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UFRJ

UM SÉCULO DE PERNAMBUCANOS MAL CONTADOS:


Estatísticas demográficas nos oitocentos

Heitor Pinto de MOURA FILHO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-graduação em História Social, IFCS, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em História.

Orientador: Prof. João Luís Ribeiro Fragoso

Rio de Janeiro
Junho 2005

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. i
UM S ÉC U LO D E P ER NA M B U CA N OS M A L CO N TA D OS :
Es ta tís ti cas de mogr áf icas nos oitoc entos

Heitor Pinto de MOURA FILHO


Orientador: João Luís Ribeiro Fragoso

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social,


IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História.

Aprovada por:

______________________________
Presidente, Prof. João Luís Ribeiro Fragoso

______________________________
Prof. Tamás Szmrecsányi

______________________________
Prof. Manolo Florentino

______________________________
Prof. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (Suplente)

______________________________
Prof. Carlos Gabriel Guimarães (Suplente)

Rio de Janeiro
Junho 2005

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. ii
Moura Filho, Heitor Pinto de.
Um século de pernambucanos mal contados.
Estatísticas demográficas nos oitocentos/ Heitor
Pinto de Moura Filho. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS,
2005.
xx, 180f.: il. xxcm.
Orientador: João Luís Ribeiro Fragoso
Dissertação (mestrado) –
UFRJ/IFCS/Programa de Pós-gradução em
História Social
Referências bibliográficas: xxf.
1. Demografia histórica. 2. Pernambuco I.
Fragoso, João Luís Ribeiro. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em
História Social. III. Título.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. iii
UM S ÉC U LO D E P ER NA M B U CA N OS M A L CO N TA D OS :
Es ta tís ti cas de mogr áf icas nos oitoc entos

Heitor Pinto de MOURA FILHO


Orientador: Prof. João Luís Ribeiro FRAGOSO

RESUMO
da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social,
IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em História.

Trata da produção de estatísticas demográficas sobre Pernambuco no final do século XVIII e


no século XIX, enfatizando a heterogeneidade das fontes e as discrepâncias entre elas. Depois
de examinar os produtores de estatísticas e as muitas reações populares aos recenseamentos,
resenha problemas conceituais encontrados ao se fazer uso dessas fontes em textos
historiográficos. Estas dificuldades dizem respeito à delimitação do território, à
compatibilização temporal e ao entendimento diacrônico dos conceitos que intitulam as
estatísticas. Diversas fontes com referências sobre a população total de Pernambuco são
analisadas. Os múltiplos fluxos de ordem social e demográfica que afetaram esta população
são resenhados: tráfico africano, tráfico interprovincial e alforrias de escravos; imigração,
migrações intraprovinciais e migrações interprovinciais de livres; natalidade e mortalidade.
Discute os efeitos da mortalidade episódica decorrente de epidemias e convulsões sociais.

É proposto modelo demográfico para estimar a população pernambucana em intervalos


anuais, baseado em âncoras periódicas (totais reconhecidos como tendo maior precisão) e nos
fluxos demográficos sociais e naturais conhecidos para este período. A partir da determinação
de uma taxa de crescimento vegetativo única que leva a população inicial à final,
considerando os fluxos dados, em cada intervalo entre âncoras, são determinadas séries
populacionais de pessoas livres e escravos, em 4 regiões de Pernambuco (Recife, Zona da
Mata, Agreste e Sertão). Esta modelagem, associada a padrões reconhecidos de natalidade e
mortalidade, permite a suposição da existência, em certos períodos, de maiores fluxos de
tráfico africano e de tráfico interprovincial do que registrados nas fontes e na bibliografia.

E-mail: heitormoura@yahoo.com.br

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. iv
O N E C EN TU RY OF UN R EC O R D ED P ER NA M B U CA N OS :
D emogr aphic s tatis t ics in the 1800s

Heitor Pinto de MOURA FILHO


Supervisor: Prof. João Luís Ribeiro FRAGOSO

ABSTRACT

of the Dissertation presented to the Graduate Program in Social History-IFCS, of the Federal
University of Rio de Janeiro, as part of the requirements for the concession of the title of
Master in History.

This dissertation deals with demographic statistics on Pernambuco during the late XVIIIth and
XIXth centuries, emphasizing the heterogeneity of sources and the discrepancies among them.
After examining the institutions responsible for the production of statistics and popular
reactions to censuses, conceptual problems encountered when making use of these sources in
historiographical texts are examined. These difficulties regard the delimitation of territories,
temporal adequacy and the diacronic understanding of concepts which give title to statistics.
Various sources which contain references to the total population of Pernambuco are analysed.
The multiple flows of a social and demographic nature which affected this population are
reviewed: African traffic, interprovincial traffic and slave manumission; immigration,
intraprovincial and interprovincial migrations of the free population; births and deaths. The
effects of episodic mortality in consequence of epidemics and social convulsions are
discussed.
A demographic model to estimate the population of Pernambuco at annual intervals is then
proposed, based on periodic anchors (estimates recognized as having a greater precision) and
the known social and natural flows in these intervals. Based on the determination of a natural
growth rate which takes the initial population to the end population, given the known flows in
each period between anchors, population series for free citizens and slaves, in 4 regions of
Pernambuco (Recife, Zona da Mata, Agreste and Sertão) are calculated. This modeling,
associated with recognized birth and death patterns, permits to envisage the existence, in
certain periods, of African and interprovincial traffic greater than those registered in the
sources or mentioned in the literature.

E-mail: heitormoura@yahoo.com.br

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. v
A G R A D E C I M E N TO S

Aos fundamentais incentivadores de primeira hora, Renato Galvão Flôres Júnior, Dália
Maimon e Michel Shiray, Afrânio Garcia e Marieta Moraes Ferreira.

Aos Professores João L.R. Fragoso, José Augusto Pádua, Jacqueline Hermann e José Murilo
de Carvalho, pela agradável e instrutiva convivência nos cursos do IFCS.

Ao Professor Tamás Szmrecsányi por sua participação na banca de defesa da dissertação e por
seu apoio durante o processo de pesquisa e redação, que incluiu desvios por textos
preliminares sobre estatísticas açucareiras, tema que findou relegado a trabalhos futuros.

Ao Professor Manolo Florentino, pelo oferecimento de dados da pesquisa sobre o tráfico


trans-atlântico de escravos e por sua participação nas bancas de qualificação e de defesa da
dissertação.

Ao Professor Antônio Carlos Jucá de Sampaio, por sua participação nas bancas de
qualificação e suplência na defesa.

Ao Professor Carlos Gabriel Guimarães, por sua participação como suplente na banca de
defesa.

Ao Professor Francisco José Silva Gomes, pelos comentários e referências sobre história da
Igreja no Brasil.

Ao Professor João Luís Ribeiro Fragoso pela recepção entre seus orientandos, pela dinâmica
de discussões coletivas que marca sua orientação e pelos comentários precisos e proveitosos
aos muitos textos que antecederam a este.

Aos meus colegas do IFCS, co-orientandos do Professor João Fragoso, que participaram das
discussões de textos que ajudaram a formar as idéias aqui expostas: Alexandre Vieira Ribeiro,
Carlos Leonardo Kelmer Mathias, Célia Maria Loureiro Muniz, Cuca Machado, Daniel B.
Domingues da Silva, Maria Fernanda Vieira Martins, Luciana Marinho Batista, Luiz Augusto
Ebling Farinati, Martha Daisson Hameister, Roberto Guedes Ferreira, Tiago Luís Gil; com
agradecimento especial a Cuca e Alexandre, pelo apoio na busca bibliográfica, e a Daniel,
pelo oferecimento das importantes estatísticas que vem levantando sobre o tráfico africano.

Às muitas pessoas que me ajudaram, desde as pesquisas anteriores à escolha deste tema,
primeiro sobre as relações internacionais do Brasil no setor açucareiro, depois sobre

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estatísticas referentes a este setor em Pernambuco e, por fim, sobre demografia
pernambucana: Danielle Sanches de Almeida e Tamara Rangel Vieira, estagiárias
responsáveis pelo acúmulo de ampla bibliografia; Paulo Roberto Braga e Mello e seus colegas
do Inmetro; Armênio Lobo da Cunha Filho e Janine Houard, pelo empréstimo de livros;
Helena e João Pinheiro Lins, pelas sondagens no Recife; Luzilá Gonçalves Ferreira, José
Raimundo Vergolino e seus colegas do IAHGP pelo apoio à pesquisa; Luiz de Barros Moreira,
pelas buscas em São Paulo; Benedito Tadeu de Oliveira e Miriam Bahia, pela recepção em
Belo Horizonte e Ouro Preto; Renato Pinto Venâncio, pela conversa simpática e sugestões de
bibliografia.

A Clara Sodré S. Gama, Cláudia M. Arantes da Silva e Patrícia L. Kegel, pela leitura e
comentários precisos ao texto.

A Lúcia Helena Pinheiro Lins, cuja alegre acolhida no Recife foi essencial para me
possibilitar o levantamento de muito material nas fontes primárias do Arquivo Público
Estadual Jordão Emerenciano.

A meu pai, Embaixador Heitor Pinto de Moura, em cuja pernambucana pude dispor de
raridades difíceis de encontrar numa única biblioteca.

A meus pais, Déa e Heitor, sem cuja “régua e compasso” não teria existido esta dissertação.

A Ângela de Araújo Pôrto, companheira de todas as horas, pelas pesquisas criteriosas e


revisões sistemáticas.

A Ângela, ainda, e a Eleonora, minha filha, um carinho especial pela compreensão e apoio
nesses tempos “mono-temáticos”.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. vii
SUMÁRIO

SUMÁRIO..........................................................................................................................................................VIII
LISTA DE QUADROS...........................................................................................................................................X
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................................................XIII
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................................................1
1.OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS.......................................................................................................15
2.REAÇÕES A RECENSEAMENTOS.............................................................................................................23
3.DIFICULDADES CONCEITUAIS................................................................................................................28
1.1.A DEFINIÇÃO TERRITORIAL...............................................................................................................28
1.2.FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL.......................................................................................38
1.3.ASPECTOS TAXONÔMICOS.................................................................................................................39
4.ALGUMAS FONTES PARA A DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA
DO SÉCULO XIX..............................................................................................................................................45
1.4.PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS................................................46
1.5.LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824................................................................48
1.6.LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 ATÉ 1871.....................................................................54
1.7.O RECENSEAMENTO DE 1872 E DADOS POSTERIORES.................................................................58
1.8.PANORAMA DAS AVALIAÇÕES POPULACIONAIS.............................................................................60
5.DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS.........................................................................................65
1.9.OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO .............................................................................................................65
1.10.TRANSPORTE FERROVIÁRIO............................................................................................................68
1.11.MIGRAÇÕES INTERNAS .....................................................................................................................72
1.12.IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA..............................................................................................................75
1.13.ESCRAVIDÃO – TRÁFICO AFRICANO..............................................................................................80
1.14.ESCRAVIDÃO – TRÁFICO INTERPROVINCIAL ...............................................................................83
1.15.ESCRAVIDÃO – ALFORRIAS ..............................................................................................................87
6.DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS BIOLÓGICOS................................................................................89
1.16.OS CEMITÉRIOS PÚBLICOS..............................................................................................................89
1.17.MORTALIDADE EPISÓDICA..............................................................................................................92
1.18.MORTALIDADE NATURAL.................................................................................................................94
1.19.NATALIDADE.......................................................................................................................................96
1.20.CRESCIMENTO VEGETATIVO............................................................................................................98
7.DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO .....................................................................................101
1.21.AS REGIÕES PERNAMBUCANAS.....................................................................................................101
1.22.FINAL DO SÉCULO XVIII.................................................................................................................103
1.23.INÍCIO DO SÉCULO XIX...................................................................................................................104
1.24.MEADOS DO SÉCULO XIX...............................................................................................................105
1.25.CENSO DE 1872.................................................................................................................................106
1.26.ENTORNOS DA ABOLIÇÃO..............................................................................................................107
1.27.CENSOS DE 1890 E 1900..................................................................................................................107
8.UM MODELO DEMOGRÁFICO NÃO-EXPLICATIVO...........................................................................109
1.28.O MODELO, SEUS OBJETIVOS E CONCLUSÕES.........................................................................109
1.29.CONJUNTOS DEMOGRÁFICOS E REGIÕES..................................................................................113
1.30.MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS....................................................................................................114
1.31.CRITÉRIOS GERAIS DA MODELAGEM...........................................................................................115
1.32. ÂNCORAS PARA A POPULAÇÃO TOTAL E SUA DISTRIBUIÇÃO.................................................117
9.ESTIMATIVA DOS MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS..........................................................................128
1.33.NATALIDADE.....................................................................................................................................128
1.34.MORTALIDADE EPISÓDICA............................................................................................................128
1.35.MORTALIDADE NATURAL...............................................................................................................129
1.36.IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA ...........................................................................................................129
1.37.MIGRAÇÃO INTERPROVINCIAL.....................................................................................................130
1.38.TRÁFICO E ALFORRIA DE ESCRAVOS...........................................................................................130

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
viii
10.SÉRIES ESTIMADAS................................................................................................................................132
1.39.RESULTADO – POPULAÇÃO CATIVA.............................................................................................132
1.40.RESULTADO – POPULAÇÃO LIVRE................................................................................................141
1.41.ROTAS PARA PESQUISA....................................................................................................................145
CONCLUSÃO.....................................................................................................................................................147
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................................150
ANEXO 1 – POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA,
SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL...................................................................................................................153
ANEXO 2 – POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA,
POR REGIÃO....................................................................................................................................................156
ANEXO 3 – POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA,
POR REGIÃO....................................................................................................................................................159
ANEXO 4 – POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA,
POR REGIÃO....................................................................................................................................................162
ANEXO 5 – FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS.
POPULAÇÃO LIVRE.......................................................................................................................................165
ANEXO 6 – FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS.
POPULAÇÃO CATIVA.....................................................................................................................................168
ANEXO 7 – DESCRIÇÃO DOS CÁLCULOS DO MODELO.......................................................................171

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. ix
L I STA D E Q U A D R O S

QUADRO 1 – EXISTÊNCIA DE ESTATÍSTICAS POPULACIONAIS REFERENTES AO RECIFE OU A


PERNAMBUCO
NOS RELATÓRIOS DOS PRESIDENTES DA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO (1838 A 1888)...........20
QUADRO 2 – DATA DAS SEPARAÇÕES POLÍTICAS E ECLESIÁSTICAS DE PERNAMBUCO ........31
QUADRO 3 – ESQUEMA DA COMPOSIÇÃO E SOBREPOSIÇÃO DE HIERARQUIAS NA
ADMINISTRAÇÃO DA PROVÍNCIA ..............................................................................................................32
QUADRO 4 – JUSTIÇA BRASILEIRA NO PERÍODO IMPERIAL.............................................................34
QUADRO 5 – PERNAMBUCO (1859). TOPÔNIMOS COINCIDENTES PARA COMARCA, TERMO,
MUNICÍPIO E FREGUESIA/PARÓQUIA........................................................................................................36
QUADRO 6 – ALGUNS RELATOS DE VIAJANTES QUE MENCIONAM ASPECTOS
DEMOGRÁFICOS DE PERNAMBUCO ..........................................................................................................47
QUADRO 7 – ABRANGÊNCIA GEOGRÁFICA DAS FONTES E ESTIMATIVAS
CORRESPONDENTES PARA PE1....................................................................................................................53
QUADRO 8 – FONTES SOBRE POPULAÇÃO ESCRAVA TOTAL EM PERNAMBUCO, ENTRE 1872 E
1888.........................................................................................................................................................................59
QUADRO 9 – PERNAMBUCO. TRÁFEGO FERROVIÁRIO E POPULAÇÃO.........................................71
QUADRO 10 – CHEGADA DAS ESTRADAS DE FERRO AO INTERIOR DE PERNAMBUCO...........71
QUADRO 11 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO A NACIONALIDADE, 1872
.................................................................................................................................................................................79
QUADRO 12 – ALGUMAS ESTIMATIVAS DO TRÁFICO INTERPROVINCIAL DE ESCRAVOS, POR
ORIGEM................................................................................................................................................................86
QUADRO 13 – TRÁFICO INTERPROVINCIAL 1877-1880..........................................................................86
QUADRO 14 – FONTES SOBRE POPULAÇÃO DE ESCRAVOS MATRICULADOS, ENTRE 1872 E
1888.........................................................................................................................................................................88
QUADRO 15 – REGIMES BRASILEIROS DE MORTALIDADE EPISÓDICA NO SÉCULO XIX,
SEGUNDO M.L.MARCÍLIO..............................................................................................................................93
QUADRO 16 – EPIDEMIAS OCORRIDAS NO RECIFE DURANTE A SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XIX........................................................................................................................................................93
QUADRO 17 – REGIMES BRASILEIROS DE MORTALIDADE NATURAL NO SÉCULO XIX,
SEGUNDO M.L.MARCÍLIO..............................................................................................................................95
QUADRO 18 – REFERÊNCIAS SOBRE MORTALIDADE NATURAL.......................................................95
QUADRO 19 – REGIMES BRASILEIROS DE FECUNDIDADE NO SÉCULO XIX, SEGUNDO
M.L.MARCÍLIO...................................................................................................................................................97
QUADRO 20 – ALGUMAS COMPARAÇÕES ENTRE NATALIDADE E MORTALIDADE DE LIVRES
E ESCRAVOS........................................................................................................................................................97
QUADRO 21 – NATALIDADE, MORTALIDADE E CRESCIMENTO VEGETATIVO DA POPULAÇÃO
BRASILEIRA, SEGUNDO NADALIN APUD MERRICK & GRAHAM......................................................98
QUADRO 22 – CRESCIMENTO VEGETATIVO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NO SÉCULO XIX, A
PARTIR DA TIPOLOGIA DE M.L.MARCÍLIO..............................................................................................99
QUADRO 23 – PERNAMBUCO. LEVANTAMENTOS POPULACIONAIS DE 1782 E 1788..................103
QUADRO 24 – PERNAMBUCO. LEVANTAMENTOS POPULACIONAIS DO INÍCIO DO SÉCULO
XIX........................................................................................................................................................................104

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. x
QUADRO 25 – PERNAMBUCO. LEVANTAMENTOS POPULACIONAIS EM MEADOS DO SÉCULO
XIX........................................................................................................................................................................105
QUADRO 26 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO RESIDENTE, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL, 1872
...............................................................................................................................................................................106
QUADRO 27 – MOVIMENTOS ANUAIS A SEREM MODELADOS..........................................................114
QUADRO 28 – ÂNCORAS EMPÍRICAS UTILIZADAS NO MODELO.....................................................118
QUADRO 29 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1800................................119
QUADRO 30 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1800 – LIVRES E ESCRAVOS. .119
QUADRO 31 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1815................................120
QUADRO 32 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1815 – LIVRES E ESCRAVOS..120
QUADRO 33 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1830................................121
QUADRO 34 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1830 – LIVRES E ESCRAVOS..121
QUADRO 35 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1845................................122
QUADRO 36 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1845– LIVRES E ESCRAVOS...122
QUADRO 37 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1860................................123
QUADRO 38 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1860 – LIVRES E ESCRAVOS..123
QUADRO 39 – ESTIMATIVA DA POPULAÇÃO EM 1872..........................................................................124
QUADRO 40 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO TOTAL EM 1872................................125
QUADRO 41 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1872 – LIVRES E ESCRAVOS..125
QUADRO 42 – ÂNCORAS PARA A POPULAÇÃO CATIVA, PÓS 1872....................................................126
QUADRO 43 – DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO EM 1890 E 1900..................................127
QUADRO 44 – REFERÊNCIAS SOBRE MORTALIDADE EPISÓDICA INCORPORADAS AOS
CÁLCULOS DO MODELO..............................................................................................................................128
QUADRO 45 – PERNAMBUCO. TRÁFICO DE IMPORTAÇÃO 1800-1855. DIVERSAS
FONTES...............................................................................................................................................................131
QUADRO 46 – DECOMPOSIÇÃO DOS FLUXOS POR PERÍODO DA ESTIMATIVA, 1ª ITERAÇÃO
...............................................................................................................................................................................133
QUADRO 47 – TAXAS DE NATALIDADE, MORTALIDADE E CRESCIMENTO VEGETATIVO, POR
PERÍODO DA ESTIMATIVA, 1ª ITERAÇÃO................................................................................................133
QUADRO 48 – TAXAS DE CRESCIMENTO VEGETATIVO, POR PERÍODO, 2ª ITERAÇÃO
(REDUÇÃO DA POPULAÇÃO DE 1845 E AUMENTO DA POPULAÇÃO DE 1830 EM 10%).............135
QUADRO 49 – TAXAS DE CRESCIMENTO VEGETATIVO, POR PERÍODO DA ESTIMATIVA, 3ª
ITERAÇÃO (SEM ALFORRIAS DE 1800 A 1845 E COM REDUÇÃO VEGETATIVA FIXA PARA 1831-
1845)......................................................................................................................................................................135
QUADRO 50 – TAXAS DE NATALIDADE, MORTALIDADE E CRESCIMENTO VEGETATIVO, POR
PERÍODO DA ESTIMATIVA, 4ª ITERAÇÃO................................................................................................137
QUADRO 51 – DECOMPOSIÇÃO DOS FLUXOS POR PERÍODO DA ESTIMATIVA, 5ª ITERAÇÃO
...............................................................................................................................................................................137
QUADRO 52 – DECOMPOSIÇÃO DAS VARIAÇÕES NA POPULAÇÃO CATIVA (ESTIMATIVA
FINAL) EM MÉDIAS ANUAIS.........................................................................................................................139
QUADRO 53 – DECOMPOSIÇÃO PERCENTUAL DAS VARIAÇÕES NA POPULAÇÃO CATIVA
(ESTIMATIVA FINAL) .....................................................................................................................................140
QUADRO 54 – TAXAS DE NATALIDADE, MORTALIDADE E CRESCIMENTO VEGETATIVO, POR
PERÍODO DA ESTIMATIVA, 1ª ITERAÇÃO (LIVRES).............................................................................141
QUADRO 55 – TAXAS DE NATALIDADE, MORTALIDADE E CRESCIMENTO VEGETATIVO, 2ª
ITERAÇÃO (LIVRES, COM MIGRAÇÃO LÍQUIDA)................................................................................142

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. xi
QUADRO 56 – DECOMPOSIÇÃO DOS FLUXOS POR PERÍODO DA ESTIMATIVA, 5ª ITERAÇÃO
...............................................................................................................................................................................142
QUADRO 57 – DECOMPOSIÇÃO DAS VARIAÇÕES NA POPULAÇÃO LIVRE (ESTIMATIVA
FINAL) EM MÉDIAS ANUAIS.........................................................................................................................143
QUADRO 58 – DECOMPOSIÇÃO PERCENTUAL DAS VARIAÇÕES NA POPULAÇÃO LIVRE
(ESTIMATIVA FINAL) .....................................................................................................................................144
QUADRO 59 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL (1800 A
1834)......................................................................................................................................................................153
QUADRO 60 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL (1835 A
1869)......................................................................................................................................................................154
QUADRO 61 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL (1870 A
1900)......................................................................................................................................................................155
QUADRO 62 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, POR REGIÃO (1800 A 1834)...156
QUADRO 63 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, POR REGIÃO (1835 A 1869)...157
QUADRO 64 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, POR REGIÃO (1870 A 1900)...158
QUADRO 65 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA, POR REGIÃO (1800 A 1834)....159
QUADRO 66 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA, POR REGIÃO (1835 A 1869)....160
QUADRO 67 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA, POR REGIÃO (1870 A 1900)....161
QUADRO 68 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA, POR REGIÃO (1800 A 1834)..162
QUADRO 69 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA, POR REGIÃO (1835 A 1869)..163
QUADRO 70 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA, POR REGIÃO (1870 A 1900)..164
QUADRO 71 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO LIVRE
(1800 A 1834)........................................................................................................................................................165
QUADRO 72 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO LIVRE
(1834 A 1869)........................................................................................................................................................166
QUADRO 73 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO LIVRE
(1870 A 1900)........................................................................................................................................................167
QUADRO 74 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO CATIVA
(1800 A 1834)........................................................................................................................................................168
QUADRO 75 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO CATIVA
(1834 A 1869)........................................................................................................................................................169
QUADRO 76 – PERNAMBUCO. FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS. POPULAÇÃO CATIVA
(1870 A 1900)........................................................................................................................................................170

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. xii
L I S TA D E F I G U R A S

FIGURA 1 – MAPA COM AS FRONTEIRAS DA CAPITANIA DE PERNAMBUCO DE 1799


ATÉ 1817, INCLUINDO AS ALAGOAS E A COMARCA DO SÃO FRANCISCO.....................................29
FIGURA 2 – BRASIL. ESTRUTURA DO PODER JUDICIAL.......................................................................35
FIGURA 3 – PERNAMBUCO. POPULAÇÃO TOTAL SEGUNDO AS DIVERSAS FONTES
COMPILADAS......................................................................................................................................................61
FIGURA 4 – PERNAMBUCO. DADOS SOBRE POPULAÇÃO TOTAL, COM
INDICAÇÃO DE ESTIMATIVAS SUPER OU SUBESTIMADAS. ..............................................................62
FIGURA 5 – PERNAMBUCO. ESTIMATIVAS PARA O TOTAL DA POPULAÇÃO CATIVA,
SEGUNDO AS DIVERSAS FONTES COMPILADAS....................................................................................62
FIGURA 6 – PERNAMBUCO. ESTIMATIVAS PARA O TOTAL DA POPULAÇÃO CATIVA,
COM INDICAÇÃO DE ESTIMATIVAS SUPER OU SUBESTIMADAS.....................................................63
FIGURA 7 – EXPORTAÇÕES DE ALGODÃO DO RECIFE PARA PORTUGAL (EM MIL ARROBAS)
.................................................................................................................................................................................67

FIGURA 8 – REDE DE FERROVIAS (TRAÇO LARGO) E PRINCIPAIS ESTRADAS (TRAÇOS


FINOS) EM PERNAMBUCO
NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX, COM DATA DO INÍCIO DO TRÁFEGO FERROVIÁRIO.
.................................................................................................................................................................................69
FIGURA 9 – EVOLUÇÃO DO TRÁFEGO ANUAL DE PASSAGEIROS (EM AMBOS OS SENTIDOS)
NAS
ESTRADAS DE FERRO DE PERNAMBUCO. (EIXO DE TRÁFEGO EM ESCALA LOGARÍTMICA)70
FIGURA 10 – PERNAMBUCO. TRÁFEGO ANUAL DE PASSAGEIROS NAS ESTRADAS DE FERRO
(EM AMBOS OS SENTIDOS). TOTAL DE TODAS AS ESTRADAS-DE-FERRO, COM INDICAÇÃO
DOS PERÍODOS DE MAIOR CRESCIMENTO.
(EIXO DE TRÁFEGO EM ESCALA LOGARÍTMICA).................................................................................70
FIGURA 11 – FREQÜÊNCIA E INTENSIDADE DE SECAS NO NORDESTE DURANTE O SÉCULO
XIX..........................................................................................................................................................................73
FIGURA 12 – PERNAMBUCO, 1872. DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO LIVRE TOTAL
E DOS ESTRANGEIROS LIVRES....................................................................................................................80
FIGURA 13 – PERNAMBUCO. IMPORTAÇÃO ANUAL DE ESCRAVOS..................................................81
FIGURA 14 – PERNAMBUCO. IMPORTAÇÃO ANUAL DE ESCRAVOS. DIVERSAS FONTES E
ESTIMATIVAS......................................................................................................................................................82
FIGURA 15 – PERNAMBUCO E “NORTE DA BAHIA”. IMPORTAÇÃO ANUAL DE ESCRAVOS.
DUAS ESTIMATIVAS..........................................................................................................................................83
FIGURA 16 – PERNAMBUCO. ALGUMAS ESTIMATIVAS DE SAÍDAS DE ESCRAVOS......................85
FIGURA 17 – PERNAMBUCO. ESTIMATIVAS DE SAÍDAS, ENTRADAS E SAÍDAS LÍQUIDAS
DE ESCRAVOS NO RECIFE, SEGUNDO REGISTROS OFICIAIS (1840-1871).......................................85
FIGURA 18 – SALVADOR. EXPORTAÇÃO ANUAL DE ESCRAVOS.........................................................87
FIGURA 19 – REGIÕES MODELADAS ........................................................................................................114
FIGURA 20 – POPULAÇÃO DE ESCRAVOS ESTIMADA.......................................................................132
FIGURA 21 – COMPONENTES DA VARIAÇÃO DEMOGRÁFICA..........................................................134
FIGURA 22 – POPULAÇÃO DE ESCRAVOS. ESTIMATIVA FINAL........................................................138
FIGURA 23 – FLUXOS DE AUMENTO E REDUÇÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVA (ITERAÇÃO
FINAL).................................................................................................................................................................139

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
xiii
FIGURA 24 – FLUXOS DE AUMENTO E REDUÇÃO DA POPULAÇÃO LIVRE (ITERAÇÃO FINAL)
...............................................................................................................................................................................143
FIGURA 25 – POPULAÇÃO ESTIMADA DE PERNAMBUCO, TOTAL, LIVRES E ESCRAVOS........144
FIGURA 26 – NOSSA ESTIMATIVA E DAS MÚLTIPLAS FONTES PARA A POPULAÇÃO DE
PERNAMBUCO..................................................................................................................................................145

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
xiv
IN TRO DUÇÃO

“... the historian who dispenses with quantifiable


statistical information is as likely to present a partial,
one-sided view as the historian who believes that only
the quantifiable data are relevant.”1
– Geoffrey Barraclough, Main Trends in History, 1978

Ainda não transcorreu um século desde que historiadores passaram a considerar uma série
estatística como objeto lícito e desejável para suas investigações. Desde então, muito se
escreveu sobre o que eram ou deveriam ser tais séries, sobre sua validade e seus limites na
análise histórica. A distinção entre seu emprego em história, por historiadores, e nas demais
ciências sociais, por seus respectivos profissionais, rendeu polêmicas e posicionamentos
aguerridos. Sua participação como “teste empírico” em modelagens matematizadas pelos
defensores de teorias funcionalistas – que enfatizam a integração social – angariou para os
métodos quantitativos em geral uma antipatia apriorística da parte dos defensores das teorias
que se opunham a estas, enfatizando o conflito social2. Independentemente do “apartheid”
metodológico, no entanto, o emprego sistemático de séries estatísticas à moda dos Annales,
fora de modelos quantitativos, tornou-se um procedimento reconhecido pela historiografia.

Nas últimas décadas, as discussões envolvendo aspectos interpretativos e textuais da produção


científica abriram dimensão adicional nessas polêmicas, que até então se travavam
primordialmente em face das oposições empírico–teórico e integração–conflito. Desde então,
seja a tradicional “âncora empírica” dos historiadores, proporcionada pelas fontes, seja o
ímpeto analítico dos cientistas sociais, mais propenso a aceitar construções teóricas –
representantes de uma realidade, mas irreais, por não corresponder a nenhum evento, pessoa
ou processo – viram-se relegados a planos secundários frente às questões semióticas. Nesse
novo contexto epistemológico, houve reação crescente à historiografia fundada na descrição
estatística. Esta reação não atacou características quantitativas do método, antes criticando a
ausência de atenção a aspectos sociais e individuais pouco propensos à quantificação. Em

1
“O historiador que dispensa a informação quantificável é tão propenso a oferecer uma visão parcial, distorcida,
quanto o historiador que acredita que só os dados quantificáveis são relevantes” .
2
Adotamos aqui a tipologia empregada por Ciro F. Cardoso em .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 1
meio às críticas pós-modernas, o antigo debate opondo métodos quantitativos aos não
quantitativos perdeu sua motivação diante da ênfase em pluralidade de construções e
“leituras” admitidas como válidas e, portanto, irrefutáveis pela produção de provas empíricas
– tarefa a que se destinavam essencialmente as estatísticas.

Mais recentemente, o anti-realismo pós-moderno vem-se mostrando suscetível a críticas que,


para aqueles mais próximos a filosofias realistas, abalam fundamentalmente seu embasamento
epistemológico, afigurando-se agora bem menos “inevitável” do que afirmam seus
propaladores . Por outro lado, muitas das práticas historiográficas desenvolvidas durante as
últimas décadas, à sombra da virtual hegemonia pós-moderna, foram assimiladas por
historiadores para quem o uso de fontes e métodos quantitativos não significa,
necessariamente, desconhecimento ou pouco caso com relação aos temas e procedimentos
discutidos durante essas décadas, incluindo destacadamente aqueles focados pela microstoria,
por vezes apagados diante dos debates epistemológicos. Comentando o exagero de certas
críticas à história baseada em informações estatísticas seriadas, João Fragoso lembrou, em
2001, que:
“Insiste-se em duvidar das investigações que procuram apreender as regularidades observáveis
e, com isso, construir quadros explicativos. Acredita-se, ainda, que essa “decrépita” abordagem
deixaria os comportamentos e o acaso, isto é, a experiência social, de fora. (...) Mas se esquece
que a apreensão de tais conflitos e solidariedades como características da vida dos grupos
sociais pressupõe o estudo da regularidade daqueles fenômenos. Somente com isso seria
possível elaborar teorias, explicar o porquê dos conflitos e do acaso no “cotidiano” dos grupos
sociais” .

Tendo a prática acadêmica, após décadas de polêmicas, chegado, talvez não a um


entendimento, mas certamente a um convívio metodológico, cabe-nos apurar em que essas
questões podem afetar a aplicação dos métodos quantitativos em história. Quiçá tal apuração
possa favorecer maior equilíbrio entre perspectivas metodológicas, eventualmente
desmontando, mesmo que parcialmente, algumas mitologias pós-modernas, a toques
estatísticos de São Tomé: eis aqui, foi assim. O assunto, contudo, requer cuidados. Como
empregar os métodos estatísticos – isto é, recursos aplicáveis a conjuntos formados por
elementos repetidos ou repetíveis – em contextos históricos, a princípio únicos e, portanto,
não repetíveis ?

Procurando evitar controvérsias desnecessárias, queremos deixar logo claro que não
pretendemos ver empregados, na história, métodos e padrões de precisão próprios às ciências
físicas ou biológicas, ou mesmo às ciências sociais matematizadas 3. Trata-se, antes de tudo,

3
Para um resumo de abordagens quantitativas em história, ver ; sobre métodos e técnicas quantitativas em
história, ; para uma exposição abrangente da oposição entre os “estilos analítico e continental”, .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 2
no quotidiano das práticas quantitativas, de evitar iludir o leitor (ou mesmo de não se iludir)
com uma precisão numérica irreal. Para isso, é preciso reconhecer e explicitar as lacunas, os
acréscimos, os erros e as dúvidas inevitavelmente embutidos em seus números, mas opacos ao
leitor. Os manuais descrevem as técnicas estatísticas, mas pouco abordam das relações entre
validade de fontes e validade dos argumentos estatísticos produzidos sobre tais informações.
Ou seja, mesmo que um conjunto de dados tabulados tenha significado estatístico intrínseco,
qual a relevância e coerência, na argumentação desenvolvida, de suas informações originais,
que foram traduzidas para estatísticas e conceitos historiográficos ?

Os métodos matemáticos se impõem, por natureza, como invariantes frente a suas aplicações.
Ora, a epistemologia da história sempre procurou distinguir a historiografia tanto das práticas
científicas nomotéticas – físicas, biológicas ou mesmo sociais – quanto, mais recentemente,
das práticas com maior conteúdo interpretativo e textual, como teoria literária ou psicanálise.
Afirma que a prática da história não pode aspirar a conteúdo teórico semelhante ao das
ciências nomotéticas ou mesmo ao das ciências sociais, por lidar, por definição, com eventos,
indivíduos e processos únicos e posicionados inarredavelmente na linha do tempo. Por outro
lado, também ficou claro, na discussão sobre o conteúdo ficcional da historiografia, que a
história se distingue do grupo das práticas mais interpretativas justamente por essa “âncora
empírica”, representada pelas fontes, que de fato oferecem aos historiadores conteúdo
objetivo, pouco maleável pelas opções “narrativas” de se fazer história4.

Em termos epistemológicos, os métodos estatísticos buscam lidar, exatamente, com as


relações entre o empírico e o teórico. Tanto nas ciências nomotéticas como nas sociais,
tornaram-se um instrumento da teorização a partir da descrição estatística. Surge daí a
questão: se tantos historiadores recusam aceitar a preeminência ou, até, a necessidade da
teoria na prática historiográfica, porque aceitariam sem qualificativos um instrumental
concebido e utilizado para “fazer teoria a partir do empírico” ?5

4
O tema é ampla e interessantemente desenvolvido em . Falando da produção historiográfica brasileira na
década de 1990, , descreve ambiente semelhante, deixando clara a sobrevivência de “maquisards realistas”: “O
ceticismo quanto às teorizações totalizantes, a opção por objetos discretos, particulares ou mesmo singulares, e a
busca por equacionamentos conceituais ad hoc seriam os traços que definiriam a maioria dos trabalhos
brasileiros recentes, traços estes bastante correlacionados às críticas provenientes da filosofia e da teoria literária
acerca da impossibilidade gnoseológica de referência ao real. Porém, não parece subsistir nenhuma dúvida
quanto a essa possibilidade, dentre os historiadores do Brasil ou alhures, que, mesmo quando infensos às
pretensões cientificistas, não abdicam da crença na capacidade das fontes documentais constituírem-se em
vestígios seguros do passado – capacidade amplamente posta em dúvida pelas críticas mais radicais, inclusive
brasileiras, segundo as quais é indiscutível o estatuto criativo e convencional do documento histórico que, tal
como o literário, gera um “fictício” e, portanto, não refere uma verdade objetiva indiferente àquela permeada por
seus efeitos de sentido.” [nosso grifo]
5
Nem precisamos nos referir aqui àqueles que, de fato, buscam a teorização e, portanto, estão em seu direito de
recorrer a ferramenta própria para isto.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 3
Existem, de fato, “zonas cinzentas”, que aproximam a história seja da teoria – através de
construções como as de inspiração marxistas ou, noutro universo, as modelagens
econométricas, seja das práticas interpretativas-textuais – através da história das idéias ou de
personae sociais, ou ainda pela utilização historiográfica de métodos interpretativos. Não
acreditamos, contudo, que isto altere as distinções fundamentais entre o núcleo da prática da
história e os núcleos das demais práticas científicas e interpretativas. Um dos resultados que
esperamos emirja dessa dissertação é mostrar que o emprego, em si, de técnicas quantitativas
não deve servir para incluir um tipo de argumentação na historiografia ou para excluí-la da
historiografia. Tal classificação decorre muito mais de como isso é feito e do uso que se dá à
informação obtida, do que dos simples fatos de serem numérica a informação e matematizado
o método de seu tratamento.

Mesmo que os métodos matemáticos e estatísticos sejam uniformes para todos, ao postular
para a historiografia um relacionamento especial entre o empírico e a teoria, não podemos
deixar de examinar as relações estendidas, por tais operações, entre as fontes e nossos
argumentos. Enquanto, nas ciências nomotéticas, se considera que a aplicação de
procedimentos estatísticos não só “não altera os dados originais” como até “identifica
regularidades científicas”, pode-se dizer o mesmo de uma prática que preza a unicidade de
seus “dados” ? Em que medida pode-se considerar “repetição” de um evento ou de um
processo o que transcorreu noutro lugar ou noutro momento, inevitavelmente dentro de outro
contexto histórico ? Cabe atentarmos, portanto, para o significado, dentro de cânones
historiográficos, de resultados obtidos pela aplicação de métodos estatísticos, que se baseiam
fundamentalmente nessa repetição.

Witold Kula abordou o mesmo problema a partir da noção de que a estatística trata de
fenômenos coletivos:
“Según la definición de Schule, ‘el método estadístico constituye un modo específico de
análisis numérico de un tipo especial de fenómenos colectivos’. Cada manual de estadística
aclara lo que se entiende por ‘modo específico de análisis numérico’, sobre todo respecto a su
contenido. Pero el concepto de fenómeno colectivo requiere ser analizado más detenidamente,
sobre todo por los historiadores.”

Segue, reforçando a idéia de conjunto: “...de tal definición resulta que el objeto del análisis
debe ser alguma conjunción, algún agregado...”, mas logo em seguida aparentemente se
contradiz: “Por otra parte, la colectividad o el agregado analizado no debe compornese de
unidades similares o por lo menos similares desde el punto de vista de la investigación.” Ou
seja: “Este agregado no puede compornese de unidades sinónimas pero tampoco de unidades
heterogéneas. Las unidades que lo componen, deben poderse adicionar en cualquier grado,

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 4
poseer algún ‘denominador común’. ” Procurando resumir a idéia de Kula, é preciso que haja
suficientes semelhanças entre as entidades para que formem um conjunto reconhecível e cuja
agregação tenha significado lógico; mas que, ao mesmo tempo, os membros desse conjunto
possam ser classificados ou ordenados segundo outra ou outras características que os
diferenciem entre si. É dessa oposição que deverá surgir a análise estatística: semelhantes
classificados, contados e ordenados segundo suas dessemelhanças.

Cabe lembrar que esta abordagem, bastante genérica, feita por Kula, historiador polonês que
escreveu principalmente durante as décadas de 1950 e 60, num contexto marxista, dá conta
tanto de categorias claramente teóricas, como classes sociais, quanto de categorias mais
reconhecidamente descritiva, como homens e mulheres, por exemplo. Ou seja, este
embasamento para métodos estatísticos é transparente a diversas opções teórico-
metodológicas.

Para a historiografia, esses comentários dizem respeito essencialmente ao elo entre as fontes e
a análise – isto é, o modo de combinar seleção de categorias, especificação de problemas e
proposição de um entendimento feito pelo historiador sobre suas fontes e sobre o corpus
historiográfico que maneja. O uso de métodos matematizados na prática historiográfica, no
entanto, depara-se com uma dificuldade adicional importante, que decorre de característica
muito própria desses métodos.

Constatamos que existe, nas técnicas quantitativas, uma gradação de complexidade lógica,
acompanhada por um distanciamento crescente entre o objeto inicial contado ou medido e os
sucessivos objetos teóricos criados matematicamente a partir daí. À medida que os conceitos
estatísticos se tornam mais abstratos e distanciados de uma realidade empírica, perdemos
noção de seu relacionamento com o conjunto inicial. Entramos logo num ambiente lógico-
matemático, onde os conceitos se sustentam uns sobre os outros e ganham sentido unicamente
a partir de seus relacionamentos lógicos com os demais conceitos. Como fazer a ponte, na
prática historiográfica, entre tais conceitos abstratos, as fontes e um discurso que seja
histórico e não puramente teórico ? Veremos que, diante da multiplicidade de situações e
contextos, uma primeira regra para nos resguardar é conhecer em detalhe, e manter nossos
leitores igualmente informados, sobre os números originais empregados, sobre os
procedimentos matemáticos aplicados a eles e sobre as inferências que fazemos a partir desses
resultados. E mais, termos claros para nós mesmos e sermos capazes de expor aos leitores
porque e como pulamos dos resultados obtidos matematicamente para essa nossa conclusão.
Não existe, por certo, receita de bolo definitiva. E, também certamente, estamos entregues a

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 5
contextos imprevisíveis. Daí o interesse renovado de sucessivas gerações de historiadores
pelas mesmas matérias.

O salto argumentativo entre conjuntos estatísticos e conclusões historiográficas torna-se


certamente problemático ao tomarmos consciência dos contextos sociais em que foram
produzidos e empregados. De fato as discussões sobre a relevância do quantitativo se
ressentem da pouca importância atribuída a duas vertentes que reputamos fundamentais.
Primeiramente, dar atenção à informação estatística enquanto instrumento de poder, isto é, ter
em mente que sua produção, o tratamento quantitativo a que é submetida a informação
original, sua forma de apresentação e o uso que se dá ao resultado fazem inescapavelmente
parte de um contexto histórico e nem sempre – seja nas fontes ou pelas mãos de historiadores
– terão surgido dentro dos estritos cânones dos manuais. Em segundo lugar, cuidar, no
quotidiano, das práticas acadêmicas relativas a questões quantitativas, que não deveriam se
esgotar pela aplicação mecânica dos ensinamentos de manuais. Cremos ser necessário que o
historiador, diante de suas fontes e criações quantitativas, busque aplicar – o que vemos pouco
hoje – o mesmo rigor metodológico e a mesma objetividade que deseja transmitir frente às
fontes não quantitativas.

Por tudo o que acabamos de elencar, é nossa proposição que a adoção de métodos
matemáticos, dentro de um raciocínio desenvolvido sobre fontes históricas, não é
necessariamente neutra com relação à argumentação historiográfica. No entanto, estes
métodos são capazes de proporcionar ao historiador um entendimento definido, e por vezes
inalcançável por outros caminhos, sobre suas fontes e, através dessa intermediação, sobre as
situações, eventos, pessoas e processos que busca alcançar. Como qualquer outra ferramenta,
física ou intelectual, os resultados que poderemos obter por seu intermédio decorrem
conjuntamente da qualidade do material, da técnica e da arte do historiador.

Além disso, cremos que a simples adaptação, ao quotidiano da prática historiográfica, das
técnicas estatísticas empregadas nas ciências sociais não possa refletir, per se, as dificuldades
e problemas próprios da história. As cautelas genéricas mencionadas nos manuais também
valem para a história, é certo, mas existem outras cautelas específicas à prática historiográfica
– isto é, à transformação de informações colhidas de fontes em argumentação histórica – que
têm escapado a essas apresentações. Apesar da relevância do patrimônio trazido pela história
serial a esta área, acreditamos que a comunidade de historiadores, após quase um século
manuseando estatísticas históricas, ainda não tenha fixado seu próprio paradigma para esses
problemas, oscilando coletivamente entre o mundo hegemonicamente econométrico da

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 6
cliometria e o completo desprezo do quantitativo.

Na história econômica, desde os estudos pioneiros de François Simiand sobre preços, na


década de 1930, houve impressionante acúmulo de pesquisas e dados, acompanhado por
aguerridas polêmicas sobre métodos. Após as décadas de liderança das práticas dos
annalistes, a microstoria trouxe novas perspectivas historiográficas, em que dados estatísticos
adquiriam inserção também renovada. Enquanto isso, a ênfase mais estritamente quantitativa,
na tradição de Jean Marczewski, desabrochada pela New Economic History e hoje em dia
visceralmente associada à modelagem econométrica, seguia caminho próprio, com objetivos,
métodos e público distintos6.

As discussões sobre método que opuseram os praticantes da história serial aos defensores de
tendências mais cliométricas pouco atingiram, entretanto, os estudos sobre demografia
histórica. O pioneiro dessa historiografia foi Louis Henry, na década de 1950, que, ao se fixar
sobre o universo dos registros paroquiais, estabeleceu um paradigma de pesquisa atual e
profícuo ainda hoje, meio século depois7 . Estas fontes, disponíveis principalmente a partir do
século XVII, mostraram-se bastante fecundas quanto a informações ausentes de estudos
tradicionais sobre população (mais focados sobre natalidade e mortalidade), tais como
padrões de nupcialidade (casamento x celibato, casamento legítimo x união ilegítima, idade
dos noivos, origem social dos noivos, naturalidade dos noivos etc.) e padrões de reposição
populacional (número de filhos, prazo intergenésico, taxa geral de reposição, efeito de
epidemias, crises demográficas etc.). Tais análises mais precisas foram possíveis, em boa
parte, graças ao caráter fechado das populações reconstituídas através do levantamento de
sucessivas gerações interligadas. No Brasil, foi Maria Luíza Marcílio a estudiosa pioneira
sobre temas demográficos dentro desta nova metodologia, com suas teses sobre a cidade de
São Paulo (1967) e, posteriormente, sobre a área rural paulista (1974)8.

Nesse amplo intervalo desde o início do século XX, os padrões quantitativos das ciências
sociais e os métodos, já bem internalizados, da história serial traçaram um balizamento que
vem sendo aplicado há décadas, embora ainda não tenham sido devidamente assimiladas

6
Merecem rápida menção alguns dos desbravadores e praticantes, majoritariamente franceses, da história serial –
Ernest Labrousse (sobre a extração de estatísticas em períodos pré-estatísticos), Pierre Vilar (sobre crescimento
econômico e moeda), Pierre Chaunu (sobre Sevilha e o Atlântico), Posthumus (sobre preços seculares na
Holanda) e Phyllis Dean e W.A.Cole (sobre crescimento econômico inglês).
7
“Muito rapidamente, os métodos de investigação aperfeiçoados – em particular, o método de reconstituição de
famílias imaginado por L.Henry, criador inesgotável de técnicas de análise estatísticas desse novo tipo de fontes
– deram à demografia histórica uma base científica sólida” .
8
Na coletânea População e Sociedade , M.L.Marcílio reúne textos que discutem estes temas e escreve
especificamente sobre os “Sistemas demográficos no Brasil do século XIX” . Sobre o Rio de Janeiro, Maria
Yedda L. Linhares e Maria Bárbara Levy realizavam então pesquisas com base nos registros paroquiais nas
diversas freguesias da cidade , em seguida reproduzidos na História do Rio de Janeiro de Eulália M.L.Lobo .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 7
algumas dificuldades inerentes aos números enquanto instrumento de trabalho em história.
Talvez só agora, após o mergulho coletivo de algumas décadas em ambientes conceitualmente
distintos e, possivelmente, mais complexos que uma simples série estatística, é que os
métodos matematizados possam voltar a ser vistos como simples instrumentos à disposição do
artífice, e não como opções quase-ideológicas, inevitavelmente (de)formadoras do resultado.
Neste papel renovado, todavia, esses métodos não devem perder sua condição de
instrumentos, cada vez mais sofisticados, é certo, e até potencialmente perigosos.

Desejamos tachá-los de perigosos por serem capazes de produzir, tanto quanto qualquer
discurso verbal, uma interpretação deformadamente pessoal da realidade, com o agravante de
esta interpretação ser mais facilmente tida como “real”, posto que alicerçada em provas
numéricas. No entanto, raramente ficam explicitados, ou melhor, embora quase sempre
fiquem escondidos seus caminhos e seus subterrâneos para a construção nessa “realidade
autoral”. O common sense pragmático de Geoffrey Barraclough, ao resenhar a discussão sobre
história quantitativa e história serial, resume olimpicamente a importância dos métodos
quantitativos em história pela oposição irônica que citamos em epígrafe a esta Introdução .

São vários os motivadores para este trabalho. Pernambuco se manteve, ao longo do século
XIX, como a quarta província mais populosa do Brasil, depois do Rio de Janeiro, corte, e das
maiores províncias do país, Bahia e Minas Gerais. Seus aspectos demográficos não
mereceram, no entanto, a atenção dedicada às demais regiões9. Além disso, a dispersão e,
principalmente, a heterogeneidade das fontes sobre demografia pernambucana do período
dificultam a utilização de muitas delas pela maioria dos historiadores. Não existem estudos
que reúnam, para o período, um leque abrangente de informações estatísticas. Há três décadas,
esta necessidade tem sido suprida principalmente pelas tabelas pioneiras de Peter Eisenberg,
apesar de suas lacunas e heterogeneidades pouco claras. Por outro lado, vemos Caio C.
Boschi, ao tratar recentemente da produção sobre história econômica colonial, considerar que
tem havido poucos estudos sobre o tema, principalmente a partir de um enfoque
macroeconômico, devido à “ausência de fontes documentais seriadas, documentação que
tenha seqüência, sobretudo cronológica”, citando as “dificuldades, inclusive metodológicas,
9
“Percebe-se, entretanto, uma centralização das pesquisas [sobre demografia] no sudeste e sul do país, mais
contemplados com estudos do que, por exemplo, a região nordestina, indiscutivelmente a principal área
econômica do período colonial brasileiro” . São exceções recentes os trabalhos de que revêem a questão da
população cativa no Agreste e no Sertão. O clássico estudo de lista diversas fontes, mas não chega a comentá-las
criticamente, nem oferece dados sobre todo o período. A tese de discute os levantamentos populacionais de 1782
e 1788, ao tratar dos séculos XVII e XVIII. As dissertações de mestrado em história de reúnem informações
demográficas sobre Pernambuco disponíveis em fontes secundárias ao tratar da evolução econômica de
Pernambuco, empregando basicamente o estudo de Peter Eisenberg.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 8
para elaborar tais séries” . A reunião sistemática de diversas fontes poderá, sem dúvida,
agregar conhecimento novo ao completar lacunas temporais nessas séries e ao avaliar
criticamente valores conflitantes, procurando apontar os mais plausíveis e defensáveis.

É também comum vermos os dados disponíveis serem citados e re-citados, muitas vezes sem
uma compreensão (ou sem esclarecimento ao leitor) de suas limitações de origem. Vemos este
aspecto como particularmente relevante, pois estabelece uma cadeia de validação de
informações por vezes falhas em seu embasamento ou até desencaminhadoras da análise. Ao
serem repetidas, tornam-se aceitas como padrão do estado atual do conhecimento, afastando e
dificultando possíveis críticas às fontes originais ou aos procedimentos empregados para sua
construção.

