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Entrevista:

Alex Atala

O
criativo e irrequieto Alex Atala é conheci-
do, no Brasil e no exterior, por explorar, a
partir de bases clássicas e técnicas atuais,
as possibilidades gastronômicas dos ingredientes
nacionais. Atala iniciou sua carreira aos 19 anos
na Bélgica, depois partiu para novas empreitadas
em cozinhas da França e da Itália. Em 1994 retor-
nou a São Paulo e, no final de 1999, inaugurou
o restaurante D.O.M., que, entre outros prêmios,
valeu-lhe, por duas vezes (2006 e 2007), a indica-
ção entre os 50 melhores restaurantes do mundo
pela publicação Restaurant Magazine. Além de
cozinhar, Atala também é estudioso da gastrono-
mia brasileira, tendo publicado diversos textos
em que defende a valorização de ingredientes
nacionais para a culinária de alto padrão. Em
entrevista a Textos do Brasil, o chef comenta sua
percepção a respeito da formação e das tendên-
cias atuais da culinária brasileira.

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TB: O Brasil é um país imenso que o Brasil é essa colcha de
apresenta grande diversidade
cultural; ainda assim, é possível retalhos de culturas,
afirmar que existe uma culinária que, no final, são
particular que o identifique?
Alex: Eu acho que é preciso diferenciar o respeitadas e unificadas
que é regional do que é típico e do que é folcló- de uma forma singular
rico. A maior representação do Brasil, em âmbito
mais abrangente, talvez seja a feijoada, que pos- e positiva.
sui tanto uma raiz negra quanto uma indígena; é
um elemento presente na mesa do brasileiro, um essas são apenas as bases. O arroz com feijão não
traço efetivamente nacional. Creio que se pode encerra toda a culinária brasileira.
dizer que esse prato e a caipirinha são represen-
tações folclóricas da cultura brasileira. TB: O fato de ir a um restaurante à
Há, por outro lado, os pratos típicos, as quilo, algo muito comum no dia-a-
cozinhas típicas. A influência da culinária portu- dia das pessoas que trabalham nas
guesa, por exemplo, pode ser sentida tanto em grandes cidades, e lá encontrar arroz
Minas quanto em Florianópolis, que possui uma com feijão, sushi, churrasco, massa,
cozinha mais açoriana, com pratos muitos belos. etc. indica o que sobre a culinária
A influência da culinária africana pode ser sen- brasileira?
tida, de modo geral, no Nordeste. A Amazônia, Alex: Eu acho que isso reflete o que é, real-
por sua vez, possui uma cozinha autóctone. Re- mente, o Brasil: essa colcha de retalhos de cultu-
firo-me não apenas ao estado da Amazônia, mas ras, que, no final, são respeitadas e unificadas de
a toda a região, com a diversidade e os microcli- uma forma singular e positiva.
mas que vamos encontrar.
Então, acho que é importante fazer a seção TB: Se, conforme expresso em
do que é folclórico, do que é típico e do que é Fisiologia do Gosto, “somos o que
regional. Isso dá idéia da riqueza da nossa cul- comemos” pode-se dizer que a
tura: não só de sua dimensão continental, mas existência de uma culinária brasileira
também de sua diversidade. é corolário da própria existência de
um povo brasileiro, apesar de toda a
TB: A unidade de nossa culinária, diversidade interior?
portanto, vai além do feijão com Alex: Vamos pensar no seguinte: a alimen-
arroz? tação é trilha de estudo de todas a ciências huma-
Alex: Uma vez que é grande a nossa rique- nas. Então, dá para dizer, sem dúvida alguma,
za, acho que o arroz e o feijão formam a receita que somos sim o que comemos. Não discuto isso.
mais consumida. Acredito, também, que a man- Estou completamente de acordo com essa afir-
dioca seja o eixo central da culinária brasileira, mação e acho que reforça tudo o que venho fa-
presente da mesa cabocla à grande mesa. Mas lando: essa força que o Brasil tem; essa abertura

