Variável referente a óbitos
N Variável referente a nascimentos
I Variável referente a imigrações/importações de escravos
E ou e Variável referente a emigrações/exportações de escravos
F ou f Variável referente a mulheres em idade fértil ou a fecundidade
s Proporção de homens em alguma população ou fluxo demográfico
r Razão de masculinidade em alguma população ou fluxo demográfico
[P] Indica ser um parâmetro, fornecido a priori
[V] Indica ser uma variável, que será calculada pelo modelo

1.2. Variáveis demográficas


Todas as variáveis modeladas – tamanho de populações e quantidade de eventos demográficos – são
calculadas através de funções contínuas numa planilha Excel, sem a modelagem do ciclo vital de
indivíduos específicos. Ao contrário do que ocorre em modelos que geram indivíduos e simulam seu
ciclo vital a partir de eventos e características determinadas por opções probabilísticas, esta
metodologia evita a necessidade de múltiplas repetições dos cálculos para se atingir valores médios,
pois todos os parâmetros já incorporam as probabilidades de eventos desejadas, gerando tais valores
médios com qualquer tamanho da população.

O índice de tempo, t, segue de 1560 a 1872. O índice de idades, i, segue de 0 a 100.

1.3. População inicial


A população inicial do modelo, parametrizável para qualquer valor desejado, corresponde àquela que
teria existido ao final de 1559. É aberta por sexo e idade segundo a mesma razão de masculinidade e a
mesma distribuição etária dos escravos recém-chegados. Esta data foi escolhida por ser anterior ao
início da série de importações de escravos africanos, estimada por Eltis & Silva.

15
1.4. Evolução da descendência
O modelo considera como descendência da população modelada os filhos das mulheres africanas e de
suas filhas brasileiras, com pais pertencentes ou não à população modelada. Não se incluem no
modelo os descendentes de homens pertencentes ao modelo com mulheres fora do modelo (brancas ou
indígenas), o que iria requer modelar toda a população. Este projeto está sendo desenvolvido.

A população modelada é composta por toda essa descendência, sem distinção de condição social
(livre, escravo) ou características de cor/origem étnica. Pretendemos incorporar tais decomposições
em futuras versões do modelo. Assim, a estimativa do número de alforrias, que afeta unicamente a
decomposição por condição social, não será considerada aqui.

2. IMPORTAÇÃO DE ESCRAVOS

2.1. Parâmetros e variáveis

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
I(t,i) [V] Número de recém-chegados, durante o ano t, com idade completa i,
I(t,•) [P] Número total de recém-chegados durante o ano t
sRC [V] Percentual de homens nos recém-chegados
rRC [P] Razão de masculinidade dos recém-chegados
pRC(i) [P] Distribuição etária percentual dos recém-chegados, igual para todos os t.

O número total de recém-chegados por ano, I(t,•), é parâmetro fundamental, dado pela série histórica
estimada por Eltis & Silva.

2.2. Total de imigrantes


Este total de recém-chegados é distribuído por sexo segundo um percentual fixo para todas as idades e
para todos os anos, sRC. Os totais por sexo são distribuídos por faixas etárias pelas seguintes fórmulas:

a) para homens:

[1] I(t,i) = I(t,•) sRC pRC(i), onde

[2] sRC = rRC/(1+rRC),

sendo rRC medida em homens por cada mulher (e não por 100 mulheres).

b) para mulheres:

[3] I(t,i) = I(t,•) (1-sRC) pRC(i),

em ambos os casos,

[4] ∑i pRC(i) = 1.

As distribuições etárias pRC(i) são específicas para homens e mulheres. (Evitamos incluir mais esta
característica na notação para não torná-la desnecessariamente densa.)

16
3. ÓBITOS

3.1. Parâmetros e variáveis

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
D(t,i) [V] Óbitos de africanos e brasileiros, durante o ano t, com a idade i completa
DA(t,i) [V] Óbitos de africanos durante o ano t, com a idade i completa
DB(t,i) [V] Óbitos de brasileiros durante o ano t, com a idade i completa
dA(i) [P] Taxas específica de mortalidade de africanos entre as idades i e i+1
[P] Taxas específica de mortalidade de africanos recém-chegados, entre as idades i
dRC(i)
e i+1
dB(i) [P] Taxas específica de mortalidade de brasileiros entre as idades i e i+1

As taxas específicas de mortalidade – dA(i), dRC(i) e dB(i) – variam segundo o sexo e os


macroperíodos (1560 a 1830; 1831 a 1872). Todas esses distribuições são parametrizadas.