Completamos o trabalho de reunião, organização e comentário das fontes com uma


modelagem – algo aparentemente além dos limites da historiografia, mas que propomos seja
visto como exemplo de que métodos quantitativos empregados com cuidados próprios de
historiador podem contribuir para a historiografia.

As relações demográficas prestam-se eminentemente a um tratamento matemático, em que


uma população qualquer, contada em certo momento, pode ser decomposta entre membros
existentes ali num outro momento anterior, menos membros que deixaram a população entre
esses dois momentos, por falecimento ou outros motivos, mais membros que entraram para a
população nesse mesmo período, isto é, pessoas que ali nasceram ou chegaram àquela
população por outros caminhos. As fontes estatísticas sobre população em Pernambuco
incluem informações dispersas e heterogêneas sobre todos esses grupos. Ao incluir os dados e
relações disponíveis num modelo matemático adequado, resultará uma estimativa
demográfica que terá incorporado a gama de informações existentes nas fontes conhecidas e,
além disso, que oferece estimativas necessariamente coerentes com todo o conjunto.

A importância e, até, a necessidade de recurso a uma modelagem matematizada explicam-se


pela situação atual de heterogeneidade e incompletude das fontes. Como reunir dados
esparsos num corpo logicamente coerente de informação ? Como melhorar a qualidade
historiográfica desse conjunto pela integração das informações sobre os múltiplos aspectos
demográficos ? Os instrumentos usuais da historiografia permitem que relacionemos as
fontes, façamos a triagem das informações e criemos, com isso, um mosaico de números
dispersos. Resta integrá-lo num conjunto que supra simultaneamente os requisitos de (a)
preencher os escaninhos vagos e (b) aproveitar ao melhor as inúmeras informações tidas por
confiáveis. Podemos nos valer aqui do comentário de Pierre Chaunu de quase meio século

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 9
atrás (1960): “... o historiador não conhece diretamente o que pretende conhecer... quase todo
conhecimento do passado é necessariamente artificial.”10

Merrick e Graham11 distinguem três tipos de estatísticas históricas sobre a população


brasileira do século XIX: a) as que foram produzidas na época, com base em registros
eclesiásticos e censos coloniais; b) as estimativas modernas baseadas em novas fontes; e c)
séries retrospectivas preparadas com técnicas demográficas modernas. Imaginamos que este
trabalho se insira em ambas as categorias contemporâneas: usa um arcabouço geral baseado
em técnicas demográficas matematizadas e incorpora coerentemente o maior número de
informações de época disponíveis. Procura, no entanto, fugir a um dos objetivos usuais de
estudos demográficos e atuariais, que é homogeneizar as estatísticas, mesmo que por períodos
ou categorias, para extrair “regularidades”, enunciáveis como fatos demográficos.
Contrariamente, desejamos considerar e incluir em nossa modelagem tantos fatos
heterogêneos ou discrepantes quantos estiverem registrados, para montar um retrato
quantitativo da população de Pernambuco que reflita as principais flutuações e movimentos
ocorridos durante o século XIX.

Cabe aqui um comentário sobre os estudos de demografia histórica referidos mais acima, que
privilegiam o que poderíamos chamar de “microdemografia”, já que buscam a reconstituição
e um entendimento sobre a dinâmica de famílias e grupos sociais, fazendo uso de registros
paroquiais, inventários post-mortem e outras fontes que individualizam informações sobre
etapas da vida de cada pessoa . Tais populações são analisadas como grupos fechados, sobre
os quais há informações genealógicas que permitem a reconstituição de famílias e o cálculo
de múltiplas estatísticas demográficas precisas sobre elas. Além da análise puramente
demográfica, estes resultados permitem estudos mais abrangentes sobre, por exemplo,
endogamia social ou diferenciação por categoria social. Nas palavras de André Burguière:
“O interesse essencial dos registros paroquiais consiste em modificar a natureza da informação
estatística. (...) As informações mais originais e mais preciosas que é possível extrair das fichas
de família, as estatísticas de fecundidade, dão, ao contrário [de outras estatísticas], a impressão
de uma passagem direta, graças à linguagem matemática, de uma realidade manifesta a uma
realidade secreta, dos comportamentos aos motivos” .

Vale lembrar aqui que não adotamos, neste trabalho, perspectiva de história social, em que as

10
“On a parfois opposé, sur le plan méthodologique, et à tort, évidemment, histoire statistique et histoire
traditionnelle. Nos démarches, en réalité, sont identiques, si nos prétentions sont différentes. L’histoire est de
toute manière una connaissance médiate. L’historien ne connaît pas directement ce qu’il prétend connaître. On
ne pourra donc nous opposer la supériorité des méthodes éprouvées de l’histoire traditionnelle, au nom de ce
qu’il faut bien appeler le complexe de la donnée immédiate; presque toute connaissance du passé est,
nécessairement, artificielle” .
11
Merrick, T.W. & Graham, D.H. População e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Ed.,
1981, citado em .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 10
estatísticas demográficas são usadas com fonte para uma análise de comportamentos e
composição de grupos, possivelmente representados num modelo demográfico explicativo.
Restringimo-nos à identificação e crítica de fontes, seguidas da estimação do tamanho da
população total, organizada em macro-séries que individualizam os grandes contingentes
populacionais de Pernambuco do dezenove: livres e escravos, nas suas 4 regiões geográficas –
no que poderíamos, analogamente, chamar de “macrodemografia”.

Estes contingentes são escancaradamente abertos, sendo os principais determinantes para seu
tamanho justamente os fluxos de entrada e de saída (tráfico de escravos e migrações de
livres), em oposição aos fluxos naturais de nascimentos e mortes. As dificuldades de obtenção
desse tipo de estatística são importantes, mas as conseqüências de não dispor destas
informações são fatais para um entendimento da demografia de uma província brasileira no
dezenove. Mesmo de posse de informações suficientes para reconstituir a macro-composição
e a evolução demográfica da província, ainda será preciso respeitar as relações lógicas de sua
constituição, decorrentes das próprias definições dos fluxos demográficos: nascimentos,
mortes, entradas e saídas. Por esta razão, torna-se essencial uma modelagem demográfica que
mantenha esta lógica de definições. Ressaltamos, mais uma vez, que não se trata aqui de
modelagem explicativa, mas somente de uma modelagem auxiliar para a organização dos
dados existentes.

Antes de descrever e analisar a modelagem realizada, examinamos os percalços da produção


de estatísticas provinciais, apontando a multiplicidade de estruturas hierárquicas envolvidas e
seus interesses conflitantes como principal pano de fundo para o entendimento dessa
produção. Mencionamos também as muitas reações populares e institucionais às contagens e
censos, bem como às regulações do governo central sobre o registro civil.

Em seguida, passamos rapidamente sobre os diversos movimentos demográficos, tanto sociais


como biológicos, que afetaram o tamanho, a distribuição geográfica e a classificação da
população de Pernambuco durante nosso período de estudo: natalidade e mortalidade,
migrações intra- e interprovinciais, tráfico e alforria de escravos, imigração e naturalização de
estrangeiros. Esperamos que estes relatos sejam suficientes para convencer o leitor da
necessidade de uma revisão abrangente nos números esparsos e pouco coerentes usualmente
encontrados na historiografia. Desejamos, além disso, que o método de proceder proposto
possa igualmente convencê-lo da inevitabilidade de uma abordagem matematizada para
realizar esta tarefa.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 11
<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 12
Províncias do nordeste do Brasil, com Pernambuco ainda englobando a Comarca do São Francisco
(Detalhe de mapa publicado por R.M.Martin e J&F Tallis, Nova Iorque, 1851;
desenho e gravação de J.Rapkin)

Fonte: David Rumsey Historical Maps

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 13
CAP Í TULO I
A PRODUÇÃO DE ESTATÍSTICAS DEMOGRÁFICAS

1 OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS

2 REAÇÕES A RECENSEAMENTOS

3 DIFICULDADES CONCEITUAIS

3.1 A DEFINIÇÃO TERRITORIAL

3.2 FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL

3.3 ASPECTOS TAXONÔMICOS

4 ALGUMAS FONTES PARA DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA


DO SÉCULO XIX

4.1 PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS

4.2 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824

4.3 LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 ATÉ 1871

4.4 O CENSO DE 1872 E DADOS POSTERIORES

4.5 PANORAMA DAS AVALIAÇÕES POPULACIONAIS

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 14
1. OS PRODUTORES DE ESTATÍSTICAS

“Pouco acostumados á estes trabalhos os Empregados Publicos


deixão quazi sempre, sob diversos pretextos de cumprir as
ordens que lhe são expedidas para a organisação ao menos de
certas partes da statistica geral, não obstante ser esta uma das
attribuições dos seus respectivos Cargos, certos como estão de
que a authoridade se cançará de ordenar.”
– Francisco do Rego Barros, Presidente de Pernambuco,
Fala à Assembléia Legislativa Provincial, 1838

A primeira tentativa de recenseamento do Brasil, no século XIX, decorreu de decisão do


governo português em 1808, possivelmente dirigida para expandir a milícia, da qual se
conhece o resultado agregado de 4 milhões de habitantes 12. Em 1819, em relatório preliminar
à criação de novos arcebispados, o conselheiro Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira
apresenta uma população brasileira de menos de 4,4 milhões, aí incluídos 800 mil “índios
bravios”, o que Souza e Silva argumentou posteriormente ser fortemente subestimado,
avaliando a realidade em pelo menos 6 milhões de habitantes.
Durante o meio século entre a independência e a realização do recenseamento geral de 1872, a
produção sistemática de estatísticas populacionais amargou um longo recesso no Brasil.
Apesar das tentativas determinadas em 1829 e em 1850, não foi possível estruturar nem
executar levantamentos de âmbito nacional durante esse período . Em âmbito provincial,
houve alguns recenseamentos mais abrangentes e sistemáticos, mas os levantamentos sobre
Pernambuco durante o século XIX não podem ser incluídos nestes casos13. Durante as
primeiras sete décadas do século, enquanto os governos provinciais obtinham levantamentos
pouco fidedignos, viajantes, diplomatas, funcionários públicos e políticos propuseram
estimativas de precisão talvez por vezes mais acurada. Apesar das falhas dos primeiros
12
Aviso de 16/03/1808 expedido por D.Rodrigo de Souza Coitinho, depois Conde de Linhares, então ministro
dos Negocios da Guerra . “Four millions is also the total reported by the Minister of War in 1808 upon the
completion of a general census of Brazil by the newly arrived government of John IV. The details of that census
have never been revealed, but one student [Oliveira Vianna] considers the reported figure to have been a
deliberate exaggeration intended to facilitate the crown’s efforts to increase the size of the colonial militia, and
contrasts it with the much lower sum included in an anonymous report dated some years later which gives
Brazil’s population in 1808 as only 2,473,641” .
13
Contrariamente, Dauril Alden considera que, dos levantamentos coloniais das últimas décadas dos setecentos,
o de Pernambuco seria talvez o mais completo “The census of 1782 is in some ways the most complete
demographic record available for any part of Brazil, and was included in a long economic report sent to the
crown in that year. The data appear to derive mainly from the mid-1770’s...” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 15
censos, as informações sobre o tamanho da população só vieram a adquirir uma
confiabilidade mínima com os recenseamentos gerais, em 1872, 1890 e 1900.

Durante o período colonial, as estruturas eclesiástica e militar foram incumbidas de listar e


contar a população. lembram que
“No caso do Brasil, e muito particularmente no período colonial, a administração eclesiástica
precedeu em muito as estruturas administrativas civis. (...) Decorria...com naturalidade que o
poder público recorresse aos párocos para obter informações e serviços de que necessitava,
compondo-se, assim, a estrutura básica do padroado. Desta forma, a administração pública, de
cunho civil, confundia-se claramente com a estrutura administrativa da Igreja, onde a área de
atuação dos párocos era bastante bem definida, impondo-se que as áreas de administração
religiosa fossem tomadas como unidades básicas da administração pública.”

Joaquim Norberto de Souza e Silva, em seu relatório sobre os recenseamentos havidos no


Brasil até então, aponta a estrutura eclesiástica como a primeira a servir como rede de coleta
de informações demográficas:
“O que hoje seria de difficil execução, não o era tanto para aquelle tempo, em que toda a
população era conhecida pelas listas das desobrigas das freguezias. Orçava-se então o número
dos habitantes pela designação de commungantes ou freguezes, limitando-se unicamente à
communhão catholica, como observa Roberto Southey, na sua History of Brasil (sic)” .

No entanto, conforme adverte o conselheiro João Manoel Pereira da Silva, já se depositava


pouca confiança nesses levantamentos:
”Confiavão [os bispos] nos parochos para os arrolamentos de seus districtos pastoraes. Incluião
elles com exactidão os moradores que conhecião e que procuravão os seus serviços espirituaes,
e lhes pagavão os emolumentos a que tinhão direito. Formavão hypotheticamente o resto do
calculo” .

Souza e Silva afirma que havia sistemática subcontagem, por omitirem os menores de 7 anos
(não relacionados nas listas de desobriga pascal) ou as tropas pagas, e que ainda “...deve-se ter
presente que os vigarios, de commum accôrdo com os capitães móres, diminuião o numero da
população para obstarem a divisão das freguezias...”14 Havia, sem dúvida, dificuldades
bastante objetivas para realizar os levantamentos populacionais: longas distâncias, viagens
penosas, chefes de família recalcitrantes e um número excessivo de pessoas, de hierarquias
distintas, envolvidas. Além desses problemas, Dauril Alden lembra que “a compilação de
relatórios precisos talvez excedesse a competência técnica da burocracia portuguesa”, à
semelhança do que acontecia com as espanholas e inglesas. O único país que possivelmente
então tivesse tais condições teria sido a Suécia . O próprio governo português não teria
confiança nos levantamentos organizados pela estrutura eclesiástica. Ainda nas palavras de
Alden: “...a coroa estava dissatisfeita com os resultados de censos eclesiásticos anteriores e,
14
Na população de 207 mil da Comarca (eclesiástica) de Olinda, listada em “Mapa que mostra o numero dos
habitantes das quatro capitanias deste governo...” de 1782, incluindo as freguesias de Alagoas, conforme
apresentada por , calculamos uma proporção de 25% do total de habitantes abaixo de 7 anos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 16
portanto, determinou às autoridades seculares que assumissem os futuros levantamentos”15.

Sendo exatamente a paróquia o local para onde convergiam os momentos definidores da vida
oficial dos cidadãos – seu início, com o batismo, e seu fim, com o enterro em terreno
consagrado – era a caprichosa estrutura eclesiástica, também subordinada às presidências das
províncias, o alvo de grande parte dessas reclamações. Escapavam ao controle da Igreja os
protestantes em geral, tendo como contrapartida a impossibilidade de obterem os ritos
religiosos associados a esses momentos fora das instâncias – igrejas e cemitérios – criados a
partir da chegada da corte joanina. O depoimento do pastor Kidder, falando sobre o cemitério
norte-americano de Salvador, é esclarecedor:
“Não somente os súditos britânicos se beneficiam dessa louvável atitude do governo inglês.
Protestantes de todas as nacionalidades, especialmente cidadãos norte-americanos, devem
grande soma de obrigações à colônia inglesa, pelo fato de freqüentemente facilitar, esta última,
o enterramento de seus mortos. Não fora a cortesia dos ingleses, os nossos conterrâneos ver-se-
iam embaraçados, principalmente em países essencialmente católicos, quando tivessem que
realizar funerais” .

Além dos protestantes, fugiam a essa estrutura católica índios “bugres”, africanos não
batizados e quilombolas, todos de fato inexistentes como população para a burocracia
brasileira16. Depois de historiar os registros paroquiais, desde sua criação pelo Concílio de
Trento, Maria Luíza Marcílio lembra que “O estatuto do Padroado Régio no Brasil até pelo
menos a Constituição Republicana (...) deu aos Registros Paroquiais uma cobertura
praticamente universal da população brasileira (...)” .

Generalização semelhante aventada por de que “tanto a Igreja Católica com o Corpo Militar
possuíam uma organização institucional suficientemente preparada para a realização da tarefa
pretendida pela Coroa, isto é, relacionar em cada ano, nominalmente, todos os habitantes do
domicílio (...)” apesar de colidir com as restrições mencionadas mais acima, poderia ser
eventualmente verdadeira para a corte e outras capitanias, mas de fato não pode ser aplicada a
Pernambuco.

Nos diversos relatórios apresentados pelos presidentes de Pernambuco à Assembléia


Legislativa Provincial ao longo do século XIX, aparecem inúmeras estatísticas sobre efetivos
militares, estruturas e processos judiciais, além de detalhes sobre orfanatos, hospitais e
escolas. Vacinações e doenças também ganham particular destaque, principalmente em vista
15
“...the crown was dissatisfied with the results of previous ecclesiastical censuses and therefore directed secular
authorities in Brazil to take charge of future enumerations” .
16
Gilberto Freyre, no mapa-diagrama incluído em seu Ingleses no Brasil, intitulado “Pontos do Brasil onde os
ingleses primeiro se instalaram depois da abertura dos portos (1808)” coloca cemitérios em Belém, São Luis,
Recife, Salvador e Rio de Janeiro . O relatório do Ministro dos Negócios do Império para o ano de 1853 cita as
estatísticas de óbitos, inclusive de estrangeiros enterrados nos cemitérios da corte, excetuando explicitamente
aqueles sepultados no Cemitério dos Ingleses, sobre os quais não oferece informações .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 17
das recorrentes epidemias sofridas pela província, no entanto são bem menos freqüentes as
estatísticas sobre população, sua natalidade e mortalidade17. Podemos buscar nas estruturas
burocráticas responsáveis pelos levantamentos estatísticos uma primeira explicação para essa
ausência.

Ao longo do Império, os governantes de Pernambuco reclamaram regularmente da


displicência de seus subordinados, que, sendo testemunhas ex oficio de eventos cuja
compilação era de interesse do governo, não se mostravam confiáveis nem como geradores
dos registros primários, nem como produtores das estatísticas. Esta incapacidade (ou recusa)
dos funcionários de seguir instruções explícitas, mesmo que só dissessem respeito a seus
restritos domínios burocráticos, impediu a compilação regular e confiável de estatísticas
agregadas para a província. O contexto mais amplo dessas dificuldades remete, sem dúvida,
aos embates entre as múltiplas estruturas burocráticas (a politico-administrativa, a
eclesiástica, a judicial, a policial, a militar) e, atravessando essas mesmas estruturas, entre os
divergentes interesses de segmentos sociais.

É ilustrativa a impotência de Francisco do Rego Barros, presidente de Pernambuco, em sua


fala por ocasião da abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 1838:
“STATISTICA – He este, Snrs., um dos ramos da Sciencia Administrativa, que mais em atraso
se acha em nossa Provincia, e que entre tanto muito deve coadjuvar o Governo em suas
providencias. Pouco acostumados á estes trabalhos os Empregados Publicos deixão quazi
sempre, sob diversos pretextos de cumprir as ordens que lhe são expedidas para a organisação
ao menos de certas partes da statistica geral, não obstante ser esta uma das attribuições dos seus
respectivos Cargos, certos como estão de que a authoridade se cançará de ordenar” .

No relatório do ano seguinte, Rego Barros demonstra seu correto entendimento do que seriam
estatísticas úteis ao governo e nomeia os inoperantes responsáveis diretos por sua produção:
“A reconhecida necessidade de uma Statistica provincial, e as difficuldades com que o Governo
luta para organisal-a do melhor modo possível, me obrigão a pedir segunda vez os necessarios
meios para a confecção de uma obra de tanta magnitude sobre as bases, que vos forão
apresentadas no passado Relatorio. O Governo Provincial deo aos Vigarios e Juizes de Direito
os modellos dos mappas, que deverião remetter, os primeiros de todos os casamentos, obitos e
baptisados, que tiveram lugar em suas Freguesias, e os segundos de todos os Reos (...) a fim de
que, sendo uniformes os mappas, podessem ser organisados os Mappas Geraes com as
indicações, que forão julgadas necessarias. ”

Dois anos depois (no início de 1841), talvez descrente na capacidade da sua estrutura oficial,
contrata com o secretário da província, Figueira de Mello, a feitura das estatísticas tão

17
Foram consultados os relatórios a partir de 1838, quando se inicia a série disponibilizada pelo Brazilian
Government Document Digitization Project do Center for Research Libraries (www.crl.edu). Este site ficou
indisponível de novembro de 2004 a março de 2005, o que atrasou bastante as pesquisas. O quadro ao final desta
seção lista os relatórios de Presidentes da Província em que são mencionadas estatísticas populacionais.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 18
almejadas18. Em seu último relatório como presidente (1844), Rego Barros (já Barão da Boa
Vista), após o recorde de 7 anos como presidente da província, relata que concedeu a Figueira
de Mello prorrogação de mais um ano em seu contrato para que pudesse concluí-la, já que
este ocupava, na época, a presidência da província do Maranhão 19. Seu sucessor decide por
nova prorrogação, de 2 anos agora, alegando que “as continuadas occupações deste
Empregado o tem inhibido de cumprir o seu contracto dentro do tempo marcado”, mas
também por “lhe não haverem sido subministrados todos os esclarecimentos por elle pedidos”
. O funcionário público, individualmente contratado para produzir a estatística oficial da
província, continua na dependência da estrutura de governo para as informações locais e de
funcionários que “nenhum zelo ... põem em sua confecção...”.

Em 1845, quatro anos depois de sua assinatura, a Assembléia Provincial resolveu buscar a
rescisão judicial do contrato com Figueira de Mello, o que, contudo, lhe foi negado pela
justiça . Neste mesmo ano, aparece longo artigo no Diário de Pernambuco, com autor
anônimo, dissertando sobre a população provincial e suas estimativas, transcrito do jornal
Minerva Brasiliense, publicado no Rio de Janeiro. Seu autor foi sem dúvida Figueira de
Mello, pois o texto corresponde precisamente ao do seu estudo, publicado em 1852 . É
interessante constatarmos que um dos criadores do Minerva Brasiliense, Joaquim Norberto de
Souza e Silva, iria escrever, nas décadas seguintes, importantes estudos sobre estatísticas
populacionais, inclusive o relatório que se tornou uma das principais referências brasileiras
sobre recenseamentos gerais, onde, na seção sobre Pernambuco, transcreve integralmente o
texto de Figueira de Mello, a quem atribui “erudição e conhecimento na materia”20.

Apesar da divulgação do artigo de jornal quatro anos antes, o trabalho é dado oficialmente
como concluído em 1849, mas ficou sem ser publicado, possivelmente engavetado por
presidentes menos interessados no tema (ou espicaçados pelo “furo” do Diário), já que em
1850 o autor ainda reclama sua publicação, prevista no contrato. É finalmente publicado em
18
“Com o Secretario da Provincia contratei a confecção de huma Statistica na parte tão somente civil, e politica,
e segundo hum programma, que lhe foi dado, vencendo elle a quantia de rs.4:000$000, consignados na Lei
Provincial Nº87, Art.36, e ficando a obra sua propriedade. He de esperar que os seus trabalhos mereção a
approvação dos homens, que se interessão pelo progresso dos conhecimentos statisticos do Paiz.” Conforme
relata Maria Luíza Marcílio, houve contratações semelhantes em São Paulo (1836) e, posteriormente, em
Alagoas (1856) . Neste texto, no entanto, a autora não menciona Pernambuco.
19
“Estando á findar-se o prazo, em que devia ser apresentada a Estatistica d’esta Provincia, requereo o
encarregado d’ella uma prorrogação. Attendendo á gavidade da commissão, que lhe foi incumbida pelo Governo
Imperial, ha mais de um anno, e ao nenhum tempo, que resta ao Presidente de uma Provincia consideravel, como
a do Maranhão, para empregar-se em qualquer outro objeto, e ainda menos na Estatistica civil, e politica de outra
Provincia mais populosa, concedi-lhe um anno de prorrogaçao para ultimar tão importante trabalho, cuja falta,
em geral, até hoje sente todo o Brasil” . Figueira de Mello apresentou o relatório da presidência do Maranhão em
7/9/1843, mas já não mais exercia o cargo em junho de 1844.
20
. Outros dos criadores do Minerva Brasiliense foram Francisco de Salles Torres Homem e Francisco
Bernardino Ribeiro .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 19
1852, tornando-se desde então referência essencial sobre o assunto21.

A sistemática dificuldade para reunir informações completas sobre toda a província é notória.

No levantamento provincial promovido em 1838, o relatório dá uma população total de pouco


mais de 289 mil habitantes. Figueira de Mello, que, na qualidade de secretário da província,
assinava o resultado desse levantamento, criticou, comarca a comarca, os dados subestimados,
chegando à conclusão de que a população de Pernambuco na realidade não poderia ser menor
do que 620 mil !22

No relatório dos Negócios do Império de 1848, o Ministro escreve:


“População – Subsistem ainda todas as difficuldades que de ha muito obstão á organisação de
hum quadro estatistico da população do Imperio, e seria ocioso enumera-las, tendo-o feito os
Relatorios anteriores. De raras Provincias tem vindo alguns trabalhos que se approximem á
exactidão; de outras, e entre estas a mais populosa do Imperio, nenhuns dados se tem recebido,
taes são as de Minas, Pernambuco, S.Paulo, e Ceará; da Bahia ha apenas o arrolamento de 14
dos seus 60 Municipios; finalmente do proprio Municipio da Côrte apenas possue a Secretaria o
censo da população que vos foi apresentado em 1838” .

No relatório de 1851, o Presidente José Ildefonso de Souza Ramos relata o resultado de


levantamento que havia solicitado aos párocos. Das 45 freguesias requeridas, não havia obtido
resultado de 10, todas localizadas no Sertão (Comarcas de Flores e Boa Vista) . São alguns
exemplos das dificuldades crônicas associadas à produção estatística na província.

O quadro seguinte indica os poucos relatórios de presidentes da província de Pernambuco, ao


longo do Império, que contêm algum tipo de informação demográfica.

Quadro 1 – Existência de estatísticas populacionais referentes ao Recife ou a Pernambuco


nos relatórios dos presidentes da Província de Pernambuco (1838 a 1888)

PE = dados referentes à província de Pernambuco


Cemitério = dados sobre sepultamentos no cemitério público do Recife
Recife = dados sobre a capital, mas sem menção ao cemitério

ANO População Batismos / Óbitos ANO População Batismos / Óbitos

21
“Tendo o dezembargador Jeronymo Martiniano Figueira de Mello concluído o trabalho, de que fora incumbido
pelo contracto celebrado em 27 de fevereiro de 1841 em virtude da lei provincial n.87 de 6 de Maio do anno
anterior, e recebido em 23 de Junho de 1849 o premio ajustado, reclama o cumprimento do art.3º do contracto na
parte em que dispõe que a impressão da obra seja feita á custa dos cofres provinciaes.” Mello, J.M.Figueira de.
Ensaio sobre a estatistica civil e politica da Provincia de Pernambuco. Recife: Typ. de M.F. de Faria, 1852.
escreve que “This book was never published. After the proofs were prepared, the printer’s blocks were destroyed
in a fire. A copy of the proofs, with the author’s corrections, can be consulted in the library of the Colégio
Estadual, Rua da Aurora, Recife, Pernambuco.” [“Este livro nunca foi publicado. Depois de preparadas as
provas, as formas foram queimadas num incêndio. Uma cópia dessas provas, com as correções do autor, pode ser
consultada na biblioteca do Colégio Estadual, na rua da Aurora, Recife, Pernambuco.”] O relatório de Souza e
Silva (1870) também transcrece o texto de Figueira de Mello. Não podemos apurar mais sobre o assunto.
22
“Mappa Statistico da População da Provincia de Pernambuco no Anno de 1838” em e .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 20
Casamentos Casamentos
1838 1864 Recife
1839 PE 1865
1840 1866 Img/Exp(c) Recife
1841 1867 PE? (d)
1842 1868 Recife
1843 1869 Cemitério
1844 1870 Cemitério
1845 1871
1846 PE 1872
1847 1873 PE-Censo
(e)
1848 1874 PE-Censo Cemitério
1849 1875 Cemitério
1850 1876 Cemitério
1851 PE (a) PE (a) PE (a) 1877 Cemitério
1852 Cemitério (b) 1878
1853 Cemitério 1879
1854 1880 (f) (g)
1855 Cemitério 1881 (g)
1856 Cemitério 1882 (f)
1857 Cemitério 1883 (f) PE? (d)
1858 1884 (f)
1859 PE PE Recife+PE 1885 (f)
1860 1886 (f)
1861 1887 (f)
1862 1888 (f)
1863
Fonte: Diversos relatórios dos presidentes da Província de Pernambuco, disponíveis em http://brazil.crl.edu
Nota: (a) Números parciais referentes ao total de 45 das 55 freguesias. (b) Existe menção ao início de enterros
no cemitério, no relatório de 1852. (c) Números de imigrantes e emigrantes; dados sobre exportação de escravos
para outras províncias na década anterior. (d) Não fica claro se os dados se referem à província ou somente à
capital. (e) Dados parciais do recenseamento. (f) Número de estrangeiros entrados e saídos da província. (g)
Número de escravos existentes e respectivas quotas do fundo de emancipação.

E mais, em quadros demográficos apresentados no relatório referente a 1857, não há


informações sobre mortes em 12 dos 25 municípios da Província, incluídos entre os ausentes
Recife e Olinda. Em compensação, somente 2 municípios não apresentam estatísticas sobre
batizados . No relatório do presidente de 1859, novo levantamento provincial é apresentado,
cobrindo 59 freguesias em 14 comarcas, sendo que não há estatísticas sobre 14 dessas
freguesias .

A partir de meados do século, a criação de cemitérios públicos (tratada na seção 6.1),


inicialmente no Recife e logo em seguida por toda a Província, inicia a centralização
administrativa das estatísticas de falecimentos fora da responsabilidade das paróquias. A

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 21
exigência de registro para todo nascimento e óbito (bem como dos casamentos), estabelecida
em 1851 e motivadora de diversas reações, em especial no Nordeste, veio concluir esse
processo de criação de arcabouço legal para a compilação de estatísticas um pouco mais
completas e confiáveis sobre natalidade e mortalidade. A definição precisa do número
absoluto de habitantes, no entanto, continuaria a aguardar a realização do censo.

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UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 22
2. REAÇÕES A RECENSEAMENTOS

“O poder central atrela as influências locais, armadas com a


polícia e a justiça. ao comando de seus agentes.(...) Sobre os
sertões e os campos desce a espada imperial, estruturada, na
cúpula, num mecanismo estável de governo, mecanismo superior
às mudanças de gabinete. Toda a autoridade se burocratiza – do
inspetor de quarteirão ao ministro –, articulada hierarquicamente
de cima para baixo. Os poderes privados, emergentes das
fazendas, são eliminados, confundidos com a anarquia.”
– Raimundo Faoro, Os Donos do Poder, 1957

Raymundo Faoro localiza em 1850 “o auge da centralização imperial”, mostrando como isto
se deu às custas do poder das províncias, sustentado por “duas colunas”: o Conselho de
Estado e a reforma do Código do Processo Criminal, em 1841 . Embora acessórios a este
macro-processo, os aspectos de controle desempenhados pela coleta sistemática de
informações não podem ser esquecidos desse contexto. Em muitos movimentos de revolta
durante o Segundo Reinado, este tipo de ação do estado se tornou objeto específico de
contestação: destruição das instruções oficiais para o registro civil, em meados do século,
ataques a cartórios nos Quebra-quilos e queima de documentos sobre alistamento militar nos
episódios de Rasga-listas . Dentre esses aspectos, dizem diretamente respeito ao nosso tema a
questão do registro civil e dos recenseamentos gerais.

Embora Paulino José Soares de Souza, em relatório como Ministro dos Negócios do Império,
tenha considerado que “nos tempos coloniaes não se deixava de dar attenção ao censo da
população, que era levado a effeito sem opposição dos povos, apezar do imposto de capitação
existente em algumas capitanias”, os testemunhos em contrário são vários. Além das
dificuldades de caráter organizacional dos governos, é fácil imaginar que recenseamentos e
listagens de iniciativa governamental efetivamente levantassem suspeitas de toda ordem,
desde o recrutamento obrigatório, nos anos de agitação militar do início do Império, à
verossímil possibilidade de imposição de tributos, principalmente sobre escravos. Em 1845, o
próprio Figueira de Mello, no seu artigo anônimo, lembra que
“E nem era de admitir que os mapas oficiais deixassem de apresentar tão diminuta população,
já pelo nenhum zelo que põem em sua confecção os indivíduos deles acidentalmente
incumbidos, e já porque nesse tempo tinham os pais de família receios de darem ao censo os
seus filhos capazes de assentarem praça, e os senhores de engenhos os seus escravos, por se ter
espalhado a notícia de que se pretendia lançar sobre estes um tributo” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 23
As dificuldades verificadas em Pernambuco para a confecção de estatísticas populacionais
espelharam dificuldades equivalentes em outras províncias. Maria Luíza Marcílio, discutindo
os fracassos de projetos nacionais para contagem da população, lembra que:
“No plano regional, no entanto, projetos de recenseamentos foram concretizados. Alguns
presidentes provinciais, cônscios da importância dos censos e não podendo contar com o rigor e
honestidade de muitos chefes de polícia, juízes de paz e párocos, todos preocupados com
assuntos eleitorais, contrataram um indivíduo mais habilitado e com salário especial para se
desincumbir das tarefas de planejamento e organização provinciais” .

É certo que a combinação desses fatores levou à ausência quase total de informações. Ainda
nas palavras de Paulino Soares e Souza, quase meio século depois de 1822:
“Depois da Independencia cessou esse serviço [listagens pelas administrações ecclesiásticas e
judiciais]. Ha provincias em que de então até hoje não mais se procedeu a arrolamento algum;
algumas em que se mallográrão as tentativas nesse sentido; outras em que se conseguiu algum
resultado, mas incompleto” .

Comprovada a inépcia (ou recusa) das estruturas eclesiástica, policial e da justiça em


promover os levantamentos e manter os registros necessários à confecção das estatísticas,
constata-se a concomitante incapacidade de o próprio governo obrigá-las a isso 23. A mudança
de foco, dos recenseamentos com objetivo de recrutamento ou imposição tributária, para o de
determinação de quocientes eleitorais, certamente também contribuíu para o estabelecimento
de uma nova burocracia encarregada das estatísticas populacionais24.

Previu-se, como base jurídica para uma nova estrutura, o registro de nascimentos, casamentos
e mortes, decretado em junho de 185125. Sem dúvida imersas no clima geral de revolta que
marcou essas décadas, surgiram diversas sublevações contra o novo controle, com motivações
múltiplas, que incluíram até temores “que o predito Decreto tinha por fim escravisar os
homens de côr” . Fábio F.Mendes resume os distúrbios assim:
“A tentativa de laicização dos registros de nascimentos, casamentos e óbitos provocará
resistências veladas em certas regiões, violentas em outras. Ela será o estopim da pouco
lembrada Guerra dos Marimbondos e do Ronco da Abelha, como ficariam conhecidos os
levantes populares contra o registro civil e o censo no interior de Pernambuco, Paraíba,
Alagoas, Sergipe, Ceará e Minas Gerais, entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852. ¶ Os
mais graves episódios da revolta seriam registrados em Pernambuco. Uma mesma pauta de

23
Tollenare anotou: “Por mais extensa que seja a autoridade do governador, ela não pode atingir o menor dos
clérigos” .
24
Talvez focada mais na província de São Paulo, Maria Luíza Marcílio atribui o fracasso do projeto para um
censo geral em 1854, tanto a causas estruturais, como o desaparecimento de “objetivos militares e econômicos
que levaram à realização dos censos coloniais”, o despreparo das novas elites governantes e as situações de
revolta “que conturbavam a vida interna de várias províncias durante a Regência”, como mais especificamente à
ausência de uma organização militar com “distribuição territorial equilibrada e racional”. Em seguida, cita a
troca de base dos fogos, usadas no período colonial, para as paróquias, unidades de referência eleitoral do
Império, como sintoma determinante dos novos objetivos .
25
“Em virtude da autorisação conferida no § 3º do Art. 17 da Lei nº586 de 6 de Setembro de 1850, expedio o
Governo os regulamentos annexos aos Decretos nº 797 e 798 de 18 de Junho de 1851 para a organisação do
Censo geral do Imperio, e para o Registro annual dos nascimentos e obitos” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 24
ação coletiva repete-se em praticamente todas as localidades atingidas pelo movimento.
Homens e mulheres invadem as igrejas para protestar contra o novo regulamento, rasgam os
editais e intimidam os juízes de paz e as autoridades policiais para que não ousem executá-lo.
Nos casos mais graves, seguem-se conflitos com a força pública, com mortos e feridos” .

Não podemos negar que esse regulamento trazia, de fato, dificuldades que poderiam ser
qualificadas de “técnicas”, que se somavam à resistência à quebra de hábitos tradicionais e
preceitos religiosos: proibiam-se os enterros e os batizados sem que houvesse certidão dos
fatos, registrada pelo escrivão de paz da jurisdição. Ora, numa época de transportes lentos,
esparsa densidade populacional e poucos cartórios, o próprio ministro reconheceu que as
disposições “excitárão algum clamor contra o regulamento á medida que elle se ia
publicando”. As ponderações, consideradas razoáveis, já teriam sido encaminhadas à Seção
do Império do Conselho de Estado, com propostas de alterações ao Regulamento, quando
eclodiram as revoltas, inicialmente em Pernambuco e depois em várias províncias vizinhas .

Esse estado de revolta popular contra medidas de identificação e contagem teve


conseqüências de imediato sobre a realização do futuro censo populacional. No seu relatório
do ano seguinte, o Ministro dos Negócios do Império sugere a futura revisão dos
regulamentos para o Censo Geral do Império e para o registro dos nascimentos e óbitos, o que
teria sido impedido pelas “graves occurencias, que fizerão sobr’estar na execução daquelles
Actos”. Aponta as dificuldades para sua execução, mas reforça a importância do objetivo:
“Conscio porêm o Governo da conveniencia de apressal-o fará todas as diligencias por
concluil-o o mais breve que lhe for possivel. He tanto mais necessario cuidar-se de semelhante
objecto, quanto he certo que com os dados actuaes nenhum trabalho estatistico se póde
organisar sobre o estado numerico da população do Imperio, que não sejão os quadros mui
imperfeitos e incompletos de que já tendes conhecimento; ou os mappas dos baptismos,
casamentos e obitos que durante o anno findo tiverão lugar no Municipio da Côrte, e que aqui
achareis annexos” .

O recenseamento geral do Brasil havia sido previsto inicialmente em 1846 (Lei nº 387 de
19/08), quando se estabeleceu a realização de um censo de 8 em 8 anos, o que não aconteceu,
no entanto, por falta de alocação orçamentária específica. Em 1850 (com a Lei nº 586 de
6/09), houve o destino de verba para sua realização e, em 1851 (com o Decreto nº 797 de
18/06), se expedia o regulamento do censo. O regulamento do censo previsto para 1852, cuja
realização foi abortada por dificuldades orçamentárias, mas, sem dúvida, também pelo temor
da generalização dos tumultos que agitaram o Nordeste contra o registro civil, havia previsto
uma estrutura administrativa específica para sua execução, hierarquizada desde o Diretor
Geral do Censo, na corte, Diretores dos Censos Provinciais, Diretores em cada município e
Comissários em cada freguesia .

Apesar de aparentemente resolvidos os requisitos orçamentário e administrativo, nem foi

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 25
realizado o censo, nem foi implantado o registro civil. Duas décadas depois, em 1870, o
próprio Paulino José Soares de Souza pedia a organização do registro civil, lamentando ainda
a ausência de censo, o atrelamento das estatísticas de estado civil à hierarquia eclesiástica e
recomendava em termos claros o estabelecimento do casamento civil .

Mesmo depois de realizado o primeiro recenseamento geral e um quarto de século depois dos
tumultos contra o registro civil, os episódios nordestinos de Quebra-quilos, em fins de 1874 e
início de 1875, pelo interior do Nordeste, voltariam a demonstrar como sentimentos difusos e
heterogêneos de revolta continuavam facilmente canalizados contra a autoridade, através de
reclamações contra a criação e o aumento de impostos ou contra o recrutamento militar ou
ainda contra os novos pesos e medidas . Horácio de Almeida desqualifica, no tocante à
Paraíba, sobre a qual escreve, as causas mais claramente econômicas, usualmente alegadas
como principais razões para os saques, privilegiando como causa dos episódios recorrentes
um movimento político anti-maçônico de inspiração religiosa e, portanto, contra o Estado
imperial, visto naquele momento como inimigo da Igreja . Em visão oposta, Maria Verônica
Secreto enfatiza a reação ao governo imperial fundada na opressão generalizada sofrida pela
população e desencadeada pela legislação sobre novas medidas, citando sentença local em que
o juiz descaracteriza o crime de sedição, considerando que só houve atentado a bens privados
(os pesos do comércio) e não a bens públicos (os padrões remetidos pelo governo central à
Câmara Municipal, que permaneceram intocados). Armando Souto Maior (1978), em seu
estudo pioneiro, também deu ênfase ao contexto econômico de crise, que teria propiciado o
surgimento de revoltas por motivos variados e referenciados à situação de cada local. Joan
Meznar desvenda motivações ocultas no que seria aparentemente um simples acúmulo de
reivindicações – contra o novo sistema de medidas, mais impostos e um novo sistema de
recrutamento – mostrando que, em especial, o recrutamento por loteria ameaçava a posição
dos privilegiados que podiam optar por serviço na guarda nacional: “A fundamental
assumption continued to be that honorable men, regardless of income, served in the national
guard, while vagrants and criminals ended up in the army” 26. José Murilo de Carvalho aponta
essa multiplicidade de interesses que convergiam para o conflito:

26
“Um pressuposto fundamental continuava sendo que homens de bem, sem consideração de renda, serviam na
guarda nacional, enquanto vagabundos e criminosos acabavam no exército.” O texto de Sue Anderson Gross é
típico da confusão de motivos: “A result of the dispute [a questão religiosa] was the ‘Quebra-Kilos’ war, which
began in Paraíba in 1874 and spread across the Northeast. It was a rebellion against a federal [sic] order
imposing the metric system. Local priests, who were incensed by the arrest of the bishops, spearheaded it,
preaching sermons to the effect that the metric system was an invention of the devil. This the poor could readily
believe (...) They also thought that the law presaged more taxes, and, already suffering under newly increased
imposts, they were unwilling to be burdened further. (...) As it grew in size, many bandits joined ranks of the
rebels (...) Thus did the church issue of the 1870’s contributed to unrest in the sertão” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 26
“Em todos esses movimentos, e em outros ainda maiores que se deram após a queda do
Império, como a guerra de Canudos de 1897 e a revolta da Vacina de 1904, não se pode dizer
que houve arbítrio da parte do governo, pelo menos até que a revolta se estabelecesse. Tratava-
se de iniciativas que todos os Estados iam tomando à medida que burocratizavam e
secularizavam os serviços públicos retirando-os das mãos da Igreja e dos grandes proprietários”
.

R.Barman examina as diversas opiniões sobre causas das revoltas, chegando à conclusão de
que os episódios demonstram, antes de tudo, a falta de hegemonia no poder dos proprietários
rurais27. Havia, sem dúvida, um quadro de contestação ao governo central, acirrado por
disputas políticas nacionais, que se refletiam nas sociedades locais. Nesta situação, todas as
manifestações de controle da autoridade imperial, distante, mas personalizada localmente por
seus representantes e em suas regras, podiam tornar-se catalisadores de contestação.

As antigas estruturas, que se supunham adequadas para a coleta de dados sobre a população,
haviam-se mostrado inadequadas e mesmo incapazes para esta função. As primeiras tentativas
de estabelecimento de um processo de registro civil, jurídica e administrativamente
independente das estruturas eclesiástica ou militar, foram conturbadas por revoltas que, apesar
de interioranas e esparsas, assustaram governos provinciais e, em menor grau, o governo
central, impedindo-os de avançarem na sua implementação. Mesmo tendo sido realizado o
primeiro censo em 1872 e implantado o registro civil em 1874, o estabelecimento de uma
estrutura permanente que produzisse estatísticas regulares precisaria esperar a consolidação
do sistema estatístico nacional, ao longo da primeira metade do século XX.

<< <> >>

27
“Until more original research has been undertaken on the dynamics of rural society in nineteenth-century
Brazil, writers should at least be cautious of basing their work on the assumption that the landowners were as
unconstrained or as omnipotent in local affairs as tradition would assert” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 27
3. DIFICULDADES CONCEITUAIS

"Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam


o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam
de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que
caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito
científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há
pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é
evidente. Nada é garantido. Tudo é construído."
– Gaston Bachelard, A formação do espírito científico, 1967

1.1.A DEFINIÇÃO TERRITORIAL

Pernambuco entrou no século XIX recém-truncado, pela desvinculação das capitanias do


Ceará e da Paraíba do controle que o Recife havia adquirido sobre essas regiões, por doação
real e pela ocupação econômica. Em nova desanexação, após a revolução de 1817, a capitania
do Rio Grande do Norte é feita independente e fica constituída a das Alagoas, também
desmembrada do território pernambucano. Em 1824, após o episódio da Confederação do
Equador, D. Pedro transfere sua Comarca do São Francisco “provisoriamente” para jurisdição
de Minas Gerais e, pouco tempo depois (em 1827), novamente em caráter provisório, para a
da Bahia. No decorrer de um quarto de século, o Recife havia perdido o controle político
sobre cerca de 458 mil km2, ou 82% do seu território durante a segunda metade do século
XVIII28.

Para possibilitar comparação sobre territórios equivalentes, embora fugindo às fronteiras de


Pernambuco vigentes até 1824, iremos considerar como objeto do estudo, desde o início do
século, o traçado da província de Pernambuco ao final do Império.

28
, , . Em meados do século, diversos mapas publicados na Europa e nos Estados Unidos ainda retratavam
Pernambuco nas suas antigas fronteiras: . transcreve documentos da pendenga judicial entre Pernambuco e
Bahia, 100 anos depois da desanexação. Barbosa faz um histórico da ocupação e da pretensão pernambucana ao
território da antiga Comarca do São Francisco. Quase 170 anos depois da desanexação, as Disposições
Constitucionais Transitórias de 1991 ainda determinaram, no seu Art.51, que “O Estado cuidará da preservação
do seu direito ao Território que correspondia, em 1824, a Comarca do São Francisco, valendo-se, se necessário,
da ação cabível perante o Supremo Tribunal Federal” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 28
Figura 1 – Mapa com as fronteiras da capitania de Pernambuco de 1799
até 1817, incluindo as Alagoas e a Comarca do São Francisco.

Fonte:

Como pode ser constatado na seção 4, onde comentamos as fontes individuais, a questão de se
identificar a região geográfica onde se localiza uma população contada é relevante para o
correto entendimento das comparações, principalmente em séries numéricas. Nas palavras de
Pedro Leão Velloso, como ministro dos Negócios do Império,
“[A estatística] como bem sabeis, applicada a qualquer facto social ou natural, não é, em ultima
analyse, outra cousa mais do que a expressão numerica do estado ou situação desse mesmo
facto em certo e determinado tempo e logar.”

O assunto merece comentário específico já que muitos autores compilaram suas séries da
“população de Pernambuco” listando indiscriminadamente seja (i) a própria capitania de
Pernambuco (que até 1817 incluía o território de Alagoas e até 1824 a comarca do São
Francisco) junto com suas 3 capitanias subalternas (Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba),
seja (ii) a capitania de Pernambuco (com os territórios hoje alagoano e baiano), seja (iii) a
província de Pernambuco pós-1817 (sem Alagoas, mas com o sertão da margem esquerda do
São Francisco) ou ainda (iv) a província de Pernambuco pós-1824 (em suas fronteiras do final
do Império).

Para facilitar a referência a estes contextos geográficos flutuantes, empregaremos, quando

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 29
necessário, a seguinte nomenclatura:

♦ capitania de Pernambuco e suas subalternas (até 1799) abrange os atuais territórios de


Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e a margem esquerda baiana do
rio São Francisco (abreviadamente, PE6);

♦ capitania de Pernambuco e sua subalterna (de 1799 a 1817) abrange os atuais territórios de
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas e a margem esquerda baiana do rio São Francisco
(abreviadamente, PE4);

♦ capitania de Pernambuco (até 1817) abrange os atuais territórios de Pernambuco, Alagoas e


a margem esquerda baiana do rio São Francisco (abreviadamente, PE3);

♦ capitania de Pernambuco (de 1817 a 1822) abrange os atuais territórios de Pernambuco e a


margem esquerda baiana do São Francisco (abreviadamente, PE2);

♦ província de Pernambuco (de 1822 a 1824) abrange os atuais territórios de Pernambuco e a


margem esquerda baiana do São Francisco (abreviadamente, PE2);

♦ província de Pernambuco (a partir de 1824) abrange o atual território de Pernambuco


(abreviadamente, PE1).

Iremos apontar, no correr do texto, as muitas séries em que essas referências geográficas
heterogêneas são seqüenciadas de modo a causar um entendimento errôneo dos objetos sendo
comparados. É preciso ressaltar que até se poderia querer justificadamente encadear, numa
mesma série temporal, as populações de Pernambuco em épocas sucessivas com suas
abrangências geográficas diversas. Imaginamos uma tal situação caso se quisesse examinar
aspectos demográficos relacionados à entidade política “capitania de Pernambuco”, fossem
quais fossem suas fronteiras, para analisar, por exemplo, a perda ou ganho de relevância
política associada ao tamanho da população sob sua jurisdição. Como o objetivo mais comum
não é este e, sim, o de analisar a evolução demográfica de regiões comparáveis, para afirmar,
por exemplo, que essa população cresceu à taxa anual de x% entre os anos tais e tais, torna-se
rigorosamente necessário sincronizar a abrangência geográfica da contagem ao longo do
tempo, para evitar que se comparem alhos com bugalhos29.

Além dos limites externos, discutimos abaixo outras dificuldades relativas à delimitação do
referencial geográfico que deparamos ao procurar construir séries estatísticas sobre a
população da capitania ou província de Pernambuco.

29
Queremos reconhecer um contra-exemplo, em que Glacyra L. Leite corretamente compara a população de
Pernambuco, junto com a de Alagoas, para manter a coerência entre estatísticas dos anos 1760, 1819, 1823, 1867
e 1872 .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 30
Há necessidade de se estabelecer qual a área geográfica a que se refere cada dado. Nem
sempre, contudo, existe coincidência entre informações ora referenciadas a divisões
administrativas de origem judicial (comarcas, termos e distritos de paz), ora a divisões de
origem eclesiástica (dioceses, paróquias e curatos) ou ainda a divisão estritamente
administrativa, como a província, seus municípios e freguesias. é de opinião que, até na
época, a falta de coincidência entre as unidades geográficas administrativas e eclesiásticas
dificultava uma cooperação eficaz entre elas30.

identificam a freguesia “como uma unidade administrativa relativamente homogênea”, mas


lembram as dificuldades de conciliar informações diacrônicas referentes a unidades
administrativas variáveis. Reforçando a falta de homogeneidade das fronteiras dos diversos
tipos de unidades administrativas, Figueira de Mello diz em nota de rodapé:
“O leitor deve ficar prevendo que os municípios limítrofes continham algumas partes das
freguezias, e que portanto não tem inteira exatidão a divisão apresentada” .

De fato, mesmo para as macro-unidades – províncias e dioceses – não houve coincidência nos
momentos-chave de suas divisões geográficas, o que reforça a indicação sobre os cuidados de

Quadro 2 – Data das separações políticas e eclesiásticas de Pernambuco


Separação político-
Separação eclesiástica (a)
administrativa (a)
Ceará 1799 (ex-Pernambuco) 1854 (ex-Olinda)
Paraíba 1799 (ex-Pernambuco) 1892 (ex-Olinda)
Alagoas 1817 (ex-Pernambuco) 1897 (ex-Olinda)
Rio Grande do Norte 1817 (ex-Pernambuco) 1909 (ex-Paraíba)
Comarca do São Francisco (para Minas Gerais) 1824 (ex-Pernambuco) (b)
Comarca do São Francisco (para a Bahia) 1827 (ex-Minas Gerais) (b)

Fonte: Para o histórico eclesiástico: , .


Notas: (a) A data da separação política é a da criação da capitania ou província, ou, no caso da Comarca do São
Francisco, de sua transferência para outra província; a da separação eclesiástica é a da criação do bispado.
(b) Ainda em 1860, eram desmembradas freguesias da diocese de Olinda para a de Mariana e de Goiás31.

que devemos nos cercar ao examinar fontes de origens variadas (judiciais, administrativas,
eclesiásticas, militares ou policiais).