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D.O.M. Restaurante

para outras culturas, sem perder a originalidade. Brasil pela qual demonstra potencial para a culi-
Isso reforça, mais uma vez, esse prisma da cultu- nária empregada internacionalmente.
ra que temos.
TB: Se o senhor acredita na existência
TB: Apesar da diversidade das de uma culinária legitimamente
culturas que formam o Brasil, a brasileira, aberta a outras culturas,
culinária, sobretudo a comida do mas sem descaracterizar-se, por
dia-a-dia, apresenta considerável que está publicando um livro com o
homogeneidade. Assim, parece objetivo de dar maior publicidade aos
acertado dizer que o que define a ingredientes, processos e receitas da
culinária brasileira é a assimilação, cozinha da Amazônia?
não sua origem? Alex: No primeiro momento, quando os
Alex: De certa forma, sim, é possível con- europeus chegaram, tiveram de tropicalizar suas
cordar com a idéia de que o Brasil suplanta as receitas. O Brasil era outra realidade, muito po-
culturas estrangeiras que para cá vieram. Existe tente. Assim, nossa cultura suplantou, muitas ve-
uma customização da cultura estrangeira à loca- zes, a cultura estrangeira de modo geral. No caso
lidade. Então, essa é uma das primeiras forças do do meu trabalho, escrevi o livro para valorizar a
culinária brasileira.

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O arroz com feijão, por exemplo, é um pra- Alex: Eu acho que a nova sociedade pro-
to típico de um país colonizado jovem. Ainda põe a experimentação. Os hábitos são influencia-
que o homem coma desde antes de aprender a dos por isso. Há, também, o traço do Brasil, um
comunicar-se e que a alimentação seja uma ativi- país tão multicultural, o que ajuda muito nesse
dade vital, a gastronomia tem apenas 200 anos. sentido. É divertido imaginar que, há 20 ou 30
Por ser um país jovem e receber influência de anos, a comida japonesa gerava ojeriza e, hoje,
várias culturas, o Brasil acaba desprestigiando a muitas crianças de 8 a 10 anos preferem um sushi
cozinha mais caipira, mais cabocla, quando o ato bar ao McDonald’s.
de se alimentar adquire certo status. Isso mostra que o paladar pode ser desen-
Eu, pessoalmente, não consigo achar que volvido. Se exposto à variedade desde a primeira
um ovo é menos importante do que uma trufa. infância, o horizonte de paladar tende a alcançar
Então, sou um militante de uma cozinha de ter- um amplitude muito grande. Nós somos, assim,
roir, de uma cozinha caipira, de uma cozinha pa- muito privilegiados por sermos um país tão rico
trimonial brasileira, porque o que levou a França, em ingredientes e em cultura.
Itália, Espanha e o Japão aos altos patamares da Essa abertura à cozinha internacional, por
cozinha foi o orgulho da cultura regional, o orgu- outro lado, é conseqüência de sermos uma cultu-
lho do caipira, por assim dizer. ra jovem, aberta a múltiplas influências.
Na França, um chef é tão respeitado porque
ele faz comida francesa, para pessoas francesas, TB: Você não acha que esse tendência,
que comeram comida francesa a vida inteira. É em contrapartida, não poderia ser um
a qualidade do trabalho que confere a ele esse sintoma de que a nossa cozinha deixou
status. No Japão, um sushiman é honorado pelo de ter raiz, de que perdeu um pouco de
mesmo motivo. Acredito, portanto, que um bom contato com a própria terra?
cozinheiro brasileiro tem de demostrar essa mes- Alex: Embora a culinária regional tenha
ma habilidade com a nossa cultura. perdido algo de seu brilho, acho que esse pro-
A diferença entre o bom, o muito bom e o cesso faz parte de um ciclo. Existe, hoje, um mo-
excepcional vem com repertório. Para nós brasi- vimento que não é meu, mas de pessoas como
leiros, é difícil julgar trufas, caviares e até mesmo Paulo Martins, em Belém, ou César Santos, em
cogumelos e molhos complicados; mas, com cer- Olinda. São profissionais do País inteiro, de norte
teza, todo brasileiro é expert em arroz com feijão. a sul, militando por cozinhas regionais com mui-
ta propriedade. Creio que esse retorno a nossa
TB: Por que, ao irmos a um origem faz parte do processo de amadurecimen-
restaurante, estamos mais perto do to de nossa cultura.
outro lado do Atlântico – ou mesmo Essas pessoas, diferentemente de mim, que
do Pacífico – do que de nosso interior? estou fazendo alta gastronomia, defendem suas
Por que é mais fácil comer comida cozinhas regionais, suas origens, o que eu acho
mexicana, japonesa, chinesa, egípcia muito bonito. O mais importante, sem dúvida, é
e até javanesa do que manauara em a valorização da alimentação do Brasil.
muitas capitais do País?