3.2. Óbitos de africanos

Os óbitos de africanos em cada ano são calculados sobre a população em risco ao final do ano anterior,
às taxas específicas de mortalidade referentes à coorte um ano mais velha, acrescidos dos óbitos dos
recém-chegados no mesmo ano.

As taxas específicas de mortalidade de “recém-chegados”, significantemente mais altas que as de


africanos aclimatados e de brasileiros, são aplicadas somente no ano da chegada. Para refletir a
mortalidade imediata, pós-desembarque, à qual estariam sujeitos os desembarcados, em média durante
seis meses, no mesmo ano da chegada, consideramos essas taxas sobre 50% do contingente anual
importado.

[5] DA(t,i) = PA(t-1,i-1) dA(i) + I(t,i) dRC(i)/2 , sendo i>0.

Para a faixa etária inicial, até 1 ano completo (i=0), aplica-se a fórmula:

[6] DA(t,0) = I(t,0) dRC(0)/2 .

O número anual de óbitos de africanos é igual à soma dos totais por faixa etária:

[7] DA(t,•) = ∑i DA(t,i) .

3.3. Óbitos de brasileiros

Os óbitos de brasileiros em cada ano são calculados sobre a população em risco ao final do ano
anterior, às taxas específicas de mortalidade referentes à coorte um ano mais velha.

[8] DB(t,i) = PB(t-1,i-1) dB(i), sendo i>0.

Para a faixa etária inicial, até 1 ano completo (i=0), aplica-se a fórmula:

[9] DB(t,0) = N(t,•) dB(0)/2

17
O número anual de óbitos de brasileiros é igual à soma dos totais por faixa etária:

[10] DB(t,•) = ∑i DB(t,i) .

4. NASCIMENTOS

4.1. Parâmetros e variáveis


Todos os nascidos no modelo são brasileiros. É possível analisar separadamente os nascimentos de
mães africanas e de mães brasileiras.

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
N(t,i) [V] Número de nascimentos, durante o ano t, de mães com idade completa i,
N(t,•) [V] Número total de nascimentos durante o ano t
NA(t,i) [V] Idem, nascimentos de mães africanas (A); idem, de mães brasileiras (B)
sN [V] Percentual de homens entre os recém-nascidos
rN [P] Razão de masculinidade dos nascimentos
[P] Taxas específica de fecundidade normalizada de africanas entre as idades i e
fA(i)
i+1
[P] Taxas específica de fecundidade normalizada de brasileiras entre as idades i e
fB(i)
i+1
f(t,•) [P] Taxa de fecundidade total, variável conforme o ano t
F(t,i) [V] Número de mulheres em idade fértil, com i anos completos, ao final do ano t
FA(t,i) [V] Idem, para mulheres africanas (A); idem, para brasileiras (B)
F(t,•) [V] Número total de mulheres em idade fértil, ao final do ano t
A razão de masculinidade ao nascer (e, portanto, o percentual de nascimentos de homens) é fixa para
todos os grupos (africanos-brasileiros) e todos os períodos em 1,05. As distribuições específicas de
fecundidade são fixas em sua forma, mas podem refletir variações anuais de fecundidade total, através
do parâmetro f(t,•).

4.2. Número de mulheres em idade fértil


O número de mulheres em idade fértil, ao final do ano t, é a soma do total de mulheres nas faixas de
15 a 49 anos de idade, neste momento.

[11] F(t,•) = ∑i F(t,i) , com 14 < i < 50.

Idem somente para africanas FA(t,•) ou brasileiras FB(t,•).

4.3. Taxas específicas de fecundidade


As curvas de taxas específicas de fecundidade normalizadas, fA(i) e fB(i), são conjugadas, no cálculo
do total de nascimentos, com uma fecundidade total, parametrizável anualmente. Todos os eventos que
influem sobre a natalidade total – como a paridade final de cada mulher ou eventuais reduções no total
de nascimentos em decorrência de períodos conturbados por epidemias ou guerras – estariam
incorporados nestes parâmetros de fecundidade. Essas distribuições correspondem a uma fecundidade
total normalizada em 1 filho por mulher, ao longo de toda sua vida, aplicada a 100% das mulheres
vivas em cada ano. Ao multiplicarmos esses números pela fecundidade total estimada para certo ano,
chegamos à fecundidade específica desejada a cada faixa etária fértil naquele ano.