30
No relatório do Ministérios dos Negócios do Império de 1869, o titular da pasta menciona que partes da
província do Rio de Janeiro continuam na diocese de Mariana, e que “tem este facto trazido algumas
complicações, a que cumpre attender, pondo de accôrdo a divisão ecclesiastica com a civil” .
31
Consta do relatório dos Negócios do Império de 1860: “Limites dos Bispados – (...) Forão igualmente
attendidas pela Santa Sé as seguintes alterações de limites: 1ª A desmembração da capella do Rio-Verde do
Districto de Calaças do bispado de Pernambuco e sua incorporação ao de Goyaz. Esta alteração foi confirmada
pr decreto consistorial do 1º de Maio de 1860. 2ª A desmembração das freguezias de N.S.das Dôres da Serra da
Saudade do Indaiá e N.S. do Loreto da Morada-Novo do bispado de Pernambuco, e sua incorporação ao de
Mariana. Estas alterações forão confirmadas pelo decreto consistorial de 17 de Setembro de 1860” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 31
A este contexto macro-regional, devemos sobrepor as múltiplas subdivisões administrativas,
que, apesar de se reportarem em última instância ao governo da província, integravam
hierarquias distintas, mas com jurisdições que se encaixavam sucessivamente, como
ilustramos no quadro da página seguinte.

No Relatório Idéa da população de Pernambuco... realizado sob responsabilidade do capitão-


general José Cezar de Menezes, entre 1776 e 1782, lê-se:
“Comarca da Manga que se segue o Rio de S.Francisco acima, Villa de S.Francisco na Barra do
Rio Grande do Sul: Nesta Freguesia pertence o Governo das almas, ao Bispo de Pernambuco, e
o da Justiças ao Ouvidor da Jacobina, districto da Bahia para onde vão os dizimos (e segue o
mesmo a Freguezia do Campo largo)...” .

Essa situação extrema existiu para as freguesias da margem esquerda do São Francisco,
distantes do Recife e mais próximas de Mariana de Minas Gerais ou de Salvador da Bahia.
Alden cita o caso específico da diocese de Mariana, cujo parelha secular tinha limites bem
mais abrangentes, também incluindo freguesias sob controle das dioceses de São Paulo e de
Olinda e da arquidiocese de Salvador32.

Mesmo vinte anos após a transferência da Comarca do São Francisco para Minas Gerais e em
seguida para a Bahia, os problemas de conflito jurisdicional permaneciam. O Ministro dos
Negócios da Justiça escreveu em seu relatório de 1845:
“Na provincia da Bahia ha 126 freguezias, das quaes pertencem no espiritual nove ao bispado
do Rio de Janeiro, e sete ao de Pernambuco. Este encravamento de jurisdicções embaraça,
como pondera o actual presidente d’aquella provincia, a gestão dos negocios; e por isso talvez
conviesse tomar alguma medida sobre semelhante objecto” .

Em quadro no relatório provincial do ano de 1880, uma mesma coluna lista “freguezias e
subdelegacias”, levando-nos a supor que havia, nesta menor unidade geográfica, coincidência
entre as unidades eclesiásticas, administrativas e policiais .

Dispusemos, a seguir, uma apresentação dos encaixes sucessivos entre as unidades dessas
hierarquias paralelas.

Quadro 3 – Esquema da composição e sobreposição de hierarquias na administração da


província

32
“Since the secular and ecclesiastical government shared responsibility for the compilation of the census
reports, the lack of symmetry between units of the two branches frequently complicated effective co-operation. In
interior Minas Gerais, for example, the limits of the bishopric of Mariana were considerably smaller than those
of the secular administration. As a result the parishes of Sapucai, Jacuí and Cabo Verde pertained to the
bishopric of São Paulo; those of São Romão and Paracutu were suffragan to the bishopric of Pernambuco;
while the four parishes of the Minas Novas district, belonged to the archbishopric of Bahia. Because of the
involved correspondence that such arrangements necessitated, it is not surprising that the returns from such
parishes often arrived late, if at all” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 32
HIERARQUIA HIERARQUIA HIERARQUIA HIERARQUIA
ADMINISTRATIVA JUDICIAL ECLESIÁSTICA POLICIAL

uma DIOCESE
engloba diversas

PROVÍNCIAS, que se
dividem em diversas

COMARCAS, que se
dividem em diversos

TERMOS, que quase


sempre correspondem
a um Município

MUNICÍPIO,
composto por uma
cidade ou vila e quase
sempre correspondente
a uma Delegacia

DELEGACIA, que
e que engloba várias e se divide em corresponde a uma
ou várias

PARÓQUIAS (ou,
FREGUESIAS, raramente, em
correspondentes CURATOS),
a paróquias. coincidentes com
Freguesias.

e se dividem em
DISTRITOS DE PAZ,
mais numerosos que e se dividem em
.
freguesias, mas sem SUBDELEGACIAS,
coincidência com
subdelegacias

Fontes: “Quadro demonstrativo da divisão judiciária, administrativa, ecclesiastica e policial da


provincia de Pernambuco”, em 28/02/1881 (Pernambuco. Presidente, 1881:698); “Quadro da actual
divisão judiciaria, ecclesiastica e policial d’esta provincia de Pernambuco” (Pernambuco. Presidente,
1880:697); “Quadro da divisão judiciaria da provincia de Pernambuco” ; “Mappa da população livre e
escrava da provincia de Pernambuco, organisado de conformidade com as informações ministradas
pelos subdelegados de policia”

Outro quadro, este de 1859, reforça esta suposição de coincidência entre freguesias e
subdelegacias, pois é intitulado “Mappa da população livre e escrava da provincia de
Pernambuco, organisado de conformidade com as informações ministradas pelos
subdelegados de policia”, em que a menor unidade geográfica são as freguesias, agrupadas

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 33
por termos e comarcas .

Na apresentação dos resultados do recenseamento de 1872, feita em 1874, no entanto, fica


clara a coincidência de freguesias com paróquias. Enquanto o quadro se intitula “Mappa
estatistico da população da provincia de Pernambuco com declaração dos respectivos
municipios e freguezias existentes”, as colunas são nomeadas: “Municipio” e “Parochias” .

Encontramos, além disso, indefinições efetivas nos registros políticos das fronteiras
geográficas. Rego Barros, ao deixar a presidência de Pernambuco em março de 1844, escreve:
“Os limites de alguns Termos, como o de Garanhuns, Cimbres, Bonito e Goiana, têm urgência
de ser claramente estabelecidos, mesmo antes de concluída a Estatística [da província
contratada com Figueira de Melo], e a carta da Província” .

No entanto, talvez foram, até mais do que indefinições de fronteira, as sistemáticas criações e,
também, supressões de freguesias uma das principais dificuldades para a existência de séries
estatísticas regulares e coerentes no Segundo Reinado. O Ministro Leão Velloso reclama:
“A attribuição que têm as assembléas Provinciaes de fixar os limites dessas circumscripções
tem sido applicada em tal escala, que já se encontram varios exemplos de municipios e
parochias creados e supprimidos alternadamente por legislaturas successivas, de maneira que,
ás vezes, chega-se a ficar em duvida sobre a sua existencia. Alterações tão frequentes da
divisão territorial das provincias constituem em grande tropeço ao serviço da estatistica (...)
Não se póde, portanto, desconhecer a difficuldade de descrever fielmente essa situação, quando
é variavel a base por falta de estabilidade na divisão do territorio” .

sintetiza a estrutura da justiça durante Império nos seguintes quadros, nos quais ficam claros
os relacionamentos hierárquicos, mas não são mencionadas as jurisdições geográficas
intraprovinciais:

Quadro 4 – Justiça brasileira no período imperial

Instância Entidade Função


1ª Juízes de Paz Para conciliação prévia das contendas cíveis e, pela Lei de 15 de
outubro de 1827, para instrução inicial das criminais, sendo
eleitos em cada distrito.
1ª Juízes de Direito Para julgamento das contendas cíveis e crimes, sendo nomeados
pelo Imperador.
2ª Tribunais de Relação Para julgamento dos recursos das sentenças (revisão das decisões)

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 34
3ª Supremo Tribunal de Justiça Para revista de determinadas causas e solução dos conflitos de
jurisdição entre Relações Provinciais.

Fonte: (Martins Filho, 1999)

Em 1841, a lei que reforma o Código de Processo Criminal estabelece que haveria um chefe
de polícia em cada província, “com os delegados e subdelegados necessários”. Esses cargos, à
exceção do chefe de polícia, não auferiam salários e constituiam uma hierarquia coesa:
“Do poder central do imperador às localidades mais distantes, passando pelos ministérios,
províncias e municípios, as autoridades policiais teciam uma rede que garantia a comunicação e
o compromisso entre todo o Império, unindo antes de tudo os interesses das elites políticas
proprietárias” .

Figura 2 – Brasil. Estrutura do Poder Judicial.


Fonte:

Entre outras suas funções, constavam a organização das estatísticas criminais, que sempre
ganharam destaque, aparecendo regularmente nos relatórios dos presidentes da Província, e a
de organizar o arrolamento da população, função que foi aparentemente deixada em segundo
plano, como vimos anteriormente33.

Fica mais fácil compreendermos a pouca eficácia dessas burocracias, diante da perspectiva de
fragmentação de interesses, proposta por José Murilo de Carvalho:

33
“Art. 7.º Compete aos chefes de polícia exclusivamente: § 1.º Organizar, na forma dos seus respectivos
regulamentos, a estatística criminal da Província, e a da Corte, para o que todas as autoridades criminais, embora
não sejam delegados da Polícia, serão obrigadas a prestar-lhes, na forma dos ditos regulamentos, os
esclarecimentos que delas dependerem. § 2.º Organizar, na forma que for prescrita nos seus regulamentos, por
meio dos seus delegados, juizes de paz e párocos, o arrolamento da população da província.” Lei nº 261, de 3-
12-1841 .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 35
“A dinâmica política se colocava então na possibilidade de coalizões entre a burocracia, ou
partes dela, com setores externos ao governo.(...) Por esses mecanismos, o Estado imperial se
tornava, através de sua burocracia, instrumento ao mesmo tempo de manutenção e de
transformação das estruturas sociais” .

Não analisaremos especificamente as divisões eleitorais, que, durante o Império, seguiram a


das paróquias, nem as circunscrições militares, também base para estatísticas. Tudo nos leva a
crer, no entanto, que a compatibilização de estatísticas referenciadas aos diversos níveis
hierárquicos e geográficos do governo provincial deva ser uma preocupação permanente de
qualquer historiador que trabalhe com tais dados.

Ao encadearmos estatísticas seqüencialmente, deparamos ainda com outra dificuldade que é a


designação de circunscrições distintas pelo mesmo topônimo. Assim, encontramos “Recife”
designando seja a ilha do porto, sejam as 4 freguesias mais centrais da cidade, seja o termo ou
município do Recife, com suas 10 ou 11 freguesias, ou, ainda, a comarca do Recife, bem mais
ampla, pois, até 1862, incluía Olinda e Iguarassu, totalizando até 16 freguesias. Quase todas
as estatísticas se apresentam segundo essa terminologia, mas nem sempre acompanhada das
precisões necessárias.

É muito comum o mesmo topônimo nomear uma comarca, um de seus termos, um dos
municípios desse termo e uma das paróquias deste município. Como regra, quando uma
unidade administrativa foi subdividida, em qualquer nível, uma dessas subdivisões geralmente
manteve o nome da unidade maior, tornando-se possível foco de incoerências geográficas e,
certamente, de confusão para historiadores futuros, principalmente quando não há referência
clara que identifique qual a unidade administrativa nomeada. Listamos, no quadro abaixo,
localidades pernambucanas em que esta coincidência ocorria em meados do século.

Posteriormente, ao serem criadas outras comarcas, novas coincidências entre o nome da


comarca, do município e da freguesia/paróquia iriam surgir. Em 1880, isto ocorria com muitas
outras localidades (indicamos entre parênteses, como referência, o número total de freguesias
de cada termo): Iguarassu (5), Itambé (1), Timbaúba (4), Bom Jardim (5), Taquaretinga (1),
Santo Antão (4), Jaboatão (5), Escada (5), Palmares (4), Barreiros (3), Panelas (2), Caruaru
(4), Bezerros (4), Cimbres (4), Bom Conselho (2), Buique (4), Flores (2), Ingazeira (3), Vila
Bela (4), Floresta (3), Salgueiro (1) e Ouricuri (5) .

Quadro 5 – Pernambuco (1859). Topônimos coincidentes para comarca, termo,


município e freguesia/paróquia

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 36
Topônimo da comarca,
de um dos seus termos,
Denominação eclesiástica da paróquia
de um dos seus municípios
e de uma de suas freguesias

Boa Vista Santa Maria da Boa Vista


Bonito Nossa Senhora da Conceição do Rio Bonito
Brejo São José do Brejo da Madre de Deus
Cabo Santo Antônio do Cabo
Garanhuns Santo Antônio de Garanhuns
Goiana Nossa Senhora do Rosário de Goiana
Nossa Senhora do Ó de Goiana (distrito)
Limoeiro Nossa Senhora da Apresentação do Limoeiro
Nazaré Nossa Senhora da Conceição de Nazaré
Pau d’Alho Divino Espírito Santo do Pau d’Alho
Recife São Frei Pedro Gonçalves (Recife)
São José do Recife (São José)
Rio Formoso Nossa Senhora da Conceição de São José do Rio Formoso
Tacaratu Nossa Senhora da Saúde de Tacaratu

Fonte:

Desde o início da colonização portuguesa, o processo de criação de freguesias, vilas, cidades e


municípios, com desmembramentos e mudanças de sedes municipais, tem sido uma constante.
“As razões para que a referida mudança toponímica ocorresse naqueles longínquos dias do
século XVIII são as mesmas usadas em pleno século XX pelos que cuidam do assunto.
Homenagear alguma coisa, buscar nas raízes históricas da terra os brios cívicos da comunidade,
evitar a duplicidade de nomenclatura, usar o vocábulo tupi correspondente ao nome primitivo,
simplificar as designações muito extensas – são alguns dos motivos sempre predominantes na
ação governamental disciplinadora dos nomes das cidades, vilas e povoados, ou seja, da
toponímia em sua essência” .

Além dessas questões, é também preciso atentar à própria nomenclatura. Há, por exemplo,
coexistência de unidades com a mesma denominação, porém vinculadas a diferentes
estruturas: comarcas e varas judiciais e comarcas e varas eclesiásticas, por exemplo34.

Ao buscarmos reconstituir séries vitais sobre população, mais dificuldades aparecem. A


simples associação de uma referência geográfica a uma estatística não é garantia de um
referencial fixo para o fenômeno que se deseja medir. Exemplifiquemos com as estatísticas de
óbitos. Até a criação dos cemitérios públicos, como os enterros eram em geral realizados
próximos a ou dentro das igrejas, tais informações provêm, embora de forma muito irregular,
dos responsáveis por cada paróquia, podendo-se supor que os falecidos morassem na paróquia

34
Agradeço ao Prof. Francisco José Silva Gomes, do IFCS-UFRJ, este comentário. Em levantamento de 1788,
por exemplo, encontramos a denominação: “Mapa que mostra o numero de habitantes das quatro capitanias deste
governo: Pernambuco, Paraiba, Rio Grande e Ciara divididas nas 5 comarcas ecleziasticas” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 37
em que foram enterrados. Por outro lado, é certo que tais referências são esparsas e parciais,
não podendo ser sempre consideradas como representativas do total de óbitos de cada
paróquia. A partir do funcionamento dos cemitérios municipais, as referências a totais de
óbitos adquirem maior representatividade, mas, em contrapartida, não podemos garantir que
fossem somente de moradores da cidade, pois sabemos que muitos moradores de freguesias
mais distantes eram enterrados no cemitério público do Recife. Deve-se este fato não só à
inexistência de cemitérios públicos em muitas localidades, mas também à existência ali de
hospitais que atraíam crescentemente a população doente e que viria a falecer e ser sepultada
na capital.

Problema assemelhado poderia ser considerado em função das recorrentes migrações internas
causadas pelas secas ou epidemias: como contar uma população em flutuação permanente ?
Sendo esparsos os levantamentos populacionais, a comparação de números obtidos em
intervalos de décadas merece cuidados redobrados. Reverso da mesma questão é a
interpretação da distribuição demográfica sincrônica, quando detalhada por regiões, pois não
há informações sobre a permanência dessa população nos locais onde foram recenseadas.
Essas flutuações tornam-se particularmente relevantes com referência a dados sobre
mortalidade, anotados com maior freqüência do que os censitários e também mais sujeitos a
distorções, já que morriam muitos migrantes e, por outra, doentes se deslocavam, vindo a
morrer numa localidade diferente da sua residência permanente.

1.2.FALTA DE HOMOGENEIDADE TEMPORAL

Outra questão a ser enfrentada no uso dos dados disponíveis é a multiplicidade de bases
temporais, pois as estatísticas aparecem ora referenciadas ao ano civil, ora ao exercício fiscal
de julho a junho ou, ainda, a outros períodos, freqüentemente abrangendo até o mês de
fevereiro ou março, com informações logo anteriores à abertura da Assembléia Legislativa
Provincial, quando o presidente fazia seu relatório anual. Em alguns poucos quadros,
encontramos estatísticas mensais, que são úteis na conciliação de informações em diferentes

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 38
bases. A maioria dos relatórios, no entanto, apresenta somente totais anuais35.

Como boa parte dos dados demográficos de que tratamos são de caráter estático – o número
de habitantes na região em certo momento – essas dificuldades tornam-se um pouco menos
relevantes. No entanto, ao procurar estimar informações sobre os fluxos demográficos
(natalidade, mortalidade e migrações) e suas taxas de variação, uma maior atenção aos
referenciais temporais passa a ser essencial. Não podemos esquecer, também, que a grande
margem de erro que sabemos ter existido nos dados originais relativiza todos os cálculos.

Outra dificuldade que pode ser associada aos referenciais temporais é a irregularidade das
informações detalhadas. Quase todas as estatísticas apresentam subtotais segundo a qualidade
do morto (livre ou escravo) e seu sexo (por vezes incluindo a terceira opção “párvulos”).
Alguns quadros agrupam os falecimentos por idade e estado civil, prestando-se a interessantes
análises sincrônicas. É comum, também, a indicação da nacionalidade. Durante pouquíssimos
anos, os relatórios dos presidentes provinciais apresentaram quadros mais abrangentes, com
tabelamento por cor/raça (branco, índio, pardo e preto), além das demais aberturas usuais. A
(infeliz) regra, contudo, é a falta de permanência nos critérios, que são alterados com uma
regularidade que beira o intencional.

Há que lembrarmos, também, a questão da sazonalidade das movimentações da população em


função das safras, que, principalmente no início do século, quando a população total do Recife
ainda era pequena, adquire relevância maior36.

1.3.ASPECTOS TAXONÔMICOS

Uma medida de "população" deve contar pessoas. Cabe lembrar, no entanto, que, mesmo
diante da pergunta aparentemente tão simples "quantos somos ?", os conceitos de hoje podem
afastar-se significativamente dos conceitos do passado. Como exemplo, Witold Kula descreve
a rejeição dos aristocratas poloneses aos censos populacionais:
"A aristocracia polonesa foi sempre inimiga acérrima de qualquer tipo de unidade-padrão
populacional... O agregado estatístico deveria constituir-se de unidades "somáveis" que

35
Não examinamos relatórios específicos da repartição de saúde pública, onde possivelmente se encontram
informações detalhadas sobre mortalidade. Octavio de Freitas, muito provavelmente, compilou suas estatísticas
sobre mortalidade geral e por tuberculose a partir desses relatórios .
36
“Essa população [do Recife] era, entretanto, bastante flutuante. Na época de safra, que significava também
tempo de exportação, convergiam para Recife não só os interessados em realizar seus negócios, como também
indivíduos que, de alguma forma, procuravam inserir-se na agitação que imperava, especialmente na orla
portuária. Tanto esses adventícios como a população fixa espraiavam-se por três bairros...” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 39
pudessem ser reduzidas a um único "denominador comum". Segundo o conceito polonês... o
camponês não poderia ser somado com o aristocrata, e o conceito de "homem" não constituía
para a hierarquia deste país um "denominador comum" suficiente. A comparação dos
indivíduos era uma afronta ao conceito aristocrático da sociedade .

Ao tratar de estatísticas sobre população no Brasil oitocentista, enfrentamos questões


similares, talvez não na contagem do total, mas na classificação da população. A distinção
fundamental foi, sem dúvida, aquela entre “livres” e “escravos”. À medida que se acelerou o
processo de alforria de escravos e de aumento da população negra liberta ou nascida livre,
entretanto, essa classificação perde muito de seu poder explicativo, embora tenha
representado, até a Abolição, uma distinção jurídica essencial.

Assim, enquanto as fontes em geral indicam a distribuição entre “livres” e “escravos”, será
que os argumentos baseados em tais estatísticas dependem, de fato, dessa relação ou de
relações omitidas, como aquelas entre “brancos” e “negros” ou envolvendo as categorias de
“população negra livre há mais de uma geração”, “indivíduos alforriados” ou ainda “negros
nascidos livres”? Tais problemas remetem aos critérios e procedimentos do ato de
mensuração, que só se tornarão mais explícitos nos recenseamentos modernos, com a inclusão
de classificações mais precisas sobre ocupação e renda.

Os levantamentos populacionais basearam-se, durante quase todo o século XIX, em duas


principais oposições classificatórias: livre x escravo e brasileiro x estrangeiro. As categorias
adicionais referiam-se à distinção de gênero e a um posicionamento geográfico-
administrativo. Além das dificuldades que acabamos de mencionar para traçar associações
entre categorias estatísticas e categorias analíticas, podemos identificar o quadriênio de 1888 a
1891 como um momento de importantes dificuldades conceituais, quando a evolução das
estatísticas compiladas segundo as categorias censitárias se distanciou dos fenômenos que
desejaríamos avaliar através desses dados. Deveu-se este distanciamento às conseqüências
sucessivas da abolição e da “grande naturalização” de 1891. Com a abolição, escravos
africanos tornaram-se pessoas livres, mas continuaram estrangeiros; com a naturalização
passiva decretada logo após a proclamação da república, o estrangeiro que não optasse
formalmente por manter sua nacionalidade tornava-se brasileiro. Enquanto o censo de 1872
registra um contexto, o que se segue, 18 anos depois, registra outro, sem a antiga separação
entre livres e escravos e com um grande contingente de estrangeiros já incluídos entre os
brasileiros. Tratamos em maiores detalhes desse tema mais adiante nas seções 5.4 e 9.4.

Uma pequena digressão etimológica pode ajudar a ampliar nossas perspectivas sobre essas
categorias. O estudioso Émile Benveniste, ao analisar as raízes das palavras em torno dos

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 40
conceitos de “escravo” e “estrangeiro”, mostra suas múltiplas inter-relações. Em primeiro
lugar, a associação entre esses conceitos/palavras:
“Nas civilizações antigas, a condição do escravo o coloca fora da comunidade. É sob essa
definição negativa que se apresenta o nome do escravo. Não existem escravos que sejam
cidadãos. São sempre pessoas de fora (...) um homem sem direitos, submetido a essa condição
devido às leis da guerra. Um pouco mais tarde, o escravo pode ser adquirido pela compra” .

Daí, a correlação entre “homem livre” e o “contrário de escravo”, que gera a denominação
ingenuus (isto é, “nascido dentro” da sociedade considerada). Nosso uso de “ingênuo”,
referente ao nascido livre de mãe escrava, nos anos anteriores à abolição, segue exatamente
esta noção.

Benveniste prossegue:
“A noção de estrangeiro nas civilizações antigas não se define por critérios constantes, como
nas sociedades modernas.(...) Na diversidade dessas noções, o estrangeiro é sempre um
estrangeiro particular, que depende de um estatuto distinto. Em suma, as noções de inimigo, de
estrangeiro, de hóspede, que para nós constituem três entidades distintas – semânticas e
jurídicas – apresentam íntimas conexões nas línguas indo-européias antigas.”

Neste contexto, torna-se compreensível a origem única dos termos hostis (“inimigo”) e
hospes (“hóspede”). “Justamente porque o indivíduo nascido fora é a priori um inimigo, é que
sempre é necessário um compromisso mútuo para estabelecer relações de hospitalidade...”
Seguindo esta linha de raciocínio, temos a considerar a posição do português no Brasil,
inicialmente cidadão de primeira categoria, logo inimigo e depois simples estrangeiro como
outros, concluindo o ciclo com sua naturalização, quando voltaria a ser um cidadão comum,
simples “galego” e não mais “marinheiro” ou “reinol”. Alan Manchester, na década de 1930,
identificou o surgimento do brasileiro europeu a partir da clivagem entre portugueses:
“The colonist who dominated after 1600 were of a type that was capable of creating wealth, of
taking possession of the land, and of defending the colony without the assistance of the mother
country. Thus by the beginning of the seventeenth century there had been created a distinct and
powerful group in the colony which identified itself with Brazil in preference to Portugal37” .

Ao construirmos, no Brasil, longas séries demográficas em que figura a categoria


“estrangeiro”, não podemos deixar de considerar esta especialíssima evolução da situação dos
lusos.

O próprio processo gradual de abolição da escravidão gerou uma multiplicidade de situações


individuais em que a condição de escravo ou de ex-escravo não era suficiente para determinar
a maior parte das relações sociais. Para isso, seria preciso considerar, como sugere
Benveniste, de que estatuto específico dependia cada escravo: estava em processo de compra
37
“Os colonizadores que prevaleceram após 1600 eram de um tipo capaz de criar riqueza, de tomar posse da
terra e de defender a colônia sem a assistência do país de origem. Assim, no início do século XVII, havia sido
criado na colônia um grupo distinto e poderoso ”que se identificava com o Brasil ao invés de Portugal.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 41
de sua alforria; estava aguardando a morte do senhor para usufruir uma alforria prometida;
sabia que seria alforriado por imposição legal ao completar 60 anos, alguns anos mais à
frente; morreria escrava, mas havia negociado a liberdade dos filhos etc.

Da mesma forma um estrangeiro qualquer poderia estar simplesmente de passagem pelo


Brasil, poderia ter chegado para se instalar definitivamente ou ainda poderia estar “fazendo a
América” para retornar rico al paese. Muitos imigrantes chegaram ao Brasil e, poucos anos ou
até meses depois, já voltavam para seus países ou seguiam para a Argentina 38. Esses
“detalhes” são quase sempre opacos às estatísticas; só as macro-categorias classificatórias
permanecem. O trabalho de construção de séries estatística, neste caso, requer apenas o
cuidado de manter as categorias conformadas a suas definições. Caberá ao usuário destrinchá-
las para adequá-las a suas próprias argumentações.

Devemos atentar, também, para a variedade de situações regionais, ou mesmo infra-regionais,


conforme mencionado por : “In part, the problem is a lack of sources, but in addition the
variety of economic and ecological settings in Brazil makes any attempt to generalize from
one region to another risky.”39 Com relação a esta diversidade, cabe lembrar que a mesma
designação para um grupo em duas regiões pode não corresponder necessariamente aos
mesmos papéis sociais em cada região, ou que os grupamentos definidos para uma região
podem não ter, noutra, relevância equivalente frente às questões analisadas.

Entre as questões demográficas, a imigração é exemplo de aspecto em que Pernambuco se


distanciou radicalmente de outras províncias do Brasil, ainda no período imperial. O problema
merece estudo aprofundado que esclareça melhor o descompasso entre o discurso de
necessidade de mão-de-obra e a prática claramente contrária à vinda e absorção de
trabalhadores estrangeiros.

Outra questão que pode ser incluída entre as “taxonômicas” diz respeito à forma de contagem
da população. Durante o período colonial, contavam-se primordialmente os fogos – isto é a
moradia ou grupo de moradias centralizadas sob a responsabilidade de um chefe de família –
o que era acessoriamente complementado pelo número de pessoas em cada um desses fogos.
Podemos dizer que os levantamentos imperiais se mostravam mais claramente dirigidos a
identificar o número de pessoas, apesar de ainda baseados na residência como unidade inicial
38
Isso ocorreu com alemães que, logo após a independência, retornaram a seu país, com os sulistas norte-
americanos que também retornaram e com muitos europeus que, após curtíssima estada brasileira, seguiam para
Buenos Aires.
39
“Em parte o problema decorre da ausência de fontes, mas, além disso, a diversidade de contextos econômicos
e ecológicos no Brasil torna arriscada qualquer tentativa de generalizar de uma região para outra.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 42
(aliás, como é norma nos processos censitários até hoje). Maria Luíza Marcílio cita essa troca
de unidade de contagem dos fogos para as paróquias, unidades de referência eleitoral do
Império, como sintoma determinante dos novos objetivos governamentais .

Figueira de Mello, sem dúvida a principal autoridade sobre estatísticas populacionais de


Pernambuco no início do século XIX, após listar “fogos” e “almas”, freguesia a freguesia,
segundo levantamento apresentado pelo bispo Pizarro, comenta:
“Do mapa supra, vê-se que há grande desproporção no número de pessoas que se considera
fazer um fogo em cada freguesia, porque elas variam de 2 a 5, em conseqüência de não
quererem os párocos dar o número exato dos fogos de sua freguesia com o temor de
concorrerem indiretamente para a divisão dela, como notara Monsenhor Pizarro (...)” .

Robert Southey usa 5 pessoas por fogo nos 5.391 fogos dos três bairros do Recife, seguindo
Aires de Casal40, para calcular a população da cidade em 27 mil, mas lembra que:
“...vejo que Casal, calculando a população de Olinda antes da guerra holandesa, toma dez
pessoas por família, termo médio que talvez não seja exagerado num país onde são numerosos
os escravos, e os costumes exigem grande estado de criados” .

O regulamento do censo previsto para 1852 estipulava que a estrutura administrativa


censitária iria distribuir listas por fogos, que deveriam ser preenchidas pelos chefes de família,
incluindo todas as pessoas ali residentes, presentes ou não no dia de referência. Vale
mencionar que a noção de fogo estava então mais associada à figura de um chefe de família,
secundariamente ao local de moradia e, menos ainda, à consangüinidade das pessoas que ali
morassem. Sheila de Castro Faria faz essa distinção com relação ao conceito de família, que
“englobava todos os que eram “gente da casa”, podendo ser criados, parentes etc.” . Sergio
Nadalin escreve: “Raphael Bluteau considera [fogo] como sinônimo de ‘Família’, muito
embora seja bastante ambíguo este conceito, para o século XVIII” . Cabe também lembrar que
um fogo poderia eventualmente compreender múltiplas residências: a do senhor, a dos
escravos etc.

A estimativa com base no número de fogos permitia, de fato, um nível intermediário de


avaliação da população, já que o total de pessoas poderia ser fatorado como o número de
fogos vezes uma média de pessoas por fogo. Também permitia ao funcionário desincumbir-se
de sua obrigação – produzir estatísticas populacionais – com a simples contagem desses
fogos, cujos membros poderiam ser em seguida estimados como média, sem necessidade de
recenseamento individual da população41.
40
A edição recente de , na frase sobre o bairro do Recife diz “Em mil oitocentos e dez compunha-se a sua
população de duzentos e vinte e nove vizinhos.” (p.261) Ou seja, dá 229 ao invés de 1229, conforme a conta de
Southey .
41
Sobre este assunto, escreve: “Das estimativas de população apresentadas pelos primeiros cronistas até os
dados transcritos em documentos dos séculos XVII e XVIII pode-se apenas ter uma idéia de um povoamento

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 43
Resumindo os múltiplos aspectos tratados acima, ao utilizarmos estatísticas demográficas
sobre Pernambuco no século XIX, devemos atentar para:

a) a delimitação das fronteiras da capitania-geral e da província de Pernambuco, e da


diocese de Olinda;

b) os relacionamentos diacronicamente flutuantes entre as divisões vinculadas às


diferentes hierarquias burocráticas (politico-administrativa, judicial, eclesiástica,
militar, policial e eleitoral);

c) os topônimos idênticos, mas referenciados a unidades geográficas e burocráticas


diversas;

d) a heterogeneidade das referências temporais das informações estatísticas;

e) a irregular disponibilidade dos dados, dificultando a formação de séries estatísticas;

f) as possíveis não coincidência de referências temporais, geográficas ou conceituais


para informações intituladas semelhantemente; e, finalmente,

g) o processo de produção da informação estatísticas.

A partir da compreensão desse processo de produção, poderemos formar uma opinião sobre a
capacidade de cada estatística efetivamente medir o que nominalmente pretende medir, o que
nos permitirá, finalmente, avaliar a adequação do que cada estatística se propôs a medir às
categorias sobre as quais desejamos argumentar. Embora identificadas, nem sempre essas
múltiplas dificuldades poderão ser sanadas.

<< <> >>

geograficamente rarefeito, utilizando-se os critérios de moradores ou vizinhos e, posteriormente, fogos, como


unidades familiares, variando o número de pessoas por família segundo a região ou capitania, conforme revela a
análise da Dauril Alden para o meado do século XVIII (4 para Pernambuco, 6,5 para a Bahia, 7,2 para Mato
Grosso).” Continua em nota: “Para cálculo do número de pessoas por fogo no século XIX, brasileiro, os critérios
mereceram críticas dos contemporâneos, variando de oito a dez, tendo mesmo havido proposta, no caso do Rio
de Janeiro, para sua fixação em 20 residentes por casa.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 44
4. ALGUMAS FONTES PARA A DEMOGRAFIA PERNAMBUCANA
DO SÉCULO XIX

“Dans la mesure où l’histoire quantitative suppose


l’existence et l’élaboration de longues séries de données
homogènes et comparables, le premier problème qui se pose
en termes nouveaux est celui des sources.”42
– François Furet, ‘Le quantitatif en histoire’, 1971

François Furet, no início da década de 1970, quando, nas suas próprias palavras, estava na
moda o quantitativo em história, classificou 4 tipos de fontes relativamente a seus possíveis
usos quantitativos pelo historiador. a) Fontes estruturalmente quantitativas (contagens,
valores, pesos), entre as quais as informações demográficas compiladas no passado, utilizadas
para responder questões relacionadas a seu próprio campo de definição: no nosso caso, dados
demográficos usados para estudos demográficos. b) Fontes estruturalmente quantitativas, mas
empregadas substitutivamente para analisar tema distinto daquele em que foram criadas: nos
seus exemplos, o estudo de comportamentos sexuais através dos registros demográficos
paroquiais ou o estudo da evolução socio-profissional de uma população através de registros
fiscais. c) Fontes não estruturalmente quantitativas, mas que o historiador usa de forma
quantitativa: por exemplo, contratos de casamento levantados em fontes cartoriais e tabulados
segundo os interesses de sua análise. d) Fontes estritamente qualitativas, cuja transformação
em dados estatísticos, seriados ou não, requer cuidados importantes, podendo mesmo estas
fontes se revelarem impossíveis de tal conversão.

Nesta pesquisa, procuramos reunir, a partir de diversas fontes, referências para nosso período
em Pernambuco, analisar seu grau de confiabilidade e extrair desse conjunto aquelas
estatísticas que possam servir como base para a construção de séries demográficas anuais.
Não faremos uso dos recursos substitutivos mencionados por Furet para criar séries sobre
informações não quantitativas. Esperamos, por outro lado, que as séries construídas aqui
possam servir de apoio aos estudos de historiadores interessados em temas não diretamente
demográficos.

Sobre os dados essencialmente quantitativos com que lidamos, é importante distinguir a


42
“Na medida em que a história quantitativa pressupõe a existência e a elaboração de longas séries de dados
homogêneos e comparáveis, o primeiro problema que se coloca em novos termos é o das fontes” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 45
origem: sejam levantamentos, ainda que parciais e incorretos, sejam estimativas, claramente
construídas sobre outras estimativas e levantamentos, sem vinculação necessária com
contagens primárias. Veremos que, para o período anterior a 1872, os números mais
confiáveis talvez sejam exatamente uma combinação de ambos: as estimativas oferecidas por
Figueira de Mello retificando os levantamentos provinciais, cujas falhas conhecia em bastante
detalhe, ao longo de uma carreira na administração provincial e no judiciário. A partir do
recenseamento de 72, houve, sem dúvida, um salto na coerência das informações, embora os
três censos anteriores ao de 1920 ainda tenham sido considerados omissos em muitos
aspectos.

Não trataremos aqui com fontes cartoriais diretas, considerando como primárias os
arrolamentos feitos pelas autoridades portuguesas e depois pelas imperiais-bragantinas,
principalmente em suas versões já impressas, transcritas em fontes secundárias (em especial
nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e em trabalhos acadêmicos). Vale
mencionar que este procedimento foi expressamente rejeitado por Pierre Goubert ao descrever
a metodologia específica que havia adotado em seu estudo sobre o Beauvaisis. Cremos, no
entanto, que o âmbito macro-demográfico da presente pesquisa autoriza nosso proceder 43. Ao
continuar sua descrição metodológica, Goubert relata os vícios que encontrou principalmente
nas menores paróquias, que tornavam seus registros inservíveis: falta de continuidade, perda
sistemática de vários registros em cada ano, pouca aptidão ou desinteresse dos párocos para o
trabalho de registro, não registro das mortes de recém-nascidos ou crianças muito pequenas,
registro somente de eventos que foram expressamente declarados pelos interessados, entre
outros problemas legados aos historiadores pelos homens de deus do passado.

1.4.PERSPECTIVA DOS ESTRANGEIROS: VIAJANTES E DIPLOMATAS

Recém-chegado ao Recife, em dezembro de 1816, Louis-François de Tollenare reconheceu


que deveria preceder seus relatos por “notas gerais geográficas e estatísticas; mas estas se
obtém mais dificilmente do que se realizam aqueles [passeios]” . Continua:

43
“Un seul type de registre paroissial doit être retenu: le registre original, établi de la main du prêtre paroissial,
au jour le jour, en présence des témoins de l’acte religieux célébré, sacrement ou cérémonie. Les copies de
divers types – bailliagères, synodales, accidentelles ou personnelles – doivent être soigneusement identifiées, et
généralement rejetées, sauf exception à justifier” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 46
“Já disse que não havia base alguma para calcular a população; só a autoridade pública pode
fazer pesquisas úteis a este respeito...” .

Em 1838, Ferdinand Denis apontou a falta de informações demográficas sobre o Brasil,


deixando claro a responsabilidade que também imputava aos governantes:
“J’ai déjà dit que je n’avais aucune base pour estimer la population; c’est l’autorité publique
qui seule peut faire des recherches utiles à cet égard”44 .

Alguns anos depois, os norte-americanos Kidder e Fletcher repetiam a queixa:


“Nothing is more difficult to ascertain with correctness than the population of Brazil. No
census of the whole country has as yet been taken, and, when we see it stated from ‘official
documents’, it means nothing more than conjectures and approximations”45 .

Na mesma época, em 1846, Thomas Ewbank reitera o problema:


“Nenhum assunto está envolvido em maior incerteza do que o censo. Os relatórios oficiais,
segundo se alega, são na maior parte das vezes baseados em dados imperfeitos, e não raro em
simples conjeturas.”

Continua, trazendo colorido próprio ao assunto no que se refere à força política da informação
estatística:
“Com relação a certas partes da população, considera-se uma atitude discreta das autoridades
dizer pouco a respeito delas; desse modo não são fornecidos números merecedores de
confiança a respeito da população livre, de brancos ou de pessoas de cor, em vista de haver, ao
que se diz, número muito avultado de mulatos libertos” .

Mesmo após os três primeiros recenseamentos modernos, o cônsul britânico no Recife, talvez
com algum exagero, ainda afirmava em seu relatório sobre o ano de 1910 que:
“Considerable attention is paid to the registration of births and deaths, but it is extremely
difficult to obtain reliable statistics, and the population of the various States and towns can
only be given approximately; a census was taken in 1900, but it is unreliable” .

Infelizmente para nossas pesquisas atuais, o diplomata não detalhou além disso em que
aspectos este censo não teria sido confiável.

Embora tenham, sem dúvida, buscado informações locais para suas estimativas, os viajantes
não indicam a origem desses dados. Relacionamos no quadro abaixo alguns relatos em que
identificamos referências ao tamanho ou à distribuição da população.
Quadro 6 – Alguns relatos de viajantes que mencionam aspectos demográficos de
Pernambuco

Viajante Viagem Publicação Referência bibliográfica


Henry Koster 1809-15 1816
Louis-François de Tollenare 1816-17 1905
44
“Já disse que não tinha qualquer base para estimar a população; somente a autoridade pública pode realizar
pesquisas úteis a esse respeito.”
45
“Nada é mais difícil de determinar com exatidão do que a população do Brasil. Ainda não houve um censo de
todo o país; e quando se vê menção a ‘documentos oficiais’ isto só significa conjecturas e aproximações.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 47
Maria Graham 1821 1824
Ferdinand Denis 1820-23 1838
George Gardner 1836-41 1846
Daniel P. Kidder 1837-40 1845
Louis Vauthier 1840-46 1940 (a)
Thomas Ewbank 1846 1855
D.P.Kidder & J.G.Fletcher 1857
Robert Avé-Lallemant 1858-59 1859

Fontes: As referências indicadas, e .


Nota: (a) Diário Íntimo do Engenheiro Vauthier 1840-1844, Rio de Janeiro: Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, 1940.

Após 1872, aumenta o número de viajantes, agentes comerciais e corretores de imigração,


mas as citações, a partir dessa data, referem-se inevitavelmente aos censos, embora muitas
vezes mantendo os comentários sobre sua pouca precisão.

1.5.LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS ANTERIORES A 1824

O Senador Thomaz Pompeu de Souza Brazil, enquanto ministro dos Negócios do Império,
escreve em seu relatório sobre 1855:
“He ocioso repetir neste lugar o que se tem escripto official e extra-officialmente sobre a
imperfeição dos poucos dados estatisticos que servem de elementos para o calculo de nossa
população. ¶ Eu mesmo já occupei a attenção das Camaras Legislativas, expondo-lhes as
difficuldades que tornavam impossiveis, por emquanto, trabalhos mais regulares e
conscienciosos” .

reafirmaram modernamente as dificuldades de estimação demográfica no Brasil pré-


censitário:
“Coligir informações estatísticas fidedignas sobre a população total do Brasil, desagregadas,
das suas capitanias e províncias, antes de 1872, constitui uma tarefa difícil. Até aquela data (...)
as estimativas disponíveis são conjecturas, via de regra apoiadas em registros religiosos e
coloniais, e em censos provinciais de qualidade desconhecida.”

Quanto a Pernambuco, a questão torna-se mais espinhosa na medida em que os levantamentos


provinciais foram considerados, até por seus contemporâneos, como notoriamente falhos e
tendenciosos. Jeronymo M. Figueira de Mello, secretário da província e principal organizador
das estatísticas demográficas pernambucanas durante a primeira metade do século XIX, e o
próprio presidente, Rego Barros, criticaram duramente os levantamentos realizados sob

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 48
responsabilidade do governo provincial durante sua própria gestão.

Em estudo preparatório para o primeiro recenseamento geral, o funcionário do Ministério do


Império Joaquim N. Souza e Silva abre a seção sobre Pernambuco do seu relatório de 1870
sobre os recenseamentos havidos no Brasil com a constatação:
“Não vieram ainda as informações pedidas. Os cálculos feitos até aqui a respeito da população
desta Provincia são filhos ou de meras conjecturas ou de censos imperfeitos” .

De fato, os poucos levantamentos da população de Pernambuco realizados até o primeiro


recenseamento geral não granjearam a confiança nem dos responsáveis por sua condução,
enquanto funcionários, visitantes e diplomatas estrangeiros, além de políticos brasileiros,
buscavam estimativas pessoais para uma informação que se tornava mais exigida a cada ano.

Mencionamos, a seguir, os levantamentos e estimativas consideradas em nosso estudo, com


breves comentários sobre os totais que citam para a população pernambucana.

LEVANTAMENTO DE 1775

Oliveira Lima escreve de “uma estatística muito deficiente do tempo do marquez de Pombal,
baseada como todas as antigas estatisticas portuguezas sobre dados ecclesiasticos” pela qual a
população de Pernambuco (certamente PE3) chegaria a 175.000 . Estaria incluída a população
de Alagoas? Provavelmente sim, mas de qualquer forma o total nos parece muito baixo,
quando comparado ao levantamento de 1777. Ou seja, o erro de subcontagem seria bem mais
significativo do que a inclusão ou não das freguesias alagoanas46.

ESTIMATIVA DE SOUTHEY PARA 1775

Robert Southey , que nunca esteve por aqui e escreveu sua volumosa obra sobre a história do
Brasil a partir de livros e documentos que estudou em Portugal , cita a população de
Pernambuco por volta de 1775 como 245.000, numa estimativa considerada “completamente
sem credibilidade” por . Explicita como fontes o Jornal de Coimbra, Koster e Aires de Casal.
Este total foi citado por e tem sido, a partir daí, freqüentemente repetido, como por exemplo
por e mais recentemente por . Essa estimativa, no entanto, não fica tão discrepante do total
que calculamos para PE3 em 1782 (230 mil).

LEVANTAMENTO DE 1777

Baseado em documento do Arquivo Histórico Ultramarino (Caixa de Pernambuco, 70),

46
Não procuramos examinar este levantamento em maiores detalhes.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 49
considera a população de Pernambuco e suas capitanias subalternas (PE6), em 363.238
habitantes, o que, mantidas as proporções geográficas do levantamento de 1782, daria,
somente para a futura província de Pernambuco (PE1), 227.400 habitantes47.

RELATÓRIO DE 1782

Em 1782, sob o governo do Capitão-General José Cezar de Menezes, é enviado para a corte
relatório sobre as capitanias de Itamaracá, Pernambuco e suas subalternas mencionadas acima.
Segundo Dauril Alden, os dados decorrem de levantamentos realizados na década anterior (ou
até em 1765, no caso do Ceará). Nem todas as informações sobre a atual margem esquerda
baiana do São Francisco são consideradas no levantamento, seja por suas pequena
importância:
“Alem das quatro Comarcas deste Continente, declarados nos Mappas antecedentes, ha mais a
Comarca da Manga, cuja aqui não vae descripta por se achar reduzida a duas Freguesias a
saber: S.Romão e Manga” .

seja ainda pelas dificuldades logísticas envolvidas em tal levantamento:


“Faltão as suas relações, porque dista quinhentas legoas desta Capital de Pernambuco, a cujo
Bispado pertence no Ecclesiastico: No Militar e nas Justiças ao Governo das Minas: he mais
perto receber as respostas pelo Rio de Janeiro e Bahia de Todos os Santos em direitura a esta
Capitania” .

A população listada nas freguesias que irão compor a futura província de Pernambuco (PE1) é
de 172.834 habitantes; a população das freguesias da futura província de Alagoas soma outros
56.879, totalizando para o então território da capitania de Pernambuco (PE3 ou PE2), 229.713
habitantes. Este é o total atribuído por Wamireh Chacon a Pernambuco para o ano de 1777,
sem contudo citar sua fonte . Ribeiro Júnior cita praticamente o mesmo total (229.712) como
referente a Pernambuco, excluídas as subalternas (PE3). É quase igual também ao total
(229.743 hab.) listado por , possivelmente com erro de identificação de um dígito, em tabela
intitulada “Estimativas da população, segundo as províncias – 1777-1788”, com referência à
“província” de Pernambuco (sem menção de sua abrangência geográfica, mas, deixando em
branco o total referente à “província” de Alagoas). Listando as capitanias de Ceará, Rio
Grande do Norte e Paraíba em separado, cita a população de Pernambuco (PE3, incluindo
Alagoas) como 239.713, total que é repetido por P.Eisenberg48.
47
Sem qualquer anotação, cita o total de 363.238, referente ao que chamamos de PE6, na mesma série em que
lista, no século XIX, a população da província de Pernambuco em suas fronteiras pós-1824. Nenhum dos autores
menciona a capitania de Itamaracá, nomeada no levantamento de 1782.
48
citam como fonte o documento publicado nos Anais da Biblioteca Nacional, “Mappa do total de todos os
habitantes comprehendidos nas quatro capitanias deste Governo de Pernambuco, extrahido das relações dos
parocos em o anno de 1782”. José Ribeiro Júnior cita a partir de documento do Arquivo Histórico Ultramarino
(Caixa de Pernambuco, nº 73) “Mapa que mostra o número de habitantes das quatro capitanias deste governo, a
saber Pernambuco, Paraiba, Rio Grande do Norte e Ceará” . Este autor deixa claro que a região de Alagoas

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 50
LEVANTAMENTO DE 1788

Uma população de 215.723 habitantes é relacionada em Mapa de 31/10/1791, que foi


organizado com base em levantamento das comarcas eclesiásticas, citado em . Trata-se
possivelmente de um total subestimado para os habitantes de PE3.

LEVANTAMENTO DE 1808

Consta da Memoria Estatistica do Imperio do Brazil, republicado pelo IHGB em 1895, o total
de 244.277, possivelmente para PE3, como tendo sido obtido no levantamento ordenado na
chegada da corte ao Brasil , , (Eisenberg, 1977) e outros.

ESTIMATIVA DE KOSTER

Henry Koster estima, para 1809, os habitantes do Recife em 25.00049 . Desde então, este total
talvez seja uma das estimativas mais citadas sobre a população pernambucana no início do
século XIX.

Tendo concluído seu relato depois desta data, podemos presumir, como , que o inglês se
baseou no mesmo mapa referido pelo capitão-general, Miranda Montenegro, em seu ofício de
6/12/1810, onde relaciona 25.350 habitantes no Recife, conforme Figueira de Mello, in .

Southey repete esta estimativa e, baseado num total de 5.391 fogos nos três bairros, recalcula
este total em pelo menos 27 mil, a 5 pessoas por fogo.

OFÍCIOS DE 1805 E 1810

Figueira de Mello compila informações em diversos ofícios/relatórios do governador Caetano


Pinto de Miranda, de 1805 e 1810, para chegar a um quadro total da população de
Pernambuco . Dá como total “uma população não inferior a 274.687 habitantes” excluída a
comarca das Alagoas (PE2).

OFÍCIOS DE 1814 E 1815

Ainda neste texto, Figueira de Mello se vale de ofícios dos anos de 1814 e 1815, do mesmo
capitão-general, para calcular uma população de 339.778 almas (PE2). cita os ofícios de
estava então incluída em Pernambuco, mas não entra em pormenores sobre o assunto, prosseguindo com uma
discussão sobre a “evolução” da população de Pernambuco, daquela data até a segunda década do século XIX,
quando sua abrangência geográfica já excluía as Alagoas. No que poderíamos denominar uma “sinédoque
estatística”, relaciona, também para 1782, o total maior (367.431), referente às 4 capitanias, na mesma
seqüência em que lista a população da futura província de Pernambuco.
49
“The three compartments of the town, together, contain about 25,000 inhabitants, or more, and it is increasing
rapidly; new houses are building wherever space can be found.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 51
Caetano Pinto de Miranda “que, na sua correspondência com a Corte, inseria freqüentemente
dados minuciosos sobre a população da capitania em geral, de Olinda, do Recife e de outras
localidades em particular”, mas não utiliza essa informação nas tabelas sobre população,
preferindo os dados preparados por Maria Luíza Marcílio50. Efetivamente, com estes, pôde
analisar a evolução demográfica das 4 capitanias (nosso PE6) entre 1782 e 1823.

ESTIMATIVA DE FIGUEIRA DE MELLO SOBRE MARIZ PARA 1815

Figueira de Mello também usa informações da História do Direito Canônico de Pernambuco,


de Francisco Soares de Mariz (s/d), para estimar a população pernambucana (também PE2),
por volta de 1815, em 341.810 habitantes .

ESTIMATIVA DE NUNES DE SOUZA PARA 1815

Thomas Ewbank cita artigo de 11/12/1847, no Diário (do Rio de Janeiro), em que Nunes de
Sousa atribui a Pernambuco (PE3 ou PE2 ?) uma população de 369.000 habitantes, sem
contudo citar sua fonte original. Diz o jornalista: “É muito dificil chegar-se a um
conhecimento certo da população do Brasil.” Ao que Ewbank comenta: “Nada pode expressar
melhor do que esta nota a incerteza sobre o assunto” .

ESTIMATIVAS DE TOLLENARE PARA 1817

Tollenare considera 400 mil habitantes só para a capitania de Pernambuco (PE3 ou PE2 ?) em
1817. Tendo estimado também em 400 mil o total das 4 capitanias (PE6) 30 anos antes,
calculamos que 230 mil teria sido sua estimativa somente para Pernambuco (PE2) em 1787 .