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Sorbet de jabuticaba. D.O.M. Restaurante

TB: Nesse contexto, é ainda possível Pensando em Amazônia, há discussões so-


identificar, claramente, as cozinhas bre a qualidade do tucupi de Manaus e do de Be-
regionais típicas? lém; do açaí de Manaus e do de Belém. Procura-
Alex: Eu acho que há grandes interseções. se saber se a castanha é do Pará ou do Acre. São
Em Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, existe uma discussões que, acredito, perdem a legitimidade,
vertente portuguesa comum a todos. Então, às uma vez que começam a buscar uma melhor re-
vezes, você vai ver discussões que acho ilógicas, gião e se esquecem do sentido de cidadania, que
como a diferença entre um tutu paulista e um mi- parte do indivíduo para o coletivo.
neiro. Discute-se algo que talvez não tenha tan-
ta importância, se imaginamos que o bioma é o TB: A cozinha regional engloba
mesmo. não apenas pratos, mas também
A cultura humana não respeita muito di- ingredientes típicos. Não está cada
visões geográficas, na medida em que está muito vez mais difícil ter acesso a esses, à
adaptada ao bioma. Importa saber se se trata de medida que a produção e o consumo se
uma mata atlântica, de um cerrado, ou de uma massificam?
floresta equatorial.

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A minha relação remos a força do elo com o ambiente. Pensemos
no caviar, na trufa. O homem ainda tem de ir à
com a natureza caça de trufas, bem como à pesca do esturjão sel-
vagem para conseguir o melhor caviar. É incrível
manifesta-se como
como um dos mais altos patamares da cultura
uma característica humana está intrinsecamente ligado à natureza.
Acredito, também, que a alimentação pode
muito forte de minha
ser não apenas uma forma de conservação do
personalidade; é meio ambiente, como também uma ótima alter-
nativa para se gerarem recursos para as popula-
uma herança de
ções das regiões ribeirinhas. É importante agre-
família. Mas isso não gar valor para a floresta. Ela tem de valer mais
em pé do que deitada.
é uma exclusividade
minha. Se pegarmos TB: Em relação à cozinha tradicional,
dados estatísticos apontam uma
os ícones mais altos da redução no consumo de feijão com
gastronomia, veremos arroz. O que isso significa para nossa
culinária?
a força do elo com o Alex: A maior concentração populacional
ambiente. do Brasil ainda está nas metrópoles. Essa ali-
mentação em larga escala, a produção de comida
industrializada, é um grande facilitador do dia-
Alex: Acredito que, de alguma forma, sim. a-dia, mas bastante nociva às culturas regionais,
Não poderia dizer que não. Por outro lado, nós, principalmente quando se pensa em pratos típi-
brasileiros, principalmente os produtores e os cos do sertão ou de culturas menores limitadas
extrativistas, precisamos melhorar nossa relação a microrregiões. Nesse sentido, penso que as in-
com os ingredientes de base. Aqui, os peixes são dústrias de alimentação são mais perigosas que
maltratados, bem como as hortaliças colhidas no as redes de fast-food, que são um fênomeno urba-
cinturão urbano. Então, acho que pecamos, mui- no. A salsicha, os enlatados, por outro lado, são o
tas vezes, no momento de respeitar a natureza, que chega, realmente, às regiões carentes.
que é tão generosa conosco e é agredida pelos Eu tenho um sonho. Não vou dizer que é
próprios agricultores e pescadores que tiram o um projeto, mas sim um sonho de melhorar a ces-
sustento dela. ta básica, não apenas como produto de base, mas
A minha relação com a natureza mani- também como embalagem. É importante lembrar
festa-se como uma característica muito forte de que, para o índio, o ribeirinho, o caboclo, embala-
minha personalidade; é uma herança de família. gem de fruta é casca, de peixe é escama, de bicho
Mas isso não é uma exclusividade minha. Se pe- é pele. Eles jogam os resíduos no meio ambiente.
garmos os ícones mais altos da gastronomia, ve- É algo intrínseco à cultura dessas populações.