18
4.4. Número de nascimentos
O número de nascimentos, de mães em certa faixa etária, é calculado como o resultado da incidência
da fecundidade específica normalizada da faixa, sobre a fecundidade total desejada para aquele ano t,
multiplicado pelo número total de mulheres férteis, na faixa etária, ano a ano.

[12] N(t,i) = f(i) f(t,•) F(t-1,i-1).

O número total de nascimentos do ano t é igual à soma dos nascimentos para mães de todas as faixas
etárias (equivalente a somente as faixas férteis, já que as taxa específicas fora desse intervalo são
nulas), durante aquele ano:

[13] N(t,•) = ∑i N(t,i) = ∑i f(i) f(t,•) F(t-1,i-1).

Idem somente para mães africanas NA(t,•) ou para mães brasileiras NB(t,•).

5. EMIGRANTES

5.1. Parâmetros e variáveis


“Emigrantes” refere-se aos movimentos de emigração de livres e/ou decorrentes do tráfico
interprovincial de escravos. As imigrações de brasileiros estariam deduzidas deste saldo líquido de
emigração e não serão tratadas em separado.

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
E(t,i) [V] Emigrantes, durante o ano t, com a idade i completa
E(t,•) [V] Total de emigrantes no ano t
EA(t,i) [V] Emigrantes africanos durante o ano t, com a idade i completa
EB(t,i) [V] Emigrantes brasileiros durante o ano t, com a idade i completa
[P] Propensão específica normalizada de emigração de africanos entre as idades i e
eA(i)
i+1
[P] Propensão específica normalizada de emigração de brasileiros entre as idades i e
eB(i)
i+1
e(t,•) [P] Percentual da população total ao final do ano t-1 a emigrar no ano t
Probabilidades específicas de emigração referentes a escravos recém-chegados são úteis para modelar
os movimentos de interiorização de escravos recém-chegados em períodos como o pico da economia
aurífera.

5.2. Número de emigrantes


Ao contrário das imigrações por tráfico, cujo total é conhecido, as emigrações totais são calculadas a
partir de uma dada proporção de emigrantes relativamente à população total, ano a ano. Os totais de
emigrantes por faixa etária são calculados como o produto deste número total de emigrantes calculado
para cada ano, segundo a propensão específica de emigração da faixa etária:

Sendo e(i) a propensão específica normalizada para emigração da população com idade completa i,
isto é,

[14] ∑i e(i) = 1 ,

19
e e(t,•) a proporção de emigrantes em certo ano, relativamente à população ao final do ano anterior,
P(t-1,•), o número de emigrantes de cada faixa etária, em cada ano, é dado por:

[15] E(t,i) = e(t,•) e(i) P(t-1,i-1),

onde os parâmetros e(i) e P(t-1,i-1) se referem especificamente a cada grupo: africanos-brasileiros,


homens-mulheres. O número total de emigrantes é a soma

[16] E(t,•) = ∑i E(t,i).

6. POPULAÇÃO

6.1. Parâmetros e variáveis

SÍMBOLO DESCRIÇÃO
P(t,•) [V] População total no ano t
PA(t,•) [V] População total de africanos no ano t (A); idem para brasileiros (B)
P(t,i) [V] População total, ao final do ano t, com a idade i completa

6.2. População de africanos


A população de africanos é calculada como:

a) população inicial: nula

b) população ano a ano:

[17] PA(t,•) = ∑i>0 [PA(t-1,i-1) + I(t,i) – DA(t,i) – EA(t,i)] + PA(t,0)

Para a faixa etária inicial, até 1 ano completo, aplica-se a fórmula:

[18] PA(t,0) = I(t, 0) [1 - dRC(0)/2] .

6.3. População de brasileiros


A população de brasileiros é calculada como:

a) população inicial: parametrizada;

b) população ano a ano:

[19] PB(t,•) = ∑i>0 [PB(t-1,i-1) – DB(t, i) – EB(t, i)] + PB(t,0)

Para a faixa etária inicial, até 1 ano completo, aplica-se a fórmula:

[20] PB(t,0) = N(t,•) [1 - dB(0)/2] .

20

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