ESTIMATIVA DE VELLOSO DE OLIVEIRA EM 1819

Certamente baseado em levantamentos eclesiásticos, Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira,


em seu relatório sobre A igreja do Brazil, lista a população de Pernambuco51 em 368.465, dos
quais 270,832 livres e 97.633 escravos, segundo e . O período de referência teria sido entre
1815 e 1818, pois a obra foi publicada em 1819. No corpo de seu texto, cita tanto estes
50
Os ofícios citados provêm do acervo do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, Recife, (hoje Arquivo
Público Estadual Jordão Emerenciano): Ofícios de Caetano Pinto de Miranda Montenegro ao Marquês de Aguiar
em 6/12/1810, 20/4/1814 e em 1817(s/d). Correspondência da Corte 1808-1817, Livro 69, f.69, 200 e 201; Livro
70, f.18 a 21.
51
Figueira de Mello, apud , escreve “... a Pernambuco 368.465, inclusive a comarca da Barra de S.Francisco, que
se unia à Bahia...”. Não pudemos apurar exatamente que território foi esse, já que a comarca “do São Francisco”
foi no Sertão, mas qual terá sido a “da Barra do São Francisco” ? Ou seria a comarca ‘delimitada pela barra de
algum rio junto ao São Francisco” ?

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 52
números, quanto os mesmos, acrescida a população livre de 3.000 habitantes, do que resulta
os totais: livres, 273.832; escravos, 97.633; total, 371.465. Ao propor uma recapitulação, ao
final, lista para o ano de 1819, os valores com este acréscimo. Esses números ligeiramente
alterados, possivelmente decorrentes de erro de anotação, seguido da adição dos totais de
livres e escravos, são os que foram adotados por e, a partir dele, por diversos autores , .

ESTIMATIVA DE MARIA GRAHAM PARA 1821

Maria Graham informa haver 70.000 habitantes em “Pernambuco” em 182152, estimativa


citada por , sem maiores comentários. Este número fica bem abaixo dos mencionados em
qualquer outra fonte, o que nos leva a supor que a inglesa tivesse feito referência ao “Grande
Recife” e não à capitania, já que a cidade do Recife era de fato conhecida no exterior como
“Pernambuco”. Koster escreve:
“The town of Santo Antonio do Recife, commonly called Pernambuco, though the latter is
properly the name of the captaincy, consists of three compartments, connected by two bridges”
.

A própria Maria Graham esclarece, na entrada em seu diário para 24/9/1821:


“O nome Pernambuco, que é o da capitania, aplica-se agora, de maneira geral, à capital, que
compreende duas parte: 1ª - a cidade de Olinda, (...) 2ª - a cidade do Recife (...) divida em [três]
bairros: Recife, propriamente dito(...) Santo Antônio(...) e Boa-Vista...” .

Como termo de comparação, Miranda Montenegro, em seu ofício de 6/12/1810 lista 27.500
habitantes no Recife e 25.350 em Olinda, totalizando quase 53 mil pessoas. O levantamento
de 1826, considerado bastante falho por Figueira de Mello, atribui 50.991 habitantes às duas
cidades. No entanto, caso aplicássemos a este número a correção proposta por Figueira de
Mello, o total chegaria a 80 mil.

Quadro 7 – Abrangência geográfica das fontes e estimativas correspondentes para PE1

ANO FONTE PE6 PE4 PE3 PE2 PE1

1775 Oliveira Lima 175.000 131.700


1775 Southey 245.000 184.300
1777 Ribeiro Jr. s/AHU 363.238 171.100
1782 Governo de Pernambuco 367.002 229.713 172.834
1782 Marcílio s/vários levantamentos 367.358 173.000
1782 Alden s/Governo de Pernambuco 239.713 180.400
1787 Tollenare (estimativa própria) 400.000 230.000 225.700
Silva, 2003 e Ribeiro Jr.
1788 460.088 215.723 162.346
s/Mapa de 1791

52
“... em Pernambuco, e a população de suas diferentes freguesias sobe a 70.000 almas” , .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 53
1805-10 Figueira de Mello s/Governo de PE 274.687 269.500
1808 Memoria Estatistica 706.337 460.277 244.277 183.800
1814-15 Figueira de Mello s/ Governo de PE 339.778 333.400
1815 Figueira de Mello s/Mariz 341.810 237.200
1817 Tollenare (estimativa própria) 400.000 301.000
1819 Velloso de Oliveira 848.977 551.359 480.438 368.465 361.500
1819 Nunes de Souza (s/Velloso?) 369.000 362.000
1823 Marcilio s/Memoria Estatistica 1.003.46 681.053 610.000 480.000 459.000
0

Notas: (a) Os números em itálico referem-se a estimativas proporcionais sobre os dados da mesma fonte. (b) Os
quadros escurecidos correspondem a situações cronologicamente inexistentes.
Fontes: As referências das fontes vão mencionadas no texto acima.
Legenda: PE6 = Capitania de Pernambuco, incluindo Alagoas e território hoje baiano na margem esquerda do
rio São Francisco, e suas subalternas, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba; PE4 = Capitania de Pernambuco,
incluindo Alagoas e território hoje baiano, mais a capitania subalterna do Rio Grande do Norte; PE3 = Capitania
e província de Pernambuco, incluindo Alagoas e o território hoje baiano; PE2 = território correspondente às
fronteiras da província de Pernambuco ao final do Império mais o território hoje baiano; PE1 = território
correspondente às fronteiras da província de Pernambuco ao final do Império.

ESTIMATIVA PARA 1823

citam a Memoria Estatistica do Imperio no Brazil, que atribui 480.000 habitantes a


Pernambuco em 1823 (PE2 ou PE3 ?). Oliveira Lima considera esta mesma população no
“princípio do século [XIX]”, sem maiores precisões de ano . Eisenberg (1977:170), citando
Oliveira Vianna em seu Resumo histórico dos inquéritos censitários, abre este número em 330
mil livres e 150 mil escravos.

No quadro da página anterior, procuramos classificar essas diversas fontes segundo sua
possível abrangência geográfica. Relacionamos, em itálico, estimativas, meramente
proporcionais, para o território atual de Pernambuco (PE1).

1.6.LEVANTAMENTOS E ESTIMATIVAS DE 1824 ATÉ 1871

LEVANTAMENTO DE 1827

Em cumprimento a determinação imperial, é feito levantamento da população em 1827,


indicando um total de 287.140 habitantes, resultado que, segundo Figueira de Mello, deveria
ser corrigido para 450 mil:
“Ora, depois que os fatos e documentos apresentados concorreram, de acordo com o raciocínio
e cálculo, a demonstrar que, em 1815, a população de Pernambuco chegava a 340.000
habitantes, não é possível admitir que, em 1827, fosse somente de 287.140, tendo decorrido

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 54
doze anos, e não se dando nesse intervalo catástrofes que a destruíssem visivelmente, antes,
pelo contrário, conhecida a tendência que ela tem para crescer, deve supor-se que o seu
aumento foi de um terço, e que portanto ela chegara a 450.000 habitantes” .

Fazendo cálculo sobre taxas médias de natalidade e de nupcialidade no Brasil e na Bélgica,


Figueira de Mello também chega, no mesmo texto, à estimativa de 488.243 pessoas.

ESTIMATIVA DE MALTE BRUN PARA 1830

usam, para a ano de 1830, o total de 602.000 como população de Pernambuco, segundo
Malte-Brun (Tableau Statistique du Brésil, Géographie Universelle). Também citado por .

ESTIMATIVA DE WARDEN PARA 1832

cita Histoire de l’empire du Brésil de Warden como atribuindo 550.000 habitantes a


Pernambuco em 1832.

LEVANTAMENTO DE 1838

Neste ano é realizado levantamento provincial que se mostrou inaproveitável por suas óbvias
falhas e omissões, tendo totalizado somente 289.601 habitantes. Apesar de ter oficialmente
assinado o quadro publicado, na qualidade de secretário da província, Figueira de Mello
incluiu nota, logo abaixo dos números, em que rechaça, com sutilezas burocráticas, suas
conclusões: “NB. Este Mappa foi organisado à vista dos Mappas, que remettérão os Prefeitos
das Comarcas.” Ao publicar seu comentário sobre a população pernambucana, detalhou
claramente suas críticas, retificando esses totais, somente pela correção dos erros claros, para,
pelo menos, 354.282 habitantes. Ao considerar a população relativamente a suas estimativas
anteriores, eleva este total para 620.000 habitantes .

ESTIMATIVA PARA 1840-1842

Figueira de Mello usa ofícios das câmaras e dos vigários dirigidos à presidência da província
com dados de 1840 e listas remetidas pela administração provincial com dados de 1842, para
montar quadro com o número de fogos distribuídos por município e freguesia: 110.897(1840)
e 119.431(1842). Atribui 7 pessoas por fogo, mas desconta 20% (“como geralmente se afirma
que o número destes [fogos] se aumenta para fazer crescer o dos eleitores, e obterem-se assim
indevidos triunfos, diminuiremos-lhe a quinta parte”), chegando a um total, na média dessas
duas estimativas, de 644.935 habitantes “que é o que efetivamente agora atribuímos à
Província” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 55
ESTIMATIVA DE FERNANDES DA GAMA PARA 1842

José Bernardo Fernandes da Gama, em suas Memorias historicas da Provincia de


Pernambuco (s/ref), dá um total de 600.020 habitantes livres em toda a província, calculados
como 120.004 fogos vezes 5 pessoas por fogo. Este autor também considera que a população
cativa53 correspondia a 2/3 da população livre, do que resultaria 400.013 escravos, num total
de 1 milhão de habitantes. Esta estimativa teria sido baseada no “recenseamento tirado em
1842 para a eleição da legislatura de então”. Ao citar Fernandes da Gama, diz que “os
arrolamentos se fizerão com muito mais escrupulo...”, mas que
“pelo curto espaço de tempo que houve para este importante trabalho (...) em muitas freguezias
do centro da Provincia, de notavel extensão, e onde as habitações são muito mais distantes
umas das outras, muitas familias deixarão de ser arroladas”.

ESTIMATIVA DE LOPES DE MOURA PARA 1845

cita o Diccionario geographico, historico e descriptivo do Imperio do Brasil (s/ref) de


Melliet de Saint-Adolphe e Caetano Lopes de Moura, que dá somente 320 mil habitantes para
Pernambuco em 1845.

ESTIMATIVA DE COUTO FERRAZ PARA 1854

O Senador Luiz Pedreira do Couto Ferraz, como Ministro dos Negócios do Império, apresenta
estimativa referenciada ao início de julho de 1854 a partir de “informações oficiais” que
atribui a Pernambuco a população de 950.000 pessoas . Este número também é utilizado como
fonte por , e . P.Eisenberg, bem como muitos dos que tomaram o brasilianista como fonte
secundária, não citam esta estimativa oficial.

ESTIMATIVA CONSULAR INGLESA PARA 1855

O relatório diplomático britânico “Cowper a Claredon, Pernambuco, 18/7/1855”, citado por


atribui um total de 693.450 habitantes a Pernambuco, sendo 548.450 livres e 145.000
escravos.

ESTIMATIVA DA RECIFE – SÃO FRANCISCO RAILWAY PARA 1856

cita prospecto de angariação de investidores para a Recife and São Francisco Railway que
informa ter Pernambuco mais de meio milhão de habitantes livres, além de escravos não

53
Apesar de muitos autores não empregarem os termos “cativo” e “escravo” como sinônimos, cremos que em
nossa discussão sobre a população existente em Pernambuco poderemos considerá-los assim, sem confusão
conceitual.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 56
enumerados. A cidade do Recife teria 150 mil desse total de livres.

LEVANTAMENTO DE 1858

O levantamento publicado no relatório presidencial de 1859 sob o título “Mappa da população


livre e escrava da provincia de Pernambuco, organisado de conformidade com as informações
ministradas pelos subdelegados de policia” também se mostra bastante deficiente, pois não
inclui dados sobre 13 das 59 freguesias, o que estimamos correspondesse a cerca de 22% da
população total da província. Além disso, não há garantia da precisão dos números relativos
às freguesias declaradas . O total registrado foi de 368.639 habitantes, enquanto, somente com
o preenchimento dos habitantes para as freguesias omitidas, podemos atingir um número de
472 mil, ainda assim bastante inferior se comparado aos 645 mil estimados por Figueira de
Mello para quase duas décadas antes.

ESTIMATIVA DE AVÉ-LALLEMANT PARA 1858

considera que a província de Pernambuco tinha “quase um milhão de habitantes” em 1858,


sendo 100 mil no Recife.

ESTIMATIVA DE SOUZA BRAZIL PARA 1858

Baseado em critério subjetivo de que “a população n’um paiz novo, segundo os principios de
Malthus, deve multiplicar [duplicar] de 25 em 25 anos”, o senador Thomaz Pompeu de Souza
Brazil calcula que, tendo sido de 680 mil em 1840, deveria ser de 1.180 mil em 1858 .
Entretanto, aplicada rigorosamente, esta taxa de crescimento resultaria num total de somente
1.120 mil.

ESTIMATIVA DE FERREIRA SOARES PARA 1860

calcula a população da província em 1.200.000 habitantes, sem citar fontes.

ESTIMATIVA IMPERIAL PARA 1867

O livro descritivo do Brasil, preparado para a Exposição Universal de 1867, dava 1.220.000
habitantes para Pernambuco, dos quais 250 mil escravos .

ESTIMATIVAS DE SOUZA BRAZIL PARA 1869

O senador estima 1.200.000 habitantes para 1869 . citam esta estimativa como 1.250.000.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 57
1.7.O RECENSEAMENTO DE 1872 E DADOS POSTERIORES

CENSO DE 1872

O relatório final do Recenseamento de 1872 lista 841.539 habitantes em Pernambuco, dos


quais 752.511 livres e 89.028 escravos. Quanto aos escravos, Peter Eisenberg relaciona o total
registrado em 1873, por força da Lei n 2.040/1871, que obrigava a declaração, sob pena de
serem considerados livres os escravos não registrados. Esse total, que reputa mais correto, é
de 106.236, ou seja 17.208 a mais do que haviam sido recenseados no ano anterior54.

contesta este número maior com base em pesquisa realizada nos manuscritos na Tesouraria da
Fazenda provincial (caixa 73, 1873), sobre matrículas de escravos, também lembrando que
Eisenberg extraiu o total de 106.236 de fonte secundária (Vieira Souto, citado por Ruy
Barbosa apud Pádua55). Ficamos com a dúvida: qual a fonte mais fidedigna no caso, registros
de matrículas da Tesouraria Provincial ou a informação de segunda mão? Josemir C. de Melo
informa que só encontrou matrículas de 78.372 escravos, daí concluir pelo exagero do número
maior. Cita, em seguida, Robert Conrad usando o mesmo total de 106.236 escravos em 1874 e
segue comparando os dados de Conrad com os de seus levantamentos na Tesouraria
Provincial. Na seção 8.5, detalhamos porque optamos, para nossa estimativa sobre o número
de escravos em 1872, pelo total maior aceitando-o como válido em 1873 e o aumentamos
ainda, para compensar os óbitos de um ano, chegando assim a um total de 108.137 escravos
em 1872.

Uma conseqüência imediata dessa reavaliação é também precisarmos reavaliar a população


total da província. Na mesma seção 8.5, explicitamos os cálculos que utilizamos para estimar
este total em 868.173 habitantes, sendo 760.036 livres e 108.137 escravos.

A POPULAÇÃO DE ESCRAVOS ENTRE 1872 E 1888

54
“Devo observar aqui que a cifra de 1873, que representa o número total de escravos inscritos no registro
especial criado pela Lei 2.040 de 1871, merece mais confiança do que a de 1872, que representa o número de
escravos contados no primeiro censo oficial nacional. Conforme a lei de 1871, os escravos não inscritos no
registro especial após um ano da criação deste seriam considerados livres. A diferença entre cifras de 1873 e
1872 representa em grande parte os escravos não enumerados no censo, mas apressadamente registrados pelos
proprietários, posteriormente” .
55
PÁDUA, Ciro T. de. Um Capítulo da história econômica do Brasil, São Paulo: Revista do Arquivo Municipal ,
XI:C (jan-fev 1945), p.135-190.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 58
As estatísticas sobre o número de escravos, de ingênuos e manumissos foram instituídas sobre
as matrículas determinadas a partir de 1871. Como se pode avaliar do relato de Cansansão de
Sinimbu, Ministro da Agricultura, responsável pelo “estado servil”, houve grande dificuldade
em manter esses registros e deles extrair estatísticas:
“...diversas causas hão todavia concorrido para difficultar este trabalho [organisar a estatistica
da população escrava e dos ingenuos], entre as quaes as longas distancias, a irregular
escripturação de alguns livros de matricula, a instabilidade dos agentes fiscaes e o pouco
interesse com que entre nós é olhada a estatistica” .

Listamos na página seguinte, em forma tabular, as diversas fontes encontradas sobre o total da
população cativa, com suas respectivas referências. Dados sobre alforrias e tráfico
interprovincial encontram-se nas seções respectivas.

Quadro 8 – Fontes sobre população escrava total em Pernambuco, entre 1872 e 1888

TOTAL DE
ANO FONTES
ESCRAVOS
1872 89.028 Recenseamento de 1872
1872 91.992 Levantamento que serviu de base para a distribuição municipal das quotas do
Fundo de Emancipação
1873 106.236 Eisenberg, cita Vieira Souto citado por Ruy Barbosa, apud Pádua (1945)
1874 106.236 J.C.Melo cita Conrad
1876 84.370 Ministério do Império, 1882
1877 85.530 Ministério do Império, 1882
1878 83.864 Ministério do Império, 1882
1879 82.178 Ministério do Império, 1882
1880 82.510 Ministério do Império, 1882
1881 81.146 Ministério do Império, 1882
1882 84.700 Eisenberg, cita Vieira Souto citado por Ruy Barbosa, apud Pádua (1945)
1883 83.835 Eisenberg cita artigo “Elemento servil”, Diário de Pernambuco, 27/3/1885
1884 72.709 J.C.Melo cita Conrad
1885 72.370 Ministério da Agricultura, 1885
1886 80.338 Eisenberg: média dos valores das 2 fontes seguintes
1886 80.872 Eisenberg cita Relatório Pereira da Costa
1886 79.803 Eisenberg cita artigo “População escrava”, Diário de Pernambuco, 29/1/1886
1886 80.374 J.C.Melo cita Tesouraria Provincial (caixa 109-1886)
1887 41.122 Pernambuco Relatório Presidente (out1887) p.30
Eisenberg cita Relatório Ministério da Agricultura, Commercio e Obras
Publicas (1888), p24
1887 40.642 J.C.Melo cita Conrad, que cita Diretoria Geral de Estatística, 1875
J.C.Melo cita Tesouraria Provincial (caixa 112-1887) Refere-se a agosto.

Fontes: ♦ ; ♦ Relatorio com que o Sr.Francisco Augusto Pereira da Costa dá conta ao Exm. Sr. Presidente da
Provincia da Commissão de que fora encarregado em 2 de março de 1886, p.50, apud ; ♦ ; ♦ Conrad, R. Os
Últimos anos da escravatura no Brasil, Trad.de F.de Castro Ferro, Rio de Janeiro:Civilização Brasileira/MEC,
1975, p.394, citado por J.C.Melo. ♦ Tabelas ao final do relatório “Estatistica da população escrava e sua
descendencia”, por José Carlos Mariani em . Os totais referem-se nestas tabelas a 31/12 de cada ano. ♦ Os

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 59
dados se referem a 30/06/1885.

CENSO DE 1890

O censo de 1890 não teve sua apuração concluída, nem houve a publicação definitiva dos
relatórios inicialmente programados. A Synopse do Recenseamento informa não ter havido,
em Pernambuco, levantamento em 4 freguesias dos municípios de Alagoa de Baixo e
Sant’Anna do Bom Jardim . Entretanto, relata ter havido, nos censos de 1890 e 1900,
“Cálculos de dados, procedendo-se a estimativas da população de áreas não recenseadas ou
que tiveram o material de coleta extraviado, agregando-se essas estimativas aos dados
levantados pelo censo.” Foram totalizados 1.030.224 habitantes na província.

Consideraremos o mesmo critério aplicado ao censo de 1872 para nossa estimativa,


acrescentando 1% como margem de erro mínima, do que resulta um total de 1.040.526.

CENSO DE 1900

O censo de 1900 tampouco foi considerado preciso, mas o estado de Pernambuco não consta
da relação dos mais problemáticos. No entanto, os cônsules britânicos no Recife, em seus
relatórios da década seguinte, sempre complementavam a informação demográfica com o
caveat de que “this census is unreliable”. O número de habitantes recenseados foi de
1.178.150. Aplicando correção idêntica às dos censos anteriores, reavaliamos este total para
1.189.932 habitantes.

Nas páginas seguintes, procuramos resumir esse conjunto de dados em gráficos, destacando
algumas informações que julgamos merecer realce.

1.8.PANORAMA DAS AVALIAÇÕES POPULACIONAIS

Fazemos a seguir um rápido exame gráfico das informações existentes nessas diversas
estimativas e levantamentos sobre população total e população cativa em Pernambuco, como
uma primeira perspectiva sobre seu conjunto. Tanto nas estimativas da população total, quanto

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 60
da população de escravos, há enorme dispersão de valores, demonstrando a imprecisão da
maior parte dos dados.

Na primeira figura, percebem-se claramente essas diferenças. As maiores estimativas para a


população entre 1855 e 1860 chegaram a ser mais de 3 vezes superiores às menores, no caso,
um levantamento provincial notoriamente falho.

1.400.000

PE1
1.200.000

PE3
1.000.000
Habitantes

800.000

600.000

400.000

200.000

0
1760 1780 1800 1820 1840 1860 1880 1900

Figura 3 – Pernambuco. População total segundo as diversas fontes compiladas

Fontes: Os diversos dados listados nesta seção.

No entanto, cremos ser possível separar esses valores em três grupos distintos de estimativas:
a) uma série de valores menores, possivelmente subestimados, que correspondem quase
sempre aos resultados de recenseamentos oficiais, reconhecidamente incompletos; b) um
conjunto de estimativas mais coerentes entre si, correspondendo a resultados propostos por
diversos autores e que atingiram valores próximos àqueles obtidos nos censos; e c) uma série
de valores maiores, possivelmente superestimados. No gráfico abaixo, assinalamos os
extremos, pouco confiáveis, dentro de elipses, acima e abaixo da faixa dos valores plausíveis.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 61
1.400.000

1.200.000 Valores
claramente
superestimados
1.000.000

Habitantes
800.000

600.000

400.000 Valores
claramente
subestimados
200.000

0
1760 1780 1800 1820 1840 1860 1880 1900

Figura 4 – Pernambuco. Dados sobre população total, com


indicação de estimativas super ou subestimadas.

Fontes: As mesmas da figura anterior.

No tocante à população cativa, encontramos dispersão ainda maior das estimativas, como se
pode verificar na figura adiante.

Diante da dispersão dessas informações, pouco podemos concluir, a não ser constatar que, nos
últimos anos antes da abolição, os números diminuem rapidamente e convergem para os
dados oficiais de registros de escravos matriculados.

300.000

250.000

200.000
Escravos

150.000

100.000

50.000

0
1800 1820 1840 1860 1880

Figura 5 – Pernambuco. Estimativas para o total da população cativa,


segundo as diversas fontes compiladas.

Fontes: Dados listados no Quadro 8.

Assim como fizemos para a população total, podemos a priori excluir alguma estimativas, por
claramente sub ou superestimadas.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 62
300.000

250.000 Valores
claramente
superestimados

200.000

Escravos
150.000

100.000

50.000 Valores
claramente
subestimados
0
1800 1820 1840 1860 1880

Figura 6 – Pernambuco. Estimativas para o total da população cativa,


com indicação de estimativas super ou subestimadas.

Fontes: As mesmas da figura anterior.

Retirados esses dados certamente discrepantes, vemos um crescimento da população total de


escravos, do início do século até seus meados, seguindo-se uma redução até o final dos 1880,
com a abolição. Somente após a inclusão dos dados modelados, no entanto, é que será
possível analisar de forma mais segura essa evolução da população cativa.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 63
CAP Í TULO II

MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS

5 DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

5.1 OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

5.2 TRANSPORTE FERROVIÁRIO

5.3 MIGRAÇÕES INTERNAS

5.4 MIGRAÇÕES EXTERNAS

5.5 ESCRAVIDÃO – TRÁFICO AFRICANO

5.6 ESCRAVIDÃO – TRÁFICO INTERPROVINCIAL

5.7 ESCRAVIDÃO – ALFORRIAS

6 DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS BIOLÓGICOS

6.1 OS CEMITÉRIOS PÚBLICOS

6.2 MORTALIDADE EPISÓDICA

6.3 MORTALIDADE NATURAL

6.4 NATALIDADE

6.5 CRESCIMENTO VEGETATIVO

7 DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 64
5. DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

“La question de la population est une des plus importantes


de l’économie politique. L’homme, en effet, est le centre
vers lequel convergent et auquel se rattachent toutes les
questions qu’agite la science économique.”
– E.Levasseur, em verbete sobre “Population” do Nouveau
Dictionnaire d’Économie Politique, 1891

1.9.OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

Manuel Diegues Júnior lembra como a ocupação das margens do São Francisco foi iniciada a
partir do Recife.
“...precedendo a expansão baiana para o baixo São Francisco, na margem hoje
serjipana, o expansionismo pernambucano desde cedo alcançou o vale do São Francisco, ao fim
do século XVII a margem alagoana já estava povoada” .

Seguindo para o interior, o principal motivo do povoamento era a criação de gado. Este
primeiro ímpeto foi interrompido pela invasão holandesa.

Manuel Correia de Andrade considera que sempre houve uma “grande ligação entre a região
açucareira, litorânea, e a região pecuarista, sertaneja”, em decorrência da ocupação do interior
por baianos e pernambucanos “em função da produção de animais de trabalho e de animais de
corte para abastecer a região açucareira” (. Vamireh Chacon, ao comentar o esquecimento da
historiografia sobre as origens pernambucanas da ocupação do sertão do São Francisco,
escreve:
“Quanto ao motivo da separação [da Comarca do São Francisco de Pernambuco], nenhum dos
dois decretos imperiais se refere à ausência de povoamento pernambucano e sim ‘salvar meus
fiéis súditos do contágio da sedução e impostura’ da revolução liberal pernambucana de
1824...” .

Segue lembrando que Capistrano de Abreu relegou a segundo plano “as bandeiras
pernambucanas”, mas contraditoriamente falou das rotas de Pernambuco para os vários
sertões do Nordeste. Mais recentemente, Maria Yedda Linhares aborda o apossamento de
terras no interior do país “...o avanço da fronteira, de forma paulatina, tendo com instrumento
o gado ... daí resultando a partilha do sertão sanfranciscano e pernambucano entre vastos e
sucessivos latifúndios.” Mostra como a economia resultante integrou-se ao litoral, como
produtora de alimentos, mas também patrimonial e financeiramente, pelos mecanismos de

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 65
transferência de renda do gado para arrendatários e sesmeiros .

Concentrando-nos no século XIX, vemos que tanto a cultura do algodão, como a criação de
gado, já estabelecida no Agreste e Sertão, se traduziram em trânsito e comércio bilateral com
a costa: enviando suas mercadorias de exportação ou para abastecimento da capital e
recebendo produtos para consumo. Formavam esses fluxos de gente, gado e mercadorias os
principais elos com a economia litorânea do açúcar, refletindo relações institucionais e
financeiras subjacentes.

já havia deixado claro que “os rios de Pernambuco, (...) por terem junto de si pastos
competentes, estão povoados com gado...” E sobre o destino do gado:
“Os curraes desta parte hão de passar de oitocentos, & de todos estes vão boyadas para o Recife
& Olinda suas villas, & para o fornecimento das fabricas dos engenhos desde o rio São
Francisco até o rio Grande...”

Era a topografia que determinava o mercado de influência: “porque as boyadas destes rios
[Parnaguá e rio Preto] vão quasi todas para a Bahia por lhes ficar melhor caminho pelas
Jacoabinas por onde passão & descanção.” mostra como Juazeiro foi a passagem do gado de
Pernambuco destinado à Bahia. Antonil estimou os rebanhos baianos então em 500 mil
cabeças e os pernambucanos em 800 mil.

descreve como as antigas rotas de exploração e ocupação permaneceram, nesse período,


como rotas de comércio: rios (o Capibaribe, o Ipojuca e o São Francisco) e caminhos que
acompanhavam os rios.
“As grandes vias de penetração (...) eram os rios navegáveis, substituídos, onde não havia,
pelos caminhos de gado. Quando surgiu o ‘boom’ algodoeiro, nos fins do Sec.XVIII (...) esses
caminhos de gado foram transformados em caminhos de algodão, melhorando-os
modestamente para que o ouro branco pudesse ser escoado para os portos de exportação” .

A ocupação do interior, iniciada por grandes sesmarias com pouquíssima população, evoluiu
com o surgimento de núcleos de povoamento, quase sempre oriundos da própria atividade de
criação. Kempton Webb, de sua perspectiva de geógrafo, descreve bem esse processo:
“Apareceram povoações nos locais de encontro freqüente dos habitantes, tais como as salinas,
as pousadas, as travessias de rios e as feiras de gado” . Segue descrevendo como, à medida em
que essa atividade requereu mais terras, os criadores de gado enfrentaram índios, dizimando-
os ou empurrando-os para paragens ainda mais distantes.

Durante o final do século XVIII e início do século XIX, ocorreu outro movimento importante
de ocupação do território, isto é, fluxos de áreas mais densamente habitadas para áreas de
menor densidade demográfica: os movimento demográficos relacionados à cultura do
algodão, que se ampliou especialmente nesse período. Identificamos nessa cultura

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 66
características com reflexos sobre os fluxos populacionais: o fato de ter sido desenvolvida em
propriedades de tamanho bem menor do que aquelas destinadas à cana-de-açúcar e de ser
baseada numa mão-de-obra em parte livre e em parte escrava. Isto significa ter o algodão se
espalhado por terras ainda não tomadas pela cana, isto é, terras ainda não cultivadas ou então
dedicadas ao cultivo de subsistência.
“O surto do algodão em Pernambuco, como em todo o nordeste, localizou-se nas regiões semi-
áridas e subúmidas. Começou por fixar-se no agreste (faixa intermediária [entre o] litoral – já
ocupado pela cana-de-açúcar – e o interior), avançando progressivamente para o sertão em
terras novas, em terras de gado. Em algumas zonas o algodão substitui ou foi plantado em
adendo ao canavial” .

Luís Amaral relata que a cultura do algodão se havia expandido pelo sertão do Nordeste desde
as duas últimas décadas do século XVIII, penetrando até 150 léguas da costa56. Em sua tese,
Ribeiro Júnior oferece informações sobre o quantum e o valor das exportações de algodão, do
Recife para Portugal, que demonstram um pico dessa atividade durante a primeira década do
século: as quantidades exportadas na década 1800-09 foram em média 3,3 vezes maiores do
que na década anterior à independência (1813-22), conforme fica aparente no gráfico abaixo.

Exportação de algodão Recife-Portugal

300

250

200
1000 arrobas

150

100

50

0
1797 1802 1807 1812 1817 1822

Figura 7 – Exportações de algodão do Recife para Portugal (em mil arrobas)

Fonte: Balanças de Comércio de Portugal com os seus domínios


e nações estrangeiras apud

Não dispomos de uma tradução precisa desses números em estatísticas demográficas 57, mas

56
“Em 1777 o governo do Dr. José César de Meneses oficiou às câmaras municipais, recomendando
intensificassem e fomentassem a lavoura algodoeira, em obediência às instruções da Secretaria de Estado dos
Negócios da Marinha e Domínio ultramarinos. Daí até 1781, o algodão conquistou todos os recantos
pernambucanos. (...) Diz Tollenare que as culturas se estendiam até 100 e 150 léguas para o interior” .
57
organiza um quadro com 9 freguesias (Districtos de expansión del algodón com predominio de cultivadores
pobres y libres) em 3 momentos: 1780, 1810 e 1822. As 6 freguesias com informações nos anos limites mostram
um aumento de 6 vezes na população nesse intervalo de 42 anos, de 19 mil para 112 mil, ou seja, um aumento
anual de 4,3%. Esses dados possivelmente repetem os valores das fontes, sem qualquer ajuste quanto à coerência
geográfica. Não refletem, sem dúvida, unicamente a economia do algodão, pois correspondem em parte também

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 67
podemos afirmar, diante do pico de exportação, ter existido uma atividade agrícola
equivalente, conduzida por uma população que se havia espalhado pelo Agreste e até pelo
Sertão, possivelmente nos anos finais do século XVIII. Para , já em meados do século,
apareciam focos de povoação distantes do litoral devido ao surto algodoeiro. Arruda da
Câmara, em 1798, descreveu o surto inicial:
“A notícia do grande lucro que podia dar o algodão, a quem o cultivasse, foi penetrando pouco
a pouco os matos e despertando os agricultores. Nos anos de 1777 até 1781 animaram-se os
povos de uma nova força, então é que se viram os interiores dos Sertões mais habitados e
cultivados, e tem-se de tal modo fomentado a cultura e o negócio do algodão, que admira” .

No final da década de 1860, com o boom algodoeiro instalado pela desorganização da


atividade econômica nos Estados Unidos devido à Guerra da Secessão, houve novo surto de
produção, mas que possivelmente já não mereça a classificação de movimento de ocupação,
talvez sendo mais bem qualificado como um refluxo para regiões então já parcialmente
ocupadas. A partir daí, não cabe falar-se propriamente em ocupação de novos territórios, e
sim em eventual adensamento de regiões já parcialmente habitadas. Muitos enclaves
indígenas, no entanto, ainda foram sendo tomados, até o século XX.

1.10.TRANSPORTE FERROVIÁRIO

Até meados do século, os meios de transporte dependiam de animais ou embarcações. Mesmo


depois da implantação das estradas-de-ferro, ao final da década de 1880, metade do açúcar
destinado ao Recife ainda chegava à capital sob tração animal ou em embarcações.

O transporte ferroviário se iniciou em Pernambuco em direção ao sul, atravessando a mais


importante região produtora de cana e buscando futura integração com o rio São Francisco. A
primeira seção da Recife and San Francisco Railway Company (RSFR), ligando o Recife às
junções dos rios Una e Pirangi (124 km), começou a ser construída em 1855, mas só foi
aberta ao tráfego em 1862 .

As ferrovias só passaram a servir o Agreste no final do século, chegando a Caruaru, em 1895.


O mapa abaixo mostra a evolução dos ramais ferroviários que foram construídos centrados no
Recife. As informações apresentadas neste mapa foram tabuladas em quadro ao final desta
seção.

à zona açucareira de Pernambuco.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 68
Timbauba
Nazaré 1882

Limoeiro 1882 Pau d’Alho

Russinha 1887
Gravatá 1894
Caruaru 1895
Cabo 1858

Escada 1860

Catende 1882

Garanhuns

Figura 8 – Rede de ferrovias (traço largo) e principais estradas (traços finos) em Pernambuco
na segunda metade do século XIX, com data do início do tráfego ferroviário.

Nota: Neste mapa não consta o ramal até Garanhuns.

Fonte: para o mapa original e as datas. Indicações de data nossas.

A existência de um transporte mais eficaz teve clara influência sobre o custo de transporte das
mercadorias, principalmente de exportação, mas também possibilitou a movimentação das
populações tributárias da capital pernambucana em números até então impossíveis. Os dados
sobre tráfego ferroviário de passageiros que citamos foram reunidos por em séries estatísticas
sobre as diversas estradas de ferro do Nordeste, desde o início das operações. Estes dados,
apresentados nos relatórios enviados ao Ministério do Império e, na República, ao Ministério
do Interior e ao Ministério das Indústrias, Viação e Obras Públicas, referem-se entretanto, a
um único total anual, sem abertura por sentido de tráfego, o que nos traria valiosa informação
sobre os fluxos demográficos líquidos entre o interior e a capital. Esse movimento, com
ambos os sentidos somados, está ilustrado e nas próximas duas figuras.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 69
1.000.000

Número de passageiros em ambos os sentidos


100.000

10.000
São Francisco
Limoeiro
Central
Sul de PE
1.000
1858 1863 1868 1873 1878 1883 1888 1893 1898 1903

Figura 9 – Evolução do tráfego anual de passageiros (em ambos os sentidos) nas


estradas de ferro de Pernambuco. (Eixo de tráfego em escala logarítmica)

Fonte: Dados de ; nossos cálculos e gráfico.

Uma vez estabelecido o tráfego em cada estrada de ferro, após um forte crescimento nos seus
primeiros anos de operação, o número anual de passageiros transportados atingia níveis
expressivos. Apesar de oscilação ano-a-ano, nota-se a manutenção de certo nível no total de
passageiros transportados pela Recife-São Francisco de 1864 até 1885. Na década de 1885 a
1894, ao contrário, verificamos um aumento nesse total transportado, na própria Recife-São
Francisco e nas outras linhas, talvez indicando uma utilização mais intensa desse meio de
transporte, além da simples ampliação da rede ferroviária.

Movimento de passageiros

10.000

1.000
Passageiros

100

1858 a 1870 1880 a 1896

10
1858 1863 1868 1873 1878 1883 1888 1893 1898 1903

Figura 10 – Pernambuco. Tráfego anual de passageiros nas estradas de ferro (em ambos os sentidos).
Total de todas as estradas-de-ferro, com indicação dos períodos de maior crescimento.
(Eixo de tráfego em escala logarítmica)

Fonte: Dados de ; nossos cálculos e gráfico.


A figura acima representa a mesma informação, agregando o tráfego de todas as empresas.
Ficam claros dois períodos de expansão do tráfego total: a década de 1860 e de 1880 a 1896.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 70
Para avaliar o uso das ferrovias de forma global (sem distinção entre fatores como maior rede
ou uso mais intenso), podemos estimar o seguinte indicador: o número de viagens por ano por
habitante de Pernambuco. O quadro abaixo apresenta esses cálculos.

Constatamos, portanto, que houve um salto na utilização média, relativa ao tamanho da


população, na década de 1881-1890, quando o número médio de viagens por habitante
dobrou. Salto ainda maior aconteceu na década seguinte, 1891-1900, quando esse indicador
aumentou outras 3 vezes, mostrando que a ferrovia havia passado a integrar-se claramente à
vida de muitos pernambucanos.

Quadro 9 – Pernambuco. Tráfego ferroviário e população


Tráfego médio População de
Viagens por 100
Década anual Pernambuco
hab.
(mil passageiros) (mil habitantes)
1861-1870 168 865 19,4
1871-1880 191 898 21,3
1881-1890 456 990 46,1
1891-1900 1.534 1.120 137

Fonte: Dados de tráfego: ; dados demográficos: médias de nossas


estimativas, relacionadas no Anexo 1.

Estas estatísticas não conseguem nos informar, no entanto, quem seriam esses passageiros, em
que direção se movimentavam e qual a freqüência com que faziam uso do trem. Ao
analisarmos a relação da ferrovia com as migrações por causa de secas, por exemplo,
podemos supor sem susto que pouquíssimos retirantes chegaram à capital de trem !

O quadro a seguir reúne as informações usadas para montagem do mapa inicial.

Quadro 10 – Chegada das estradas de ferro ao interior de Pernambuco

Inauguração Distância do Recife

Linha Sul (Recife ao São Francisco)


Cabo 1858 31
Escada 1860 57
Una (Palmares) 1862 125
Catende 1882 143
Garanhuns 1887 270
Quadro 10 – Continuação

Linha Oeste (Central)


Glicério (Pombos) 1886 57

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 71
Russinha 1887 68
Gravatá 1894 89
Bezerros 1895 112
Caruaru 1895 138

Linha Norte (Limoeiro)


Pau d’Alho 1879 48
Nazaré 1882 97
Timbauba 1888 118
Limoeiro 1882

Fonte:
Nota: As distâncias são medidas pela via férrea.

1.11.MIGRAÇÕES INTERNAS

As análises de macrodemografia do Nordeste, geralmente dirigidas a oferecer um panorama


populacional para comentários de fundo econômico, como em , costumam enfatizar a
importância de dois grandes êxodos que se sucederam em curto período: a grande seca de
1877-79 e boom amazônico da borracha58. Talvez mais voltado para uma análise do fenômeno
durante o século XX, Gilberto Osório de Andrade pondera:
“Um tanto convencionalmente costuma-se agrupar em duas classes os motivos que levam o
nordestino a migrar: as causas de ordem natural – tais como secas, enchentes, saturação de
certas áreas dotadas de escassos recursos agrícolas, etc. – e as de ordem social, principalmente
as estruturas agrária e fundiária e as condições não raro sub-humanas de trabalho rural. As
secas, por muitos apontadas enfaticamente como sendo um dos principais fatores de expulsão,
não devem ter, porém, sua importância exagerada” .

Ao cotejar o discurso das elites provinciais e do governo imperial, de busca de soluções para
os problemas da seca (entre estes a migração forçada), com a falta de efetividade das poucas
políticas implementadas, Gerald Greenfield lembra que os sertanejos, mesmo antes da Grande
Seca dar divulgação nacional a sua miséria e ao próprio fato das secas recorrentes, já viviam
no limite das condições de sobrevivência e já migravam regularmente para fugir dos picos de
seca .

Cremos, seguindo esta linha de raciocínio, que, durante nosso período de estudo, bastante

58
“Nas últimas décadas do século XIX, mais exatamente no período 1872-1900, alteraram-se significativamente
as posições: a população nordestina reduz seu crescimento para 1,3% ao ano, enquanto o Sudeste e São Paulo
alcançam a marca, respectivamente, de 2,3% e 3,6%. ¶ Por trás deste comportamento da população estão alguns
determinantes econômicos e fatores de ordem climática. (...) a crise [do] açúcar e [do] algodão, (...) a grande seca
do final dos anos 70 e o novo, intenso e extremamente curto, ciclo da borracha” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 72
longo e historicamente heterogêneo, além dos movimentos de interiorização e de
acompanhamento dos ciclos do algodão, foram as secas recorrentes a principal causa de
migrações internas, intra e interprovinciais, superando em importância os fluxos de motivação
meramente econômica59, seja pelo número de pessoas envolvidas, seja pela freqüência e
regularidade com que se impunham à população do interior pernambucano (e também, por
conseqüência, à população do litoral).

Na figura abaixo, demonstramos a altíssima freqüência das secas no Nordeste ao longo do


século XIX. O gráfico também procura ilustrar, embora de forma subjetiva, a intensidade
dessas secas, pela altura das colunas.

Secas

3
Intensidade da seca

0
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900

Figura 11 – Freqüência e intensidade de secas no Nordeste durante o século XIX

Fontes: ;; ; ; ; ; ; ; ; .
Nota: A intensidade das secas foi determinada subjetivamente, associada às qualificações mais comuns
dos autores: seca leve 0,6; seca 1,0; seca forte 1,6; seca muito forte 2,6; crise secular 4.

Visto como um problema do Nordeste, as secas adquirem uma regularidade inescapável.


Quantas dessas secas teriam de fato atingido Pernambuco, seja diretamente, pelo clima, ou,
indiretamente, através de fluxos de migrantes interprovinciais ? Num ou noutro caso, teria
também havido fluxos intraprovinciais de migrações em direção à costa e seus refluxos
posteriores para o interior ?

As migrações em decorrência de secas levavam populações do interior em direção ao Agreste

59
Fazemos essa oposição entre motivações para enfatizar que, além dos aspectos econômicos, como a morte do
gado e a perda das colheitas, sem dúvida presentes, estas migrações refletiam acima de tudo uma motivação bem
mais forte, de simples sobrevivência.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 73
e até à Zona da Mata. Gilberto Freyre pontuou o itinerário dos retirantes em poucas palavras:
“Chegam as famílias sertanejas ao “brejo”, aos engenhos e às cidades do litoral...” (.
Abordando a mesma questão, Cowell menciona que a migração sazonal do Agreste para a
Zona da Mata gera migração da Zona da Mata para o Recife, devido ao aumento da densidade
populacional naquela região, redundando numa migração por estágios.

Voltando as chuvas, parte dessas pessoas retornava a suas localidades de origem, mas parte
permanecia na capital e no seu entorno, em busca de nova vida. A fuga das secas também
ensejou migrações interprovinciais, principalmente nas secas fortes e prolongadas, como as de
1876-1880 e 1888-1890. O cônsul britânico no Recife descreve os efeitos desta seca, em seu
relatório sobre o ano financeiro 1877-78, como a mais desastrosa fome na história do Império,
com milhares de mortes em decorrência da própria seca e das doenças que a acompanharam.
Relata, também, a fuga maciça do interior para a costa60.

Ao analisar a migração urbana recifense, Cowell atribui o crescimento natural a menos de um


quinto do aumento da população da capital, contra quatro quintos para as migrações:
“Na média, durante o século XIX, o crescimento natural provavelmente aumentou em 0,4% ou
menos o crescimento anual do Recife, deixando um saldo residual de 1,6% que deve ser
atribuído à migração urbana” .

Procuramos aferir a importância dos fluxos migratórios interprovinciais em direção a


Pernambuco através dos dados da primeira contagem de maior abrangência disponível, que
foi o recenseamento de 1872. Esses resultados apontam o grupo de habitantes nascidos fora
da província como representando somente 2,2% da população residente naquele momento
censitário. Supondo que tal grupo tenha ali chegado ao longo dos 10 anos anteriores (numa
estimativa conservadora), chegamos a uma média de entradas anuais (que se tornaram em
fixação de residência permanente) de cerca de 0,2% do total por ano, percentual com pouco
significado diante dos demais fluxos considerados. Esse argumento também é reforçado pelo
fato de não descontarmos, desse grupo de nascidos fora de Pernambuco, aqueles que iriam
posteriormente retornar a suas províncias de origem.

60
“Owing, however, to the complete failure of rains in the commencement and throughout the rainy season of
1877, not only in this province [Pernambuco], but also in the provinces of Alagoas, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, and Aracaty, the whole of the crops failed in the interior, or, as it is called more commonly
“Sertão” (pronounced “Serton”). In these extensive provinces a most disastrous famine, such as has not been
known in the memory of man in the empire, was the result; and, consequently, not only has the death-rate been
most appalling from starvation, exposure and the diseases of a most malignant kind that are generally the
accompaniments of famine, but thousands that starvation spared were carried off thereby (...) “Senhores da
Fazenda” and “Matutos”, a mixture of Brazilian and Indian blood (...) commenced early in the autumn of 1877
to flow in in immense quantities to the sea-board for succour, forsaking their homes, furniture, and implements
of husbandry in sheer desperation (...) Owing to the general panic that ensued, and the sea-board being so
completely overrun with this unusual influx of immigrants, the amount of distress can easily be imagined” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 74
Em sentido inverso, o censo de 1872 aponta um número de pernambucanos residentes fora da
província equivalente a 6,0% do total de nascidos em Pernambuco. Fazendo o mesmo
raciocínio, teríamos uma taxa de emigração interna anual de cerca de 0,6%. Ou seja, 3 vezes
mais pernambucanos saíam da província do que lá entravam pessoas de outras naturalidades.

Embora tenham representado episódios pontuais, as revoltas que marcaram a primeira metade
do século em Pernambuco: a Revolução de 1817, a Confederação do Equador (1824), a
Cabanada (1832-1835) e, até, a Revolução Praieira (1848-1849) propiciaram movimentos da
população e perda de vidas. Durante a Cabanada, especialmente, houve aumento da
mortalidade, quando se estima terem morrido 15 mil pessoas, com migrações forçadas e
grande redução das atividades econômicas (a destruição de cerca de 140 engenhos).

Ao final do século, a migração do Nordeste, principalmente do Ceará, em direção à Amazônia


da borracha tornou-se outro marco nos movimentos demográficos brasileiros. mostra a
equivalência (em termos nacionais), no período de 1872 a 1890, da imigração estrangeira e
das migrações internas. Na década seguinte, no entanto, embora o número de migrantes
brasileiros se tenha mantido (em torno de 400 mil), chegaram quase três vezes mais
imigrantes.

1.12.IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA

Para estimarmos uma série coerente de imigração estrangeira, é preciso inicialmente


esclarecer uma questão conceitual: quem eram os estrangeiros, em Pernambuco, em cada
época. No começo do século, os portugueses não eram estrangeiros por lá. Ao tornar-se
independente o Brasil, passariam a ser juridicamente estrangeiros, embora desde muito
houvesse a clara distinção entre portugueses – reinóis – e brasileiros, nascidos na colônia,
como atesta uma longa história de conflitos entre os dois segmentos, até as revoltas de 1817 e
1824. Assim, precisaremos ou considerá-los desde o início do período nesse grupo ou dar
conta de sua passagem de “brasileiros” para “estrangeiros” a partir da independência.
Optamos pelo primeiro procedimento. Até a abertura dos portos, as demais nacionalidades
eram pouquíssimo representadas, a nos fiarmos, pelo menos, nos comentários de Koster sobre
seus poucos compatriotas no Recife.

Além da reviravolta da Independência, quando o numeroso grupo dos portugueses passou

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 75
repentinamente para a categoria “estrangeiros”, outro importante evento que afetou essa
categoria censitária foi a chamada “grande naturalização”, determinada por decreto em 14 de
dezembro de 1889 e incluída na primeira constituição republicana, que tornou brasileiros
todos os estrangeiros que aqui estivessem no dia 15 de novembro, com pelo menos dois anos
de residência, excetuando-se aqueles que expressamente se manifestassem pela manutenção
de sua nacionalidade . Devemos considerar as conseqüências, nos resultados censitários de
1890 e 1900, dessa passagem de cerca de 11 mil pessoas da categoria “estrangeiro” para
“brasileiro” na província de Pernambuco.

Outra questão metodológica relevante é o tratamento a ser dado aos escravos – e, portanto,
aos ex-escravos africanos – como estrangeiros. Separamos, por razões óbvias, as estatísticas
de importação de escravos da estimativa de imigração livre. É necessário, no entanto, manter
a coerência diacrônica dessas séries ao passarmos a trabalhar com os dados censitários pós-
abolição, que não separam, dentre os estrangeiros, quem foi escravo ou não. Os manumissos
africanos continuaram estrangeiros, a menos de procedimentos individuais de naturalização,
entre 1888 e 1890, quando também foram atingidos pela “naturalização passiva” 61. Nossas
estimativas para resolver esses diversos problemas constam da seção 9.4, no Capítulo 3.

Mário Melo abre o capítulo “Correntes imigratorias” de sua Chorographia de Pernambuco


com a declaração:
“Além do portuguez, chegado ao Brasil com os primeiros colonisadores, e do negro, trazido
para a lavoura, não houve nem havido tem correntes imigratorias para Pernambuco. (...) A
colonia maior da capital, portanto do Estado, é a portugueza, seguindo-se-lhe a italiana, a
inglesa, a syria e a russa” .

Segundo Handelmann, até meados do século houve uma única tentativa de estabelecer colônia
de imigrantes em Pernambuco, a de Catucá, em 182662. Somente em 1829 é que a colônia de
Santa Amélia foi ali implantada, com 103 prussianos que já estavam no Brasil num regimento
mercenário; em 1837, no entanto, a colônia já se encontrava “em plena decadência”63.
menciona, além dela, a Companhia de Operários Germânicos, iniciada em 1838, mas que
também não prosperou. Esta companhia não chegou a ser propriamente uma colônia, tendo
61
Agradeço aos Profs. Manolo Florentino e José Murilo de Carvalho comentários sobre o tema.
62
“Relação das colônias extrangeiras fundadas no Brazil de 1812 a 1855”, .
63
“Cerca de trinta milhas para o oeste de Pernambuco, existe uma pequena colonia alemã chamada Catucá. Fôra
estabelecida uns vinte anos antes pelos remanescentes de um regimento alemão que estivera a serviço do
governo brasileiro, tendo sido aqui dissolvido. Está agora em plena decadência. As poucas famílias ali residentes
ganhavam a vida com fabricação do carvão de lenha, que levavam a vender na cidade. (...) Saindo da mata,
demos repentinamente com outro vale desmoitado onde se viam as ruínas de várias cabanas, as quais, segundo
nos disseram, tinham sido a séde da colonia. Mas, como se houvesse proibido aos habitantes cortar mais madeira
naquela direção, mudaram-se eles para o sítio mencionado” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 76
consistido de um grupo de 195 operários qualificados, trazidos de Hamburgo em meados de
1839 para trabalhar nas muitas obras públicas realizadas no Recife sob a chancela de
Francisco do Rego Barros, então presidente da província. Efetivamente, cinco anos depois, só
restavam nela 5 indivíduos, pois dos “outros operários, uns haviam morrido, outros desertado,
voltando para a Europa, e mais outros passado a trabalhar por conta própria, havendo
rescindido o Contrato.”64 Numa perspectiva secular, podemos até considerar este desenlace
como uma imigração urbana parcialmente bem-sucedida, posto que houve clara integração de
muitas pessoas com bom nível profissional.

A regra, contudo, não foi esta. Eisenberg resume as primeiras experiências de imigração
incentivada:
“...outras pessoas – na maior parte comerciantes de Recife – promoviam esporadicamente a
imigração de estrangeiros para melhorar a qualidade da mão-de-obra, porém com resultados
igualmente escassos” .