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Salada de abobrinha. D.O.M. Restaurante

Porém, como são mandadas cestas básicas direção oposta, como é a presença de
cheias de plástico e alumínio, quando se anda nossa culinária em mesas no exterior?
pela Amazônia, por lugares extremamente remo- Alex: A nossa maior força no exterior é ser
tos, depara-se com sacos plásticos e latinhas. Eu brasileiro. Acho que há grande diferença entre
acho que essa é uma agressão que nós, urbanos, ser um chef do Brasil e ser um chef do Equador ou
fazemos ao meio ambiente, sem consciência da da Venezuela, do Gabão ou do Timor Leste. Nós
extensão do problema. Então, creio que a cesta carregamos um carisma que o País já tem, o que
básica deveria ser revista não só por ingredien- é algo muito positivo.
tes, mas também por embalagens, levando-se em Outra força é a diversidade das frutas, que
consideração as regiões. são grandes vedetes. Quando estamos no exte-
rior e já utilizamos essas duas forças maiores
TB: O senhor já comentou a para mostrar que somos um país tropical rico
influência estrangeira na cozinha em sabores, abrimos espaço para demonstrar o
brasileira. Pensando nesse fluxo em potencial da tapioca, das farinhas, das ervas, dos
tubérculos, dos palmitos, de toda a extensão dos

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peixes, das carnes. Essa exuberância contagia as franceses uma liderança na cozinha. Então, nos-
pessoas. sa mão-de-obra, sobretudo a mais jovem, ainda
Pensando na alta gastronomia, segundo presta mais atenção em outras cozinhas do que
minha experiência, algo que inebria todo chef no na nossa. Mas acredito que isso é um processo.
exterior, é o tucupi, tão complexo quanto o curry Estamos em uma fase de transição. Nos próxi-
indiano. O produto é uma grande apresentação mos anos, podem ocorrer grandes mudanças no
de nossa cozinha, pois é tanto um tempero quan- cenário.
to um conservante, multifacetado não apenas no
sabor, mas também na aplicação. TB: Apesar do prestígio da
alta cozinha estrangeira, o seu
TB: Quanto a suas raízes, nossa restaurante, o D.O.M., especializado
cozinha se parece com outras ou em cozinha brasileira, foi o único
temos uma culinária muito peculiar? do Brasil a ser incluído na lista da
Alex: Muito peculiar. Há cozinhas na faixa revista inglesa Restaurant dos 50
tropical que possuem ingredientes comuns: no melhores do mundo. Qual é o caminho
Caribe, encontramos algum tipo de mandioqui- para a consolidação da gastronomia
nha ou de feijão; na Ásia, na Tailândia, leite de brasileira?
coco, coentro, pimenta. Embora existam muitos Alex: A gastronomia é a arte de colocar um
ingredientes comuns nas cozinhas tropicais, acho ingrediente ou uma receita no seu melhor momen-
que a nossa maneira de fazer é diferente. to. Nós temos, no Brasil, produtos e receitas para
executar a gastronomia no sentido mais amplo da
TB: E por que ainda não somos uma palavra. Algo também importante a ser ressalta-
potência culinária internacional? do sobre a gastronomia é que ela não está restrita
Alex: Acho que esse é um impasse próprio a ingredientes caros ou a processos difíceis.
de países jovens. Para o Brasil, não basta haver Vou dar um exemplo do que entendo por
um bom trabalho sobre cozinha. Isso é muito gastronomia. Se vamos à Bahia, encontramos dez
pouco. Na França, na Itália, nos países de refe- barraquinhas em uma praia. Uma delas faz peixe
rência, não apenas um bom chef ou uma boa pes- frito melhor do que as outras. Isso acontece devi-
quisa, mas vários foram necessários para reafir- do à execução adequada de uma série de etapas.
mar a qualidade. Trata-se de um processo que já Provavelmente, o dono dessa barraca levantou
está em andamento no Brasil. cedo, limpou o peixe corretamente e acondicio-
nou-o em uma geladeira. Depois, aqueceu o óleo
TB: Por que a alta gastronomia na temperatura certa, temperou bem o peixe,
estrangeira, sobretudo a francesa, é fritou durante o tempo correto, colocou em um
tão prestigiada no Brasil? bom prato, acompanhou de bons ingredientes
Alex: Acho que, por um lado, isso é ain- e outra pessoa tirou aquele prato da cozinha e
da um traço do Brasil colônia, algo natural. Por serviu na mesa do cliente. Então, um prato não
outro lado, o fato de a gastronomia na França começa nem termina na cozinha. Na verdade,
ter saído na frente de todo mundo confere aos