Relaciona, em seguida, as diversas tentativas que nem chegaram a trazer imigrantes ou que,
mesmo trazendo, não conseguiram criar situações estáveis de vida para eles. O cônsul
britânico, em seu relatório sobre o ano de 1875, mencionou o fracasso da tentativa de trazer
europeus do Rio da Prata, por absoluta falta de organização e apoio65. Sobre este mesmo
episódio, consta menção no relatório do presidente da província:
“Durante o anno proximo passado, entraram na provincia, procedentes do Rio da Prata, 295
immigrantes. (...) Renovei, sem conseguir melhor exito, a tentativa feita por meu antecessor
para a organisação, recommendada pelo ministerio da agricultura, commercio e obras publicas,
de uma commissão que coadjuvasse a publica administração, incumbindo-se de tratar do
recebimento dos immigrantes e de lhes facilitar meios de estabelecimento. Não insisti na
organisação dessa commisão, porque os immigrantes encontraram tão difficeis circunstancias,
que poucos obtiveram arranjo, tendo a maior parte preferido seguir para o Pará, as expensas do
governo, ou voltar para a Europa, á custa de subscripções que promoveram com auxilio de seus
consules” .

A conclusão do presidente de Pernambuco é quanto a não mais permitir a imigração


incentivada: “Não convinha, pois, animar a vinda de immigrantes; mas antes suspende-la, e
assim aconteceu desde setembro do anno ultimo.” Este insucesso é atribuído ao excesso de
64
Relatório do engenheiro L.Vauthier a Rego Barros em fevereiro de 1844 .
65
“Emigration – During the past year attempts were made to introduce emigrants (Europeans) from the River
Plate. Free passages were given by the general Government, and numbers were sent here, consisting principally
of Italians, French, and Spanish, and only a few British. The result was that these people, no provision having
been made for settling them, were left to shift for themselves and came to grief and misery. Subscriptions had to
be raised, and other means adopted to succour them and to send many of them away again; and so
objectionable was this attempt at immigration that its continuance was reprobated and condemned” . [Imigração
– Ao longo do último ano foram feitas tentativas de introduzir imigrantes (europeus) do Rio da Prata. Passagens
gratuitas foram dados pelo governo central e muitos foram trazidos para cá, sendo principalmente italianos,
franceses e espanhóis, com somente poucos britânicos. O resultado foi que estas pessoas, não tendo havido
qualquer provisão para seu assentamento, foram deixadas ao deus-dará, vindo a sofrer tornar-se miseráveis.
Coletas e outros meios precisaram ser organizados para socorrê-los e enviar muitos de volta. Tão reprovável foi
esta tentativa de imigração que sua continuidade foi condenada.]

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 77
mão-de-obra então disponível em Pernambuco e ao tipo de trabalho ofertado em suas
atividades econômicas, de baixos salários e sem perspectivas de evolução pessoal. Manoel
Maurício de Albuquerque utilizou-se do exemplo pernambucano em sua generalização de que
“inexistiam, até o declínio do Escravismo, pré-condições para o uso intensivo de trabalhadores
diretos assalariados. As tentativas de coexistência dos dois sistemas falharam inteiramente,
como ocorreu com as experiências de localizar colonos alemães na Bahia e em Pernambuco” .

O cônsul britânico, em seu relatório sobre o ano de 1888 ao informar que “a resident here has
obtained a contract from the Brazilian Government for the introduction of immigrants from
Europe into this province”, confirma o excesso de mão-de-obra disponível e adverte que
imigrantes ingleses devem ser dissuadidos de instalar-se em Pernambuco, pois o clima
impossibilitará seu trabalho no campo, não há possibilidade de sua adaptação aos costumes
locais e, além disso, estes certamente irão considerar as leis do país antagônicas a suas noções
de segurança, justiça e liberdade66.

Nas últimas décadas do século XIX e principalmente na República, ainda houve tentativas de
trazer imigrantes europeus para Pernambuco, mas esses empreendimentos não resultaram num
fluxo que tenha afetado a economia nem as características da população local. Nem
trouxeram, como esperado, agricultores ou gente disposta a trabalhar na lavoura. A partir de
dezembro de 1890, qualquer projeto de fundação de colônia de imigração passou a depender
de autorização do Congresso, tornando mais remotas as possibilidades de iniciativas locais .

Citando Mário Lacerda de Melo e Brainbridge Cowell, considera que os estrangeiros


atingiam 20% da população do Recife no início do século XIX, ou seja, cerca de 4 mil
pessoas. Partiremos deste total em nossa estimativa da população de estrangeiros e da
imigração para Pernambuco.

Em 1842, ao passar por Pernambuco, Daniel Kidder relata seu censo informal de estrangeiros,
em claro contraste com a avaliação de Andrade, embora não mencione portugueses, que
possivelmente nem tenha considerado entre os estrangeiros da cidade:
“[O Recife] conta atualmente cerca de sessenta mil habitantes, dentre os quais cento e sessenta
são franceses, cento e vinte e cinco ingleses e trezentos operários alemães contratados pelo
governo provincial, que chegaram quando lá estávamos. O número de norte-americanos
residentes em Pernambuco [Recife] raramente excede de doze” .

Quantos portugueses haveria? Teríamos uma indicação pela composição nacional dos grandes
66
“I have little hesitation in saying that they would meet with disappointments, and, in all probability, much
suffering, if they ventured to come to settle in this province. More especially should intending immigrants from
the United Kingdom be dissuaded from coming here as agricultural labourers. The hot climate, would, in the
first place, render field labour impossible, while the differences of race, language, religion, habits, and customs
of the natives would render all agglomeration or contact with them very unsatisfactory, and unlikely of bringing
happiness or prosperity to the immigrant. They would feel the laws of the country so irksome and antagonistic to
their notion of security, justice, and freedom, as would lead to serious consequences” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 78
comerciantes locais? De 74 grandes casas comerciais em 1839, 22 (29,7%) eram brasileiras,
22 inglesas, 10 (13,5%) portuguesas, 8 (10,8%) francesas, 7 (9,5%) alemães, 3(4,1%) norte-
americanas, 1(1,4%) suíça e 1 holandesa .

Os censos fornecem interessantes informações indicativas sobre imigração para Pernambuco.


O recenseamento geral de 1872 apontou pequena percentagem de estrangeiros livres residindo
em Pernambuco: somente 1,4% da população total, 10.300 livres e 3.000 escravos africanos.

Quadro 11 – Pernambuco. População residente, segundo a nacionalidade, 1872


LIVRES ESCRAVOS Estrangeiro / Pop Total
Pop. total Estrangeiros Pop. total Estrangeiros Livres Escravos
(habitantes) (habitantes) (%)
Recife 81.444 7.062 10.608 649 8,7% 6,1%
Zona da Mata 319.565 2.147 50.602 1.707 0,7% 3,4%
Agreste 259.517 889 21.314 602 0,3% 2,8%
Sertão 91.961 199 6.804 70 0,2% 1,0%

Pernambuco 752.487 10.297 89.328 3.028 1,4% 3,4%

Fonte: Nossas somas sobre os dados do Recenseamento de 1872 (tabulações encadernadas da Biblioteca do
IBGE da General Canabarro, Rio de Janeiro). Os valores usualmente publicados são inferiores em 282
habitantes.

Fazendo suposição de terem chegado a Pernambuco ao longo da década anterior, podemos


considerar que o efeito de aumento da população por migrações internas ou imigração
estrangeiras seja pouco relevante para nossos estudos (a uma taxa anual de 0,14%).

Essa média, no entanto, não reflete adequadamente toda a realidade da província, conforme
fica aparente na figura abaixo, que demonstra a clara concentração de estrangeiros no Recife.
Essa percentagem de estrangeiros livres na capital, entretanto, é uma das mais baixas entre as
principais cidades do país. Emília Viotti da , citando Pedro Geiger, aponta 31% de
estrangeiros no Rio de Janeiro, 12% em Porto Alegre, 11% em Curitiba e 8% em São Paulo.
Em 1890, esta última já contaria com uma população composta por 22% de estrangeiros. A
associação entre o litoral, o comércio e os estrangeiros ainda vigora plenamente. É nas
décadas seguintes ao censo de 1872 que a imigração assumirá outro caráter econômico.

Estrangeiros População total Recife

Zona da Mata

Agreste

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S
Sertão P. 79
Figura 12 – Pernambuco, 1872. Distribuição regional da população livre total e dos estrangeiros livres

Fonte: Nossos cálculos sobre dados do Recenseamento de 1872

Utilizando os dados comparativos sobre estrangeiros, apresentados por Eisenberg (1977:219)


– sem comentários sobre a naturalização intermediária – vemos que, entre 1872 e 1900, o
número de estrangeiros em Pernambuco se reduziu em 20% (de 13.444 para 10.822
habitantes67), enquanto no Rio de Janeiro aumentava 46% (de 184.182 para 268.221) e em
São Paulo era multiplicado quase por 17 (de 29.622 para 529.187) !

Fica indicada, portanto, a pequena relevância da imigração estrangeira para a demografia


pernambucana da segunda metade do século XIX, o que não significa que não tivesse havido
um fluxo mais ou menos regular de imigração. Alguns relatórios dos presidentes da província
também relacionam números de imigrantes. Baseado na ausência efetiva de imigração
incentivada e, portanto, mais concentrada, suporemos um fluxo regular de imigração,
suficiente para manter esse grupo populacional nos níveis encontrados em cada momento
censitário.

1.13.ESCRAVIDÃO – TRÁFICO AFRICANO

O contexto da importação de escravos pelo Brasil no século XIX foi balizado por diversos
marcos, entre os quais gostaríamos de salientar alguns que tiveram (ou deveriam ter tido) um
efeito direto sobre estes fluxos. São eles: a suspensão do tráfico de 1831, que não vingou ; o
Aberdeen Bill de 1845, que, ao autorizar a marinha inglesa a abordar e apreender negreiros,
conseguiu efetivamente restringir o tráfico ; e a abolição definitiva do tráfico pela lei Euzébio
de Queiroz em 1850 , que ainda demorou 5 anos para de fato acabar com o tráfico africano. O

67
Os números censitários, para as 3 províncias, em 1890 e 1900, certamente devem considerar como brasileiros
os estrangeiros que não optaram por manter sua nacionalidade, conforme determinado logo após a Proclamação
da República. Mesmo considerando que grande parte das pessoas recenseadas em 1872 como estrangeiros já
apareceram em 1890 como brasileiros, este erro seria o mesmo para as três cidades.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 80
período de incertezas em torno da invasão napoleônica de Portugal também teve
conseqüências sobre os fluxos de importação de escravos, como ficará claro do exame das
estatísticas do tráfico.

Utilizamos a série de estatísticas sobre importação de escravos em Pernambuco recentemente


produzida por Daniel B. Domingues da Silva, dentro do escopo de amplo projeto de
reconstituição do tráfico transatlântico liderado por David Eltis, Stephen D. Behrendt, David
Richardson e Herbert S. Klein, e coordenado no Brasil por Manolo Florentino. Entre as
múltiplas fontes para esse levantamento foram pesquisadas as entradas de embarcações
visitadas pela Provedoria-mor da Saúde. Esses resultados, apresentados no gráfico abaixo, são
os mais completos obtidos até hoje sobre o tráfico negreiro para Pernambuco.

12.000
INVASÃO SUSPENSÃO DO ABOLIÇÃO
FRANCESA TRÁFICO DO TRÁFICO
10.000
ABERDEEN BILL

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1798 1803 1808 1813 1818 1823 1828 1833 1838 1843 1848 1853

Figura 13 – Pernambuco. Importação anual de escravos.

Fonte: com acréscimos de para os anos 1849 (450 escravos), 1850


(2.300 escravos) e 1855 (200 escravos). confirma dados de 1855, o “desembarque
de Sirinhaém”, informando a “retirada” de vários escravos por particulares e a morte de 42.

É interessante cotejarmos a evolução do tráfico dirigida a Pernambuco, ilustrada acima, com


as conclusões de Leslie Bethell referentes ao Brasil como um todo.
“Pelas estatísticas citadas – as únicas de que dispomos – as flutuações no volume do tráfico
negreiro ilegal brasileiro ficam claras: após um crescimento lento, mas constante no primeiro
quartel do século XIX, seguido por uma súbita aceleração durante os anos de 1827-1830 (antes
da proibição total), o tráfico quase estagnou nos primeiros anos da década de trinta, expandiu-
se novamente em meados da década, até atingir o auge nos anos de 1837-1839, sofreu um
recesso no período de meados de 1839 a meados de 1842, cresceu novamente em meados da
década de quarenta, até atingir outro auge nos anos de 1846-1849, e foi finalmente suprimido
em 1850-1851” .

Vemos que o fluxo levantado mais recentemente para Pernambuco seguiu praticamente a

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 81
mesma marcha do restante do país, na descrição de Bethell, exceto talvez quanto ao “surto” de
1837-39, que lá ocorreu entre 1839-42. Além disso, Pernambuco entrou para a história como
recebedor da última leva de escravos, 5 anos após a abolição definitiva do tráfico e após mais
de uma década de perseguição sistemática de negreiros pela marinha britânica. relata
minuciosamente as diligências e discussões que resultaram do “desembarque de Sirinhaém”.
O destino dos possivelmente 240 africanos que aportaram não é totalmente conhecido, mas
Nabuco de Araújo teve em seu poder relatório que indicava a morte de 42 e o recolhimento de
135 aos arsenais e Colégio de Órfãos. Outros 50 ou 60 foram “retirados por” ou “entregues a”
particulares nos dias imediatos do desembarque. Nos anos seguintes, ainda foram encontrados
diversos escravos, escondidos nas terras e engenhos da região.

12.000 Daniel Domingues da Silva


Inspeções sanitárias
Eisenberg-fontes
10.000
Eisenberg-estimativas
Moura-estimativa em 2004
Escravos importados

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1798 1803 1808 1813 1818 1823 1828 1833 1838 1843 1848 1853

Figura 14 – Pernambuco. Importação anual de escravos. Diversas fontes e estimativas.

Fonte: Daniel Domingues da Silva: as mesmas da figura anterior; Eisenberg-fontes e Eisenberg-estimativas: ;


Inspeções sanitárias e Moura-estimativa em 2004: .

Para melhor situarmos o escopo dos dados organizados por , comparamos essas estatísticas
com a informação de duas outras fontes. O quadro acima ilustra graficamente esses dados.

Incluímos outras fontes pontuais citadas e as estimativas propostas por , bem como
estimativas sugeridas por nós em trabalho anterior , com base tanto no próprio Eisenberg,
como em dados preliminares de Daniel Domingues da Silva, recolhidos dos livros de inspeção
sanitária dos navios negreiros no porto do Recife, para o período de 1813 a 1829.

A próxima figura compara nossa série com estimativas para o total de desembarques de
africanos “no norte da Bahia” relacionadas por . A importação para Pernambuco na primeira

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 82
metade do século (esticada até 1855) teria correspondido a ¾ desse total (na suposição irreal
de que seja exatamente nossa estimativa que compõe os totais com origem “Pernambuco”
dentro da série de Klein).

14.000
Série modelada

12.000
Estimativa de Klein para
"norte da Bahia"
Escravos desembarcados

10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1800 1805 1810 1815 1820 1825 1830 1835 1840 1845 1850 1855

Figura 15 – Pernambuco e “Norte da Bahia”. Importação anual de escravos. Duas estimativas.

Fonte: Série estimada e .

A distribuição geográfica dos escravos importados seguirá, na estimação, as distribuições


regionais determinadas pelos anos-âncora, conforme discutido na seção 8.

1.14.ESCRAVIDÃO – TRÁFICO INTERPROVINCIAL

Em 1937, Pedro Calmon havia estimado que “entre 1850 e 70, do norte iam para S.Paulo, em
média, 30 mil negros por ano”68. A tomarmos seu número precisamente, isto teria significado
68
“A monocultura retem, no plantio do café, todos os braços adquiridos, a preços altos, pelos fazendeiros, nos
engenhos do norte, ou seduzidos pelos agentes de imigração, quando a corrente negra se estancou. As estradas do
sertão, entre o nordeste, sobretudo a Baía e S.Paulo, abertas no meado do século XIX, não se fecharam mais. O
exodo, num deslocamento incessante, de “sampauleiros”, seria o complemento da aquisição pelos cafeicultores,
de quantos escravos pudéram tirar das províncias septentrionais. O café, como o ouro das Minas Gerais no
seculo anterior, tudo pagava, absorvia tudo. Sem um e outro, os negros continuariam condensados no litoral por
um instintivo apêgo ao clima (...) Esgotadas as reservas de escravos dos engenhos decadentes, os sertanejos
pobres passaram a emigrar. ¶ Entre 1850 e 70, do norte iam para S.Paulo, em média, 30 mil negros por ano. (...)
os tropeiros faziam a viagem redonda, tocando para o sul os tristes pelotões de cativos e tangendo, para o norte,

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 83
600.000 escravos ao longo dos 20 anos! (ou 189 mil só de Pernambuco!69) Evaldo Cabral de
Mello (1999) cita a estimativa de Kátia de Queirós Mattoso de menos de um terço desse total:
de 100 a 200 mil escravos, entre 1850 e 1888, teriam sido exportados de todo o norte para o
sul (isto é, de 32 a 63 mil oriundos de Pernambuco, equivalentes a 1.600-3.100 escravos
anuais). Em 1971, John Galloway estimou o fluxo do Norte para o Sul em 90 mil escravos,
dos quais identificou em pesquisa sobre o Rio de Janeiro, 34.700 entradas na corte, durante a
década 1852-1862 . Utilizando a mesma proporção adotada acima, este total teria significado
pouco mais de 28 mil escravos saídos de Pernambuco. Nesse mesmo ano, Herbert Klein
sugeriu uma quantidade um pouco inferior: 22 mil, unicamente para os escravos oriundos de
Pernambuco, nas três décadas entre a abolição do tráfico e a da escravidão, ou seja, cerca de
750 escravos por ano. consegue identificar, principalmente nos relatórios dos presidentes da
província, a exportação de 18.214 escravos do Recife, entre 1851 e 1879. Nossa estimativa,
desenvolvida mais adiante, aponta um total de pelo menos 53 mil escravos saídos de
Pernambuco entre 1846 e a abolição.

A questão torna-se mais complexa, no entanto, ao verificarmos que, além do conhecido


movimento interprovincial de exportação de escravos do Norte para o Sul, que a historiografia
usualmente menciona como tendo ocorrido após a proibição definitiva do tráfico, houve
também importantes entradas de escravos em Pernambuco, vindos principalmente de portos
mais ao norte do Recife, bem como, em menor quantidade, entradas vindas do Sul e saídas
para o Norte. Estes movimentos sugerem a atuação do Recife como centro regional de
negócios com escravos, até antes do marco de 1850. Apoiados na detalhada pesquisa sobre
entradas e saídas de escravos, apresentada na dissertação Um êxodo esquecido. O porto do
Recife e o tráfico interprovincial de escravos no Brasil: 1840-1871, de Josué Humberto ,
podemos chegar a estimativas mais documentadas para os fluxos de entrada e de saída de
escravos de Pernambuco e, portanto, para os fluxo líquidos de saída ou entrada. As figuras
abaixo indicam os dados levantados por Eisenberg e por Barbosa, bem como nossas
estimativas, cuja forma de cálculo se acha explicitada na seção 8.

as burramas nédias do pampa e dos “campos gerais”. ¶ O preço do açucar continuaria baixo; mas o do escravo
subia sem cessar. ¶ Levantado o cadastro da escravatura, depois da lei do “ventre livre”, verificou-se que, em
S.Paulo, dos 168 mil cativos que tinha a província, 75.878 provinham de novas entradas” .
69
Calculamos em 31,5% o percentual de escravos existentes em Pernambuco, relativamente a todo o Norte (do
Amazonas à Bahia), numa média de 1850 a 1870. Fazemos a suposição mais simples, para a estimativa acima,
de que o fluxo proveniente de cada província em direção ao Sul tenha sido proporcional a esta população.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 84
2500
Saídas JHB
Saídas PEisenberg

2000 min PEisenberg


max PEisenberg

1500

1000

500

0
1840 1845 1850 1855 1860 1865 1870 1875 1880

Figura 16 – Pernambuco. Algumas estimativas de saídas de escravos.

Fontes: (Barbosa, 1995; Eisenberg, 1977)

Complementando os dados de saídas com as entradas no Recife, constatamos que, nas três
décadas de 1840 a 1871, só teria havido saídas líquidas – oficialmente registradas – em
períodos bem mais curtos do que sugere a historiografia.

1600
Saídas líquidas
1400 Entradas líquidas
1200 saidas 1200

entradas
1000
800
700

600
Escravos

400
200 200

0
-200
-300

-400
-600
-800 -800

1840 1845 1850 1855 1860 1865 1870

Figura 17 – Pernambuco. Estimativas de saídas, entradas e saídas líquidas


de escravos no Recife, segundo registros oficiais (1840-1871)

Fontes: (Barbosa, 1995) e nossas estimativas.


Todos esses dados, no entanto, retratam exclusivamente os movimentos oficializados. A
certeza de ter havido alto índice de contrabando é forte. Eisenberg estima que até metade do
total efetivamente exportado tenha sido contrabandeado.

Evaldo Cabral de resume em três os ciclos de expansão e retração do comércio inter-regional


de escravos: a) expansão e esgotamento da economia mineira, no século XVIII, b) expansão e
declínio da economia cafeeira no Rio de Janeiro, a partir de 1830, e c) abolição do tráfico
africano, em 1850, quando “passara a constituir, com o crescimento vegetativo da escravaria
sulista, as únicas fontes de mão-de-obra para a lavoura cafeeira”. Desses três períodos é, sem
dúvida, após a abolição que se verificou o maior volume de tráfico do norte para o sul.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 85
“With the termination of the Atlantic slave trade to Brazil after 1850, the internal slave trade
within the Brazilian Empire increased dramatically” .

Em 1881, o tráfico já havia cessado. Ainda nas palavras do cônsul inglês:


“I am glad to say this traffic, which was a most objectionable one, has now been stopped,
owing to the very large import duty which has been imposed with that object by some of the
southern provinces of the empire to which they were always sent. There is no doubts about the
fact that the number of slaves has much diminished in the northern provinces” .

O quadro seguinte relaciona algumas estimativas para o tráfico interprovincial, originado em


Pernambuco, no Norte e no Brasil como um todo.

Quadro 12 – Algumas estimativas do tráfico interprovincial de escravos, por origem

AUTOR PERÍODO BRASIL NORTE PERNAMBUCO


Calmon, 1937: 1850-70 30.000/ano
K.Mattoso 1850-88 100-200.000
Galloway 1971 1850-80 90.000
Galloway 1971 1852-62 34.688
para Rio
Galloway 1971 final 1870s 1.000/ano
Klein sobre Galloway 1850-88 100-200.000
Klein, 1971 1850-88 209.000 22.000
Klein, 1971 1852 para 978 740 78 dos com porto
Rio indicado (13% s/ Norte)
Klein, 1971 entrados no 62 escravos (10%)
Rio 1852 nsacidos em PE de 615
Nascimento, 1986 1850-80 ex-Salvador: ex-Recife, depois
14.807 Salvador: 791
Eisenberg 18.214

Fontes: As indicadas na primeira coluna.

Os relatórios dos cônsules ingleses mencionam estatísticas de exportação de escravos do


Recife em alguns anos:

Quadro 13 – Tráfico interprovincial 1877-1880


ANO Saídas de Pernambuco
1877 1.271
1878 1.677
1879 2.212
1880 1.329

, em sua pesquisa sobre o tráfico de escravo a partir de Salvador para o sul, levantou a

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 86
exportação de 14.807 escravos nas três décadas de 1850 a 1880. Dentre estes, somente 791
foram registrados como originários de Pernambuco, destacando-se as quantidades em dois
anos: 498 (1876) e 245 (1877), equivalentes a 12,7% do total daquele biênio, o que sugere
falta de homogeneidade na informação original. O mercado regional de Salvador aparece, de
qualquer forma, como mais uma etapa na longa viagem até o Sul.

Export BA

4.000

3.500
Escravos exportados de Salvador

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0
1850 1855 1860 1865 1870 1875 1880

Figura 18 – Salvador. Exportação anual de escravos.

Fonte:

1.15.ESCRAVIDÃO – ALFORRIAS

Calcular o volume global de alforrias ao longo do século, mesmo para uma única província,
ainda é empreitada temerária, pois as fontes mais proximamente censitárias se referem
somente aos escravos matriculados, a partir da década de 1870. A grande maioria dos estudos
sobre o tema trabalham grupos específicos, identificados em fontes restritas em sua
abrangência temporal ou geográfica. Estes estudos acertadamente extraem suas conclusões a
partir das distribuições de seus registros, por tipo de alforria, preço, características do senhor
ou do alforriado, entre outras variáveis70. Há também algumas indicações, com a de Alden,
que menciona uma maior incidência de alforrias no Nordeste do que no Sul:
70
Um exemplo desta abordagem está em .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 87
“Though specific evidence is lacking, it is likely that manumission was more prevalent in the
great plantation captaincies-general of Pernambuco and Bahia de Todos os Santos than in
Brazil’s Far South where slavery had been introduced more recently and involved far fewer
numbers” .

No curto tempo disponível para a pesquisa das alforrias em Pernambuco, não encontramos
estudos específicos sobre o assunto nas fontes sobre a região. A resenha dos estudos sobre
alforrias apresentada por Mieko Nishida não menciona dados ou análises sobre Pernambuco
ou suas províncias vizinhas71. Citamos abaixo algumas referências a alforrias nos relatórios
oficiais.

Quadro 14 – Fontes sobre população de escravos matriculados, entre 1872 e 1888


Período ALFORRIAS FONTE
1873- 10.546 entre set 1873 e jun 1885; população
1885 base de 82.916 = 1,08% ao ano em 11,75 anos
1877 460; população base de 85.990 (0,53%)
1878 428; população base de 84.289 (0,51%)
1879 544; população base de 82.722 (0,66%)
1880 718; população base de 83.228 (0,86%)
1881 696; população base de 81.842 (0,85%)
1887 1694, entre abril e dezembro

Fontes: Indicadas na colunas da direita.


Nota: As populações-base são calculadas como o total existente no início do ano, menos os saídos da
província, menos os óbitos, mais os entrados na província.

Segundo Eisenberg, menciona um total de 21 mil alforrias privadas e outras 49 mil públicas
em Pernambuco nas décadas que antecederam 1888.

Na seção 9, descrevemos os totais de alforrias empregados em nossas estimativas.

<< <> >>


71
“Studies of manumission in colonial and imperial Brazil have covered regions (Bahia and Paraíba) and
specific towns and cities (Rio de Janeiro, Paraty, Sabará, Campinas, and Cahoeira and São Feliz of the Bahian
Recôncavo)” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 88
6. DEMOGRAFIA DOS MOVIMENTOS BIOLÓGICOS

“A cidade de Pernambuco é pouco recomendável aos que não têm


negócios a tratar. As casas são mais altas que as do Rio, as ruas
pela maior parte ainda mais estreitas e, por certo, igualmente sujas.
Em quase todas as cidades e capitais do Brasil são as chuvas o
único varredor (...) Sempre me pareceu extraordinário que as
moléstias epidêmicas aí não prevaleçam com mais freqüência...”
– George Gardner, Viagens no Brasil, 1841

1.16.OS CEMITÉRIOS PÚBLICOS72

A criação dos cemitérios municipais, conjugada à regulamentação do registro civil, iria


propiciar, no tocante aos dados sobre mortalidade, a reunião de informações em momentos e
locais definidos, onde poderia ser buscada para a produção estatística. Também na capital
pernambucana foi preciso esperar a criação do cemitério municipal, que, ao centralizar os
sepultamentos da cidade, permitiu a manutenção de registros de óbitos também centralizados
e produzidos por funcionários laicos e desvinculados dos viciantes elos eleitorais. Ao estudar,
em 1900, a incidência da tuberculose no Recife ao longo do meio século anterior, o
Dr. Octavio de Freitas refere-se claramente a este marco para seus levantamentos estatísticos:
“De minhas pesquizas demographicas que attingem ao anno de 1852 (data da creação dos
cemitérios nesta capital) vê-se que esta cidade tem sido assolada...” .

Até a fundação do cemitério público, as estatísticas de mortalidade relatadas pelos presidentes


da província referem-se unicamente a crianças de orfanatos e a doentes nos hospitais, listados
por cada uma dessas instituições. Desconsideravam-se, portanto, os óbitos ocorridos em
outros locais.

As considerações de ordem sanitária tiveram importância fundamental em promover a


mudança de mentalidade e em disponibilizar os recursos administrativos para a criação de
cemitérios públicos. Rego Barros, já em 1839, escrevia que:
“He tambem reconhecida a necessidade de um ou mais Cemiterios fóra da Cidade, aonde se
enterrem geralmente todas as pessoas, que falecerem; por quanto o costume de sepultal-as nos
templos, alem de fazer, com que estes não tenhão a devida decencia, produz accidentes

72
Este seção expande trabalho anterior, apresentado ao II Congresso Português de Demografia, Lisboa, set 2004
.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 89
perigosos e molestias graves, e ás vezes epidemicas por causa do ar corrupto, que ahi se respira
obrigatoriamente” .

Continua, citando carta régia de 14/1/1800 que autorizou a construção de cemitérios fora dos
limites urbanos. Dois anos depois desse relatório, em 1841, a Assembléia Legislativa
Provincial determinou a construção do cemitério municipal do Recife, que, entretanto, só
começou a ser executada 9 anos depois73. Em 1844, já havia sido planejado e tinha lugar
certo, mas aparentemente faltavam as verbas suficientes para sua execução74. Em 1849, ainda
sem cemitério público, as autoridades determinaram que os mortos pela febre amarela fossem
sepultados em local afastado da aglomeração urbana, regra todavia burlada pelos médicos a
pedido das famílias, através da troca de causa mortis nos atestados de óbito . Em 1850, o
presidente Honório H. Carneiro Leão, futuro marquês de Paraná, diz:
“Minha intenção é pór em execução a lei n.91 na parte em que veda os enterramentos em outro
qualquer lugar dentro da cidade, sem para isso esperar o acabamento da obra que demanda
ainda longo tempo, qualquer que seja a diligencia e esforços empregados” .

Apesar de a legislação pernambucana ter sido aprovada cerca de uma década antes da
legislação imperial equivalente (Decreto nº583 de 5/09/1850), a construção do cemitério
recifense ocorreu quase concomitantemente à fundação dos cemitérios São João Batista e São
Francisco Xavier, na corte, em final de 185175.

No relatório referente a 1852, constam pela primeira vez estatísticas que pretendem retratar
todos os óbitos ocorridos no município, baseadas nos sepultamentos no cemitério público: um
quadro intitulado “Relação dos Cadaveres sepultados no cemiterio Publico durante o anno de
1852”, com discriminação mensal dos totais de pessoas livres e escravos, mas sem abertura
por sexo. Em anos posteriores, essas estatísticas também serão muitas vezes apresentadas com
discriminação segundo nacionalidade ou idade, mas isso sem regularidade definida .

O relatório de 1853 menciona que a Câmara municipal pede verba para a conclusão da obra
da capela, cujo orçamento não comportaria tal despesa. Ao sugerir que as irmandades cubram
73
No relatório do ano seguinte à publicação da lei de criação do cemitério, o presidente relatava dificuldades,
mas não previa o atraso de quase uma década: “A Camara desta Capital ainda não deu execução á Lei numero
91, que mandou construir um cemiterio, pelas difficuldades que ha de se realisarem no curto espaço de dez
mezes projectos de tanto momento. Somente 9 anos depois, o então incumbente da presidência poderia afirmar
que: “A obra do Cemiterio publico, que a lei provincial n.91 de 7 de Maio de 1841 mandou fundar, foi começada
o anno passado com a quantia de 11:000$000 rs. emprestada pela Thesouraria provicial á Camara Municipal em
virtude de autorisação de meu honrado antecessor” .
74
“Depois dos trabalhos da Commissão encarregada do plano, e escolha do lugar para o cemiterio publico,
concluidos o anno passado, nada se tem adiantado na execução da Lei n.91, por não terem a Camara Municipal,
e a Administração dos Estabelecimentos de Caridade achado, apezar de diligencias, quem emprehendesse, com
os escassos meios postos á sua disposição, uma obra tão importante, essencial á salubridade d’este Municipio.
Seria conveniente, pois que desseis meios mais efficazes para leval-a a effeito” .
75
Os cemitérios “extramuros”, mas sob a direção da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, foram fundados
no Rio de Janeiro em 18/10/1851 (S.João Batista) e em 5/12/1851 (S.Francisco Xavier, no mesmo local onde já
existia o Campo Santo da Misericórdia).

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 90
esse gasto, o presidente deixa claro que ainda não se realizam no cemitério municipal todos os
enterros da capital:
“... pois á expensas do cofre publico já se fez a parte existente. A conclusão da obra é
necessaria, para que, feitas as encommendações na Capella, de todo se tirem os enterros das
Igrejas da Cidade, e suburbios, á que respeita a obrigação de sepultarem-se os cadaveres no
Cemiterio” .

Em 1854, os pruridos religiosos parecem estar diminuindo, mas o presidente julga oportuno
solicitar verba para a construção de uma capela, como forma de consagrar o local e vencer as
últimas resistências de motivação religiosa76. Neste relatório, nenhuma estatística de óbitos é
apresentada. Em 1855, constam novamente tais estatísticas, no texto do relatório e em quadro
anexo . Em 1856, o presidente informa que a capela está acabada e o capelão já oficiava.
Menciona também que “o enterramento dos cholericos ha sido executado com a maxima
perfeição; graças ao singular zelo do actual administrador” . As estatísticas de óbitos são
apresentadas em tabela à parte. No relatório de 1857, o local só merecia elogios do presidente:
“Cemiterios – O desta cidade pela sua vastidão, elegancia de alguns de seus monumentos,
aceio, symetria e regularidade he um dos mais importantes estabelecimentos deste genero que
existem no Brasil” .

Tornava-se regular, portanto, a publicação de estatísticas sobre mortalidade no Recife, embora


o futuro não guardasse garantia dessa regularidade, nem de uma sistemática comum. No
interior, os cemitérios municipais também iriam multiplicar-se, porém lentamente, como
conseqüência dos requisitos de proteção sanitária que sucessivas epidemias de cólera haviam
tornado mandatórios77. Em 1861, o presidente ainda relatava:
“No mesmo pé das prisões estão os cemitérios. O unico que merece bem este nome é o do
Recife. Em todos os mais lugares, ou os cadaveres são ainda sepultados nos templos, com
grande damno da saúde publica e da conservação das egrejas, ou em terrenos mal cercados,
com a maior irreverencia” .

Além do cemitério da capital, somente o de Iguarassu parecia cumprir os requisitos do


presidente. No entanto, nove anos depois, em Goiana, continuavam os enterros em igrejas78.

76
“Vai-se já tornando bem notavel o progresso de um estabelecimento, que causando ao principio certo horror,
nascido de antigos preconceitos, ha hoje olhado e recebido, como um monumento da religião, e uma das sabias
cautelas da hygiene publica” .
77
Em 1856, o presidente da província exigia das câmaras municipais informações detalhadas sobre cemitérios:
“...1ª se existiam nos municipios cemiterios publicos, e se havia nelles capellas ou altares decentes para os actos
religiosos; 2º qual a localidade, extensão desses cemiterios, e a sua distancia dos povoados visinhos; 3º em que
epocas foram elles fundados, e por ordem de quem; 4º quando começou a sua construção, em que estado se
achavam, e o que ainda faltava para sua conclusão; 5º que despezas se tinham feito com este objeto, e quaes as
que ainda convinha fazer; 6º por onde haviam ellas corrido; 7º se foram auxiliadas com donativos, e quaes; 8º
finalmente se, apezar da existencia dos cemiterios, continuavam os enterramentos nas igrejas, e, no caso
negativo, desde quando cessaram” .
78
Era também abordada a questão de área para enterro “daquelles á quem a igreja não concede sepultura em
sagrado”, “com excepção dos protestantes de profissão” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 91
Cerca de 30 anos após sua fundação, o cemitério do Recife tornava-se insuficiente para o
tamanho da cidade e o governo busca local para novo cemitério em Afogados79. Há menção,
na relação de obras autorizadas, a cemitérios em 6 localidades, dos quais 5 concluídos80.

A falta de regularidade na publicação das estatísticas sobre o número total de habitantes e


sobre nascimentos ficou registrada em quadro no início deste texto81. Percebe-se que, a partir
do estabelecimento dos cemitérios públicos municipais, os dados sobre mortalidade se tornam
mais assíduos. A coleta sistemática de informações sobre óbitos, entretanto, virá com a
implantação definitiva do registro civil durante a década de 1870. A partir daí, a
obrigatoriedade de enterro em cemitérios públicos iria atuar, sem dúvida, como evento
propiciador do cumprimento das normas de registro.

1.17.MORTALIDADE EPISÓDICA

O conceito de mortalidade episódica merece comentário, para distingui-lo da alta mortalidade


nas chamadas crises demográficas, identificadas na Europa até o século XVIII. Goubert, por
exemplo, tratando do Beauvaisis nos séculos XVII e XVIII, considera que a mortalidade em
tempos de crise se eleva de 3,0-3,8% (mortalité annuelle normale) para 10,2% ao ano . Sendo
a mortalidade episódica que nos interessa – em Pernambuco do século XIX – devido
essencialmente a epidemias curtas e a secas, ela não apresenta as mesmas características
dessas crises demográficas. Ao contrário das crises européias do Antigo Regime, que
poderiam durar vários anos, impulsionadas por uma combinação de fatores, como fomes
duradouras e vagas epidêmicas mais prolongadas, os episódios geradores de picos de
mortalidade em Pernambuco foram surtos de poucos meses.

Maria Luíza Marcílio, em sua caracterização dos sistemas demográficos brasileiros, enfatiza a
baixa densidade populacional no interior e nas zonas de plantation como razão para a
inexistência ou para o pequeno efeito de epidemias, principalmente nessas áreas rurais. Para
79
“Pretendendo a camara municipal do Recife crear um cemiterio na freguezia de Afogados, destinado ao
enterramento dos que fallecerem não só naquella como nas outras freguezias da cidade, attenta a reconhecida
insufficiencia do cemiterio de Santo Amaro e a conveniencia de não ser augmentada a area actual delle, por
causa de sua proximidade do centro da população, nomeei uma commissão (...) não só para examinar e dar
parecer acerca de dous sitios, offerecidos para aquelle fim, como tambem para escolha e indicação de outro
qualquer que melhor se prestasse áquelle mister” .
80
“Aguas-Bellas, Bebedouro, Caruaru, Leopoldina, Limoeiro e Villa-Bella”
81
Quadro 1 – Existência de estatísticas populacionais referentes ao Recife ou a Pernambuco nos relatórios dos
presidentes da Província de Pernambuco (1838 a 1888)

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 92
as populações escravas, no entanto, reconhecia “freqüência de surtos epidêmicos
devastadores, particularmente de varíola, e depois dos anos 1850 de cólera-morbo e febre
amarela.” Analogamente, para as populações urbanas, via
“Mortalidade em tempos normais bem elevada, pontilhada em sua curva de longa duração por
uma alta freqüência de crises de mortalidade coletivas (inexistentes nas áreas rurais), em razão
primeiramente as facilidades de contágios (portos) e de propagação de epidemias em
densidades elevadas” .

, em estudo que cobre até 1831, relatam essa transmissão da varíola da África ao Brasil junto
com os escravos. Houve epidemias, contudo, até no Sertão, como aquela ocorrida em 1824-5 .

Quadro 15 – Regimes brasileiros de mortalidade episódica no século


XIX, segundo M.L.Marcílio

SISTEMA DEMOGRÁFICO MORTALIDADE EPISÓDICA

Economias de subsistência ♦ não identificada, pois a mortalidade é


constante
Economias das plantations ♦ não identificada, pois a mortalidade é
constante; surtos de ação limitada
Populações escravas ♦ freqüentes surtos epidêmicos
Áreas urbanas ♦ freqüentes surtos epidêmicos

As fortes oscilações de mortalidade que afetam, ano a ano, o tamanho da população são mais
uma dificuldade a ser enfrentada pelo pesquisador, pois impede o recurso a interpolações
simples, mesmo que a taxas geométricas, pois tais estimativas, apesar de terem valores inicial
e final conhecidos, estariam mascarando uma característica fundamental da dinâmica
populacional de Pernambuco nesse período, que são os bruscos aumentos da taxa de
mortalidade, sem regularidade definida.

Listamos no quadro abaixo, a relação de epidemias que assolaram o Recife ao longo da


segunda metade do dezenove, conforme identificadas pelo Dr.Octavio de Freitas no início do
século passado. É um panorama desolador e extremamente relevante para qualquer estudo
sobre a população recifense e pernambucana. Considerando a evolução da população do
Recife, muitas dessas epidemias chegaram a vitimar de 3 a 6% da população da capital.

Quadro 16 – Epidemias ocorridas no Recife durante a segunda metade do século XIX

Qüinqüênio NÚMERO, TIPO E GRAVIDADE DAS EPIDEMIAS

1851 a 1855 10: sendo varíola, malária, febre amarela (3), disenteria (2), sarampo (2), coqueluche

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 93
1856 a 1860 8: sendo ++cólera (com 3344 óbitos em dois meses), varíola, febre amarela (2),
sarampo, coqueluche, +difteria e +escarlatina

1861 a 1865 8: cólera, varíola (2), febre amarela (2), sarampo, coqueluche, difteria

1866 a 1870 7: sendo +disenteria (2), varíola (2), sarampo, coqueluche (3)

1871 a 1875 15: sendo varíola (5), febre amarela (5), coqueluche, beriberi (4)

1876 a 1880 11: sendo ++varíola (4, sendo uma com 2525 óbitos), malária (3), disenteria,
sarampo, beriberi, crup

1881 a 1885 11: sendo varíola (4), febre amarela, beriberi (5), sarampo

1886 a 1890 4: sendo ++varíola (com 2204 óbitos), febre amarela., sarampo, coqueluche

1891 a 1895 6: sendo varíola, febre amarela (3), sarampo, influenza

1896 a 1900 13: sendo ++varíola (3, sendo uma com 2119 óbitos), +sarampo (2), coqueluche (3),
+influenza (4), febre amarela

Fonte:
Nota: ++ indica uma epidemia muito forte e + uma epidemia bastante forte

Mesmo sem dispor de séries abrangentes para o período, contudo, podemos ter certeza de que
tanto os totais de habitantes, quanto os totais de óbitos oscilaram ano a ano de modo bastante
drástico, em função das epidemias que varreram a capital e o interior da província ao longo de
todo o século XIX.

1.18.MORTALIDADE NATURAL

Ao contrário de alguns autores que distinguiram três tipos de mortalidades: a infantil, a


prematura na idade adulta e a natural, usaremos aqui uma classificação que combina a causa
mortis com sua intensidade relativa, sem consideração pela faixa etária atingida. Isso porque
estamos mais interessados no total de óbitos do que na caracterização das epidemias pelo
extrato etário atingido ou, inversamente, na caracterização dos extratos por sua fragilidade a
certos tipos de epidemia. Assim, deixaremos que uma taxa média de mortalidade descreva a
mortalidade subjacente, “natural”, informando ao modelo, além disso, as mortes episódicas
como números absolutos a serem subtraídos das populações no ano em que ocorrem.

Pierre Goubert discute o que seriam os aspectos “normais” da morte, incluindo entre estes a
ignorância médica, aspectos puramente epidêmicos, aspectos econômicos e sociais da morte:

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 94
as crises econômicos e as crises demográficas82. Tratando do século XVII, relata as palavras
de Jean Le Caron, escrivão da diocese de Beauvais, ao descrever o que viria a ser revalidado
para Pernambuco ( e para todo o Nordeste) em pleno dezenove:
“De septembre 1693 à avril 1694, il ne parle que des pauvres, ‘un nombre infini de pauvres
que la faim et la misère fait languir, et qui meurent dans les places et dans les rues...’ (...) Le
Caron précise qu’ils ‘ne meurent ni de faim ni de disette’, mais des maladies contagieuses
venues des pauvres...” .

Ou seja, dificilmente se consegue discernir, unicamente pelas estatísticas agregadas, uma


morte “normal de pobre”, posto que as doenças, a fome e o frio no inverno fazem parte
inseparável de sua existência. A transposição de hemisfério, a aproximação do Equador e a
passagem de alguns séculos pouco alterariam esta realidade.

Em sua caracterização dos sistemas demográficos brasileiros, M. L. Marcílio considera os


seguintes regimes de mortalidade natural:

Quadro 17 – Regimes brasileiros de mortalidade natural no século XIX,


segundo M.L.Marcílio

SISTEMA DEMOGRÁFICO MORTALIDADE NATURAL

Economias de subsistência ♦ relativa e constantemente elevada


Economias das plantations ♦ mortalidade de livres muito elevada
Populações escravas ♦ mortalidade extremamente elevada,
principalmente infantil
Áreas urbanas ♦ mortalidade bem elevada

Diversas fontes nos proporcionam o seguinte quadro de informações pontuais sobre número
de óbitos (mais do que sobre mortalidade) em Pernambuco ou aplicável à província:

Quadro 18 – Referências sobre mortalidade natural

Período REGIÃO OBSERVAÇÃO FONTE


2ª metade
Brasil 31-32/1000
s.XIX
1ª metade Brasil 24-25/1000

82
citam a tipologia de Wilhem Lexis (1837-1914): “...cada espécie se caracterizaria fisiologicamente por um
número de anos a viver: a duração normal da vida. No caso da espécie humana essa duração etária estaria
compreendida entre 70 e 80 anos. (...) A curva de mortalidade se daria em três grupos: as mortes prematuras de
crianças (grande curva descendente entre o nascimento e a idade de 10 anos mais ou menos); as mortes
prematuras de adultos (curva ascendente que contém as mortes entre a idade de 10 anos que vai aumentando
gradativamente até os 65 anos) e as mortes normais delimitadas pela curva em forma de sino entre 65 e 80 anos,
encontrando seu ponto mais elevado aos 72 anos.”

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 95
s.XX
s.XIX Recife 32-34/1000
Recife, ZM proporção de óbitos: 9647 livres e 1678
1850
e Agreste escravos
proporção óbitos: 1633 livres para 1995
1854 Recife
escravos
Recife (4 2209 óbitos, sendo 1826 livres e 383
1857
freguesias) escravos
1863 Recife óbitos por cólera 129, óbitos totais 2915
óbitos de 94 estrangeiros e 2194 brasileiros:
1868 Recife 2451 = 388 escravos e 2063 livres, sendo 15
de Olinda
1873 Recife óbitos: 3441 livres e 292 escravos
13.271 escravos falecidos entre set 1873 e
1873-
PE jun 1885 de uma população matriculada de
1885
85.641 = 1,32% em 11,75 anos (a)
1058 óbitos no ano, de escravos
1877 PE matriculados; população base de 86.588
(1,22%)
1379 óbitos no ano, de escravos
1878 PE matriculados; população base de 85.243
(1,62%)
1490 óbitos no ano, de escravos
1879 PE matriculados; população base de 83.668
1,78%)
1291 óbitos no ano, de escravos
1880 PE matriculados; população base de 83.801
(1,54%)
1053 óbitos no ano, de escravos
1881 PE matriculados; população base de 82.199
(1,28%)
1882 Recife 4273 óbitos

Notas: (a) Escravos existentes em set 1873 (92.745), mais entrados depois (21.132), menos saídos depois
(17.090), menos manumitidos (10.546) = estimativa de população base para comparação com os falecimentos
(85.641).

A imprecisão sobre o tamanho das populações-base às quais possam ser comparados estes
números de óbitos ainda tornam temerário o cálculo de taxas de mortalidade. Servem, no
entanto, para avaliações de taxas relativas entre livres e escravos, por exemplo, com talvez
menos possibilidade de erros sistemáticos.

1.19.NATALIDADE

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 96
No mesmo estudo já mencionado, M. L. Marcílio identifica os seguintes padrões de
fecundidade:

Quadro 19 – Regimes brasileiros de fecundidade no século XIX, segundo


M.L.Marcílio

SISTEMA DEMOGRÁFICO FECUNDIDADE


Economias de subsistência ♦ elevada (54-56/1000)
Economias das plantations ♦ mais elevada que no regime anterior
Populações escravas ♦ as mais baixas do Brasil
Áreas urbanas ♦ menos elevada do que nas área rurais
Recife, 1813: 51,3/1000
Rio de Janeiro, 1849: 40/1000
São Paulo, 1800-09: 47,8/1000

Falci & Almeida citam o aumento de natalidade entre escravos a partir de 1870 . Cowell
estima a natalidade média durante o século XIX, no Recife, em 36-38 por mil . G.Mortara
calculou taxa de natalidade média secular para todo o Brasil de 47-48 por mil, na segunda
metade do dezenove e de 31-32 por mil nas primeiras décadas do século XX .

Goubert fala da impossibilidade, a não ser sobre amostras familiares que possam ser
acompanhadas por sucessivas gerações, de se calcular taxas (de nupcialidade, natalidade e
mortalidade) cientificamente definidas, isto é, resultantes da divisão de todos os eventos
conhecidos referentes ao conjunto da população estudada pelo total da população
efetivamente sujeita a cada um desses “riscos”, para usarmos a terminologia atuarial.
“La plupart de ces types de recherches [sobre registros paroquiais] présentent en commun un
élément d’incertitude, plus ou moins grave selon les cas: ils ne portent pas sur une population
‘fermée’, ni ‘stable’, sur une population dont la composition par sexe, par état matrimonial et
(surtout) par âge soit exatement connue; ils n’autorisent donc pas à présenter les taux
démographiques classiques avec une réelle sécurité scientifique” .

Em sua discussão, Goubert trata de natalidade a partir de relações de nupcialidade, fertilidade


e outras relações impossíveis de serem conhecidas a partir de nossas estatísticas agregadas.
Como exemplo do estado de nossos dados (não avançaremos mais do que isto aqui), citamos
abaixo algumas informações sobre as relações entre número de batismos e número de óbitos
de livres e de escravos, que podem ser empregadas como uma restrição proporcional na
estimativa de respectivas taxas de natalidade e mortalidade.

Quadro 20 – Algumas comparações entre natalidade e mortalidade de livres e escravos

PERÍODO REGIÃO OBSERVAÇÃO FONTE

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 97
1850 Recife, ZM proporção de batizados: 14.815 livres e 2.829
e Agreste escravos
1857 Recife (4 óbitos 2209 = 1826 livres e 383 escravos
freguesias) batizados 1616 = 1302 livres e 314 escravos
relação óbitos/bat = 1,40 livres 1,22 escravos
1858 Recife (4 batizados 1081 = 670 livres e 411 escravos
freguesias)

Tendo por parâmetros gerais os comentários acima, podemos buscar uma caracterização do
crescimento vegetativo dos contingentes populacionais de Pernambuco.

1.20.CRESCIMENTO VEGETATIVO

Muitas das conclusões mais interessantes que a modelagem tem a nos oferecer dependem do
conhecimento da variação no tamanho de cada um dos contingentes da população: se aumenta
ou se diminui, e em quanto. Assim, as informações sobre mortalidade e natalidade trazidas
acima, serão úteis mais como apoio para a estimativa destas direções do que para a definição
de taxas absolutas. Este grau de liberdade adicional será bastante proveitoso.

S. Nadalin apresenta curva da “transição demográfica brasileira”, com natalidade de 1840 a


1890 próxima a 4,7%, e mortalidade de 3,3% (1840-60), 3,0% (1870-80) , caindo até 2,7%
em 1900. apud Merrick & Graham. Estes dados são indicativos, no entanto, de uma média
geral para o país e, mais relevante, de uma média que engloba tanto contingentes
populacionais livres como cativos83.

Quadro 21 – Natalidade, mortalidade e crescimento vegetativo da população


brasileira, segundo Nadalin apud Merrick & Graham

Período Natalidade Mortalidade Variação líquida


1840-1860 4,7 % 3,3 % + 1,4 %
1870-1880 4,7 % 3,0 % + 1,7 %
+
1880 -1900 4,7 % 2,7 % + 2,0 %

Fonte: Natalidade e mortalidade: ; Variação líquida: nossos cálculos.

83
Apesar da existência de contextos em que estes termos sejam diferenciadores, empregaremos aqui como
sinônimos “escravos” e “cativos”, pois, tratando do contingente de escravos em solo pernambucano, não há
qualquer possibilidade de confusão entre recém-capturados e escravos com estatuto jurídico definido.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 98
A distinção segunda a condição civil é fundamental, pois todas as indicações apontam para a
existência de regimes demográficos bastante diversos entre livres e escravos. Para o período
inicial, em que o tráfico africano serviu de repositor do contingente de escravos, temos
concordância de alguns autores. No início do século, Tollenare calculou, para o Engenho
Salgado:
“Os nascimentos entre os negros são inferiores aos óbitos anualmente de 2,3 e 5% (encontrei
todas estas diferenças) estimarei o prejuízo em 2,5% sobre 100.000 francos...” .

Klein também menciona a taxa de crescimento negativa da população de escravos . Schwartz


pode concluir semelhantemente:
“O regime demográfico negativo que normalmente caracterizava a escravidão brasileira fazia
do reabastecimento constante de escravos vindos da África uma característica essencial da
instituição...” .

“O índice anual de declínio natural dessa população [escravos na Bahia entre 1600 e 1830]
talvez ficasse entre 1,5 e 3 por cento, e só a existência contínua do tráfico de escravos permitia
aos agricultores expandir ou manter a força de trabalho” .

Quanto ao período pós-1850, Galloway conclui que houve crescimento vegetativo positivo
nas décadas entre a abolição do tráfico e 1880:
“The existence of a stable slave population and this sale of slaves south carry the corollary that
the rate of natural increase in the slave population of the Northeast during these years [1850-
1880] must have been slightly above the replacement level” .

Falando do total da população recifense, Cowell afirma:


“Na média, durante o século XIX, o crescimento natural provavelmente aumentou em 0,4% ou
menos o crescimento anual do Recife, deixando um saldo residual de 1,6% que deve ser
atribuído à migração urbana” .

Voltando às caracterizações propostas por M. L. Marcílio, para cada regime demográfico


brasileiro do século XIX, arriscamos estimar taxas de variação líquida da população, com
base em suas conclusões. Estes percentuais, no entanto, serão usados meramente como
indicações de direção e intensidade, já que serão justamente as taxas de variação líquida as
variáveis que o modelo irá calcular.

Quadro 22 – Crescimento vegetativo da população brasileira no século XIX, a partir da tipologia


de M.L.Marcílio

CRESCIMENTO
SISTEMA MORTALIDADE MORTALIDADE
FECUNDIDADE VEGETATIVO
DEMOGRÁFICO NATURAL EPISÓDICA
ESTIMADO
ECONOMIAS DE ♦ elevada ♦ relativa e ♦ não identificada, ♦ positivo, entre 1%
SUBSISTÊNCIA

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P. 99
(54-56/1000) constantemente pois a mortalidade e 2%
elevada é constante
♦ não identificada,
♦ mortalidade de
ECONOMIAS DAS ♦ mais elevada que pois a mortalidade ♦ positivo, entre
livres muito
PLANTATIONS no regime anterior é constante; surtos 1,5% e 2,5%
elevada
de ação limitada
♦ mortalidade
extremamente ♦ negativo, entre
POPULAÇÕES ♦ as mais baixas ♦ freqüentes surtos
elevada,
ESCRAVAS do Brasil epidêmicos – 1,5% e – 3%
principalmente
infantil
♦ menos elevada
do que nas área
rurais. Recife,
1813: 51,3/1000; ♦ mortalidade bem ♦ freqüentes surtos ♦ positivo, entre 0%
ÁREAS URBANAS elevada epidêmicos
Rio de Janeiro, e 1,5%
1849: 40/1000;
São Paulo, 1800-
09: 47,8/1000

Fontes: Fecundidade e mortalidades: quadros anteriores, apud Marcílio, 1984b; variação líquida, nossas
conclusões subjetivas sobre essas características dos regimes.

Consideraremos que o sistema demográfico proposto para “populações escravas” refira-se, de


fato, à situação pré-1850, seguindo até as datas de taxas pontuais citadas pela autora. Para o
período posterior, consideramos que tenha havido crescimento positivo, mesmo que pequeno.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
100
7. DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DA POPULAÇÃO

“É difícil imaginar-se hoje em dia como era a baixa densidade de


população em todo o interior do Nordeste até o Século Vinte. (...) No
contexto do período colonial, isto queria dizer que a terra só tinha
valor na proporção do número de trabalhadores disponíveis.”
– Kempton E. Webb, A face cambiante do Nordeste do Brasil, 1974

1.21.AS REGIÕES PERNAMBUCANAS

A vocação portuária e, portanto, comercial da cidade do Recife sempre esteve clara aos que
por lá passaram e, também, aos que, muitos séculos depois de sua fundação, analisaram suas
atividades, sua população e a dinâmica de seu crescimento. Entre estes, o texto “Pernambuco
marítimo (O Recife e a economia mundial)” de Vamireh Chacon é clássico pelas referências
sucessivas que traz sobre o tema, de uma perspectiva que podemos classificar como
autocentrada ou nativista . De outra perspectiva, Paul Singer, no seu Desenvolvimento
econômico e evolução urbana, analisa o crescimento do Recife junto com o de outras cidades
brasileiras, a partir de seu papel frente aos setores dinâmicos locais: o açúcar e o algodão,
chegando à indústria, no século XX . Abstraídos os coloridos, verbal e teórico, de cada autor,
suas conclusões quanto ao papel da cidade são semelhantes.

Da mesma forma, a ocupação da Zona da Mata ficou ligada à busca de madeira e, logo em
seguida, ainda nos primórdios da colonização, à economia da cana-de-açúcar. Foram os textos
de Gilberto Freyre, com destaque para Casa Grande & Senzala e Nordeste, os grandes
divulgadores mundiais da associação tríplice massapê-cana-sociedade patriarcal . A ênfase
que este tema-região ganhou certamente influiu, durante muito tempo e mesmo hoje, para a
menor importância atribuída às demais sub-regiões do Nordeste. Há reflexos desse
desequilíbrio na distribuição temática da produção acadêmica e na própria construção de
conceitos analíticos, como é o caso da confusão entre plantation, associada a grandes
contingentes de escravos na lavoura, e o conjunto das relações econômicas e sociais do
Nordeste.

O Sertão, desde sempre contraponto à Mata, eram as terras distantes, povoadas de gente

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
101
bravia e habitat de vegetação inóspita. “O significado da palavra sertão, tal como a própria
região que denomina, tem uma conotação vaga, desdobrada, expandida, sem limites. Uma das
definições de sertão é geográfica, refere-se às terras baixas e secas do interior do Nordeste;
outra diz respeito ao interior esparsamente povoado...” . Maria Graham, em 1821, pôde ser
mais direta: “sertão ou região selvagem do interior”84.

Ainda na interessante avaliação de K.Webb, enquanto a Mata e o Sertão, desde o início da


ocupação européia, se mostraram bem caracterizados como ambientes geográficos, o Agreste
foi uma criação mais recente, do século XIX:
“... com sua diversidade de produção, bem como de tamanhos de propriedades, foi uma
resposta ao surgimento das cidades e à maior especialização de funções na Região. No
Nordeste tradicional, havia na realidade apenas duas atividades: cultivo da cana-de-açúcar na
Zona da Mata e criatório de gado no interior. E até o século dezenove, o interior compreendia
tanto o Sertão como o Agreste. As Regiões Tradicionais dos tempos coloniais – Sertão e Mata –
não podiam satisfazer as demandas dos séculos dezenove e vinte. Daí porque o Agreste foi
inventado” .

Ou seja, o Agreste, em nome e realidade, é filho da própria diversificação regional, quando


esta ultrapassou a antiga oposição mata-sertão.

São estas quatro regiões, hoje tradicionais, que escolhemos utilizar em nossa modelagem.
Voltando a comentários anteriores sobre as dificuldades de levantamento de fontes e
organização de séries estatísticas coerentes, lembramos que, além das muitas incertezas sobre
as contagens da população, devemos também considerar as divisões administrativas que
foram sucessivamente alteradas, muitas vezes interferindo até com a macrodistribuição
regional escolhida. Para minimizar estes problemas, procuramos identificar, nas informações
demográficas originais, as associações mais adequadas entre nomenclaturas geográficas
antigas, de forma a obter as âncoras estatísticas mais plausíveis e menos sujeitas a erros. Isto,
é claro, dentro dos limites de tempo e recursos disponíveis para esta pesquisa.

Dos temas relacionados à distribuição geográfica da população, a questão da quantidade de


escravos no Agreste e no Sertão foi revista nas últimas décadas. Muitos autores viam na
atividade econômica típica do Sertão, a pecuária, uma incompatibilidade com a escravidão.
Refletindo opinião comum, Péricles Madureira de Pinho podia afirmar em 1952:
“A atividade profissional por excelência de homens livres era a criação de gado (...) O gado,
que representou papel tão importante na ocupação territorial, levando e consolidando muitos
dos primeiros desbravadores dos sertões, constituiu também uma exceção ao regime do
trabalho escravo. Dele não poderiam cuidar senão homens livres” .

84
Entrada no diário em 27/9/1821 .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
102
Em 1983, Manuel Correia de Andrade apontou essa discrepância entre o “saber convencional”
e a realidade:
“Generalizou-se, entre os nossos ensaístas, a idéia de que a formação social pecuarista
prescindiu da utilização da mão-de-obra escrava africana, fato que hoje é posto em dúvida;
assim, os vaqueiros, que ficavam nos “sítios” cuidando do gado, eram acompanhados de
auxiliares que tanto se dedicavam às fainas da pecuária, como também à produção agrícola de
subsistência, compreendendo não só a mandioca, o feijão e o milho, como também a cana-de-
açúcar, que alimentava pequenos engenhos rapadureiros e produtores de cachaça (...) que,
muitos deles, sobreviveram até os nossos dias” .

Mais recentemente, confirmaram a discrepância entre a tese reiterada pela historiografia e as


estatísticas existentes, que retratam um alto percentual de escravos no Agreste e no Sertão
(27,8% no Agreste e 9,2% no Sertão, em 1842, por exemplo).
“A literatura sobre o Nordeste, e Pernambuco em particular, freqüentemente transmite a
impressão de que o uso de mão-de-obra escrava na região, ao longo do século XIX, estava
fundamentalmente concentrado na Zona da Mata, onde se localizavam as vastas plantações de
cana-de-açúcar. Essa impressão está associada, em grande medida, à abundância relativa de
estudos sobre a economia açucareira da região, em comparação com os voltados às demais
zonas fisiográficas. Também a reforçam os conhecidos relatos de viajantes estrangeiros que
estiveram nessa parte do País no período (...) os quais se referem, quase exclusivamente, à
escravidão do açúcar” .

Seguem, analisando inventários post-mortem, cujos dados mostram importante participação


de proprietários de poucos escravos, o que corrobora sua tese de que as pequenas
propriedades utilizavam mão-de-obra escrava além do usualmente relatado na historiografia.

Nas palavras de Maria Yedda Linhares:


“Daí a revisão que se impõe de certas noções amplamente difundidas, como mencionado
acima: a suposta vocação do índio pelo trabalho pastoril, a predominância do trabalho livre nas
fazendas do sertão e, ainda, a noção de que tais fazendas representavam a retaguarda autônoma
do litoral agroexportador” .

1.22.FINAL DO SÉCULO XVIII

Como referência inicial para nosso período de estudo, utilizamos levantamentos realizados
pelo governo da capitania-geral de Pernambuco, possivelmente entre o final da década de
1770 e início da de 1780 .

O resumo desses levantamentos está apresentado no quadro abaixo.


Quadro 23 – Pernambuco. Levantamentos populacionais de 1782 e 1788

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
103
POPULAÇÂO DISTRIBUIÇÂO
REGIÃO
1782 1788 1782 1788
Recife 37.081 40.955 21,5% 19,0%
sendo a vila do Recife 18.000 21.600 10,4% 10,0%
Zona da Mata 116.538 149.412 67,4% 69,3%
Agreste 12.140 16.351 7,0% 7,6%
Sertão 7.075 9.005 4,1% 4,2%
Pernambuco 172.834 215.723 100,0% 100,0%

Fonte:
Nota: Freguesias incluídas em cada região: [Recife] Vila do Recife, Jaboatão, Muribeca e Várzea; [Zona da
Mata] Goiana, Tracunhaém, Luz, Cabo, Ipojuca, Serinhaém, Sé de Olinda, Una, São Lourenço da Mata, Santo
Antão, Igarassu, Itamaracá, Tejucupapo, São Pedro Mártir, Escada (1782 e 1788), També e São Miguel dos
Barreiros (só 1788); [Agreste] Bom Jardim, Garanhuns, Bezerros, Cimbres, Águas Belas, Limoeiro; [Sertão]
Cabrobó, Tacaratu (1782 e 1788), Exu (só 1788). Os mapas ainda incluem freguesias de Alagoas, que não foram
computadas aqui.

A princípio, o resultado de 1782 parece subestimado relativamente ao levantamento seguinte,


pois, a estarem corretos ambos os números, teria havido crescimento da população total de
Pernambuco de 3,8% ao ano, durante estes 6 anos.

1.23.INÍCIO DO SÉCULO XIX

As principais referências demográficas para o início do século são levantamentos provinciais,


reavaliados por Figueira de Mello.

Quadro 24 – Pernambuco. Levantamentos populacionais do início do século XIX


POPULAÇÃO DISTRIBUIÇÃO (%)
REGIÃO
1810 1815 1826 1810 1815 1826
Recife (vila?) 25.350 39.463 40.846 9,2 11,6 15,4
Zona da Mata 166.709 225.315 155.516 60,7 66,3 58,6
Agreste 47.628 35.000 48.172 17,3 10,3 18,1
Sertão 35.000 40.000 21.001 12,8 11,8 7,9
Pernambuco 274.687 339.778 265.535 100,0 100,0 100,0

Fonte:
Nota: Municípios incluídos em cada região: [Recife] Recife; [Zona da Mata] Cabo, Santo Antão, Serinhaém,
Olinda, Iguarassu (1810 e 1826), Goiana, Pau d’Alho (1810 e 1826), Itamaracá (1826); [Agreste] Limoeiro
(1810 e 1826), Garanhuns; [Sertão] Pajeu das Flores.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
104
Como referências sobre a população do Recife, Cowell cita 26.000 habitantes (1810), 34.000
(1822) e 60.000 (1842) .

1.24.MEADOS DO SÉCULO XIX

Os levantamentos de 1840 e 1842, comentados por Figueira de Mello, apresentam diversas


discrepâncias. O levantamento de 1858 omite muitas freguesias, que estimamos para incluir
nos dados listados abaixo.

Quadro 25 – Pernambuco. Levantamentos populacionais em meados do século XIX


FOGOS HAB DISTRIBUIÇÃO (%)
REGIÃO
1840 1842 1858 1840 1842 1858
Recife 11.151 12.984 40.794 10,1 10,9 8,6
Zona da Mata 55.162 56.597 240.352 49,8 47,4 50,9
Agreste 32.010 33.626 133.663 28,9 28,2 28,3
Sertão 12.512 16.224 56.936 11,3 13,6 12,1
Pernambuco 110.835 119.431 471.745 100,0 100,0 100,0

Fonte:
Notas: (a) Para 1840 e 1842 são listados o número de fogos; para 1858, o número de habitantes. (b) Os totais
das freguesias omitidas em 1858 foram complementados por nossas estimativas, conforme indicado abaixo. (c)
As freguesias incluídas em cada região foram: [Recife] Afogados, Boa Vista (1858 est.), Poço da Panela, Santo
Antônio, São Frei Pedro Gonçalves (1858 est.), São José (só 1858), Várzea (só 1858); [Zona da Mata] Água
Preta, Barreiros (1858 est.), Cabo, Escada (1858 est.), Goiana, Goitá, Iguarassu, Ipojuca, Itamaracá, Itambé,
Jaboatão (1858 est.), Luz (só 1858 est.) Maranguape, Muribeca, Nazareth, Pau d’Alho (1858 est.), Quipapá (só
1858), Rio Formoso, Santo Antão, São Lourenço da Mata, São Pedro Mártir/Beberibe, Sé, Serinhaém,
Tejucupapo, Tracunhaém, Una; [Agreste] Águas Belas (1858 est.), Altinho, Bezerros, Bom Jardim, Bom Jesus
dos Aflitos de São Bento (só 1858), Bonito, Brejo, Buique, Caruaru (só 1858), Cimbres, Garanhuns, Lagoa de
Baixo (1842 e 1858), Limoeiro (1858 est.), Papacaça, Taquaritinga; [Sertão] Boa Vista (1858 est.), Cabrobó,
Exu, Fazenda Grande (1858 est.), Flores, Ingazeira, Ouricuri (só 1858), Salgueiro (só 1858), Serra Talhada
(1858 est.), Tacaratu (1858 est.).

Como referência, Cowell (op.cit.) considera 70.000 habitantes em 1850, no Recife.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
105
1.25.CENSO DE 1872

Os resultados do censo de 1872, por condição civil e região, foram os seguintes:

Quadro 26 – Pernambuco. População residente, segundo a condição civil, 1872


LIVRES ESCRAVOS Desbalanceamento
regional
( Hab. ) (%) ( Hab. ) (%) (%)
Recife 81.444 10,8 10.608 11,9 + 1,1
Zona da Mata 319.565 42,5 50.602 56,7 + 14,2
Agreste 259.517 34,5 21.314 23,8 – 10,7
Sertão 91.961 12,2 6.804 7,6 – 4,6

Pernambuco 752.487 100,0 89.328 100,0 0,0

Fonte: Nossos cálculos sobre dados do Recenseamento de 1872.


Nota: O índice de desbalanceamento regional é calculado como a participação de escravos menos a
participação de livres, região a região.

Os percentuais maiores na Zona da Mata e no Agreste refletem o destino de africanos cuja


importação teria ocorrido principalmente na década de 1840 (fazendo com que tivessem, na
época do censo, possivelmente entre 50 e 60 anos de idade). Vale lembrar que o censo de
1872 não anotou a existência de pelo menos 17.200 escravos em Pernambuco, sonegados no
recenseamento por seus proprietários, mas certamente registrados no ano seguinte, para obter
os benefícios do Fundo de Emancipação. Assim, os resultados do censo quanto à população
cativa, em termos absolutos, devem ser aumentados em 19,3% para corrigir esse fato.

Os dados do recenseamento mostram maior concentração de escravos relativamente aos livres


na Zona da Mata (índice de desbalanceamento igual a + 14,2%) e uma pequena concentração
relativa no Recife. A contrapartida dessa concentração aparece um pouco distribuída entre o
Agreste (– 10,7 %) e o Sertão (– 4,6 %). Lembrando que estimamos uma falta de 19,3% no
número de escravos recenseados, fica a dúvida: como teriam sido distribuídos entre as regiões
os 17.200 escravos omitidos ao censo ?

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
106
1.26.ENTORNOS DA ABOLIÇÃO

Os dados referentes à população cativa nas décadas anteriores à abolição foram listados na
seção 4. Cowell, no mesmo texto referido lista 150.000 habitantes no Recife em 1893.

1.27.CENSOS DE 1890 E 1900

Estes dados foram listados como âncoras, com acréscimos idênticos de 1% em todos os itens.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
107
CAP ÍTU LO I II
ESTIMAÇÃO DE SÉRIES DEMOGRÁFICAS ANUAIS

8 UM MODELO DEMOGRÁFICO NÃO-EXPLICATIVO


8.1 O MODELO, SEUS OBJETIVOS E CONCLUSÕES
8.2 CONJUNTOS DEMOGRÁFICOS E REGIÕES
8.3 MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS
8.4 CRITÉRIOS GERAIS DA MODELAGEM
8.5 ÂNCORAS PARA A POPULAÇÃO TOTAL E SUA DISTRIBUIÇÃO

9 ESTIMATIVA DOS MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS


9.1 NATALIDADE
9.2 MORTALIDADE EPISÓDICA
9.3 MORTALIDADE NATURAL
9.4 IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA
9.5 MIGRAÇÃO INTRAPROVINCIAL
9.5 TRÁFICO E ALFORRIAS DE ESCRAVOS

10 AS SÉRIES ESTIMADAS
10.1 RESULTADO – POPULAÇÃO CATIVA
10.2 RESULTADO – POPULAÇÃO LIVRE
10.3 ROTAS PARA PESQUISA

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
108
8. UM MODELO DEMOGRÁFICO NÃO-EXPLICATIVO85

“...[não devemos] forçar os algarismos para nos


darem resultados pomposos, mas não prováveis.”
– Jeronymo Martiniano Figueira de Mello, 1845

1.28.O MODELO, SEUS OBJETIVOS E CONCLUSÕES

O modelo proposto foi idealizado para completar as informações historiográficas conhecidas


sobre o tamanho da população de Pernambuco e sobre as modificações que a afetaram durante
o século XIX, organizando todos os dados, sejam originados de fontes, sejam calculados pelo
modelo, de modo coerente com a lógica de definição dos fluxos demográficos: os acréscimos
à população de certa área e grupo social ocorrem por nascimento, por entrada naquela região
ou por inclusão nessa condição civil, os decréscimos, por morte, por saída da região ou por
perda dessa condição civil. Este conceito de modelo definicional, isto é, matemático, porém
não-explicativo, foge à acepção usual da palavra, certamente no mundo cliométrico 86, mas
também na historiografia e em textos sobre epistemologia da história.

Virgínia Fontes, em texto sobre “História e modelos”, expõe claramente o conceito difundido:
“... o modelo não é a própria instância do conhecimento, mas um dos momentos da elaboração
cognitiva. O uso de modelos não garante, em si mesmo, a cientificidade do resultado,
constituindo-se numa técnica capaz de controlar, num dado domínio, uma vasta gama de
variáveis, de estabelecer padrões de comparação e eventualmente de previsibilidade” .

A idéia de “padrões de comparação” remete à compreensão de Michel de Certeau sobre a


atual prática historiográfica, em que as etapas da produção do historiador – construção de
objetos de pesquisa, acumulação de dados e exploração desse material – que via até então
unidas numa prática homogênea, se tornaram separadas. Assim, considera que o trabalho
historiográfico se dá atualmente entre as duas atividades extremas: a construção de modelos e

85
Uma primeira versão deste modelo, menos detalhada e cobrindo somente o período 1800 a 1872, foi
apresentada ao II Encontro de Pós-graduação em História Econômica-ABPHE, Niterói, set 2004 .
86
Definição típica: “Economic ‘model building’ in history refers to the construction of models of historical
economies or sectors. Like most econometrics these have been almost exclusively based upon the ideas and
assumptions of neoclassical economics, and to a lesser extent upon new and older forms of classical economics.
Occasionally, Marxist models or other alternative models have also been employed. Usually data are
incorporated into a model (...) The model is then used to simulate (in a simplified way) the operation of the
major influences so that unknown elements in the model can be estimated or the model can be employed to
understand events and circumstances in the past” .

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
109
a atribuição de significado aos resultados obtidos após “combinações informáticas”. Nas
palavras do próprio Certeau:
“La forme la plus visible de ce rapport consiste finalement à rendre pertinentes des différences
proportionnées aux unités formelles précédemment construites; à découvrir de l’hétérogène qui
soit techniquement utilisable. “L’interprétation” ancienne devient, en fonction du matériau
produit par la constitution de séries et par leurs combinaisons, la mise en évidence d’écarts
relatifs à des modèles” [ênfases do autor].

Mesmo no contexto da demografia histórica, o conceito de modelo mantém esse caráter


explicativo e, em conseqüência, necessariamente distanciado da “realidade”, por querer
resumir comportamentos e eventos unicamente através das condições que o modelo explicita.
É ilustrativo o comentário de André Burguière sobre a necessidade de agrupar os resultados
de múltiplas monografias paroquiais:
“... nele próprio [o resultado monográfico] nada significa. É preciso combinar uns com os
outros, as taxas de fecundidade, os espaços entre os nascimentos, a idade no casamento, e taxa
de mortalidade, para construir um modelo, ou seja um comportamento simulado” .

Distintamente de todos esses usos, pretendemos que o conjunto de relações entre tamanhos de
populações sucessivas, definidos unicamente pelos fluxos que as compõem ou que as reduz,
mereça o título de modelo, porém de um modelo não-explicativo e, portanto, não-teórico, no
sentido de que não supõe comportamentos, não impõe que as pessoas a que se refere tenham
agido dessa ou daquela forma. O modelo simplesmente descreve relacionamentos entre
quantidades que necessariamente ocorreram. Não há outra forma de uma população composta
por 1000 pessoas num certo ano atingir 1200 no ano seguinte, a não ser sendo acrescida de
200 pessoas. Não há, além disso, como 200 pessoas “serem acrescidas” a esta população a
não ser por uma combinação de nascimentos e imigrações. Como também devemos
considerar óbitos e emigrações, só podemos concluir que estas 200 pessoas a mais
representem o saldo líquido de nascimento menos mortes mais imigrações menos emigrações.
Trata-se simplesmente de uma definição de categorias e de suas subcategorias.

Ao fazermos suposições sobre, por exemplo, o valor da taxa de mortalidade em certo período,
ainda assim não entramos no mundo da teoria, dos modelos explicativos, pois estaremos
meramente afirmando que se tiver sido esta a mortalidade, então estas serão as
conseqüências, ditadas unicamente pelas definições dos fluxos constitutivos dos contingentes
demográficos.

Também cabe distinguir o modelo proposto de estimativas baseadas em técnicas de regressão


estatística, que buscam ajustar uma curva a um conjunto de dados conhecidos, com base em
algum critério de otimização, por exemplo, minimizar as distâncias entre esta curva e os
pontos conhecidos. O objetivo de nossas estimativas não é substituir as informações das

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 0
fontes por dados “ajustados”; elas só preenchem, de modo logicamente coerente, as lacunas
de informações nas séries disponíveis.

A premissa fundamental de nossa modelagem é a utilização de recursos matemáticos para


gerar séries numéricas que permaneçam coerentes com o mais amplo leque das informações
demográficas disponíveis sobre Pernambuco no século XIX. Isto significa que as séries
desejadas devem “casar” com estatísticas conhecidas para certos anos e preencher os
intervalos com variações que se ajustem aos fluxos demográficos que efetivamente
ocorreram: migrações, mortalidade brusca e movimentos da população cativa. As regras
matemáticas provêm uma coerência lógica inescapável que justifica a escolha dos valores
construídos: são números que representam os conjuntos demográficos desconhecidos, mas
que necessariamente deveriam ter existido para, dados os fluxos sociais e biológicos também
conhecidos, gerar os conjuntos demográficos registrados nas fontes para os anos-âncora.

Acreditamos que este método seja capaz de extrair, dos díspares conhecimentos disponíveis
sobre a situação da população pernambucana dos oitocentos, informações concatenadas e
coerentes com todos os dados incorporados ao estudo. Apresenta, adicionalmente, a vantagem
de poder ser repetido sempre que surgirem novas informações pontuais ou se optar por alterar
algum parâmetro sobre mortalidade, migrações ou fluxos de escravos, sendo capaz de gerar,
portanto, séries demográficas sempre atualizadas com os conhecimentos historiográficos do
momento.

A efetiva aplicação do modelo requer algumas explicações adicionais. Detalhamos os


relacionamentos nas seções seguintes, onde descrevemos os conjuntos demográficos e as
regiões modeladas, os critérios gerais da modelagem e as âncoras populacionais escolhidas
como referências empíricas básicas. O ajuste do modelo seguiu o procedimento iterativo
abaixo:

Em cada período modelado, entre dois anos-âncora, foram relacionadas as informações


conhecidas sobre os fluxos de entradas (tráfico africano, tráfico interprovincial de importação,
imigração de livres, migrações interprovinciais de entrada) e de saída (tráfico interprovincial
de exportação, migrações interprovinciais de saída). Foram estimadas anualmente as alforrias,
que não alteram a população total, mas afetam os subtotais dos contingentes de livres e de
escravos. Foram também relacionados possíveis óbitos devidos a eventos episódicos –
convulsões sociais, epidemias ou secas – que excedessem uma mortalidade “normal”.
Faltariam agora somente dois fluxos para fechar os relacionamentos contemplados: os
nascimentos e as mortes.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
111
Sendo a taxa de crescimento vegetativo da população definida como a taxa de natalidade
menos a de mortalidade, ao fixarmos uma taxa de mortalidade aproximada podemos deixar
que as relações do modelo definam a taxa de crescimento vegetativo médio que faz com que
nossa população atinja o total desejado, isto é, a população-âncora ao final do período. Por
este artifício, o fato de não termos acertado, nessa estimativa, exatamente a taxa de
mortalidade média do período não atrapalha os cálculos nem as conclusões (que não
envolvam os níveis absolutos de natalidade e mortalidade), pois a taxa de natalidade fica
automaticamente corrigida, compensando a discrepância de mortalidade, para refletir o que é
inevitável segundo os relacionamentos do modelo, que é a existência de uma taxa de variação
líquida que leva o tamanho inicial da população a igualar-se, ao final do período, com seu
tamanho naquele ano.

Pela aplicação sucessiva desse procedimento, primeiro à população de escravos, depois à


população livre, período após período, ao longo do século, chegamos, para cada um dos
macrocontingentes de livres e escravos, a séries calculadas que listam seu total ao final de
cada ano e os fluxos de nascimentos e de óbitos destes anos. Já temos, além disso, as séries
dos demais fluxos, conhecidas previamente. Estes totais para a província podem ser então
repartidos entre as 4 regiões de forma a que suas respectivas populações mantenham a
participação desejada no total da população provincial, ensejando estimativas de movimentos
intraprovinciais.

Até aqui só empregamos as séries recolhidas nas fontes, construindo séries populacionais que
aproximam as que deveriam ter existido, pelo fato de serem compostas dos mesmos fluxos
demográficos apontados nessas fontes. Ora, os resultados surpreenderam. O que esperávamos
ser simplesmente um procedimento de interpolação “inteligente”, levando em conta múltiplos
contingentes e fluxos demográficos, apontou incoerências insuspeitadas. A primeira dessas
situações se referiu ao período 1830-1845, para o qual o modelo calculou um crescimento
vegetativo não só positivo, mas bastante forte para o contingente de escravos. Todas as fontes
concordam que havia, nesta época, clara redução vegetativa da população de escravos. Para
conciliar modelo e fontes, tínhamos basicamente duas alternativas consistentes: o tamanho da
população-âncora em 1845 estaria superestimado ou teriam entrado, nesses 15 anos, mais
escravos em Pernambuco do que as fontes à nossa disposição indicavam. Escolhemos uma
rota que pretendemos salomônica, reduzindo em parte a população-âncora em 1845 e
recalculando as séries a partir de um crescimento vegetativo nulo, opção bastante
conservadora frente às claras evidências sobre redução vegetativa da população de escravos. A
conclusão inescapável foi um acréscimo ao total atualmente conhecido sobre o número de

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 2
escravos entrados através do tráfico africano. Os números resultantes deste procedimento
constam da seção 10 – Séries estimadas.

Em resumo, para manter as relações lógicas entre fluxos demográficos e tamanhos da


população, definidos a priori, chegamos a situações em que, a serem verdadeiros certos
processos reconhecidos, como a redução vegetativa da população de escravos no período de
1830 a 1845, fomos forçados a concluir que as fontes utilizadas para calcular nossas séries
sobre movimentação de escravos – o tráfico africano e o tráfico interprovincial – não nos
informam a totalidade dos fluxos que calculamos tenham existido. Embora esta conclusão não
possa nos informar um total definido para o tráfico de escravos que teria efetivamente
ocorrido, mas sobre o qual ainda não temos conhecimento, trata-se de indicação segura quanto
a direções para pesquisa. Podemos, além disso, mostrar um conjunto de alternativas, por
exemplo, de combinações entre um total de população cativa em 1845 e fluxos de tráfico
ainda não computado, que delimita um campo de possibilidades para essas pesquisas (isto é,
quanto maior tenha sido o contingente de escravos no ano de 1845, maior deverá também ter
sido o tráfico africano durante o período imediatamente anterior).

1.29.CONJUNTOS DEMOGRÁFICOS E REGIÕES

O modelo trabalha com dois grupos de população – livres e escravos – divididos em quatro
regiões; ou seja há oito conjuntos demográficos a estimar para cada ano do período de estudo.
Como as condições de ser livre ou escravo foram definidas juridicamente e assim estão
registradas nas fontes, não consideramos haver dúvidas quanto à classificação de cada pessoa
numa ou noutra dessas categorias. A classificação regional, por outro lado, é bem mais fluída,
seja por haver menos informação a esse respeito, seja por ter sido possível aos habitantes de
Pernambuco passarem de uma região para outra, sem que isto ficasse corretamente registrado
nas fontes estatísticas. Entretanto, como a única variável considerada pelo modelo é o número
de habitantes existentes, em cada momento, em cada categoria, supomos haver pouca margem
para contestação à lógica da estrutura do modelo e aos procedimentos desenvolvidos para sua
estimação, a não ser a partir de bases empíricas distintas das que empregamos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 3
Figura 19 – Regiões modeladas

Fonte: Nosso desenho sobre mapa do governo do Estado.

O recorte geográfico é bastante agregado, dividindo Pernambuco nas regiões: Recife (numa
área aproximadamente correspondente ao município atual), Zona da Mata, Agreste e Sertão
(englobando as atuais macro-regiões do Sertão e do São Francisco).

1.30.MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS

Para cada um desses conjuntos, precisamos de avaliações para os possíveis fluxos


demográficos sociais e biológicos discutidos. O quadro na página seguinte lista os
movimentos que deverão ser avaliados, em termos nominais ou por taxas de variação sobre o
ano anterior.

Os 15 movimentos básicos transformam-se, portanto, em 54 movimentos anuais vinculados a


regiões e grupos sociais. Cabe notar que há três tipos de movimentos: a) acréscimos ou
reduções líquidas à população da província (por natalidade, mortalidade, imigração,
emigração, importação ou exportação de escravos), b) movimentos de relocalização entre as
regiões, sem alteração na população total (pelas migrações intraprovinciais) e c) um
movimento de troca de condição civil (através da alforria), também sem conseqüência sobre o
total da população. Podemos considerar, adicionalmente, a troca de nacionalidade, por
naturalização.

Quadro 27 – Movimentos anuais a serem modelados

MOVIMENTO REGIÕES GRUPOS

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 4
1. Natalidade (8) Todas (+) L (+) / E(+)
2. Mortalidade episódica (8) Todas (–) L (–) / E(–)
3. Mortalidade natural (8) Todas (–) L (–) / E(–)
4. Imigração estrangeira (1) Recife (+) L (+)
5. Imigração de brasileiros (4) Todas (+) L (+)
6. Emigração (4) Todas (–) L (–)
7. Migração intraprovincial:
Recife (–) L (–) / E(–)
7.1 Recife – Zona da Mata (2)
Zona da Mata (+) L (+) / E(+)
Zona da Mata (–) L (–) / E(–)
7.2 Zona da Mata – Agreste (2)
Agreste (+) L (+) / E(+)
Agreste (–) L (–) / E(–)
7.3 Agreste – Sertão (2)
Sertão (+) L (+) / E(+)
Sertão (–) L (–) / E(–)
7.4 Sertão – Agreste (2)
Agreste (+) L (+) / E(+)
Agreste (–) L (–) / E(–)
7.5 Agreste – Zona da Mata (2)
Zona da Mata (+) L (+) / E(+)
Zona da Mata (–) L (–) / E(–)
7.6 Zona da Mata – Recife (2)
Recife (+) L (+) / E(+)
8. Importação de escravos (1) Recife (+) E(+)
9. Exportação de escravos (4) Todas (–) E(–)
Todas (–) E(–)
10. Alforrias (4)
Todas (+) L (+)

Nota: Os números entre parênteses indicam quantos movimentos de cada tipo existem. Os
sinais (–) (+) indicam se há redução ou acréscimo ao conjunto em decorrência de cada
movimento. Os termos “imigração” e “emigração” são usados sempre relativamente a
Pernambuco, isto é, chegadas à e saídas da província.

O presente modelo dá maior ênfase empírica aos movimentos (a) e (c), deixando que as
âncoras regionais, a priori, distribuam geograficamente a população, sem necessidade de
explicitarmos os movimentos individuais (b). Empregaremos este recurso por insuficiência de
tempo para uma análise mais detalhada. Este procedimento não afeta os resultados a cada ano-
âncora, não dando conta, entretanto, de flutuações intermediárias que fujam à tendência entre
estes anos-âncora.

1.31.CRITÉRIOS GERAIS DA MODELAGEM

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 5
Julgamos decisivo para a precisão e, portanto, para o sucesso dessa estimativa ano-a-ano
incorporar de forma coerente as principais forças populacionais em ação em Pernambuco
durante o período: (a) as tendências gerais de crescimento da população; (b) as pontuais
reduções bruscas da população devido a epidemias, a secas e, menos freqüentemente, a
conflitos políticos; (c) a dinâmica peculiar da população escrava (incluindo, além de sua
natalidade e mortalidade específicas, sua importação, exportação e alforria), bem como (d) as
sucessivas levas de migrações inter- e intra-regionais.

Concebemos este trabalho como uma interpolação coerente de séries logicamente conjugadas,
nos intervalos que medeiam alguns referenciais fixos, escolhidos entre os levantamentos mais
confiáveis ou referentes a momentos relevantes. Esta modelagem se baseia nos seguintes
objetivos e pressupostos, que reputamos capazes de gerar tais séries populacionais que
incorporem e compatibilizem as mais significativas informações disponíveis:

1. Serão considerados a priori como levantamentos fidedignos os dados listados adiante


como populações-âncora para nossa estimação.

2. Serão consideradas 4 subdivisões geográficas para Pernambuco: Recife


(correspondendo aproximadamente ao atual município), Zona da Mata, Agreste e
Sertão (incluindo as atuais macro-regiões do Sertão e do São Francisco).

3. Serão separadas, até 1888, a população livre e os escravos.

4. Nos anos-âncora, será determinada uma população total para Pernambuco e sua
distribuição entre livres e escravos, nas 4 regiões.

5. A partir dos marcos referenciais, serão estimadas, ano a ano, séries para as populações
livre e cativa em cada uma das 4 regiões, segundo as condições descritas adiante.

6. Dentro de cada um dos intervalos entre anos-âncora, será aplicada uma única taxa de
crescimento vegetativo (natalidade menos mortalidade regular) de modo a
compatibilizar:

a) a população inicial do intervalo;

b) a população final do intervalo;

c) informações anuais sobre tráficos de importações e de exportações de escravos;

d) informações anuais sobre alforria de escravos (que entram, então, para a categoria
“livres”);

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 6
e) informações pontuais sobre mortes episódicas em decorrência de convulsões
sociais, secas ou epidemias;

f) movimentos de migração interprovincial;

g) movimentos de imigração e emigração, de estrangeiros e brasileiros;

h) fluxos de naturalização de estrangeiros.

7. A distribuição geográfica da população entre as regiões será estimada, para os anos-


âncora, a partir das informações pontuais disponíveis.

Dentro de cada intervalo, portanto, o modelo se prende a três grupos de referências históricas:
as populações iniciais e finais, e um conjunto de variações “forçadas”, que correspondem a
mortes em decorrência de epidemias ou a migrações em massa e, para os escravos, ao tráfico
africano ou interprovincial e às alforrias. Uma taxa de variação anual única para cada
intervalo é calculada para simular o crescimento da população inicial, alterada pontualmente
pelas variações conhecidas empiricamente, até atingir a população final definida para cada
intervalo.

Ou seja, os números anuais obtidos poderão com segurança ser considerados como
incorporando todas essas informações, dentro da hipótese minimamente restritiva de que a
população de cada categoria, ao ser afetada pelas variações registradas, continuou crescendo à
mesma taxa anual até a âncora seguinte.

1.32. ÂNCORAS PARA A POPULAÇÃO TOTAL E SUA DISTRIBUIÇÃO

Para cada ano do período, poderemos ter referências históricas suficientes para atribuir um
total a um movimento ou somente indicações quanto a sua direção ou intensidade.
Poderemos, também e mais comumente, não ter qualquer indicação servível sobre seu valor.
Nestes últimos três casos, seu valor deverá ser calculado pelo modelo.

Além dos referenciais históricos para avaliar cada movimento, discutidos logo adiante,
teremos, como âncoras empíricas para as séries a serem estimadas, valores para a população
total, de livres e de cativos, em diversos momentos ao longo do século. Estas âncoras
empíricas estão relacionadas no quadro da próxima página.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 7
Escolhemos os anos-base para separação dos períodos de modelagem de forma a aproximar
ao máximo essas datas das referências existentes consideradas mais fidedignas. Temos, assim:
1800 – início do século; 1815, 1830 e 1845 – anos próximos a estimativas revistas por
Figueira de Mello; 1860 – ano escolhido para manter a periodicidade de 15 anos; 1872 – ano
de realização do primeiro censo imperial; 1888 – ano da abolição da escravidão, utilizado
como marco final para a população cativa; 1890 e 1900 – anos da realização de censos.

Quadro 28 – Âncoras empíricas utilizadas no modelo

População População
ANO DEFINIÇÃO
total cativa
Interpolação geométrica entre 175.000 em 1782 e 269.500 em 1808.
1800 236.000 82.600
Escravos são 35% do total.
1815 338.000 111.500 Sobre estimativas de Figueira de Mello. Escravos são 33% do total.
Estimativa também baseada em Figueira de Mello para 1827, atualizado
1830 484.000 150.000 para 1830 à mesma taxa de crescimento do período anterior. Escravos
são 31% do total.
1845 693.000 201.000 Estimativa sobre total de 645 mil para 1842. Escravos são 29% do total.
Estimado pelo crescimento de 1,5% ao ano desde 1845. Escravos são
1860 866.000 173.200
20% do total.
1872 868.173 108.137 Estimado sobre os resultados do censo de 1872.
1888 0 A partir deste ano, não há mais população de escravos
1890 1.041.526 0 Estimado sobre os resultados do censo de 1890.
1900 1.189.932 0 Estimado sobre os resultados do censo de 1900.

Notas: ♦ Dada a imprecisão das informações, o arredondamento dos valores não traz aumento de erro. ♦ A
participação de escravos na população foi calculada como interpolações entre os percentuais de 35% para
1800 e 29% para 1845 e, em seguida, entre este e 12,5% para 1872 ♦ Os totais estão referenciados, no
modelo, ao final de cada ano. ♦ As fontes originais são aquelas listadas e comentadas na seção 4.

Divide-se o século, assim, em 7 períodos de aproximadamente o mesmo tamanho: 15-15-15-


15-12-18-10 anos, com a vantagem destes anos também marcarem alguns momentos
relevantes para os movimento demográficos, como 1845, com relação ao tráfico de escravos,
1871/72 com relação ao tráfico interprovincial e 1889/90 com relação à proclamação da
República. Estes totais-âncora são distribuídos regionalmente nas mesmas proporções
verificadas nas fontes. Ou seja, em cada ano-âncora, as séries de população livre e escrava se
igualam aos totais indicados pelos levantamentos históricos (conforme selecionados por nós)
e, além disso, estão distribuídas geograficamente de acordo com os percentuais compilados
nas fontes.

POPULAÇÃO EM 1800

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 8
Estimamos a população no início do século com base nas informações em seu entorno
possivelmente mais fidedignas: próximo a 1782 e a 1808. Feita uma interpolação geométrica
entre 175.000 (1782) e 269.500 (1808), chegamos ao total arredondado de 236.000 habitantes
em Pernambuco (PE1) como nosso marco inicial, dos quais 82.600 escravos.

Quadro 29 – Distribuição regional da população total em 1800

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 10,8 % 25.488
Zona da Mata 72,1 % 170.156
Agreste 8,9 % 21.004
Sertão 8,2 % 19.352
Pernambuco 100,0 % 236.000

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média proporcional entre as


distribuições de 1785 e 1815. ♦ População de cada região calculada
como percentual da população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 30 – Distribuição regional da população em 1800 – livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 25.488 8,9 % 13.594 14,4 % 11.894
Zona da Mata 170.156 70,0 % 107.380 76,0 % 62.776
Agreste 21.004 10,7 16.461 5,5 % 4.543
Sertão 19.352 10,4 % 15.965 4,1 % 3.387
Pernambuco 236.000 100,0 % 153.400 100,0 % 82.600

Notas: ♦ População de cada região calculada como percentual da população-âncora. ♦ Seqüência de


estimação: distribuição regional da população cativa, população de escravos por região, população
livre por região e distribuição regional dos livres.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

POPULAÇÃO EM 1815

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
11 9
A partir dos totais estimados por Figueira de Mello sobre levantamento provincial e sobre
estimativa de Mariz, fizemos pequeno desconto para retirar a população da Comarca do São
Francisco eventualmente incluída naqueles totais (o que de certo não correspondia à
população efetiva daquela região), chegando a 338.000 habitantes (sempre referenciados a
PE1), dos quais 111.500 escravos.

Quadro 31 – Distribuição regional da população total em 1815

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 11,3 % 38.194
Zona da Mata 60,0 % 202.800
Agreste 17,6 % 59.488
Sertão 11,1 % 37.518
Pernambuco 100,0 % 338.000

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média proporcional entre as


distribuições de 1810 e 1826. ♦ População de cada região calculada
como percentual da população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 32 – Distribuição regional da população em 1815 – livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 38.194 10,3 % 23.364 13,3 % 14.830
Zona da Mata 202.800 54,1 % 122.520 72,0 % 80.280
Agreste 59.488 21,6 % 49.008 9,4 % 10.480
Sertão 37.518 14,0 % 31.608 5,3 % 5.910
Pernambuco 338.000 100,0 % 226.500 100,0 % 111.500

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média proporcional entre as distribuições de 1810 e 1826. ♦
População de cada região calculada como percentual da população-âncora. ♦ Seqüência de estimação:
distribuição regional da população cativa, população de escravos por região, população livre por região
e distribuição regional dos livres.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

POPULAÇÃO EM 1830

Tomamos a estimativa de Figueira de Mello para 1827 (450.000), atualizando-a para 1830 a

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
120
taxa anual de crescimento igual àquela verificada entre 1815 e 1830: 2,424% ao ano. O
resultado assim calculado de 483.520 é arredondado para 484 mil, sendo 150.000 escravos.

Quadro 33 – Distribuição regional da população total em 1830

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 15,2 % 73.568
Zona da Mata 54,6 % 264.264
Agreste 21,2 % 102.608
Sertão 9,0 % 43.560
Pernambuco 100,0 % 484.000

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média geometricamente


proporcional entre as distribuições de 1826 e 1842. ♦ População de
cada região calculada como percentual da população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 34 – Distribuição regional da população em 1830 – livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 73.568 16,5 % 55.268 12,2 % 18.300
Zona da Mata 264.264 48,5 % 161.814 68,3 % 102.450
Agreste 102.608 24,7 % 82.658 13,3 % 19.950
Sertão 43.560 10,3 % 34.260 6,2 % 9.300
Pernambuco 484.000 100,0 % 334.000 100,0 % 150.000

Notas: ♦ População de cada região calculada como percentual da população-âncora. ♦ Seqüência de


estimação: distribuição regional da população cativa, população de escravos por região, população
livre por região e distribuição regional dos livres.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

POPULAÇÃO EM 1845

Da mesma forma, partindo da estimativa de Figueira de Mello para 1842, fazemos uma

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
121
atualização de 3 anos à taxa de crescimento média dos 15 anos anteriores (2,422% ao ano),
chegando a 692.730 habitantes, arredondados para 693 mil dos quais 201 mil escravos.

Quadro 35 – Distribuição regional da população total em 1845

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 13,2 % 91.476
Zona da Mata 47,2 % 327.096
Agreste 27,5 % 190.575
Sertão 12,1 % 83.853
Pernambuco 100,0 % 693.000

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média proporcional entre as


distribuições de 1842 e 1858. ♦ População de cada região calculada
como percentual da população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 36 – Distribuição regional da população em 1845– livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 91.476 14,1 % 69.165 11,1 % 22.311
Zona da Mata 327.096 40,3 % 198.456 64,0 % 128.640
Agreste 190.575 31,7 % 156.003 17,2 % 34.572
Sertão 83.853 13,9 % 68.376 7,7 % 15.477
Pernambuco 693.000 100,0 % 492.000 100,0 % 201.000

Notas: ♦ População de cada região calculada como percentual da população-âncora. ♦ Seqüência de


estimação: distribuição regional da população cativa, população de escravos por região, população
livre por região e distribuição regional dos livres.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

POPULAÇÃO EM 1860

Como todas as fontes para a população em torno de 1860 não nos parecem precisas, ou por
totalmente falhas ou por certamente superavaliadas, optamos por estimar o total de 1860 a

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
122
partir de um crescimento médio hipotético desde 1845. Supusemos, entre 1845 e 1860, uma
taxa de crescimento média menor do que aquelas registradas nos períodos anteriores, pois há
que se levar em conta tanto o ponto de chegada seguinte – o total estimado para 1872, com
base no censo – quanto o fato de ter havido decréscimos populacionais possivelmente
importantes em decorrência da saída de escravos para outras províncias. Chegamos ao total
arredondado de 693 mil, dos quais 173.200 escravos.

Quadro 37 – Distribuição regional da população total em 1860

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 9,1 % 78.806
Zona da Mata 51,7 % 447.722
Agreste 27,7 % 239.882
Sertão 11,5 % 99.590
Pernambuco 100,0 % 866.000

Notas: ♦ Distribuição calculada como a média geometricamente


proporcional entre as distribuições de 1858 e 1872. ♦ População de
cada região calculada como percentual da população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 38 – Distribuição regional da população em 1860 – livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 78.806 8,9 % 61.486 10,0 % 17.320
Zona da Mata 447.722 49,6 % 343.802 60,0 % 103.920
Agreste 239.882 29,4 % 203.510 21,0 % 36.372
Sertão 99.590 12,1 % 84.002 9,0 % 15.588
Pernambuco 866.000 100,0 % 692.800 100,0 % 173.200

Notas:. ♦ População de cada região calculada como percentual da população-âncora. ♦ Seqüência de


estimação: distribuição regional da população cativa, população de escravos por região, população
livre por região e distribuição regional dos livres.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

POPULAÇÃO EM 1872

Conforme vimos na seção 4.4, há discordâncias sobre o número de escravos existentes em


1872, o que, segundo nossa estimativa, acarretaria um aumento no total da população listada
pelo Censo.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
123
Josemir C. de Melo discorda do uso que Peter Eisenberg fez de estatística mencionada em
fontes secundárias (Vieira Souto, citado por Ruy Barbosa, em artigo de C.Pádua de 1945),
considerando-a exagerada frente aos registros de matrículas de escravos que compilou na
Tesouraria Provincial. Contrariamente a esta opinião, decidimos em favor de nossa estimativa
com base no seguinte raciocínio.

Supomos que estejam corretos, em 1873, o total em disputa de 106.236 escravos e, em 1886,
o total levantado por Melo de 80.374 escravos. A taxa de mortalidade média que, entre estes
dois anos, igualaria a população inicial de 106.236 com a final de 80.374 é de 1,76% ao ano,
dado um pequeno fluxo de alforrias, de 200 escravos por ano. Isto significa que: ou (a) Esta
taxa superestima a taxa real, o que nos parece implausível, posto que a mortalidade média do
período se situava próximo a 3%; ou (b) a população final está exagerada, o que não
aceitamos, já que corresponde a levantamento das matrículas efetivas, realizado por Melo; ou
(c) houve importantes entradas líquidas de escravos em Pernambuco ao longo do período, o
que não aconteceu; ou (d) a população inicial está subestimada ou melhor, invertendo os
referenciais, certamente não está superestimada. Como comprovação deste raciocínio,
podemos aplicar à população recenseada, de 89.028, taxa de mortalidade idêntica, chegando
em 1886 a somente 67 mil escravos, total bastante inferior ao que foi levantado pelas
matrículas. Havendo maiores fluxos de alforrias ou de saídas da província, fica reforçado o
raciocínio.

Aceito o total de 106.236 para 1873, um ano antes, mantendo-se a mesma taxa média de
mortalidade, teríamos uma população cativa de 108.137 escravos em Pernambuco, que é o
número que empregaremos. Quanto à população total da província, não havendo outras
referências, propomos adicionar uma margem de omissão mínima de 1% ao total de pessoas
livres, atingindo 760.036 habitantes. O quadro abaixo resume estes resultados.

Quadro 39 – Estimativa da população em 1872

População População Diferença


recenseada estimada Habitantes (%)
Livres 752.511 760.036 7.525 1,0 %
Escravos 89.028 108.137 19.109 21,5 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
124
Total 841.539 868.173 26.634 3,2 %

Fontes: Recenseamento de 1872 e nossas estimativas.

Com estas correções, podemos estimar a população em 1872 como segue:

Quadro 40 – Distribuição regional da população total em 1872

REGIÃO Distribuição estimada População calculada


Recife 10,9% 94.631
Zona da Mata 44,0% 381.996
Agreste 33,4% 289.970
Sertão 11,7% 101.576
Pernambuco 100,0 % 868.173

Fontes: Nossos cálculos sobre os dados da população-âncora.