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começa na escolha do ingrediente e termina no Um prato não começa
prato vazio na frente do cliente satisfeito.
Para mim, isso é gastronomia. Ela engloba nem termina cozinha.
um processo com uma série de etapas que preci-
Na verdade, começa na
sa, no Brasil, ser melhorado de modo geral.
escolha do ingrediente e
TB: É preciso ser um bom cozinheiro
termina no prato vazio
antes de ser um chef?
Alex: Com absoluta certeza! Vou dar um na frente do cliente
exemplo. Um professor doutor em medicina
satisfeito.
estudou na faculdade, fez 4 anos de residência
para, então, tornar-se médico. Posteriormente, o
sucessivo estudo e, mais importante, o exercício tornei o que sou de um dia para outro. Por neces-
da profissão foi dando a ele o doutorado e pro- sidade, sujeitei-me a fazer trabalhos menores e
fessorado. Eu acho que, na cozinha, não é dife- fui-me apaixonando pela culinária.
rente: por mais informação teórica que se possua, Então, quando voltei ao nosso país, não
é a prática que vai lapidar a técnica. quis ser um brasileiro metido a francês, italiano,
Nesse sentido, acredito que a cozinha italia- belga ou qualquer outra nacionalidade. Quis ser
na pode ser uma grande lição para a brasileira. A brasileiro, pois acreditei no meu país e na minha
mamma cozinha muito bem, mas, quando a nona cultura, nos sabores que conheci desde a minha
cozinha, a família toda se ajoelha para comer. A infância e que julgava tão bons quanto os que eu
culinária italiana é uma culinária caseira. A mam- conheci no exterior. Esse passado, com absoluta
ma cozinha bem, porque faz isso todo dia, e a nona certeza, me ajuda no trabalho que desenvolvo
cozinha melhor do que todo mundo, porque fez atualmente.
isso a vida inteira. Por isso, a culinária italiana dei-
xou um grande legado para nós: as nossas receitas TB: Todo mundo pode ter acesso à
patrimoniais são muito boas, mas falta essa devo- gastronomia?
ção à cozinha, à seleção de produtos, ao serviço, ao Alex: O exemplo que dei do peixe frito na
cozimento, à tudo que envolve uma boa refeição. Bahia se aplica a todas as circunstâncias: no Mer-
cado Ver-o-Peso, com açaí; em São Paulo, com
TB: Como sua experiência pessoal pastéis de feira; no Rio de Janeiro, com comida
influenciou essa devoção que o de boteco; no Ceará, com carne-de-sol ou caran-
senhor manifesta pela cozinha e seu guejada; na Bahia, com moqueca.
interesse pela alta gastronomia? Enfim, as nossas cozinhas de base são fa-
Alex: Por ter sido um punk, me sujeitei a la- mosas não porque são simpáticas, mas porque
var louça, para, depois, aprender a picar. Apren- são boas. É possível transformá-las em alta gas-
di a lavar a panela, para, depois, cozinhar nela e tronomia. Vamos lembrar que um croque-mon-
assim por diante. Foi um processo de aprendi- sieur, um crêpe suzette ou um penne arrabiata são,
zagem. Eu não nasci o chef Alex Atala, nem me na verdade, primos de receitas cotidianas.

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