Quadro 41 – Distribuição regional da população em 1872 – livres e escravos

População LIVRES ESCRAVOS


REGIÃO
total Distribuição População Distribuição População
Recife 94.631 10,8% 81.763 11,9% 12.868
Zona da Mata 381.996 42,5% 320.790 56,6% 61.206
Agreste 289.970 34,5% 264.125 23,9% 25.845
Sertão 101.576 12,2% 93.358 7,6% 8.218
Pernambuco 868.173 100,0 % 760.036 100,0 % 108.137

Fontes: Nossos cálculos sobre a população total estimada no quadro anterior e as distribuições
regionais apontadas no Recenseamento de 1872.

POPULAÇÃO CATIVA ENTRE 1872 E 1888

Entre 1871 e a abolição, ocorreram dois movimentos fundamentais que afetaram o tamanho
da população cativa e total: o tráfico interprovincial e as alforrias, determinadas por legislação
ou decorrentes de decisão privada. Cremos não dispor de estatísticas suficientemente precisas

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
125
para retratar essa dinâmica em seus detalhes, mas procuramos organizar as informações sobre
esses movimentos e sobre o total de escravos na província de forma a obter um panorama
mais completo do que teríamos somente com os dados parciais. Utilizaremos, para isso,
algumas âncoras específicas para a população de escravos.

Quadro 42 – Âncoras para a população cativa, pós 1872


Fator de
ANO BASE ESTIMATIVA
correção
1872 89.002 21,5% 108.137
1885 81.400 9,0% 88.697
1886 80.300 8,0% 86.724
1887 41.000 4,5% 42.845
1888 0 0
Nota: Os totais “Base” correspondem a valores indicados pelas
fontes. O “fator de correção” objetiva fazer convergir os totais
intermediários, de forma coerente ao longo do período, para o total
existente em 1887.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados do Quadro 8.

Supomos que nossa estimativa para 1872 esteja correta, o que representa uma correção de
21,5% acima dos registros censitários, e que esse fator de correção (isto é, a discrepância
entre os dados censitários/registros de matrícula e os “reais”) tenha necessariamente
decrescido até anular-se, em 1888. Consideramos este decréscimo em duas etapas, de 1872
(21,5%) até 1886 (8%), e daí até 1888. Com esta estimativa, pensamos ter conciliado
minimamente os totais censitários (e portanto nossas âncoras) com a importante informação
sobre flutuação anual da população de escravos em Pernambuco, principalmente de 1877 a
1882, existente nos registros de matrículas de escravos. Como veremos adiante, estes registros
indicam que houve tanto entradas quanto saídas de escravos da província, isto é, o Recife
serviu como passagem para escravos de outras províncias mais ao norte, em seu caminho para
o sul.

POPULAÇÃO EM 1890 E 1900

Foram considerados os totais listados nesses censos, acrescidos de 1%.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
126
Quadro 43 – Distribuição regional da população em 1890 e 1900

1890 1900
REGIÃO
Distribuição População Distribuição População
Recife 10,8% 112.672 11,2% 133.229
Zona da Mata 42,4% 440.968 40,8% 485.146
Agreste 34,3% 356.891 36,4% 432.956
Sertão 12,5% 129.996 11,6% 138.600
Pernambuco 100,0 % 1.040.526 100,0 % 1.189.932

Notas: ♦ Distribuição efetiva de cada censo. ♦ População de cada região calculada como percentual da
população-âncora.
Fontes: Nossos cálculos sobre os dados dos censos.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
127
9. ESTIMATIVA DOS MOVIMENTOS DEMOGRÁFICOS

“Os resultados estatísticos obtidos só têm muitas vezes um valor


aproximativo, sugerem uma ordem de grandeza, esclarecem por
comparação, são preciosos pelos antagonismos entre as diferentes
categorias sociais para que chamam a atenção, pelas especificidades
de tempo e de lugar que revelam entre as diversas sociedades.”
– Albert Soboul, em Descrição e medida em história social, 1965 87

1.33.NATALIDADE

Em todos os períodos, as taxas de natalidade serão calculadas indiretamente, a partir de taxas


de mortalidade definidas e taxas de crescimento vegetativo apontadas pelo modelo.

1.34.MORTALIDADE EPISÓDICA

Embora tenhamos levantado grande número de estatísticas que certamente correspondem a


mortalidades episódicas, iremos nos restringir, nestes cálculos, a poucos eventos catastróficos:
a Cabanada e os anos de epidemias recorrentes de cólera entre 1856 e 1862. Estes eventos
estão listados no quadro abaixo.

Quadro 44 – Referências sobre mortalidade episódica incorporadas aos cálculos do modelo

PERÍODO REGIÃO OBSERVAÇÃO FONTE


1832-34 ZM+A Cabanada: 15.000 mortes

1856 Recife cólera: 3.096, sendo 2.281 livres e


815 escravos
1861 PE e Recife cólera: 2635, sendo 111 no Recife

1863 Recife cólera 129, óbitos totais 2915

87

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
128
1.35.MORTALIDADE NATURAL

Juntamente com as taxas de natalidade, os índices de mortalidade natural serão as variáveis


usadas para ajustar as séries demográficas aos múltiplos parâmetros escolhidos.

1.36.IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA

Conforme discutido na seção 5.4, para uma avaliação precisa do número de estrangeiros
existentes em Pernambuco, deveríamos estimar os seguintes fluxos populacionais:
estrangeiros entrados em Pernambuco, estrangeiros que saíram de Pernambuco (para o
exterior ou para outras províncias), estrangeiros naturalizados brasileiros, estrangeiros livres
mortos enquanto residiam em Pernambuco, filhos de estrangeiros nascidos em Pernambuco
que mantiveram a nacionalidade não brasileira. Não há, contudo, como estimarmos
adequadamente estes diversos fluxos, muitos dos quais sem qualquer fonte estatística88.
Utilizaremos, portanto, as referências fixas dos levantamentos censitários, também fazendo
uso das taxas de mortalidade calculadas por Giorgio Mortara, nosso primeiro estudioso de
demografia, na década de 1940, conforme apresentadas em .

Assim, para estimar a imigração estrangeira para Pernambuco durante o século XIX,
repetiremos, para essa única série, procedimento semelhante àquele empregado para estimar o
conjunto da população. A partir de referenciais fixos para certos anos (1800, 1872, 1890 e
1900) e de taxas de mortalidade conhecidas para o conjunto de todos os estrangeiros no Brasil
ao final do século, estimaremos as entradas necessárias para atingir aqueles números. A
aplicação anual dessa taxa de imigração média e da taxa de mortalidade média, período a
período, gera uma série de população estrangeira em Pernambuco que satisfaz a todas as
restrições que impusemos.

A partir do censo de 1890, precisamos levar em conta as conseqüências estatísticas da


abolição e da grande naturalização. Assim, temos como entrada adicional os africanos
manumissos de 1888. Como saída adicional, devemos considerar a naturalização de
estrangeiros, tanto livres quanto libertos, ocorrida em 1890, já que não estamos estimando um
fluxo corrente de naturalizações individuais. Há, é claro, a mortalidade de ex-escravos
estrangeiros. À semelhança dos estrangeiros livres no período anterior, não consideraremos

88
Os relatórios dos presidentes da província citam alguns dados anuais de imigração. trata do tema colonização
e imigração principalmente do ponto de vista das idéias, não fornecendo qualquer estatística sobre imigração.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
129
uma emigração específica. Na medida em que trabalhamos com taxas líquidas de variação da
população de estrangeiros entre os momentos de nossas “âncoras” fixas, podemos considerar
essa taxa de variação como a taxa líquida de imigrações menos emigrações.

Parece-nos que a informação do total de estrangeiros no censo de 1890 (somente 2.690


habitantes, diante dos 13.325, entre livres e escravos, de 1872 e dos 10.822 de 1900) já
considera a naturalização passiva decretada em dezembro de 1890.

1.37.MIGRAÇÃO INTERPROVINCIAL

As entradas e saídas por migração serão estimadas a partir do número de pernambucanos


existentes fora de Pernambuco e dos brasileiros de outras naturalidades residentes na
província, nos momentos censitários.

1.38.TRÁFICO E ALFORRIA DE ESCRAVOS

O conjunto de escravos existentes em Pernambuco é composto por entradas decorrentes de


importações, entradas de outras províncias e nascimentos. As saídas são decorrentes de
mortes, saídas para outras províncias e alforrias, conforme ilustrado na figura adiante.

O quadro na página seguinte apresenta a série de importação de escravos para Pernambuco


utilizada no modelo, bem como suas fontes e algumas outras estimativas para esse tráfico. A
série segue, para todos os anos de 1800 a 1848, os números levantados por Daniel Domingues
da . Apesar de relacionar, para 1809, um total de 2.494 escravos versus os 969, incluídos
nessa série, preferimos considerar o número menor, por ter sido produzido com coerência de
fontes. Completamos a série de Daniel D. da Silva com alguns dados apresentados em e ,
fechando os últimos anos do tráfico, de 1849 a 1855.

As entradas e saídas de escravos de Pernambuco por tráfico interprovincial e também as


alforrias estimadas estão listadas no Anexo 6.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
130
Quadro 45 – Pernambuco. Tráfico de importação 1800-1855. Diversas fontes.
Daniel Moura-
Série Inspeções Eisenberg- Eisenberg-
Domingues Bethell estimativa
modelada sanitárias fontes estimativas
da Silva 2004

1800 982 982 5.256


1801 4.660 4.660 5.256
1802 4.689 4.689 5.256
1803 3.735 3.735 5.256
1804 4.765 4.765 3.325 5.670 5.256
1805 3.216 3.216 1.401 5.670 5.256
1806 4.443 4.443 5.670 5.256
1807 1.570 1.570 5.670 5.256
1808 1.011 1.011 5.670 5.256
1809 969 969 2.494 5.670 5.256
1810 1.952 1.952 1.254 5.670 5.256
1811 2.862 2.862 5.670 5.256
1812 5.505 5.505 2.489 5.670 5.256
1813 5.707 5.707 450 3.265 5.670 5.256
1814 6.120 6.120 8.174 5.670 8.174
1815 8.305 8.305 3.911 5.670 5.840
1816 10.291 10.291 5.499 5.670 5.840
1817 8.308 8.308 5.932 5.670 5.840
1818 10.155 10.155 7.702 5.670 5.840
1819 7.851 7.851 8.156 7.802 5.670 8.156
1820 5.960 5.960 7.946 5.670 7.946
1821 9.417 9.417 8.103 5.670 8.103
1822 5.260 5.260 3.426 5.670 7.008
1823 5.676 5.676 4.652 4.824 5.670 6.424
1824 3.540 3.540 2.416 2.683 1.152 5.840
1825 7.364 7.364 4.867 2.384 1.152 5.256
1826 7.027 7.027 3.610 1.152 4.672
1827 6.978 6.978 3.462 1.152 4.088
1828 4.492 4.492 2.140 1.152 3.504
1829 7.589 7.589 1.958 1.152 3.504
1830 5.480 5.480 3.504
1831 3.109 3.109 889 2.336
1832 1.615 1.615 889 1.168
1833 0 0 889 1.168
1834 323 323 889 1.168
1835 0 0 889 1.168
1836 1.148 1.148 889 1.168
1837 1.032 1.032 889 1.168
1838 323 323 889 1.168
1839 5.019 5.019 929 1.168
1840 5.410 5.410 3.000 2.336
1841 4.963 4.963 3.000 2.336
1842 1.994 1.994 3.000 2.336
1843 1.355 1.355 3.000 2.336
1844 130 130 1.168
1845 901 901 1.168
1846 1.101 1.101 1.168
1847 1.078 1.078 1.168
1848 0 0 1.168
1849 450 450 929 1.752
1850 2.300 2.300 2.300 2.336
1851 350 350 292
1852 0 0 292
1853 0 0 292
1854 0 0 292
1855 200 200 240 292
TOTAL 198.680 195.380 3.300 59.360 54.965 143.822 205.535

Fontes: “Série modelada”: 1800-1848, Daniel Domingues da Silva; 1848-1855, Bethell e . “Daniel
Domingues da Silva”: . “Bethell”: . “Inspeções sanitárias”: levantamento de Daniel D.da Silva,
apresentado em . “Eisenberg-fontes”: diversas fontes apresentadas em . “Eisenberg-estimativas”:
estimativas desse mesmo autor na mesma obra. “Moura-estimativa 2004”: estimativas baseadas nas
inspeções sanitárias e nas estimativas de Eisenberg em .

<< <> >>


UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
131
10. SÉRIES ESTIMADAS

1.39.RESULTADO – POPULAÇÃO CATIVA

A partir das populações-âncora descritas acima, pudemos montar séries anuais que atingiam
aqueles valores nos anos-base, mantendo as inter-relações demográficas. A figura abaixo
ilustra o resultado obtido para a população cativa total de Pernambuco. Cuidaremos da
população livre e da distribuição geográfica das populações após ter analisado os fluxos de
escravos, sobre os quais ainda pairam dúvidas importantes, devido à incompletude das fontes.

População cativa
250.000

200.000
População de escravos

150.000

100.000

50.000

0
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900

Figura 20 – População de escravos estimada.

Os traços pontilhados mostram os anos-base.

Fonte: Nosso gráfico sobre a série estimada.

Visto como gráfico, este resultado parece efetivamente corresponder ao esperado, pois a série
percorre os valores-âncora, aumentando no período de intenso tráfico de importação e se
reduzindo após seu término. Nos anos imediatamente anteriores à abolição as populações-
âncora são aquelas apontadas nas estatísticas de escravos matriculados.

No entanto, ao analisarmos a decomposição dos fluxos que geraram esta estimativa,


deparamos com incongruências importantes, cuja resolução aponta para novas pesquisas e
estimativas mais apuradas. O quadro abaixo resume os fluxos totais em cada um de nossos

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
132
períodos de estudo até 1872.

Quadro 46 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 1ª iteração

Variação na Fluxo do Fluxo do


Período população tráfico de tráfico Nascimentos Óbitos Alforrias
cativa importação interprovincial
1800-1815 28.900 59.509 0 27.121 -56.322 -1.408
1816-1830 38.500 105.388 -40 16.653 -81.465 -2.037
1831-1845 51.000 27.322 -2.003 119.353 -91.092 -2.580
1846-1860 -27.800 5.479 -3.537 73.460 -100.358 -2.844
1861-1872 -65.063 0 -5.746 8.336 -59.423 -8.230

Fonte: Nossos cálculos.

Nestes fluxos de aumento e redução da população cativa, destaca-se o aparente excesso de


nascimento no período 1831-1845. Os fluxos dos tráficos de importação e interprovincial e de
alforrias foram aqueles determinados segundo análise anterior. Os óbitos foram forçados a
taxas específicas (listadas abaixo89). Os nascimentos foram calculados a partir de uma taxa de
crescimento vegetativo (taxa de natalidade menos de mortalidade) que fizesse as séries se
igualarem aos totais-âncora, a cada final de período. Estas taxas são as seguintes;

Quadro 47 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento


vegetativo, por período da estimativa, 1ª Iteração

Crescimento
Período Mortalidade Natalidade
vegetativo
1800-1815 3,92% 1,89% -2,03%
1816-1830 3,93% 0,80% -3,12%
1831-1845 3,43% 4,54% 1,10%
1846-1860 3,53% 2,61% -0,93%
1861-1872 3,64% 0,51% -3,13%

Nota: Essas taxas médias de mortalidade e natalidade de cada período


foram calculadas como a soma dos óbitos/nascimentos do período dividido
pela soma da população . A taxa de crescimento vegetativo é a taxa de
natalidade menos a de mortalidade.
Fonte: Nossos cálculos.

De início, dois resultados chamam atenção: (a) o crescimento vegetativo positivo entre 1831 e
1845, numa época em que as fontes relatam baixa natalidade e alta mortalidade entre

89
As taxas apresentadas são aquelas que efetivamente ocorrem, e diferem ligeiramente dos parâmetros
correspondentes, utilizados nas fórmulas.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
133
escravos; e (b) a diminuição vegetativa, entre 1861 e 1872, numa época em que os relatos
indicam, inversamente, um aumento da natalidade e queda na mortalidade de escravos.
Propomos analisar estas incoerências através das possíveis opções lógicas para resolvê-las.
Lembramos que isto significa verificar a coerência da relação:

Variação na população =
+ Tráfico de importação
– Tráfico interprovincial (saídas líquidas)
+ Nascimentos
– Óbitos
– Alforrias

Figura 21 – Componentes da variação demográfica

Como, no período de 1831 a 1845, não aceitamos que o aumento da população seja explicado
por nascimentos em excesso, restam-nos as seguintes possibilidades lógicas a considerar:

a) o tráfico de importação foi subestimado;

b) o tráfico interprovincial foi superestimado;

c) os nascimentos foram efetivamente mais numerosos do que nossa expectativa;

d) os óbitos foram superestimados;

e) as alforrias foram superestimadas;

f) nossa âncora para 1845 está superestimada; ou finalmente

g) nossa âncora para 1830 está subestimada.

Tratando-se de um resultado que, sem dúvida, pode ser explicado conjuntamente por todas
essas possibilidades, nunca poderemos afirmar que alguma delas não seja verdadeira em
algum grau. No entanto, procuraremos mostrar qual explicação acreditamos ser mais e qual
acreditamos ser menos provável.

Começando pelos últimos itens, se reduzirmos a população de 1845 e aumentarmos a de


1830, chegamos aos seguintes resultados:

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
134
Quadro 48 – Taxas de crescimento vegetativo, por período, 2ª iteração (redução
da população de 1845 e aumento da população de 1830 em 10%)

[1830]+10%
Período 1ª Iteração [1830]+10% [1845]-10% e
[1845]-10%
1800-1815 - 2,03% -2,03% -2,03% -2,03%
1816-1830 - 3,12% -2,26% -3,12% -2,26%
1831-1845 1,10 % 0,52% 0,36% -0,23%

Fonte: Nossos cálculos.

Estes resultados levam à esperada redução no crescimento vegetativo no período de 1831 a


1845, mas precisaríamos considerar que tenha havido um erro em nossa âncora de 1845 de
14,4% para que a redução vegetativa do período se anulasse. Estes resultados mostram que
seria possível explicar parte da incoerência identificada através de erros nos valores-âncora,
mas que isto não é suficiente para explicar todo o excesso de entradas exigido para “fechar as
contas”. Assim, sem excluir totalmente as opções (f) e (g), devemos procurar outra solução
principal.

Testando a possibilidade de que tenhamos superestimado as alforrias, anulamo-las, sem


contudo resolver o excedente de crescimento vegetativo no período de 1831 a 1845, que se
mantém em 1,01%. A seguir, no que chamamos de 3ª Iteração, permanecemos com as
alforrias anuladas, diminuindo a necessidade de maiores entradas de escravos para atingir a
população-âncora de 1845, e passamos a considerar a possibilidade de terem existido maiores
desembarques de africanos do que identificado nas fontes.

Quadro 49 – Taxas de crescimento vegetativo, por período da estimativa, 3ª iteração (sem


alforrias de 1800 a 1845 e com redução vegetativa fixa para 1831- 1845)

Período 1ª Iteração RV = 3 % a.a. RV = 1 % a.a. RV = 0 % a.a.


1800-1815 - 2,03 % -2,13 % -2,13 % -2,13 %
1816-1830 - 3,12 % -3,22 % -3,22 % -3,22 %
1831-1845 1,10 % -2,94 % -1,47 % 0,00 %
Importações não
computadas --- 7.013 4.377 1.771
(escravos/ano)

Nota: ♦ RV = Parâmetro para a taxa de redução vegetativa de 1830 a 1845 (natalidade menor
que a mortalidade). O percentual listado no quadro é o valor efetivamente calculado pelo
modelo. ♦ Importações não computadas expressas em escravos por ano, durante o período de 15
anos de 1831 a 1845.
Fonte: Nossos cálculos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
135
Esta hipótese se faz necessária somente no período de 1831 a 1845, já que até lá aceitamos as
taxas de redução vegetativa estimadas, como correspondentes a taxas esperadas.

Assim, dependendo da taxa de crescimento vegetativo que seja considerada mais adequada
para representar a evolução demográfica do período 1831 a 1845, chegamos à conclusão de
que houve muito maior importação africana do que até hoje indicaram nossas fontes.

Procurando resumir estas diversas análises, classificamos as opções que podem explicar as
incoerências identificadas entre aquelas a serem mantidas e a serem revistas.

a) tráfico de importação subestimado – sim a rever;

b) tráfico interprovincial superestimado – não, vamos manter a estimativa;

c) nascimentos efetivamente maiores do que nossa expectativa – sim, a rever;

d) óbitos superestimados – não, vamos manter a estimativa;

e) alforrias superestimadas – não, vamos manter a estimativa;

f) nossa âncora para 1845 está superestimada – sim, a rever;

g) nossa âncora para 1830 está subestimada – não, vamos manter a estimativa.

Como forma de chegarmos a uma estimativa final (diante dos parâmetros e fontes
consideradas aqui), vamos proceder à 4ª Iteração, que altera os parâmetros do período 1831 a
1845 nas seguintes bases:

a) tráfico de importação – o excesso não computado será estimado como variável


ajustadora do modelo;

b) crescimento vegetativo – será considerado nulo;

c) âncora para 1845 – será reduzida em 10%, passando a 180.900 escravos (deveremos
decidir mais a diante se esta redução afeta o total da população ou somente o total de
escravos, aumentando conseqüentemente em número igual o total de livres).

Com estas modificações em nossos parâmetros, chegamos a novas estimativas, cujas taxas
vitais são as seguintes:

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
136
Quadro 50 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento
vegetativo, por período da estimativa, 4ª Iteração

Crescimento
Período Mortalidade Natalidade
vegetativo
1800-1815 3,92% 1,89% -2,03%
1816-1830 3,93% 0,80% -3,12%
1831-1845 3,46% 3,46% 0,00%
1846-1860 3,51% 3,28% -0,23%
1861-1872 3,64% 0,07% -3,57%
1873-1888 1,52 %

Fonte: Nossos cálculos.

Seguindo raciocínios e procedimentos análogos àqueles adotados para os períodos iniciais,


vemos que a taxa de crescimento vegetativo entre 1861 e 1872 foge aos padrões esperados
(estar próxima de zero ou até ser positiva). Faremos, portanto, mais uma iteração da
estimativa, para forçar estes percentuais, alterando agora o fluxo de tráfico interprovincial e,
no período de 1873 a 1888, também o fluxo de alforrias, para que as séries se adeqüem aos
valores-âncora.

Os resultados obtidos geram os seguintes fluxos:

Quadro 51 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 5ª iteração

Variação da Fluxo do Fluxo do


Período população tráfico de tráfico Nascimentos Óbitos Alforrias
cativa importação interprovincial
1800-1815 28.900 59.509 0 27.121 -56.322 -1.408
1816-1830 38.500 105.388 -40 16.653 -81.465 -2.037
1831-1845 30.900 36.153 -2.003 85.747 -86.547 -2.450
1846-1860 -7.700 5.479 -3.537 87.946 -94.900 -2.688
1861-1872 -65.063 0 -51.188 48.129 -60.283 -1.721
1873-1884 -19.440 0 1.100 0 -19.257 -1.284
1885-1888 -90.139 0 0 0 -3.983 -86.156

Fonte: Nossos cálculos.

Chamam atenção os fluxos de tráfico interprovincial de 1861 a 1872 e de 1873 a 1884. o


primeiro porque mostra drástico aumento dos escravos saídos de Pernambuco relativamente a
nossa estimativa inicial. Este total representa uma média de saídas anuais líquidas de 4.266
escravos. Repetindo argumentos semelhantes àqueles empregados anteriormente, os valores-
âncora nesses períodos não devem ser alterados, pois têm precisão bem maior do que tinham

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
137
os de 1830 e 1845. As alforrias imputadas correspondem a um mínimo reconhecidamente
existente: 0,10 % da população cativa de 1800 a 1872; 0,11% de 1873 a 1884 e 39,5% nos
últimos três anos de escravidão (percentual calculado pelo modelo para anular a população
cativa ao final de 1888). Só nos resta concluir que, entre 1861 e 1872, o tráfico interprovincial
efetivamente levou de Pernambuco um número bem maior de escravos do que registra
qualquer das fontes consultadas. No período seguinte, de 1872 a 1884, a entrada líquida por
tráfico interprovincial ser interpretada de diversas formas: a) aparecem estatisticamente como
entrando na província escravos que simplesmente estavam sendo matriculados e não
constavam de registros anteriores; ou b) ao atuar como centro regional de “re-exportação” de
escravos para o Sul, Pernambuco atraiu escravos que possivelmente tiveram outros destinos,
como serem alforriados ou morrerem, antes de seguirem viagem para o Sul.

A série resultante, que iremos considerar como nossa estimativa final, ou seja, a mais precisa
que podemos fazer com esses dados, está ilustrada na figura seguinte.

População cativa
200.000

160.000
População de escravos

120.000

80.000

40.000

0
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900

Figura 22 – População de escravos. Estimativa final.

Fonte: Nosso gráfico sobre a série estimada.

Na figura seguinte, representamos os diversos fluxos que compõem esta série final.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
138
Tráfico Redução líquida
Nascimentos da população
africano

150.000

100.000

50.000

0 v

-50.000 Alforrias

-100.000 Tráfico
interprovincial
-150.000
1800 - 1816 - 1831 - 1846 - 1861 - 1873 - 1885 -
1815 1830 1845 1860 1872 1884 1888

Aumento líquido
da população Óbitos

Figura 23 – Fluxos de aumento e redução da população escrava (iteração final)

Fonte: Nosso gráfico sobre as séries estimadas.

A figura acima resume as variações na população de escravos, bem como a decomposição


dessas variações por tipo de aumento e de redução. Em cada coluna, a parte acima do eixo
mostra os fluxos de entrada (nascimentos e tráfico africano) e aquela abaixo os fluxos de saída
(óbitos, saídas líquidas por tráfico interprovincial e alforrias). Tendo representado os
aumentos líquidos como negativos e as reduções líquidas como positivas, cada coluna é
contabilmente simétrica, ficando clara a decomposição das variações líquidas em cada
período.

Este gráfico ilustra variações absolutas em cada período. No quadro seguinte, repetimos estas
informações como médias anuais, o que permite melhor comparação da dinâmica
demográfica de cada período.

Quadro 52 – Decomposição das variações na população cativa (estimativa final) em médias anuais

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
139
Aumento Redução Tráfico
Tráfico Nasci-
Período Anos da da interprovi Óbitos Alforrias
africano mentos
população população ncial
1801-1815 15 1.927 3.967 0 1.808 -3.755 -94
1816-1830 15 2.567 7.026 -3 1.110 -5.431 -136
1831-1845 15 2.060 2.410 -134 5.716 -5.770 -163
1846-1860 15 -513 365 -236 5.863 -6.327 -179
1861-1872 12 -5.422 0 -4.266 4.011 -5.024 -143
1873-1884 12 -1.620 0 92 0 -1.605 -107
1885-1888 4 -22.535 0 0 0 -996 -21.539

Fonte: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Mais uma vez repetindo estes dados, agora como percentuais da variação de cada ano, temos
um panorama da importância relativa de cada fluxo na dinâmica populacional da população
de escravos em Pernambuco, ao longo do século XIX.

Quadro 53 – Decomposição percentual das variações na população cativa (estimativa final)

Aumento Redução Tráfico


Tráfico Nasci-
Período Anos da da interprovi Óbitos Alforrias
africano mentos
população população ncial
1801-1815 15 100 % 206 % 94 % – 195 % –5%
1816-1830 15 100 % 274 % 43 % – 212 % –5%
1831-1845 15 100 % 117 % –6% 277 % – 280 % –8%
1846-1860 15 100 % 71 % – 46 % 1142 % – 1232 % – 35 %
1861-1872 12 100 % – 79 % 74 % – 93 % –3%
1873-1884 12 100 % 6% – 99 % –7%
1885-1888 4 100 % –4 % – 96 %

Fontes: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Passamos, agora, à estimativa da população livre.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
140
1.40.RESULTADO – POPULAÇÃO LIVRE

A estimativa da população livre segue moldes semelhantes àqueles empregados para estimar o
número de escravos. Entre seus componentes, o número de imigrantes estrangeiros, estimados
a partir dos totais censitários, com os mesmos acréscimos empregados para o conjunto da
população, isto é, 1%, e de uma estimativa da existência de 4 mil estrangeiros no início do
século. Fazendo uma primeira iteração sem qualquer fluxo de migração interprovincial,
chegamos às seguintes taxas de crescimento vegetativo (fixadas as de mortalidade a priori e
calculadas as de natalidade pela soma).

Quadro 54 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento


vegetativo, por período da estimativa, 1ª Iteração (livres)

Crescimento
Período Mortalidade Natalidade
vegetativo
1800-1815 3,22% 5,65% 2,43%
1816-1830 3,22% 5,65% 2,44%
1831-1845 3,21% 6,07% 2,86%
1846-1860 3,04% 4,99% 1,95%
1861-1872 2,88% 3,61% 0,73%
1873-1890 2,65% 3,85% 1,19%
1891-1900 2,47% 3,71% 1,25%

Nota: Essas taxas médias de mortalidade e natalidade de cada período


foram calculadas como a soma dos óbitos/nascimentos do período
dividido pela soma da população . A taxa de crescimento vegetativo é a
taxa de natalidade menos a de mortalidade.
Fontes: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Como estas taxas de crescimento vegetativo referem-se exclusivamente ao aumento natural da


população livre, já consideradas as entradas de alforriados e por imigração estrangeira, seria
coerente termos nos 3 últimos períodos percentuais bastante superiores aos que foram
calculados pelo modelo. A explicação mais plausível para esta diferenças é não termos
incluído nos cálculos saídas líquidas por migração interprovincial, o que sabemos ter
ocorrido. Como vimos na seção 5.3 acima, o censo de 1872 já apontava 3 vezes mais
pernambucanos fora da província do que brasileiros de outras naturalidades em Pernambuco.
No último quartel do século esta migração se acentuou, principalmente em função de
sucessivos períodos de seca forte.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
141
Quadro 55 – Taxas de natalidade, mortalidade e crescimento
vegetativo, 2ª Iteração (livres, com migração líquida)

Crescimento
Período Mortalidade Natalidade
vegetativo
1800-1815 3,22% 5,84% 2,62%
1816-1830 3,22% 5,84% 2,63%
1831-1845 3,21% 6,26% 3,05%
1846-1860 3,04% 5,18% 2,14%
1861-1872 2,88% 4,76% 1,89%
1873-1890 2,65% 4,52% 1,87%
1891-1900 2,47% 4,34% 1,87%

Fontes: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

As taxas de crescimento vegetativo dos 3 últimos períodos tiveram seus valores forçados,
utilizando-se um parâmetro de saídas migratórias líquidas em cada período para fazer a
população calculada atingir os valores-âncora finais.

Quadro 56 – Decomposição dos fluxos por período da estimativa, 5ª iteração

Variação da Saídas
Imigração
Período população líquidas por Nascimentos Óbitos Alforrias
estrangeira
livre migração
1800-1815 73.100 2.397 -5.463 166.439 -91.682 1.408
1816-1830 107.500 2.960 -8.060 245.834 -135.271 2.037
1831-1845 178.100 3.635 -12.025 394.054 -210.014 2.450
1846-1860 180.700 4.444 -17.481 470.042 -278.993 2.688
1861-1872 67.236 4.208 -100.829 415.869 -253.734 1.721
1873-1890 280.490 6.480 -105.848 711.398 -418.890 87.349
1890-1900 149.406 9.949 -70.515 486.250 -276.278 0

Fontes: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Estes fluxos estão representados graficamente abaixo:

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
142
900.000 Nascimento
s
600.000

300.000
Alforrias

0 Aumento líquido
da população
-300.000 Óbitos
s
-600.000

Migração
-900.000
interprovincial
1800 - 1816 - 1831 - 1846 - 1861 - 1873 - 1891 -
1815 1830 1845 1860 1872 1890 1900

Figura 24 – Fluxos de aumento e redução da população livre (iteração final)

Fonte: Nosso gráfico sobre as séries estimadas.

Quadro 57 – Decomposição das variações na população livre (estimativa final) em médias anuais

Aumento Saídas
Imigração
Período Anos líquido da líquidas por Nascimentos Óbitos Alforrias
estrangeira
população migração
1801-1815 15 4.873 160 - 364 11.096 - 6.112 94
1816-1830 15 7.167 197 - 537 16.389 - 9.018 136
1831-1845 15 11.873 242 - 802 26.270 - 14.001 163
1846-1860 15 12.047 296 - 1.165 31.336 - 18.600 179
1861-1872 12 5.603 351 - 8.402 34.656 - 21.145 143
1873-1890 18 15.583 360 - 5.880 39.522 - 23.272 4.853
1890-1900 10 14.941 995 - 7.051 48.625 - 27.628

Fonte: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Também aqui, repetimos os mesmos dados, agora como percentuais da variação líquida de
cada ano, chegando a um panorama da importância relativa de cada fluxo na dinâmica
populacional da população livre em Pernambuco, ao longo do século XIX.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
143
Quadro 58 – Decomposição percentual das variações na população livre (estimativa final)

Aumento Saídas
Imigração
Período Anos líquido da líquidas por Nascimentos Óbitos Alforrias
estrangeira
população migração
1801-1815 15 100 % 3,3 % –7,5 % 228 % –125 % 1,9 %
1816-1830 15 100 % 2,8 % –7,5 % 229 % –126 % 1,9 %
1831-1845 15 100 % 2,0 % –6,8 % 221 % –118 % 1,4 %
1846-1860 15 100 % 2,5 % –9,7 % 260 % –154 % 1,5 %
1861-1872 12 100 % 6,3 % –150,0 % 619 % –377 % 2,6 %
1873-1890 18 100 % 2,3 % –37,7 % 254 % –149 % 31,1 %
1890-1900 10 100 % 6,7 % –47,2 % 326 % –185 %

Fonte: Nossos cálculos sobre as séries estimadas.

Juntando nossas séries de população de escravos e livres, chegamos a um quadro geral da


população de Pernambuco, ilustrado no gráfico a seguir e detalhado nos quadros anexos.

1.200.000
População total

1.000.000 Livres

Escravos
800.000
Habitantes

600.000

400.000

200.000

0
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900

Figura 25 – População estimada de Pernambuco, total, livres e escravos

Fonte: Nosso gráfico sobre as séries estimadas.

Para compararmos esta estimativa com as muitas fontes levantadas, colocamos, no próximo
gráfico, nossa série estimada para a população total de Pernambuco junto com os valores
propostos nessas fontes.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
144
1.400

População estimada (1000 habitantes)


1.200

1.000

800

600

400

200

0
1775 1790 1805 1820 1835 1850 1865 1880 1895

Figura 26 – Nossa estimativa e das múltiplas fontes para a população de Pernambuco

Fonte: Nosso gráfico sobre a série estimada e as fontes listadas na seção 4.

1.41.ROTAS PARA PESQUISA

Os resultados que obtivemos aqui representam somente uma primeira aproximação ao tema,
que ainda requer muito levantamento de fontes, muita exploração e “iterações” para nos levar
a uma certeza sobre as possibilidades aventadas: maior tráfico africano e maior tráfico
interprovincial do que registrado nas fontes conhecidas até o momento.

Queremos reforçar alguns tópicos que possam ter passado despercebidos na argumentação.

a) A escolha do tamanho das populações-âncora é determinante para os resultado obtidos.


Assim, cremos importante levar adiante pesquisas sobre a documentação possivelmente
existente de cada levantamento oficial (resumos por freguesia ou até as listas de onde
esses resumos teriam sido produzidos) que possam avaliar de forma mais detalhada (por
subunidade geográfica) os totais publicados. Por mais fragmentadas que sejam tais fontes,
o conjunto diacrônico, consideradas as menores unidades geográficas, certamente
oferecerá comparações que poderão gerar novas “interpolações inteligentes”.

b) A análise do material disperso sobre óbitos (naturais e episódicos) e nascimentos, em


situações pontuais, deve identificar relações entre taxas para livres e para escravos, ou
entre taxas para os mesmos contingentes em regiões e épocas diferentes. Tais resultados
podem ser proveitosamente incorporados às restrições que empregamos na modelagem,

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
145
oferecendo certeza bem maior sobre as conclusões então alcançadas.

c) Os procedimentos de estimação realizados aqui podem ser repetidos sobre contingentes


menores (livres ou escravos em certas regiões), o que fornecerá um leque mais abrangente
de alternativas “ajustadoras”, isto é, de possíveis soluções para as discrepâncias
identificadas.

d) A periodização poderá ser mais restrita, permitindo conclusões mais afinadas com cada
momento demográfico, principalmente levando-se em conta os anos de catástrofes como o
cólera e as grandes secas, ou de transformações drásticas, como a década que antecedeu
1888. Nada impede a modelagem de pequenos períodos, contanto que se tenha informação
sobre a população inicial, a final e os eventos ou taxas intermediárias que se queiram
incluir no modelo.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
146
CO NCLUS ÃO

O Correio Brasiliense de 1822 denunciava o uso de estatísticas demográficas desatualizadas,


na composição dos deputados às cortes de Lisboa, com um claro interesse político:
“Tomou-se para regra um censo velho; quando a populaçaõ éra maior em Portugal do que no
Brazil, afectou-se esquecer-se, que desde a epocha daquelle censo, tendo-se passado vinte
annos, a populaçaõ de Portugal tem ido de diminuir, e a do Brazil, a augmentar, e assim se
assegurou nas Cortes a mais decidida maioridade de Deputados europeos, para que os do Brazil
figurassem como meros comparços na farça. Assim os nossos irmaõs do Brazil naõ tem mais
que submetter-se aos nossos irmaõs de Portugal, e tudo irá em mui boa harmonia” .

Os exemplos de “relatividade” dos números apresentados como estatísticas podem ser


multiplicados, em contextos de recrutamento militar, subdivisão de freguesias eclesiásticas,
montagem de listas eleitorais, sonegação de escravos ao censo, entre outras tantas situações.
Houve, até, conforme a apreciação de Tollenare, o suposto receio oficial em divulgar
estatísticas que evidenciassem um grande número de escravos e de libertos, relativamente a
poucos brancos, para não incentivar possíveis comoções sociais.

Vimos que, no caso de Pernambuco dos oitocentos, o caráter político das contagens
censitárias juntava-se a dificuldades de locomoção e deficiências de conhecimentos dos
responsáveis diretos por sua execução, que tornaram muitos levantamentos, principalmente
antes do censo de 1872, indicadores distantes da realidade demográfica nominalmente
descrita. Diante da falta de dados públicos, viajantes, diplomatas e políticos propuseram suas
próprias estimativas, umas mais bem informadas do que outras, mas que gozaram de alguma
fé meramente pelo fato de estarem publicadas. Entretanto, não há como generalizar essas
afirmações, que são, de fato, válidas para certas estatísticas em momentos específicos, mas
não o são para outras, produzidas com cuidado e precisão. Resta-nos procurar separar o joio
do trigo.

Nesse panorama de imprecisão e suposições, escolhemos como ponto de partida os


levantamentos das décadas de 1770 e 80, relatados pelo capitão-general José Cezar de
Menezes. Quanto à primeira metade do século XIX, os trabalhos de revisão das estatísticas
feitos por Jeronymo Martiniano Figueira de Mello, secretário da província de Pernambuco,
depois presidente do Maranhão e, por fim, desembargador no Recife, propiciam-nos os
próximos referenciais importantes para complementar os levantamentos existentes. A partir
daí, os recenseamentos gerais, de 1872, 1890 e 1900, apesar de demandarem retificações,

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
147
constituem as fontes demográficas mais completas e precisas.

Constatamos que o século XIX viu expandir-se o ímpeto controlador dos governos, cujo
corolário estatístico foi a produção de levantamentos e relatórios, mesmo que muitas vezes
setoriais, incompletos e sem regularidade no tempo. A esse ímpeto, opuseram-se forças
múltiplas, seja dos poderosos – recalcitrantes diante da autoridade central, seus representantes
provinciais e inevitáveis agentes locais; seja dos pequenos – temerosos de perder suas parcas
posses ou, pior, verem-se ou verem seus filhos levados por injunções militares. Entre esses
extremos, as estruturas burocráticas responsáveis pelos levantamentos os executavam por
obrigação funcional, mas atentas a seus próprios interesses. Os resultados irregulares iriam
engordar sucessivos relatórios, sem que lhes fosse dado um uso mais técnico, através de
análises cumulativas sobre seu significado. Os grandes números ou seriam empregados pelo
presidente da província atrelados à retórica de reclamos e advertências ao governo central, ou
iriam simplesmente constar da seção temática específica.

As rotinas da administração provincial – sobre militares, funcionários, justiça, polícia, saúde,


educação, finanças e obras públicas – explicitadas nos relatórios provinciais demonstram a
complexidade do governo provincial, que, além de lidar com a sociedade pernambucana e
gerir esses diversos grupos burocráticos, enfrentou revoltas episódicas, mas também
epidemias insistentes e secas sucessivas. Essas tragédias recorrentes demandaram
providências do governo e foram relatadas, muitas vezes com detalhes numéricos que
permitem a construção de séries estatísticas. Ao reunirmos os dados relacionados a essas
múltiplas ocorrências, surge um quadro acessório às estatísticas censitárias: informações
demográficas pontuais sobre mortalidade, natalidade e movimentações da população.

Acrescendo a esse histórico de picos de mortalidade e migrações em massa, a evolução


demográfica da província torna-se mais complexa pelo contexto da escravidão, que teve seu
desfecho ao final do século, mas durante o qual foram registradas as maiores entradas de
africanos escravizados no Brasil.

Verificamos, assim, que, ao lado de levantamentos censitários de confiabilidade variável, o


governo provincial de Pernambuco acumulou um mosaico de estatísticas, que propusemos
incorporar aos dados dos levantamentos populacionais. Essas informações demográficas,
embora pouco analisadas e nem sempre coerentes entre si, estão disponíveis em inúmeras
fontes e permitem reconstituir um quadro agregado bem mais coesos do que sugerem suas
disparidades.

Este quadro, resultante de uma modelagem sobre definições, matematizada, mas sem teorias

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
148
comportamentais, parte das informações censitárias revistas, construindo séries anuais entre
momentos de referência que se baseiam nas restrições logicamente inescapáveis da equação
demográfica: os presentes são os que já estavam aqui, menos os que saíram mais os que
chegaram, incluindo-se em “chegar”, nascer, e em “sair”, morrer. Completando essas relações
com as transformações civis – de escravo em livre e de estrangeiro em brasileiro – podemos
fechar um panorama que classifica a população de Pernambuco por condição social (livres e
cativos) e por macrorregião de residência (Recife, Zona da Mata, Agreste e Sertão).
Adicionalmente poderemos analisar as distinções por nacionalidade (brasileiros e
estrangeiros) e naturalidade (pernambucanos e outros brasileiros), embora tenhamos menos
informações a este respeito, obtendo, conseqüentemente, resultados menos confiáveis.

Tendo fixado os totais pontuais decorrentes dos levantamentos censitários, podemos ter
certeza de as estimativas para os anos intermediários, que já incorporam os picos de
mortalidade episódica e demais condições desejadas, serem extremamente realistas, por se
ajustarem simultaneamente a todas as múltiplas restrições impostas: quanto à população total
inicial e final de cada subperíodo, quanto à distribuição regional da população nesses
momentos, quanto aos principais movimentos demográficos de entrada e de saída da
província e ainda quanto às reduções episódicas por picos de mortalidade ocorridos no
intervalo. Ou seja, as séries resultantes incorporam, de forma logicamente coerente, tantos
dados quantos quisermos incluir no modelo. O resultado não é o único possível, mas, por ter
sido construído sobre taxas de crescimento médias em período e regiões restritas, tem maior
probabilidade de estar próximo aos números que efetivamente retratariam o que aconteceu do
que séries alternativas.

Este o contexto e esta a metodologia. Os resultados surpreenderam por apontar e mensurar


tentativamente o que eram suposições acadêmicas: houve maior tráfico africano para
Pernambuco e maiores saídas de Pernambuco, por tráfico interprovincial, do que registram as
fontes conhecidas até o momento. Quanto? e em que períodos? são questões sugeridas aqui,
mas efetivamente em aberto, à espera de novas montagens deste quebra-cabeça de fontes,
críticas, estimativas e raciocínio.

<< <> >>

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
149
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES PRIMÁRIAS CONSULTADAS

RELATÓRIOS MINISTERIAIS E PROVINCIAIS

O conjunto de relatórios ministeriais e provinciais digitalizados estão disponibilizados via


internet pelo Center for Research Libraries da University of Chicago (no endereço
http://www.crl. uchicago.edu/content.asp?l1=4&l2=8&l3=33).
Relatórios dos Presidentes de Pernambuco (1838-1900)
Relatórios do Ministério do Império (1832-1888)
Relatórios do Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas (1860-1900)
Relatórios do Ministério da Justiça (1825-1900)

IMPORTAÇÃO DE ESCRAVOS

A série de estatísticas sobre importação de escravos em Pernambuco recentemente produzida


por Daniel B. Domingues da Silva, dentro do escopo de amplo projeto de reconstituição do
tráfico transatlântico liderado por David Eltis, Stephen D. Behrendt, David Richardson e
Herbert S. Klein, e coordenado no Brasil por Manolo Florentino (UFRJ-IFCS), incluindo
resultados parciais referentes a chegadas em Pernambuco entre 1813 e 1829, compiladas no
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, Códice 04.06.18-vol.1-Livro de entrada das
embarcações visitadas pela Provedoria-mor da Saúde,

BIBLIOTECAS E ARQUIVOS CONSULTADOS

NO RIO DE JANEIRO:

Universidade Federal do Rio de Janeiro-Biblioteca Pedro Calmon, Universidade Federal do


Rio de Janeiro-Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro-IFCS,
Universidade Federal Fluminense-Departamento de História, Fundação Getúlio Vargas,
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Pontifícia Universidade Católica, Real Gabinete
Português de Leitura, Biblioteca Nacional, Biblioteca do Embaixador Heitor Pinto de Moura.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
150
NO RECIFE:

Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, Universidade Federal de Pernambuco-


Biblioteca Central, Universidade Federal de Pernambuco-Bibliotecas dos Departamentos de
Economia e de História, Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco

FONTES IMPRESSAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
151
A N E XO S

1 POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL

2 POPULAÇÃO TOTAL ESTIMADA, POR REGIÃO

3 POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA, POR REGIÃO

4 POPULAÇÃO CATIVA ESTIMADA, POR REGIÃO

5 FLUXOS ANUAIS ESTIMADOS DA POPULAÇÃO LIVRE

6 FLUXOS ANUAIS ESTIMADOS DA POPULAÇÃO CATIVA

7 DESCRIÇÃO DOS CÁLCULOS DO MODELO

NOTAS: ♦ Os totais são apresentados em milhares de habitantes para reforçar seu caráter
estimativo.

♦ Nos cálculos, os totais estão tecnicamente referenciados ao final de cada ano.

♦ As fontes para todos os quadros são nossos cálculos das séries estimadas.

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152
A N E X O 1 – P O P U L A Ç Ã O TO TA L E S T I M A D A ,
SEGUNDO A CONDIÇÃO CIVIL

(em milhares de habitantes)

Quadro 59 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1800 a 1834)

PERNAMBUCO LIVRES ESCRAVOS LIVRES ESCRAVOS


1800 236,0 153,4 82,6 65,0 % 35,0 %
1801 242,9 157,5 85,5 64,8 % 35,2 %
1802 249,9 161,6 88,3 64,7 % 35,3 %
1803 256,0 165,9 90,1 64,8 % 35,2 %
1804 263,2 170,3 92,9 64,7 % 35,3 %
1805 268,9 174,8 94,1 65,0 % 35,0 %
1806 275,9 179,4 96,5 65,0 % 35,0 %
1807 280,1 184,1 96,0 65,7 % 34,3 %
1808 283,8 188,9 94,9 66,6 % 33,4 %
1809 287,7 193,9 93,8 67,4 % 32,6 %
1810 292,7 199,0 93,7 68,0 % 32,0 %
1811 298,8 204,2 94,6 68,4 % 31,6 %
1812 307,6 209,6 98,0 68,1 % 31,9 %
1813 316,7 215,1 101,6 67,9 % 32,1 %
1814 326,2 220,7 105,5 67,7 % 32,3 %
1815 338,0 226,5 111,5 67,0 % 33,0 %
1816 350,6 232,5 118,1 66,3 % 33,7 %
1817 361,1 238,6 122,6 66,1 % 33,9 %
1818 373,5 244,8 128,7 65,5 % 34,5 %
1819 383,6 251,3 132,3 65,5 % 34,5 %
1820 391,8 257,9 133,9 65,8 % 34,2 %
1821 403,6 264,7 139,0 65,6 % 34,4 %
1822 411,3 271,6 139,7 66,0 % 34,0 %
1823 419,5 278,7 140,7 66,4 % 33,6 %
1824 425,7 286,0 139,7 67,2 % 32,8 %
1825 436,0 293,5 142,4 67,3 % 32,7 %
1826 446,0 301,2 144,8 67,5 % 32,5 %
1827 456,1 309,1 147,0 67,8 % 32,2 %
1828 463,9 317,2 146,7 68,4 % 31,6 %
1829 475,0 325,5 149,5 68,5 % 31,5 %
1830 484,0 334,0 150,0 69,0 % 31,0 %
1831 497,7 344,2 153,5 69,2 % 30,8 %
1832 505,7 350,6 155,1 69,3 % 30,7 %
1833 514,5 359,3 155,2 69,8 % 30,2 %
1834 523,9 368,2 155,7 70,3 % 29,7 %

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Quadro 60 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1835 a 1869)

PERNAMBUCO LIVRES ESCRAVOS LIVRES ESCRAVOS


1835 535,5 379,5 156,1 70,9 % 29,1 %
1836 548,6 391,0 157,6 71,3 % 28,7 %
1837 561,8 403,0 158,9 71,7 % 28,3 %
1838 574,6 415,2 159,4 72,3 % 27,7 %
1839 592,5 427,9 164,6 72,2 % 27,8 %
1840 611,3 440,9 170,4 72,1 % 27,9 %
1841 630,1 454,3 175,8 72,1 % 27,9 %
1842 646,2 468,1 178,0 72,4 % 27,6 %
1843 662,0 482,4 179,7 72,9 % 27,1 %
1844 677,0 497,0 180,0 73,4 % 26,6 %
1845 693,0 512,1 180,9 73,9 % 26,1 %
1846 703,9 522,7 181,2 74,3 % 25,7 %
1847 715,1 533,6 181,5 74,6 % 25,4 %
1848 725,5 544,7 180,8 75,1 % 24,9 %
1849 736,8 556,0 180,8 75,5 % 24,5 %
1850 750,2 567,5 182,7 75,6 % 24,4 %
1851 761,4 579,3 182,1 76,1 % 23,9 %
1852 771,7 591,3 180,4 76,6 % 23,4 %
1853 782,7 603,5 179,2 77,1 % 22,9 %
1854 794,2 616,0 178,2 77,6 % 22,4 %
1855 806,9 628,8 178,1 77,9 % 22,1 %
1856 815,6 639,0 176,6 78,3 % 21,7 %
1857 827,8 651,9 175,9 78,8 % 21,2 %
1858 840,4 665,2 175,2 79,2 % 20,8 %
1859 853,3 678,8 174,5 79,5 % 20,5 %
1860 866,0 692,8 173,2 80,0 % 20,0 %
1861 862,6 695,9 166,7 80,7 % 19,3 %
1862 863,2 701,5 161,6 81,3 % 18,7 %
1863 862,8 707,2 155,6 82,0 % 18,0 %
1864 862,7 712,9 149,8 82,6 % 17,4 %
1865 863,5 718,7 144,8 83,2 % 16,8 %
1866 864,3 724,4 139,8 83,8 % 16,2 %
1867 865,3 730,3 135,0 84,4 % 15,6 %
1868 866,4 736,1 130,3 85,0 % 15,0 %
1869 867,8 742,0 125,8 85,5 % 14,5 %

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154
Quadro 61 – Pernambuco. População estimada, segundo a condição civil (1870 a 1900)

PERNAMBUCO LIVRES ESCRAVOS LIVRES ESCRAVOS


1870 869,6 748,0 121,6 86,0 % 14,0 %
1871 870,9 754,0 116,9 86,6 % 13,4 %
1872 868,2 760,0 108,1 87,5 % 12,5 %
1873 876,2 769,7 106,5 87,8 % 12,2 %
1874 884,3 779,5 104,8 88,1 % 11,9 %
1875 892,6 789,5 103,2 88,4 % 11,6 %
1876 901,1 799,5 101,6 88,7 % 11,3 %
1877 908,9 808,9 100,0 89,0 % 11,0 %
1878 917,3 818,8 98,5 89,3 % 10,7 %
1879 926,1 829,1 97,0 89,5 % 10,5 %
1880 935,1 839,6 95,5 89,8 % 10,2 %
1881 944,3 850,3 94,0 90,0 % 10,0 %
1882 953,9 861,1 92,9 90,3 % 9,7 %
1883 963,6 872,0 91,5 90,5 % 9,5 %
1884 973,3 883,1 90,1 90,7 % 9,3 %
1885 983,0 894,3 88,7 91,0 % 9,0 %
1886 993,0 906,3 86,7 91,3 % 8,7 %
1887 1.003,1 960,3 42,8 95,7 % 4,3 %
1888 1.015,2 1.015,2 0,0 100,0 % 0,0 %
1889 1.027,9 1.027,9 100,0 %
1890 1.040,5 1.040,5 100,0 %
1891 1.054,2 1.054,2 100,0 %
1892 1.068,0 1.068,0 100,0 %
1893 1.082,2 1.082,2 100,0 %
1894 1.096,6 1.096,6 100,0 %
1895 1.111,2 1.111,2 100,0 %
1896 1.126,2 1.126,2 100,0 %
1897 1.141,6 1.141,6 100,0 %
1898 1.157,3 1.157,3 100,0 %
1899 1.173,4 1.173,4 100,0 %
1900 1.189,9 1.189,9 100,0 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
155
A N E X O 2 – P O P U L A Ç Ã O TO TA L E ST I M A D A ,
POR REGIÃO

(em milhares de habitantes)

Quadro 62 – Pernambuco. População total estimada, por região (1800 a 1834)


ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1800 25,5 170,2 21,0 19,4 10,8 % 72,1 % 8,9 % 8,2 %
1801 26,4 172,9 23,2 20,4 10,9 % 71,2 % 9,6 % 8,4 %
1802 27,2 175,7 25,5 21,5 10,9 % 70,3 % 10,2 % 8,6 %
1803 28,0 177,7 27,8 22,6 10,9 % 69,4 % 10,8 % 8,8 %
1804 28,9 180,4 30,1 23,7 11,0 % 68,6 % 11,5 % 9,0 %
1805 29,6 182,0 32,5 24,8 11,0 % 67,7 % 12,1 % 9,2 %
1806 30,5 184,5 34,9 26,0 11,0 % 66,9 % 12,7 % 9,4 %
1807 31,0 184,8 37,2 27,0 11,1 % 66,0 % 13,3 % 9,7 %
1808 31,4 184,8 39,6 28,1 11,1 % 65,1 % 13,9 % 9,9 %
1809 31,8 184,8 41,9 29,2 11,1 % 64,2 % 14,6 % 10,1 %
1810 32,4 185,5 44,4 30,3 11,1 % 63,4 % 15,2 % 10,4 %
1811 33,2 186,9 47,1 31,6 11,1 % 62,6 % 15,8 % 10,6 %
1812 34,3 190,3 50,0 33,0 11,2 % 61,9 % 16,3 % 10,7 %
1813 35,5 193,8 53,0 34,4 11,2 % 61,2 % 16,7 % 10,9 %
1814 36,7 197,5 56,1 35,9 11,2 % 60,6 % 17,2 % 11,0 %
1815 38,2 202,8 59,5 37,5 11,3 % 60,0 % 17,6 % 11,1 %
1816 40,7 209,4 62,4 38,1 11,6 % 59,7 % 17,8 % 10,9 %
1817 43,0 214,5 65,1 38,6 11,9 % 59,4 % 18,0 % 10,7 %
1818 45,6 220,8 68,0 39,1 12,2 % 59,1 % 18,2 % 10,5 %
1819 47,9 225,4 70,8 39,6 12,5 % 58,8 % 18,4 % 10,3 %
1820 49,9 228,6 73,4 39,9 12,7 % 58,4 % 18,7 % 10,2 %
1821 52,5 234,3 76,4 40,5 13,0 % 58,1 % 18,9 % 10,0 %
1822 54,5 237,0 79,0 40,7 13,3 % 57,6 % 19,2 % 9,9 %
1823 56,7 240,0 81,7 41,1 13,5 % 57,2 % 19,5 % 9,8 %
1824 58,6 241,6 84,2 41,3 13,8 % 56,8 % 19,8 % 9,7 %
1825 61,1 246,0 87,2 41,7 14,0 % 56,4 % 20,0 % 9,6 %
1826 63,6 250,1 90,3 42,1 14,3 % 56,1 % 20,2 % 9,4 %
1827 66,1 254,2 93,4 42,5 14,5 % 55,7 % 20,5 % 9,3 %
1828 68,4 256,5 96,2 42,8 14,7 % 55,3 % 20,7 % 9,2 %
1829 71,1 261,1 99,5 43,2 15,0 % 55,0 % 21,0 % 9,1 %
1830 73,6 264,3 102,6 43,6 15,2 % 54,6 % 21,2 % 9,0 %
1831 74,7 269,3 107,8 45,9 15,0 % 54,1 % 21,7 % 9,2 %
1832 75,7 270,0 111,8 48,1 15,0 % 53,4 % 22,1 % 9,5 %
1833 76,5 271,3 116,3 50,4 14,9 % 52,7 % 22,6 % 9,8 %
1834 77,4 273,0 120,9 52,7 14,8 % 52,1 % 23,1 % 10,1 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
156
Quadro 63 – Pernambuco. População total estimada, por região (1835 a 1869)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1835 78,3 276,1 126,2 55,0 14,6 % 51,5 % 23,6 % 10,3 %
1836 79,3 280,0 131,7 57,5 14,5 % 51,0 % 24,0 % 10,5 %
1837 80,4 284,0 137,4 60,0 14,3 % 50,5 % 24,5 % 10,7 %
1838 81,4 287,5 143,1 62,6 14,2 % 50,0 % 24,9 % 10,9 %
1839 83,0 294,2 149,7 65,6 14,0 % 49,7 % 25,3 % 11,1 %
1840 84,7 301,4 156,6 68,6 13,8 % 49,3 % 25,6 % 11,2 %
1841 86,3 308,4 163,6 71,8 13,7 % 49,0 % 26,0 % 11,4 %
1842 87,7 313,6 170,2 74,7 13,6 % 48,5 % 26,3 % 11,6 %
1843 89,0 318,4 176,9 77,7 13,4 % 48,1 % 26,7 % 11,7 %
1844 90,2 322,5 183,6 80,7 13,3 % 47,6 % 27,1 % 11,9 %
1845 91,5 327,1 190,6 83,9 13,2 % 47,2 % 27,5 % 12,1 %
1846 91,0 334,5 193,6 84,8 12,9 % 47,5 % 27,5 % 12,1 %
1847 90,5 342,0 196,7 85,8 12,7 % 47,8 % 27,5 % 12,0 %
1848 89,9 349,1 199,7 86,8 12,4 % 48,1 % 27,5 % 12,0 %
1849 89,4 356,8 202,9 87,8 12,1 % 48,4 % 27,5 % 11,9 %
1850 89,1 365,8 206,4 89,0 11,9 % 48,8 % 27,5 % 11,9 %
1851 88,4 373,4 209,6 90,0 11,6 % 49,0 % 27,5 % 11,8 %
1852 87,7 380,5 212,6 90,9 11,4 % 49,3 % 27,5 % 11,8 %
1853 87,0 388,0 215,7 91,9 11,1 % 49,6 % 27,6 % 11,7 %
1854 86,4 395,9 219,0 92,9 10,9 % 49,9 % 27,6 % 11,7 %
1855 85,8 404,6 222,5 94,0 10,6 % 50,1 % 27,6 % 11,7 %
1856 82,1 412,6 225,8 95,1 10,1 % 50,6 % 27,7 % 11,7 %
1857 81,2 421,2 229,2 96,2 9,8 % 50,9 % 27,7 % 11,6 %
1858 80,4 429,9 232,8 97,3 9,6 % 51,2 % 27,7 % 11,6 %
1859 79,6 438,9 236,3 98,5 9,3 % 51,4 % 27,7 % 11,5 %
1860 78,8 447,7 239,9 99,6 9,1 % 51,7 % 27,7 % 11,5 %
1861 79,9 440,5 243,0 99,2 9,3 % 51,1 % 28,2 % 11,5 %
1862 81,2 435,3 247,2 99,4 9,4 % 50,4 % 28,6 % 11,5 %
1863 82,5 429,5 251,3 99,5 9,6 % 49,8 % 29,1 % 11,5 %
1864 83,8 423,9 255,4 99,6 9,7 % 49,1 % 29,6 % 11,5 %
1865 85,2 418,7 259,8 99,8 9,9 % 48,5 % 30,1 % 11,6 %
1866 86,6 413,6 264,1 100,0 10,0 % 47,9 % 30,6 % 11,6 %
1867 88,0 408,5 268,5 100,2 10,2 % 47,2 % 31,0 % 11,6 %
1868 89,4 403,5 273,0 100,5 10,3 % 46,6 % 31,5 % 11,6 %
1869 90,9 398,6 277,6 100,8 10,5 % 45,9 % 32,0 % 11,6 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
157
Quadro 64 – Pernambuco. População total estimada, por região (1870 a 1900)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1870 92,4 393,9 282,2 101,1 10,6 % 45,3 % 32,5 % 11,6 %
1871 93,9 388,9 286,8 101,4 10,8 % 44,7 % 32,9 % 11,6 %
1872 94,6 382,0 290,0 101,6 10,9 % 44,0 % 33,4 % 11,7 %
1873 95,4 384,6 293,2 103,0 10,9 % 43,9 % 33,5 % 11,8 %
1874 96,3 387,2 296,4 104,4 10,9 % 43,8 % 33,5 % 11,8 %
1875 97,1 389,9 299,7 105,9 10,9 % 43,7 % 33,6 % 11,9 %
1876 98,0 392,7 303,0 107,4 10,9 % 43,6 % 33,6 % 11,9 %
1877 98,8 395,5 306,3 108,3 10,9 % 43,5 % 33,7 % 11,9 %
1878 99,7 398,4 309,6 109,6 10,9 % 43,4 % 33,8 % 11,9 %
1879 100,7 401,3 313,1 111,0 10,9 % 43,3 % 33,8 % 12,0 %
1880 101,6 404,3 316,7 112,5 10,9 % 43,2 % 33,9 % 12,0 %
1881 102,6 407,3 320,3 114,1 10,9 % 43,1 % 33,9 % 12,1 %
1882 103,6 410,6 324,0 115,8 10,9 % 43,0 % 34,0 % 12,1 %
1883 104,6 413,8 327,8 117,4 10,9 % 42,9 % 34,0 % 12,2 %
1884 105,6 417,0 331,6 119,1 10,9 % 42,8 % 34,1 % 12,2 %
1885 106,7 420,2 335,4 120,8 10,9 % 42,7 % 34,1 % 12,3 %
1886 107,7 423,5 339,3 122,5 10,8 % 42,6 % 34,2 % 12,3 %
1887 108,8 426,8 343,3 124,2 10,8 % 42,5 % 34,2 % 12,4 %
1888 110,2 431,2 347,7 126,1 10,9 % 42,5 % 34,2 % 12,4 %
1889 111,6 436,1 352,3 128,0 10,9 % 42,4 % 34,3 % 12,5 %
1890 112,7 441,0 356,9 130,0 10,8 % 42,4 % 34,3 % 12,5 %
1891 114,1 445,1 364,1 130,8 10,8 % 42,2 % 34,5 % 12,4 %
1892 115,7 449,4 371,3 131,6 10,8 % 42,1 % 34,8 % 12,3 %
1893 117,3 453,6 378,7 132,5 10,8 % 41,9 % 35,0 % 12,2 %
1894 119,1 458,0 386,2 133,3 10,9 % 41,8 % 35,2 % 12,2 %
1895 121,0 462,4 393,7 134,2 10,9 % 41,6 % 35,4 % 12,1 %
1896 123,0 466,8 401,4 135,0 10,9 % 41,4 % 35,6 % 12,0 %
1897 125,2 471,3 409,1 135,9 11,0 % 41,3 % 35,8 % 11,9 %
1898 127,6 475,9 417,0 136,8 11,0 % 41,1 % 36,0 % 11,8 %
1899 130,3 480,5 424,9 137,7 11,1 % 40,9 % 36,2 % 11,7 %
1900 133,2 485,1 433,0 138,6 11,2 % 40,8 % 36,4 % 11,6 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
158
ANEXO 3 – POPULAÇÃO LIVRE ESTIMADA,
POR REGIÃO

(em milhares de habitantes)

Quadro 65 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1800 a 1834)


ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1800 13,6 107,4 16,5 16,0 8,9 % 70,0 % 10,7 % 10,4 %
1801 14,1 108,2 18,3 16,8 9,0 % 68,7 % 11,6 % 10,7 %
1802 14,7 109,1 20,1 17,7 9,1 % 67,5 % 12,5 % 11,0 %
1803 15,2 110,0 22,0 18,6 9,2 % 66,3 % 13,3 % 11,2 %
1804 15,8 110,9 24,0 19,6 9,3 % 65,1 % 14,1 % 11,5 %
1805 16,4 111,8 26,0 20,5 9,4 % 64,0 % 14,9 % 11,8 %
1806 17,0 112,8 28,0 21,5 9,5 % 62,9 % 15,6 % 12,0 %
1807 17,6 113,7 30,2 22,5 9,6 % 61,8 % 16,4 % 12,2 %
1808 18,3 114,7 32,3 23,6 9,7 % 60,7 % 17,1 % 12,5 %
1809 19,0 115,8 34,5 24,6 9,8 % 59,7 % 17,8 % 12,7 %
1810 19,6 116,8 36,8 25,7 9,9 % 58,7 % 18,5 % 12,9 %
1811 20,3 117,9 39,1 26,9 10,0 % 57,7 % 19,2 % 13,1 %
1812 21,1 119,0 41,5 28,0 10,1 % 56,8 % 19,8 % 13,4 %
1813 21,8 120,2 43,9 29,2 10,1 % 55,9 % 20,4 % 13,6 %
1814 22,6 121,3 46,4 30,4 10,2 % 55,0 % 21,0 % 13,8 %
1815 23,4 122,5 49,0 31,6 10,3 % 54,1 % 21,6 % 14,0 %
1816 25,1 124,7 50,9 31,8 10,8 % 53,6 % 21,9 % 13,7 %
1817 26,9 126,9 52,8 31,9 11,3 % 53,2 % 22,1 % 13,4 %
1818 28,8 129,2 54,8 32,1 11,8 % 52,8 % 22,4 % 13,1 %
1819 30,7 131,6 56,8 32,2 12,2 % 52,4 % 22,6 % 12,8 %
1820 32,6 134,0 58,9 32,4 12,7 % 52,0 % 22,8 % 12,6 %
1821 34,6 136,5 61,0 32,5 13,1 % 51,6 % 23,0 % 12,3 %
1822 36,7 139,0 63,2 32,7 13,5 % 51,2 % 23,3 % 12,0 %
1823 38,8 141,6 65,4 32,9 13,9 % 50,8 % 23,5 % 11,8 %
1824 41,0 144,3 67,7 33,1 14,3 % 50,4 % 23,7 % 11,6 %
1825 43,2 147,0 70,0 33,3 14,7 % 50,1 % 23,9 % 11,3 %
1826 45,5 149,8 72,4 33,4 15,1 % 49,7 % 24,0 % 11,1 %
1827 47,9 152,7 74,9 33,6 15,5 % 49,4 % 24,2 % 10,9 %
1828 50,3 155,7 77,4 33,8 15,8 % 49,1 % 24,4 % 10,7 %
1829 52,7 158,7 80,0 34,0 16,2 % 48,8 % 24,6 % 10,5 %
1830 55,3 161,8 82,7 34,3 16,5 % 48,4 % 24,7 % 10,3 %
1831 56,1 165,0 87,0 36,2 16,3 % 47,9 % 25,3 % 10,5 %
1832 57,0 165,1 90,4 38,2 16,3 % 47,1 % 25,8 % 10,9 %
1833 57,9 166,8 94,4 40,2 16,1 % 46,4 % 26,3 % 11,2 %
1834 58,8 168,6 98,5 42,3 16,0 % 45,8 % 26,8 % 11,5 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
159
Quadro 66 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1835 a 1869)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1835 59,8 171,9 103,3 44,5 15,8 % 45,3 % 27,2 % 11,7 %
1836 60,8 175,4 108,2 46,7 15,6 % 44,8 % 27,7 % 11,9 %
1837 61,8 178,9 113,2 49,0 15,3 % 44,4 % 28,1 % 12,2 %
1838 62,9 182,5 118,4 51,3 15,1 % 44,0 % 28,5 % 12,4 %
1839 64,0 186,3 123,8 53,8 15,0 % 43,5 % 28,9 % 12,6 %
1840 65,1 190,2 129,3 56,3 14,8 % 43,1 % 29,3 % 12,8 %
1841 66,3 194,1 135,0 58,8 14,6 % 42,7 % 29,7 % 13,0 %
1842 67,5 198,3 140,9 61,5 14,4 % 42,4 % 30,1 % 13,1 %
1843 68,8 202,5 146,9 64,2 14,3 % 42,0 % 30,5 % 13,3 %
1844 70,1 206,8 153,1 67,0 14,1 % 41,6 % 30,8 % 13,5 %
1845 71,4 211,3 159,5 69,9 13,9 % 41,3 % 31,1 % 13,7 %
1846 71,0 219,0 162,0 70,7 13,6 % 41,9 % 31,0 % 13,5 %
1847 70,5 226,9 164,6 71,6 13,2 % 42,5 % 30,9 % 13,4 %
1848 70,1 234,9 167,3 72,4 12,9 % 43,1 % 30,7 % 13,3 %
1849 69,6 243,1 170,0 73,3 12,5 % 43,7 % 30,6 % 13,2 %
1850 69,2 251,4 172,8 74,2 12,2 % 44,3 % 30,4 % 13,1 %
1851 68,7 259,9 175,6 75,1 11,9 % 44,9 % 30,3 % 13,0 %
1852 68,3 268,6 178,5 76,0 11,5 % 45,4 % 30,2 % 12,8 %
1853 67,8 277,4 181,4 76,9 11,2 % 46,0 % 30,1 % 12,7 %
1854 67,3 286,4 184,4 77,9 10,9 % 46,5 % 29,9 % 12,6 %
1855 66,9 295,6 187,5 78,8 10,6 % 47,0 % 29,8 % 12,5 %
1856 64,1 304,6 190,5 79,8 10,0 % 47,7 % 29,8 % 12,5 %
1857 63,4 314,1 193,6 80,8 9,7 % 48,2 % 29,7 % 12,4 %
1858 62,7 323,8 196,9 81,9 9,4 % 48,7 % 29,6 % 12,3 %
1859 62,0 333,7 200,1 82,9 9,1 % 49,2 % 29,5 % 12,2 %
1860 61,5 343,8 203,5 84,0 8,9 % 49,6 % 29,4 % 12,1 %
1861 63,0 340,9 207,6 84,4 9,1 % 49,0 % 29,8 % 12,1 %
1862 64,6 339,1 212,6 85,2 9,2 % 48,3 % 30,3 % 12,1 %
1863 66,3 337,4 217,6 86,0 9,4 % 47,7 % 30,8 % 12,2 %
1864 67,9 335,6 222,6 86,8 9,5 % 47,1 % 31,2 % 12,2 %
1865 69,6 333,8 227,7 87,6 9,7 % 46,4 % 31,7 % 12,2 %
1866 71,3 332,0 232,8 88,4 9,8 % 45,8 % 32,1 % 12,2 %
1867 73,0 330,2 237,9 89,2 10,0 % 45,2 % 32,6 % 12,2 %
1868 74,7 328,3 243,1 90,0 10,2 % 44,6 % 33,0 % 12,2 %
1869 76,5 326,5 248,3 90,8 10,3 % 44,0 % 33,5 % 12,2 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
160
Quadro 67 – Pernambuco. População livre estimada, por região (1870 a 1900)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1870 78,2 324,6 253,5 91,7 10,5 % 43,4 % 33,9 % 12,3 %
1871 80,0 322,7 258,8 92,5 10,6 % 42,8 % 34,3 % 12,3 %
1872 81,8 320,8 264,1 93,4 10,8 % 42,2 % 34,8 % 12,3 %
1873 82,8 324,3 267,7 94,9 10,8 % 42,1 % 34,8 % 12,3 %
1874 83,8 327,9 271,3 96,5 10,7 % 42,1 % 34,8 % 12,4 %
1875 84,8 331,5 275,0 98,1 10,7 % 42,0 % 34,8 % 12,4 %
1876 85,9 335,2 278,7 99,7 10,7 % 41,9 % 34,9 % 12,5 %
1877 86,9 338,9 282,4 100,7 10,7 % 41,9 % 34,9 % 12,5 %
1878 88,0 342,6 286,1 102,1 10,7 % 41,8 % 34,9 % 12,5 %
1879 89,1 346,4 289,9 103,6 10,7 % 41,8 % 35,0 % 12,5 %
1880 90,2 350,2 293,9 105,3 10,7 % 41,7 % 35,0 % 12,5 %
1881 91,4 354,1 297,8 107,0 10,7 % 41,6 % 35,0 % 12,6 %
1882 92,5 358,0 301,8 108,7 10,7 % 41,6 % 35,1 % 12,6 %
1883 93,7 362,0 305,9 110,4 10,7 % 41,5 % 35,1 % 12,7 %
1884 94,9 366,0 310,0 112,2 10,7 % 41,4 % 35,1 % 12,7 %
1885 96,1 370,0 314,2 114,0 10,7 % 41,4 % 35,1 % 12,7 %
1886 97,4 374,4 318,6 115,9 10,7 % 41,3 % 35,2 % 12,8 %
1887 103,7 402,5 333,0 121,0 10,8 % 41,9 % 34,7 % 12,6 %
1888 110,2 431,2 347,7 126,1 10,9 % 42,5 % 34,2 % 12,4 %
1889 111,6 436,1 352,3 128,0 10,9 % 42,4 % 34,3 % 12,5 %
1890 112,7 441,0 356,9 130,0 10,8 % 42,4 % 34,3 % 12,5 %
1891 114,1 445,1 364,1 130,8 10,8 % 42,2 % 34,5 % 12,4 %
1892 115,7 449,4 371,3 131,6 10,8 % 42,1 % 34,8 % 12,3 %
1893 117,3 453,6 378,7 132,5 10,8 % 41,9 % 35,0 % 12,2 %
1894 119,1 458,0 386,2 133,3 10,9 % 41,8 % 35,2 % 12,2 %
1895 121,0 462,4 393,7 134,2 10,9 % 41,6 % 35,4 % 12,1 %
1896 123,0 466,8 401,4 135,0 10,9 % 41,4 % 35,6 % 12,0 %
1897 125,2 471,3 409,1 135,9 11,0 % 41,3 % 35,8 % 11,9 %
1898 127,6 475,9 417,0 136,8 11,0 % 41,1 % 36,0 % 11,8 %
1899 130,3 480,5 424,9 137,7 11,1 % 40,9 % 36,2 % 11,7 %
1900 133,2 485,1 433,0 138,6 11,2 % 40,8 % 36,4 % 11,6 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
161
A N E X O 4 – P O P U L A Ç Ã O C AT I VA E S T I M A D A ,
POR REGIÃO

(em milhares de habitantes)

Quadro 68 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1800 a 1834)


ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1800 11,9 62,8 4,5 3,4 14,4 % 76,0 % 5,5 % 4,1 %
1801 12,2 64,7 5,0 3,6 14,3 % 75,7 % 5,8 % 4,2 %
1802 12,6 66,6 5,4 3,8 14,2 % 75,4 % 6,1 % 4,3 %
1803 12,8 67,7 5,7 3,9 14,2 % 75,1 % 6,4 % 4,4 %
1804 13,1 69,5 6,2 4,1 14,1 % 74,9 % 6,6 % 4,4 %
1805 13,2 70,2 6,5 4,3 14,0 % 74,6 % 6,9 % 4,5 %
1806 13,5 71,7 6,9 4,4 13,9 % 74,3 % 7,1 % 4,6 %
1807 13,3 71,1 7,1 4,5 13,9 % 74,1 % 7,4 % 4,7 %
1808 13,1 70,0 7,3 4,5 13,8 % 73,8 % 7,6 % 4,8 %
1809 12,9 69,0 7,4 4,5 13,7 % 73,5 % 7,9 % 4,8 %
1810 12,8 68,7 7,7 4,6 13,6 % 73,3 % 8,2 % 4,9 %
1811 12,8 69,0 8,0 4,7 13,6 % 73,0 % 8,4 % 5,0 %
1812 13,2 71,3 8,5 5,0 13,5 % 72,7 % 8,7 % 5,1 %
1813 13,6 73,6 9,1 5,2 13,4 % 72,5 % 8,9 % 5,2 %
1814 14,1 76,2 9,7 5,5 13,4 % 72,2 % 9,2 % 5,2 %
1815 14,8 80,3 10,5 5,9 13,3 % 72,0 % 9,4 % 5,3 %
1816 15,6 84,7 11,5 6,3 13,2 % 71,7 % 9,7 % 5,4 %
1817 16,1 87,5 12,3 6,7 13,1 % 71,4 % 10,0 % 5,4 %
1818 16,8 91,6 13,2 7,1 13,0 % 71,2 % 10,3 % 5,5 %
1819 17,2 93,8 14,0 7,4 13,0 % 70,9 % 10,6 % 5,6 %
1820 17,3 94,6 14,5 7,5 12,9 % 70,6 % 10,8 % 5,6 %
1821 17,8 97,8 15,4 7,9 12,8 % 70,4 % 11,1 % 5,7 %
1822 17,8 98,0 15,8 8,0 12,8 % 70,2 % 11,3 % 5,7 %
1823 17,9 98,4 16,3 8,2 12,7 % 69,9 % 11,6 % 5,8 %
1824 17,6 97,3 16,5 8,2 12,6 % 69,7 % 11,8 % 5,9 %
1825 17,9 98,9 17,2 8,4 12,5 % 69,5 % 12,1 % 5,9 %
1826 18,1 100,2 17,9 8,7 12,5 % 69,2 % 12,3 % 6,0 %
1827 18,2 101,4 18,5 8,9 12,4 % 69,0 % 12,6 % 6,0 %
1828 18,1 100,9 18,8 8,9 12,3 % 68,8 % 12,8 % 6,1 %
1829 18,3 102,4 19,5 9,2 12,3 % 68,5 % 13,1 % 6,1 %
1830 18,3 102,5 20,0 9,3 12,2 % 68,3 % 13,3 % 6,2 %
1831 18,6 104,4 20,9 9,7 12,1 % 68,0 % 13,6 % 6,3 %
1832 18,7 104,9 21,5 10,0 12,1 % 67,7 % 13,9 % 6,4 %
1833 18,6 104,5 21,9 10,2 12,0 % 67,3 % 14,1 % 6,5 %
1834 18,6 104,4 22,4 10,4 11,9 % 67,0 % 14,4 % 6,7 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
162
Quadro 69 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1835 a 1869)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1835 18,5 104,1 22,9 10,6 11,8 % 66,7 % 14,7 % 6,8 %
1836 18,5 104,7 23,5 10,8 11,8 % 66,4 % 14,9 % 6,9 %
1837 18,6 105,1 24,2 11,1 11,7 % 66,1 % 15,2 % 7,0 %
1838 18,5 105,0 24,7 11,3 11,6 % 65,8 % 15,5 % 7,1 %
1839 19,0 107,9 25,9 11,8 11,5 % 65,6 % 15,8 % 7,2 %
1840 19,5 111,2 27,3 12,4 11,5 % 65,3 % 16,0 % 7,3 %
1841 20,0 114,3 28,6 12,9 11,4 % 65,0 % 16,3 % 7,3 %
1842 20,1 115,3 29,4 13,2 11,3 % 64,8 % 16,5 % 7,4 %
1843 20,2 115,9 30,1 13,5 11,2 % 64,5 % 16,7 % 7,5 %
1844 20,1 115,7 30,5 13,7 11,2 % 64,3 % 17,0 % 7,6 %
1845 20,1 115,8 31,1 13,9 11,1 % 64,0 % 17,2 % 7,7 %
1846 20,0 115,4 31,6 14,1 11,1 % 63,7 % 17,4 % 7,8 %
1847 20,0 115,1 32,1 14,3 11,0 % 63,4 % 17,7 % 7,9 %
1848 19,8 114,2 32,4 14,4 11,0 % 63,2 % 17,9 % 7,9 %
1849 19,7 113,7 32,9 14,5 10,9 % 62,9 % 18,2 % 8,0 %
1850 19,9 114,4 33,7 14,8 10,9 % 62,6 % 18,4 % 8,1 %
1851 19,7 113,5 34,0 14,9 10,8 % 62,3 % 18,7 % 8,2 %
1852 19,4 111,9 34,1 14,9 10,8 % 62,0 % 18,9 % 8,3 %
1853 19,2 110,6 34,3 15,0 10,7 % 61,7 % 19,2 % 8,4 %
1854 19,1 109,5 34,6 15,1 10,7 % 61,5 % 19,4 % 8,4 %
1855 19,0 109,0 35,0 15,2 10,6 % 61,2 % 19,7 % 8,5 %
1856 18,0 108,0 35,3 15,3 10,2 % 61,2 % 20,0 % 8,7 %
1857 17,8 107,1 35,6 15,4 10,1 % 60,9 % 20,2 % 8,7 %
1858 17,7 106,2 35,9 15,5 10,1 % 60,6 % 20,5 % 8,8 %
1859 17,5 105,2 36,2 15,6 10,0 % 60,3 % 20,7 % 8,9 %
1860 17,3 103,9 36,4 15,6 10,0 % 60,0 % 21,0 % 9,0 %
1861 16,9 99,6 35,4 14,8 10,1 % 59,8 % 21,2 % 8,9 %
1862 16,6 96,1 34,7 14,2 10,3 % 59,5 % 21,4 % 8,8 %
1863 16,2 92,1 33,7 13,5 10,4 % 59,2 % 21,7 % 8,7 %
1864 15,9 88,3 32,8 12,8 10,6 % 58,9 % 21,9 % 8,6 %
1865 15,6 84,9 32,1 12,2 10,8 % 58,6 % 22,2 % 8,4 %
1866 15,3 81,6 31,4 11,6 10,9 % 58,3 % 22,4 % 8,3 %
1867 15,0 78,3 30,7 11,0 11,1 % 58,0 % 22,7 % 8,2 %
1868 14,7 75,2 29,9 10,5 11,3 % 57,7 % 23,0 % 8,0 %
1869 14,4 72,1 29,3 9,9 11,5 % 57,3 % 23,3 % 7,9 %

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
163
Quadro 70 – Pernambuco. População cativa estimada, por região (1870 a 1900)
ZONA DA ZONA DA
RECIFE AGRESTE SERTÃO RECIFE AGRESTE SERTÃO
MATA MATA
1870 14,2 69,3 28,7 9,4 11,7 % 57,0 % 23,6 % 7,8 %
1871 13,9 66,2 27,9 8,9 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1872 12,9 61,2 25,8 8,2 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1873 12,7 60,3 25,4 8,1 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1874 12,5 59,3 25,0 8,0 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1875 12,3 58,4 24,7 7,8 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1876 12,1 57,5 24,3 7,7 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1877 11,9 56,6 23,9 7,6 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1878 11,7 55,7 23,5 7,5 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1879 11,5 54,9 23,2 7,4 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1880 11,4 54,1 22,8 7,3 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1881 11,2 53,2 22,5 7,1 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1882 11,0 52,6 22,2 7,1 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1883 10,9 51,8 21,9 7,0 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1884 10,7 51,0 21,5 6,9 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1885 10,6 50,2 21,2 6,7 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1886 10,3 49,1 20,7 6,6 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1887 5,1 24,3 10,2 3,3 11,9 % 56,6 % 23,9 % 7,6 %
1888 0,0 0,0 0,0 0,0
1889
1890
1891
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1900

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
164
ANEXO 5 – FLUXOS DEMOGRÁFICOS ESTIMADOS.
POPULAÇÃO LIVRE

(em milhares de habitantes)

Quadro 71 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1800 a 1834)


NASCI- CRESC.
ÓBITOS IMIGRAÇÃO MIGRAÇÃO ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO

1800
1801 9,19 -5,06 4,13 0,14 -0,30 0,08 4,05
1802 9,43 -5,20 4,24 0,15 -0,31 0,09 4,16
1803 9,68 -5,33 4,35 0,15 -0,32 0,09 4,27
1804 9,94 -5,47 4,46 0,15 -0,33 0,09 4,38
1805 10,20 -5,62 4,58 0,15 -0,33 0,09 4,49
1806 10,47 -5,77 4,70 0,16 -0,34 0,09 4,61
1807 10,75 -5,92 4,83 0,16 -0,35 0,10 4,73
1808 11,03 -6,07 4,95 0,16 -0,36 0,10 4,85
1809 11,32 -6,23 5,08 0,16 -0,37 0,09 4,97
1810 11,62 -6,40 5,22 0,16 -0,38 0,09 5,09
1811 11,92 -6,57 5,35 0,17 -0,39 0,09 5,22
1812 12,23 -6,74 5,50 0,17 -0,40 0,09 5,36
1813 12,56 -6,92 5,64 0,17 -0,41 0,10 5,50
1814 12,88 -7,10 5,79 0,17 -0,42 0,10 5,64
1815 13,22 -7,28 5,94 0,18 -0,43 0,11 5,79
1816 13,58 -7,47 6,11 0,18 -0,45 0,11 5,95
1817 13,94 -7,67 6,27 0,18 -0,46 0,12 6,11
1818 14,31 -7,87 6,43 0,18 -0,47 0,12 6,27
1819 14,68 -8,08 6,60 0,19 -0,48 0,13 6,44
1820 15,07 -8,29 6,78 0,19 -0,49 0,13 6,60
1821 15,47 -8,51 6,96 0,19 -0,51 0,13 6,77
1822 15,87 -8,73 7,14 0,19 -0,52 0,14 6,95
1823 16,29 -8,96 7,33 0,20 -0,53 0,14 7,13
1824 16,72 -9,20 7,52 0,20 -0,55 0,14 7,31
1825 17,15 -9,44 7,72 0,20 -0,56 0,14 7,50
1826 17,60 -9,69 7,92 0,21 -0,58 0,14 7,69
1827 18,07 -9,94 8,12 0,21 -0,59 0,14 7,89
1828 18,54 -10,20 8,34 0,21 -0,61 0,15 8,09
1829 19,02 -10,47 8,56 0,21 -0,62 0,15 8,29
1830 19,52 -10,74 8,78 0,22 -0,64 0,15 8,51
1831 21,52 -11,02 10,50 0,22 -0,66 0,15 10,21
1832 22,18 -15,46 6,72 0,22 -0,68 0,15 6,42
1833 22,59 -13,62 8,97 0,23 -0,69 0,16 8,66
1834 23,15 -13,91 9,25 0,23 -0,71 0,16 8,92

Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos; Imigração = Entradas líquidas de imigrantes

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
165
estrangeiros; Migração = Saídas líquidas para outras províncias.

Quadro 72 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1834 a 1869)


NASCI- CRESC.
ÓBITOS IMIGRAÇÃO MIGRAÇÃO ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO

1835 23,73 -12,15 11,57 0,23 -0,72 0,16 11,24


1836 24,45 -12,52 11,93 0,24 -0,75 0,16 11,57
1837 25,20 -12,90 12,29 0,24 -0,77 0,16 11,92
1838 25,96 -13,30 12,67 0,24 -0,79 0,16 12,28
1839 26,75 -13,70 13,05 0,25 -0,82 0,16 12,64
1840 27,57 -14,12 13,45 0,25 -0,84 0,16 13,02
1841 28,41 -14,55 13,86 0,25 -0,87 0,17 13,41
1842 29,27 -14,99 14,28 0,25 -0,89 0,18 13,82
1843 30,16 -15,45 14,72 0,26 -0,92 0,18 14,23
1844 31,08 -15,92 15,16 0,26 -0,95 0,18 14,66
1845 32,02 -16,40 15,62 0,27 -0,98 0,18 15,09
1846 27,08 -15,88 11,20 0,27 -1,01 0,18 10,64
1847 27,64 -16,21 11,43 0,27 -1,03 0,18 10,86
1848 28,21 -16,54 11,67 0,28 -1,05 0,18 11,08
1849 28,80 -16,89 11,91 0,28 -1,07 0,18 11,30
1850 29,40 -17,24 12,16 0,28 -1,09 0,18 11,53
1851 30,00 -17,59 12,41 0,29 -1,12 0,18 11,77
1852 30,63 -17,96 12,67 0,29 -1,14 0,18 12,00
1853 31,26 -18,33 12,93 0,30 -1,16 0,18 12,25
1854 31,91 -18,71 13,20 0,30 -1,19 0,18 12,49
1855 32,57 -19,10 13,47 0,30 -1,21 0,18 12,74
1856 33,24 -22,27 10,97 0,31 -1,24 0,18 10,22
1857 33,78 -20,08 13,71 0,31 -1,26 0,18 12,94
1858 34,47 -20,38 14,09 0,32 -1,28 0,18 13,30
1859 35,17 -20,79 14,38 0,32 -1,31 0,18 13,57
1860 35,89 -21,04 14,85 0,33 -1,33 0,17 14,01
1861 33,25 -22,57 10,68 0,33 -8,06 0,17 3,12
1862 33,40 -20,18 13,22 0,33 -8,10 0,17 5,62
1863 33,67 -20,34 13,33 0,34 -8,16 0,16 5,66
1864 33,95 -20,51 13,44 0,34 -8,23 0,16 5,70
1865 34,22 -20,67 13,55 0,34 -8,30 0,15 5,74
1866 34,50 -20,84 13,65 0,35 -8,36 0,14 5,78
1867 34,77 -21,01 13,76 0,35 -8,43 0,14 5,83
1868 35,05 -21,18 13,88 0,36 -8,50 0,14 5,87
1869 35,33 -21,35 13,99 0,36 -8,57 0,13 5,91
Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos; Imigração = Entradas líquidas de imigrantes
estrangeiros; Migração = Saídas líquidas para outras províncias.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
166
Quadro 73 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População livre (1870 a 1900)
NASCI- CRESC.
ÓBITOS IMIGRAÇÃO MIGRAÇÃO ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO

1870 35,62 -21,52 14,10 0,36 -8,64 0,13 5,95


1871 35,90 -21,69 14,21 0,37 -8,71 0,12 6,00
1872 36,19 -21,87 14,33 0,37 -8,77 0,12 6,04
1873 34,96 -20,52 14,44 0,34 -5,20 0,11 9,69
1874 35,41 -20,78 14,62 0,34 -5,27 0,11 9,81
1875 35,86 -21,05 14,81 0,35 -5,34 0,10 9,93
1876 36,31 -21,32 15,00 0,35 -5,40 0,10 10,05
1877 36,78 -22,35 14,43 0,36 -5,47 0,10 9,42
1878 37,21 -22,22 14,99 0,36 -5,54 0,10 9,91
1879 37,67 -22,30 15,37 0,37 -5,60 0,10 10,23
1880 38,14 -22,38 15,75 0,37 -5,67 0,10 10,54
1881 38,62 -22,67 15,95 0,37 -5,75 0,10 10,68
1882 39,11 -22,96 16,16 0,38 -5,82 0,09 10,81
1883 39,61 -23,25 16,36 0,38 -5,89 0,09 10,94
1884 40,11 -23,55 16,57 0,39 -5,97 0,09 11,08
1885 40,62 -23,84 16,78 0,40 -6,04 0,09 11,22
1886 41,14 -24,15 16,99 0,40 -6,12 0,64 11,91
1887 41,69 -24,47 17,22 0,41 -6,20 42,58 54,00
1888 44,17 -25,93 18,24 0,41 -6,57 42,85 54,93
1889 46,70 -27,41 19,29 0,42 -6,95 0,00 12,76
1890 47,29 -27,75 19,53 0,09 -7,04 0,00 12,59
1891 45,78 -26,01 19,77 0,50 -6,64 0,00 13,63
1892 46,38 -26,35 20,03 0,57 -6,73 0,00 13,87
1893 46,99 -26,70 20,29 0,65 -6,81 0,00 14,13
1894 47,62 -27,05 20,56 0,74 -6,91 0,00 14,40
1895 48,25 -27,41 20,83 0,85 -7,00 0,00 14,68
1896 48,89 -27,78 21,11 0,97 -7,09 0,00 15,00
1897 49,55 -28,16 21,40 1,12 -7,19 0,00 15,33
1898 50,23 -28,54 21,69 1,30 -7,28 0,00 15,70
1899 50,92 -28,93 21,99 1,50 -7,38 0,00 16,11
1900 51,63 -29,33 22,29 1,74 -7,49 0,00 16,55
Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos; Imigração = Entradas líquidas de imigrantes
estrangeiros; Migração = Saídas líquidas para outras províncias.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
167
A N E X O 6 – F L U X O S D E M O G R Á F I C O S E S T I M A D O S.
P O P U L A Ç Ã O C AT I VA

Quadro 74 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1800 a 1834)


TRÁFICO
NASCI- CRESC. TRÁFICO
ÓBITOS INTERPROVINC ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO AFRICANO
IAL

1800
1801 1,59 -3,30 -1,71 4,66 0,00 -0,08 2,86
1802 1,65 -3,42 -1,77 4,69 0,00 -0,09 2,83
1803 1,70 -3,53 -1,83 3,74 0,00 -0,09 1,82
1804 1,74 -3,60 -1,87 4,77 0,00 -0,09 2,81
1805 1,79 -3,72 -1,93 3,22 0,00 -0,09 1,20
1806 1,81 -3,76 -1,95 4,44 0,00 -0,09 2,40
1807 1,86 -3,86 -2,00 1,57 0,00 -0,10 -0,53
1808 1,85 -3,84 -1,99 1,01 0,00 -0,10 -1,08
1809 1,83 -3,80 -1,97 0,97 0,00 -0,09 -1,09
1810 1,81 -3,75 -1,95 1,95 0,00 -0,09 -0,09
1811 1,81 -3,75 -1,94 2,86 0,00 -0,09 0,82
1812 1,82 -3,78 -1,96 5,51 0,00 -0,09 3,45
1813 1,89 -3,92 -2,03 5,71 0,00 -0,10 3,58
1814 1,96 -4,06 -2,11 6,12 0,00 -0,10 3,91
1815 2,03 -4,22 -2,19 8,31 0,00 -0,11 6,01
1816 0,91 -4,46 -3,55 10,29 0,00 -0,11 6,63
1817 0,97 -4,73 -3,76 8,31 0,00 -0,12 4,43
1818 1,00 -4,90 -3,90 10,16 0,00 -0,12 6,13
1819 1,05 -5,15 -4,10 7,85 0,00 -0,13 3,63
1820 1,08 -5,29 -4,21 5,96 0,00 -0,13 1,62
1821 1,10 -5,36 -4,26 9,42 0,00 -0,13 5,02
1822 1,14 -5,56 -4,42 5,26 0,00 -0,14 0,70
1823 1,14 -5,59 -4,44 5,68 0,00 -0,14 1,09
1824 1,15 -5,63 -4,48 3,54 0,00 -0,14 -1,08
1825 1,14 -5,59 -4,44 7,36 0,00 -0,14 2,78
1826 1,16 -5,70 -4,53 7,03 0,00 -0,14 2,35
1827 1,18 -5,79 -4,61 6,98 0,00 -0,14 2,23
1828 1,20 -5,88 -4,68 4,49 0,00 -0,15 -0,33
1829 1,20 -5,87 -4,67 7,59 0,00 -0,15 2,77
1830 1,22 -5,98 -4,76 5,48 -0,04 -0,15 0,53
1831 5,25 -5,25 0,00 3,70 -0,05 -0,15 3,50
1832 5,37 -5,77 -0,40 2,20 -0,06 -0,15 1,59
1833 5,43 -5,70 -0,27 0,59 -0,07 -0,16 0,09
1834 5,43 -5,56 -0,13 0,91 -0,08 -0,16 0,55
Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
168
Quadro 75 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1834 a 1869)
TRÁFICO
NASCI- CRESC. TRÁFICO
ÓBITOS INTERPROVINC ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO AFRICANO
IAL

1835 5,45 -5,45 0,00 0,59 -0,09 -0,16 0,34


1836 5,46 -5,46 0,00 1,74 -0,10 -0,16 1,48
1837 5,51 -5,51 0,00 1,62 -0,15 -0,16 1,31
1838 5,56 -5,56 0,00 0,91 -0,20 -0,16 0,55
1839 5,58 -5,58 0,00 5,61 -0,25 -0,16 5,20
1840 5,76 -5,76 0,00 6,00 -0,04 -0,16 5,79
1841 5,96 -5,96 0,00 5,55 -0,04 -0,17 5,35
1842 6,15 -6,15 0,00 2,58 -0,11 -0,18 2,29
1843 6,23 -6,23 0,00 1,94 -0,16 -0,18 1,61
1844 6,29 -6,29 0,00 0,72 -0,17 -0,18 0,37
1845 6,30 -6,30 0,00 1,49 -0,43 -0,18 0,88
1846 5,92 -6,33 -0,41 1,10 -0,23 -0,18 0,28
1847 5,93 -6,34 -0,41 1,08 -0,17 -0,18 0,31
1848 5,94 -6,35 -0,41 0,00 -0,05 -0,18 -0,65
1849 5,92 -6,33 -0,41 0,45 0,15 -0,18 0,01
1850 5,92 -6,33 -0,41 2,30 0,17 -0,18 1,88
1851 5,98 -6,40 -0,42 0,35 -0,39 -0,18 -0,64
1852 5,96 -6,37 -0,42 0,00 -1,11 -0,18 -1,71
1853 5,90 -6,31 -0,41 0,00 -0,62 -0,18 -1,22
1854 5,86 -6,27 -0,41 0,00 -0,38 -0,18 -0,97
1855 5,83 -6,24 -0,41 0,20 0,33 -0,18 -0,06
1856 5,83 -7,05 -1,22 0,00 -0,10 -0,18 -1,50
1857 5,78 -6,18 -0,40 0,00 -0,17 -0,18 -0,75
1858 5,75 -6,16 -0,40 0,00 -0,08 -0,18 -0,66
1859 5,73 -6,13 -0,40 0,00 -0,09 -0,18 -0,67
1860 5,71 -6,11 -0,40 0,00 -0,77 -0,17 -1,34
1861 5,20 -6,10 -0,91 0,00 -5,42 -0,17 -6,50
1862 5,00 -5,83 -0,83 0,00 -4,09 -0,17 -5,09
1863 4,85 -5,66 -0,81 0,00 -5,05 -0,16 -6,02
1864 4,67 -5,45 -0,78 0,00 -4,86 -0,16 -5,80
1865 4,49 -5,24 -0,75 0,00 -4,09 -0,15 -4,98
1866 4,34 -5,07 -0,72 0,00 -4,10 -0,14 -4,96
1867 4,20 -4,89 -0,70 0,00 -4,00 -0,14 -4,84
1868 4,05 -4,73 -0,68 0,00 -3,90 -0,14 -4,71
1869 3,91 -4,56 -0,65 0,00 -3,73 -0,13 -4,51
Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
169
Quadro 76 – Pernambuco. Fluxos demográficos estimados. População cativa (1870 a 1900)
TRÁFICO
NASCI- CRESC. TRÁFICO
ÓBITOS INTERPROVINC ALFORRIAS TOTAL
MENTOS VEGETATIVO AFRICANO
IAL

1870 3,77 -4,40 -0,63 0,00 -3,40 -0,13 -4,15


1871 3,65 -4,26 -0,61 0,00 -3,97 -0,12 -4,70
1872 -4,09 -4,09 0,00 -4,59 -0,12 -8,80
1873 -1,62 -1,62 0,00 0,05 -0,11 -1,68
1874 -1,60 -1,60 0,00 0,05 -0,11 -1,65
1875 -1,57 -1,57 0,00 0,05 -0,10 -1,63
1876 -1,55 -1,55 0,00 0,05 -0,10 -1,60
1877 -1,52 -1,52 0,00 0,06 -0,10 -1,56
1878 -1,50 -1,50 0,00 0,08 -0,10 -1,52
1879 -1,48 -1,48 0,00 0,11 -0,10 -1,47
1880 -1,46 -1,46 0,00 0,07 -0,10 -1,49
1881 -1,43 -1,43 0,00 0,03 -0,10 -1,50
1882 -1,41 -1,41 0,00 0,32 -0,09 -1,19
1883 -1,39 -1,39 0,00 0,16 -0,09 -1,33
1884 -1,37 -1,37 0,00 0,08 -0,09 -1,39
1885 -1,35 -1,35 0,00 0,00 -0,09 -1,44
1886 -1,33 -1,33 0,00 0,00 -0,64 -1,97
1887 -1,30 -1,30 0,00 0,00 -42,58 -43,88
1888 0,00 0,00 0,00 0,00 -42,85 -42,85
1889
1890
1891
1892
1893
1894
1895
1896
1897
1898
1899
1900
Nota: Crescimento vegetativo = Nascimentos menos óbitos.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
170
ANEXO 7 – DESCRIÇÃO DOS CÁLCULOS DO MODELO

1. PERÍODO
1.1.Início 1800; fim: 1900
1.2.Anos-âncora gerais: 1800, 1815, 1830, 1845, 1860, 1872, 1890, 1900
1.3.Anos-âncora para população cativa: de 1872 a 1888

2. REGIÕES
2.1.Recife, Zona da Mata, Agreste e Sertão; Pernambuco = soma das 4 regiões

3. VARIÁVEIS-ESTOQUE
3.1.População em cada região e total (Pernambuco), em cada ano
3.2.População por condição (livre e escrava), em cada região e total (Pernambuco), em cada ano

4. VARIÁVEIS-FLUXO
4.1.ENTRADAS DE POPULAÇÃO LIVRE (em cada região)
4.1.1. Nascimentos
4.1.2. Entradas por imigração estrangeira
4.1.3. Entradas por migração interprovincial
4.1.4. Entradas por migração intraprovincial
4.1.4.1.do Sertão para Agreste
4.1.4.2.do Agreste para a Zona da Mata
4.1.4.3.da Zona da Mata para o Recife
4.1.4.4.do Recife para a Zona da Mata
4.1.4.5.da Zona da Mata para o Agreste
4.1.4.6.do Agreste para o Sertão
4.1.5. Alforriados
4.2.SAÍDAS DE POPULAÇÃO LIVRE (em cada região)
4.2.1. Óbitos
4.2.2. Saídas por migração inter-provicial
4.2.3. Saídas por migração intraprovincial (mesma abertura de 4.1.4)
4.3.ENTRADAS DE POPULAÇÃO CATIVA (em cada região)
4.3.1. Nascimentos
4.3.2. Entradas por importação do exterior
4.3.3. Entradas por tráfico interprovincial
4.3.4. Entradas por migração intraprovincial (mesma abertura de 4.1.4)

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
171
4.4.SAÍDAS DE POPULAÇÃO CATIVA (em cada região)
4.4.1. Óbitos
4.4.2. Saídas por tráfico inter-provicial
4.4.3. Saídas por migração intraprovincial (mesma abertura de 4.1.4)
4.4.4. Alforriados

5. FÓRMULAS DE CÁLCULO
5.1.Variáveis-estoque e variáveis-fluxo referentes a Pernambuco: soma dos respectivos totais em cada
região.
5.2.População de cada região: igual à população do ano anterior mais entradas menos saídas da região;
para os anos-âncora, é igual ao total-âncora.
5.3.Pop. livre e cativa – Nascimentos: calculados pela aplicação da taxa de natalidade (= taxa de
crescimento vegetativo informada mais taxa de mortalidade) à população do ano anterior.
5.4.Pop. livre – Entradas por imigração estrangeira: totais anuais conforme Anexo 5.
5.5.Pop. cativa – Importação: totais conforme Anexo 6. O total entra distribuído por região, conforme
a distribuição total de escravos calculada (parâmetros).
5.6.Pop. livre– Entradas e saídas por migração interprovincial: totais anuais conforme Anexo 5.
5.7.Pop. cativa – Entradas e saídas por tráfico interprovincial: totais anuais conforme Anexo 6.
5.8.Pop. livre e cativa – Entradas por migração intraprovincial: totais que igualem a distribuição
regional à desejada para cada ano, calculada a partir das distribuições nos momentos-âncora.
5.9.Pop. livre e cativa – Saídas por migração intraprovincial: o mesmo do item 5.8.
5.10.Pop. livre e cativa – óbitos regulares: fixados a priori, conforme quadros na seção 10.
5.11.Pop. livre e cativa – óbitos episódicos: totais anuais conforme descrito na seção .
5.12.Pop. cativa – saídas por alforrias: totais anuais Anexo 6.
5.13.Pop. livre – entradas por alforrias: iguais às saídas da população cativa por alforrias.

6. PARÂMETROS
6.1.Distribuição de escravos entrados, por ano (1800-1888): nos anos-âncora = valor determinado; nos
anos intermediários: interpolação aritmética sobre os percentuais.
6.2.Taxas de natalidade e mortalidade são iguais em todas as regiões.

UM S É C U L O D E P E R N A M B U C A N O S M A L C O N TA D O S P.
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